Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:40/13.0BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:05/16/2024
Relator:MARIA ISABEL FERREIRA DA SILVA
Descritores:CPPT- 38º, 39º E 41º DO CPPT.
-NOTIFICAÇÃO DO ATO DE LIQUIDAÇÃO.
-NOTIFICAÇÃO POR CARTA REGISTADA SIMPLES EM VEZ DE CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEÇÃO
Sumário:I- Todas as formalidades procedimentais previstas na lei são essenciais, apenas se degradando em não essenciais se, apesar delas, for atingido o fim que a lei visava alcançar com a sua imposição.
II- Encontrando-nos no domínio da decisão de facto o que importa é que, para lá das formalidades procedimentais que devem constar da notificação, que levam ao conhecimento dos contribuintes determinados atos, se consiga concluir com segurança que o ato que afeta os interesses do contribuinte chegou à sua esfera de conhecimento.
III- Apesar dos documentos dos serviços postais, como o “recibo de aceitação” e “recibo de entrega” de carta registada, previstos nos nºs 2 e 4 do artigo 28º do Regulamento do Serviço Público de Correios, serem documentos idóneos para provar que a carta foi registada, remetida e colocada no alcance do destinatário, na sua falta, pode a notificação ser demonstrada através de outros meios de prova que atestem o conhecimento pelo destinatário, na medida em que estamos perante uma formalidade simplesmente probatória ou “ad probationem.”
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:



I - RELATÓRIO
A impugnante, E………………., Lda (ora recorrente), veio interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, datada de 27.11.2016, que julgou verificada a exceção da caducidade do direito de ação, absolvendo a Fazenda Pública (ora recorrida) da instância.

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A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:
I. A decisão recorrida dá como provada que a liquidação do IRC do ano de 2005 foi notificada a ora recorrente mediante registo simples e não através de carta registada com aviso de recepção.
II. A decisão recorrida considera que «(...) a notificação produziu os efeito legalmente previstos, nomeadamente quando ao inicio do prazo para a impugnação judicial do acto notificado considerando-se a impugnante notificada no 3.° dia posterior ao do registo ou no i. dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil, ou seja em 30/11 /2009, cfr. art.° 39.° do n.° 1 do CPPT»
III. A decisão recorrida faz errada interpretação dos factos, porquanto dos documentos juntos aos autos não resulta que a notificação tenha sido recebida pela impugnante
IV. Efectivamente, os documentos juntos aos autos são "prints" de “um dos sistemas informáticos em uso pela AT" e deles não resulta a prova de que a notificação tenha sido recebido pela impugnante.
V. Dos "prints” juntos aos autos pela AT não resulta a identificação da pessoa que terá assinado o registo simples (nome e identificação) nem a qualidade em que interveio.
VI. O legislador por razões de certeza e segurança jurídica determinou que “as notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências.”
VII. No caso dos autos a notificação do acto tributário controvertido cai na previsão daquela norma legal pelo que se impunha a sua notificação por carta registada com aviso de recepção.
VIII. O aviso de recepção funciona como formalidade “ad probationem” de entrega do documento ao destinatário, ficando a Administração em condições de provar aue o contribuinte recebeu efectivamente a notificação, isto é. aue se cumpriu a garantia constitucional da notificação (cfr. art. 268° n° 3 da CRP),
IX. O aviso de recepção garante a certeza jurídica da cognoscibilidade do acto notificado que não existindo constitui um vicio procedimental por preterição de formalidades essenciais invalidantes do acto impugnado.
X. Não constando dos “prints” a identificação da pessoa que terá assinado o registo simples nem a qualidade em que interveio, mostra-se violado o disposto no n.° 1 do art.0 41.° do CPPT.
XI. Com se decidiu no Acórdão do STA de 22 01 2013, proc 06055/12, ‘Ta/ notificação deverá ser efectuada em nome da própria sociedade, mas tem de ser levada à prática em determinadas pessoas físicas, à semelhança do que sucede no processo civil (cfr.art°.237, do C.P.Civil
XII. Ainda segundo aquele aresto, "A notificação é irregular e inválida, se não se demonstrar, por qualquer meio, que a carta chegou efectivamente ao conhecimento dos seus destinatários
XIII. E continuando a citar, defende-se no acórdão citado que «As formalidades procedimentais previstas na lei são essenciais, apenas se degradando em não essenciais se, apesar delas, for atingido o fim que a lei visava alcançar com a sua imposição.
XIV. Não se cumprindo todas as formalidades da notificação e não se provando que, apesar de elas não terem sido cumpridas, foi atingido o objectivo que se visava alcançar com a notificação, esta é inválida. ).( cfr Acordão do STA de 22 01 2013, proc 06055/12)
XV. Recaindo sobre a Administração Tributária o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária (cfr.art0. 342, n°.l, do C.Civil), designadamente que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir aos destinatários o teor da liquidação, tem de se valorar processualmente a favor dos destinatários da notificação a dúvida sobre estes pontos, o que se reconduz a que tudo se passe, para efeitos do processo, como se tal notificação não tivesse ocorrido (cfr.ac.S.T.A.-2a.Secção, 6/10/2005, rec.500/05; ac.S.T.A.-2a.Secção, 8/9/2010, rec.437/10; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6a. edição, 2011, pág.384) ).( cfr Acórdão do STA de 22 01 2013, proc 06055/12)
XVI. No caso dos autos os documentos "Prints” juntos pela Administração fiscal provam que a notificação não foi efectuada nos termos previstos no n.° 1 do art.° 38.° do CPPT, aplicável ao caso.
XVII. Os documentos juntos aos autos, remetidos por correio registado simples, não provam que o acto de liquidação adicional do IRC tenha sido levado ao conhecimento da impugnante e ora recorrente,
XVIII. Os documentos juntos aos autos não provam que a notificação, legalmente exigida, tenha sido efectuada numa das pessoas dos seus representantes legais,
XIX. Com a notificação remetida por correio sob registo postal simples, mostra-se preterida uma formalidade legal prevista no art°.38, n°.l, no n.° 4 do art.° 39.° e no n.° 1 do art.° 41.° todos do CPPT.
XX. A notificação não produziu efeitos, porquanto a Administração Fiscal não efectuou prova de que o sujeito passivo, apesar da omissão daquelas formalidades, terá tomado conhecimento do teor da liquidação em causa "
XXI. Não se provando que a impugnante tomou conhecimento da liquidação em causa o acto de liquidação não pode produzir efeitos, sendo, por essa razão, acto ineficaz (ac. citado)
XXII. Os vícios invocados constituem assim fundamento invalidante do acto tributário impugnado.
XXIII. A douta sentença de que se recorre, ao decidir como decidiu, violou o disposto no n°.l, do art°.38 e n.° 1 do art.° 41.° do C.P.P.T.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.a Ex.as se dignem julgar procedente o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto acórdão que julgue a impugnação procedente com as consequências legais, assim se fazendo JUSTIÇA”.
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Notificada, a Recorrida não apresentou resposta às alegações.
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Os autos tiveram vista do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos do art. 288.º, n.º 1 do CPPT, o qual emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, nos termos do art. 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, vem o processo à Conferência para julgamento.

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II -QUESTÕES A DECIDIR:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do CPPT).
Nesta conformidade, cabe a este Tribunal apreciar e decidir se:
i. A decisão recorrida padece de vício de erro de julgamento de facto ao ter considerado a decisão recorrida que a liquidação foi recebida pela impugnante, e
ii. Se padece de erro de julgamento de direito por errada interpretação e aplicação dos artigos 38º, 39º e 41º do CPPT.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:


A decisão recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:


“1. A Impugnante foi notificada por carta registada com o n.º de registo …….. de 25/11/2009, do acto de liquidação de IRC n.º ……., como se segue:
[IMAGEM: TEXTO NA ÍNTEGRA NO ORIGINAL]
Cfr. doc. a fls. 49, 148 e fls. Não numeradas dos autos.



2. A Impugnante foi notificada da demonstração da compensação n.º ……. e nota de cobrança por carta registada com o n.º de registo ……….. de 25/11/2009.
Cfr. doc. a fls. não numeradas dos autos.


3. A petição inicial foi enviada ao Serviço de Finanças do Funchal 1, pela Impugnante, em 04/02/2013.
Cfr. doc. a fls. 38 dos autos.

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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:


Analisadas as conclusões de recurso, constatamos que o recorrente centra todo seu inconformismo com a decisão recorrida em duas razões: (1º) – erro de julgamento na apreciação dos factos ao ter considerado que a recorrente havia sido notificada da liquidação de IRC impugnada, e (2º) – erro de julgamento de direito, mercê da errada interpretação dos normativos relativos às notificações vertidos nos artigos 38º, 39º e 41º do CPPT.
Importa antes de mais, de modo a estabilizar a factualidade assente, analisar se a sentença recorrida errou na apreciação de facto, nomeadamente ao considerar que a liquidação lhe foi notificada e que a recorrida conseguiu fazer prova dessa notificação por via dos “prints” que a recorrente alega que constituiram prova dessa notificação.


- Do erro de julgamento na apreciação de facto


Importa primeiramente aferir se estão reunidos os pressupostos para apreciar o erro de julgamento de facto a que alude o artigo 640º do CPC, ex vi artigo 2º al. c) do CPPT.
Os factos são acontecimentos da vida real, não só externos, como internos ou psíquicos.
O apuramento dessas realidades ou acontecimentos é feito à margem da aplicação direta da lei.
Ou seja, a averiguação da factualidade que comprove a existência, ou não existência, de determinado acontecimento (seja por via de documentos, confissões, perícias, etc), não depende da interpretação a dar a nenhuma norma jurídica, implicando, pelo contrário, uma análise que convoca a perceção do julgador perante o acontecimento, a sua (livre) convicção, o que impõe uma valoração objetiva, lógica e percetível, conjugando e articulando criticamente os vários elementos probatórios que lhe são levados pelas partes (ou adquiridos oficiosamente pelo Tribunal), entre si, com amparo na experiência de vida.
Neste percurso avaliativo acerca da existência, ou não, do acontecimento, repousada em elementos de prova que os atestem ou infirmem, o julgador deve evidenciar o caminho que percorreu, por via da motivação, aquilo que decidiu quanto aos factos/acontecimentos (sobre os quais, posteriormente vai fazer repousar a lei), num discurso lógico que permita a sua compreensão, para assim se poder acompanhar ou discordar dessa decisão.
A decisão de facto é posta em causa no recurso, quando, nas conclusões o recorrente questiona a matéria factual, manifestando divergência, quer por insuficiência, excesso, erro; quer por entender que os factos levados ao probatório não estão provados; por considerar que foram esquecidos factos tidos por relevantes; quer porque defende que a prova produzida foi insuficiente; quer, ainda, por divergir nas ilações de facto que se devam retirar daquela mesma factualidade provada (cf. Ac. S.T.A. - 2ª. Secção, 29/9/2010, Rec. 446/10, www.dgsi.pt; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.213 e seg. ).
O artigo 640º do CPC, sob a epígrafe "Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto", consagra, no seu n.º 1, que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
- a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, e
- c) A decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
São estes os ónus primários impostos ao recurso da matéria de facto, na medida em que têm como função delimitar o objeto do recurso, fundando os termos da impugnação.
Por isso, o seu incumprimento determina a imediata rejeição do recurso, ao contrário dos ónus secundários, previstos no n.º 2 do artigo 640º do CPC (relativos à alínea b) do n.º1 do 640º), instrumentais que são do disposto no artigo 662º, o qual regula a modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto pelo Tribunal ad quem, consagrando um efetivo segundo grau de jurisdição no conhecimento das questões de facto.
Na situação colocada, se bem percebemos, o recorrente discorda do ponto 1) da matéria de facto considerada provada pelo Tribunal a quo, na parte em que considerou que o recorrente foi notificado da liquidação impugnada e do acerto de contas.
Apesar de não o referir claramente (que é o ponto 01) dos factos assentes que entende erradamente provado), é essa a conclusão que se retira da análise conjunta do recurso, pois o mesmo afirma que não está feita prova que a notificação da liquidação foi por si recebida (cf. conclusões III), IV), XII) e XVII) do recurso).
A recorrente não questiona a contagem do prazo empreendida pela decisão recorrida para concluir pela intempestividade. O que afronta é o facto de ter considerado o Tribunal a quo, como provado, a sua notificação da liquidação impugnada, entendendo que o Tribunal a quo se bastou com os prints que foram juntos aos autos pela Administração Tributária.
Vejamos então.
No ponto 01) dos factos provados, o Tribunal recorrido considerou que a Administração Tributária remeteu à impugnante, ora recorrida, uma carta registada simples (o que até aqui é incontroverso) com o n.º de registo ……………. de 25/11/2009, contendo a notificação da liquidação de IRC (impugnado), considerando que a mesma (liquidação) foi recebida pela recorrente.
É aqui que centra a recorrente o seu maior inconformismo com o decidido de facto, argumentando que a liquidação não lhe foi notificada, e que a prova produzida é insuficiente por se bastar com meros prints juntos pela recorrida para a prova de tal notificação da liquidação.
Importa, então, aferir se andou bem, ou não, o Tribunal a quo ao considerar que por via da carta registada identificada em 01), contendo a liquidação de IRC ali identificada, a recorrente dela teve ou não conhecimento (sendo “notificada”).
Revisitando o ponto 01) dos factos provados, a primeira conclusão que dali retiramos é que o Tribunal a quo deu por assente aquela factualidade, não com base num “print” (enquanto documento particular da Administração Tributária) junto pela Administração fiscal, mas com base num ofício datado de 25.11.2009, remetido por CTT com o n.º de registo ……………., contendo a liquidação (ali reproduzida por imagem), da qual consta a data da liquidação, número da liquidação, montante do IRC a pagar e os meios de reação.
Também se colhe dos autos e do probatório que a factualidade em causa se apoiou na própria liquidação que havia sido junta aos autos como Doc. 1 pela recorrente.
Com efeito, resulta dos autos que aquela mesma liquidação foi remetida ao processo pela própria recorrente em 13.03.2013, através do requerimento constante de pags. 52/55 do SITAF, onde a mesma refere que junta “…notificação da liquidação de IRC impugnado”.
Ora, foi com base nesse documento de notificação remetido por carta que o Tribunal considerou provado, e em nosso ver bem, que a impugnante, ora recorrente, teve conhecimento, sendo notificada, da liquidação de IRC que impugnou.
Se é a própria impugnante que, por via do requerimento de pags. 52/55 do SITAF, remete aos autos a notificação da liquidação, na sequência do despacho judicial a determinar essa junção, o Tribunal só poderia dar como assente que a mesma (notificação da liquidação) chegou ao seu conhecimento por via de carta registada.
Apesar dos documentos dos serviços postais, como o “recibo de aceitação” e “recibo de entrega” de carta registada, previstos nos nºs 2 e 4 do artigo 28º do Regulamento do Serviço Público de Correios, serem documentos idóneos para provar que a carta foi registada, remetida e colocada no alcance do destinatário, na sua falta, pode a notificação ser demonstrada através de outros meios de prova que atestem o conhecimento pelo destinatário, na medida em que estamos perante uma formalidade simplesmente probatória ou “ad probationem.”
Sumariou-se, a este respeito no acórdão do TCAN de 13.03.2014, tirado do processo nº 00921/09.5BEAVR, o seguinte:
“II- É a administração tributária que tem o ónus de demonstrar que efectuou a notificação de forma correcta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais.
III- O “recibo de aceitação” e o “recibo de entrega” da carta registada pelos serviços postais, previstos nos nºs 2 e 4 do artigo 28º do Regulamento do Serviço Público de Correios são documentos idóneos para provar que a carta foi registada, remetida e colocada no alcance do destinatário.
IV- Trata-se, porém, de uma formalidade simplesmente probatória ou “ad probationem” cuja falta pode ser substituída por outros meios de prova.
V- O registo informático dos mesmos dados de facto em entidades diferentes, o emissor (Administração Tributária) e o distribuidor da carta (CTT), é uma circunstância concreta que, num sistema de livre apreciação das provas, ainda que limitado pelo principio da persuasão racional, justifica suficientemente que se dê como provado que o registo foi efetivamente realizado.” (O destaque é nosso).
A função das notificações é levar ao conhecimento pessoal dos seus destinatários o conteúdo dos atos que lhes digam respeito, por forma a poder reagir administrativamente ou contenciosamente contra os mesmos (Cf. art. 36º nº 1 do CPPT e 268º nº 3 da CRP).
Na situação trazida, resulta provado, efetivamente, que a liquidação foi conhecida pelo impugnante, tendo o mesmo procedido à sua junção aos autos, como se disse, pelo que ficou evidenciado que da mesma conheceu.
Deste modo, improcede o erro na apreciação e valoração que foi feita pelo Tribunal a quo quanto à factualidade respeitante à prova da “notificação” da liquidação à recorrente.


- Do erro de julgamento de Direito
O segundo pomo de discórdia da recorrente prende-se com entendimento tido pelo Tribunal a quo ao considerar que ocorreu a notificação válida da liquidação, quando esta foi feita através de carta registada simples em vez de carta registada com aviso de receção, sendo esta modalidade que assegura a cognoscibilidade por parte do notificando.
O dever de notificação, por parte da Administração Tributária, deve reunir alguns requisitos essenciais, nomeadamente, a pessoalidade e a efetiva cognoscibilidade do ato ao notificando.
Os artigos 38º e 39º do CPPT e o artigo 28º do Regulamento do Serviço Público de Correios (RSPC), aprovado pelo DL nº 176/88 de 18/5, informam o modo geral como deve ser feita, formalmente, a notificação: (i) a emissão de uma carta (que incorpora o ato tributário), (ii) o registo nos serviços postais; (iii) e a entrega no domicílio fiscal do respetivo destinatário, que deve ser comprovada.
Em princípio, do ponto de vista formal, estes atos colocam a informação ao alcance do contribuinte, fazendo depender o respetivo conhecimento exclusivamente da sua vontade.
O que importa é que, para lá das formalidades procedimentais que devem constar da notificação, que leva ao conhecimento do contribuinte determinado ato, se consiga concluir com segurança que o ato que afeta os interesses do mesmo chegou à sua esfera de conhecimento.
O dever de notificação por parte da Administração Tributária, deve reunir alguns requisitos essenciais, nomeadamente, a pessoalidade e a efetiva cognoscibilidade do ato ao notificando (Vd. Acórdão do Tribunal Constitucional de 11/2/2009, processo nº 916/2007).
Visto isto, tendo o ofício para notificação chegado à esfera de conhecimento da recorrente, tendo ficado provado que a mesma foi notificada da liquidação, não obstante ter sido por carta simples em vez de registada com aviso de receção, tal não se pode sobrepor ao facto de ter ficado demonstrado que a notificação da liquidação chegou à sua esfera de conhecimento.
Por assim ser, sendo a notificação condição de eficácia do ato notificado, a mesma, in casu, é eficaz, tendo produzido todos os seus efeitos – cf. artigo 36º nº 1 do CPPT e 77º nº 6 da LGT.
Nas suas alegações recursivas, entende a recorrente, ainda, que a invalidade da notificação por não ser feita por carta registada tem efeitos invalidantes do próprio ato de liquidação (ato notificado).
Não é assim, não só por tudo que adiantamos quanto à cognoscibilidade que teve do ato, como também pelo facto de que as invalidades que afetem os atos de notificação não afetam a validade deste por lhe serem exteriores.
Uma coisa é a notificação e outra é o ato notificado.
O ato de notificação distingue-se do ato tributário que por via dela é comunicado.
A este respeito, refere Jorge Lopes de Sousa, reportando-se às deficiências que afetam a validade da notificação refere que as mesmas “não afetam a validade do acto notificado” – In, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Jorge Lopes de Sousa, Anotado e comentado, 6.ª Edição, Volume I, Áreas Editora, pág. 345.
Diz ainda aquele autor, e bem o refere a decisão recorrida, que: “A não observância da forma de notificação exigida constituirá uma irregularidade que não afectará o valor da notificação, desde que se comprove que ela foi efectivamente efectuada, pois as formalidades processuais são meios de garantir objectivos e não finalidades em si mesmas. Por isso, sempre que seja atingido o objectivo, serão irrelevantes as irregularidades, considerando-se sanada a deficiência.” – In, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Jorge Lopes de Sousa, Anotado e comentado, 6.ª Edição, Volume I, Áreas Editora, pág. 375.
Consultemos agora a decisão recorrida.
Na decisão posta em crise, o Tribunal recorrido disse o seguinte, para concluir pela reação intempestiva contra a liquidação:
“(…) Quanto à notificação do acto de liquidação:
Notificada para o efeito, a Impugnante juntou aos autos a notificação do acto de liquidação impugnado o que demonstra de forma inequívoca que a notificação chegou à sua esfera de cognoscibilidade.
Por outro lado, a Fazenda Pública juntou aos autos documentos que evidenciam os números de registo CTT das cartas enviadas referentes ao acto de liquidação e da demonstração de compensação e nota de cobrança, …………… e ………………., respectivamente.
A Impugnante na petição inicial não coloca em causa a notificação do acto de liquidação adicional de IRC, alega outrossim a falta de notificação do acto tributário que fixou o valor patrimonial tributário (VPT) do prédio inscrito na matriz sob o n.º ………….. .
Em sede de contraditório sobre os documentos juntos pela Fazenda Pública vem alegar que os mesmos não provam que a liquidação impugnada lhe tenha sido válida e eficazmente notificada, invocando ainda a preterição da formalidade legal prevista no art. 39.º, n.º 4, do CPPT, concluindo que a mesma não produz efeitos, por ineficaz.
As razões da discordância da Impugnante quanto à notificação do acto de liquidação assentam na falta de um requisito formal da notificação.
O acto de liquidação adicional de IRC impugnado concretiza uma situação de alteração da situação tributária do sujeito passivo e como tal encontra-se sujeito ao regime de notificação previsto no art.38.º, n.º 1, do CPPT, ou seja, de notificação por carta registada com aviso de recepção
No entanto, o acto impugnado foi notificado mediante registo simples e não através de carta registada com aviso de recepção.
Contudo, a inobservância da forma prevista para a notificação constitui uma irregularidade processual, que se considerará sanada se não tiver afectado os direitos de defesa do notificado, nomeadamente quando se demonstre que a notificação foi, por ele, efectiva e atempadamente recebida.
Diz-nos a doutrina especializada quanto à sanação da irregularidade da não observância da forma de notificação legalmente exigida “A não observância da forma de notificação exigida constituirá uma irregularidade que não afectará o valor da notificação, desde que se comprove que ela foi efectivamente efectuada, pois as formalidades processuais são meios de garantir objectivos e não finalidades em si mesmas. Por isso, sempre que seja atingido o objectivo, serão irrelevantes as irregularidades, considerando-se sanada a deficiência.”, vide Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e comentado, 6.ª Edição, Volume I, Áreas Editora, pág. 375.
No caso dos autos, tendo o acto de liquidação chegado ao conhecimento da Impugnante a irregularidade praticada em nada afectou os direitos de defesa da mesma.
Precise-se que a Impugnante demonstrou claramente o conhecimento do acto e, na petição inicial, em momento algum imputa irregularidades ou vícios ao acto de notificação da liquidação.
Pelo que a notificação produziu os efeitos legalmente previstos, nomeadamente quanto ao início do prazo para a impugnação judicial do acto notificado, considerando-se a Impugnante notificada no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil, ou seja, em 30/11/2009, cfr. art. 39.º, n.º 1, do CPPT.
(…)”
Como resulta de tudo que fomos expondo, concordamos com o assim decidido pelo Tribunal a quo.
Na situação trazida a notificação da liquidação foi feita por carta registada simples e não por carta registada com aviso de receção como previsto no artigo 38º nº 1 do CPPT (por se tratar, a liquidação do IRC, de ato suscetível de alterar a situação do contribuinte).
Contudo, apesar de ter sido notificada a liquidação por carta registada simples em vez de carta registada com aviso de receção, o certo é que decorre dos autos e do probatório que a liquidação questionada chegou à esfera de conhecimento da recorrente, tornando-se por isso eficaz, na medida em que, a partir dali iniciou a produção de efeitos.
Mesmo que a notificação da liquidação não fosse feita por carta registada com aviso de receção, ao ter sido conseguida a mesma por outra via, essa formalidade decorrente da exigência de carta registada com aviso de receção é uma formalidade que se degrada em mera irregularidade, pois o que importa é o conhecimento efetivo pelo destinatário do ato notificado.
Porém, para a recorrente, foram afrontados, também, os artigos 39º e 41º do CPPT, o que não podemos acompanhar.
Tendo ocorrido a notificação por carta registada, o artigo 39º (Perfeição das notificações) do CPPT, faz atuar a presunção (ilidível) de que a notificação se completa no terceiro dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil, tendo o Tribunal a quo consignado que se concretizou em 30.11.2009.
Ora, a carta para notificação da liquidação não foi devolvida (até porque foi remetida aos autos pela recorrente), pelo que bem andou o Mº Juiz ao concluir que ocorreu em 30.11.2009, não tendo a recorrente sequer alegado que tenha ocorrido noutra data.
A presunção da notificação vale para os casos em que a carta não é devolvida, como se pressupõe do nº 2 do artigo 39º do CPPT, donde decorre a admissibilidade de ser ilidida a presunção da notificação, através da demonstração de que a notificação ocorreu em data posterior à presumida e já não quando a notificação não tiver ocorrido.
Deste modo, não se vê que tenha sido errada a interpretação do estabelecido neste normativo.
Para a recorrente, a decisão recorrida também erra na aplicação do artigo 41º nº 1 do CPPT, por não estar identificada a pessoa que assina a notificação.
O nº 1 do artigo 41º (Notificação ou citação das pessoas coletivas ou sociedades), estabelece que as pessoas coletivas e sociedades são citadas ou notificadas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem.
Todas as formalidades das notificações têm na mira assegurar que os atos que são levados ao conhecimento dos destinatários sejam por eles conhecidos, de modo a poderem reagir contra os mesmos, se assim o entenderem.
Por ser assim, há exigências impostas pelo legislador para alcançar essa cognoscibilidade, como seja o envio da carta para o domicílio, a identificação da pessoa a notificar, etc (cf artigo 36º e 37º do CPPT), por forma a poder concluir-se pela efetiva entrega ou entrega presumida e bem assim eficácia dos atos tributários.
Porém, se a entrega da notificação contendo o ato é conseguida e admitida pelo notificando, como in casu, torna-se inócuo demonstrar quem foi a pessoa que assinou ou recebeu a notificação, quando o que importa é atestar que ela se concretizou e chegou ao seu destinatário.
Como se avançou já, e decorre também das próprias alegações recursivas (vd conclusão VIII, IX, XII e XII), citando jurisprudência do STA, que, as formalidades essenciais das notificações ficam degradadas e sanadas se se concluir, através de outros meios probatórios, que o ato notificado chegou ao conhecimento do destinatário.
Foi precisamente o que aconteceu na situação que nos é colocada, consoante se explanou.
Tal como se disse no Acórdão do STA de 06.10.2005, processo nº 500/05, diremos nós também que: “Todas as formalidades procedimentais previstas na lei são essenciais, apenas se degradando em não essenciais se, apesar delas, for atingido o fim que a lei visava alcançar com a sua imposição”.
Nesta conformidade, terá de naufragar, também, o vício de erro de julgamento de direito apontado à decisão recorrida.
Volvidos aqui, assuma a conclusão de que o recurso terá de improceder, sendo de manter a decisão recorrida.

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No que respeita a custas, considerando o princípio da causalidade vertido no artigo 122º nº 2 do CPPT e bem assim no 527º nº 1 e 2 do CPC, as custas ficam a cargo da recorrente por ser parte vencida.
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IV- DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
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Lisboa, 16 de maio de 2024

Isabel Silva
(Relatora)
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Sara Diegas
(1ª adjunta)
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Ana Cristina Carvalho
(2ª adjunta)
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