Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 490/06.8BECTB |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 02/16/2023 |
Relator: | SUSANA BARRETO |
Descritores: | IVA TRANSMISSÃO DE BENS ATIVIDADE INDEPENDENTE |
Sumário: | I - Em regra, a transmissão de bens, entendida esta como a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, está sujeita a tributação em sede de IVA (nº 1 do artigo 3º CIVA). II - O nº 4 do artigo 3º CIVA exclui determinadas operações do conceito de transmissão de bens. Para que uma operação se enquadre no âmbito desta norma de delimitação negativa de incidência do imposto, exige-se a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (i) cessão a título oneroso ou gratuito; (ii) do estabelecimento comercial ou industrial, ou da totalidade de um património ou de parte dele; (iii) que seja suscetível de constituir um ramo de atividade independente; (iv) desde que o adquirente seja um sujeito passivo do imposto, ou o venha a ser pelo facto da aquisição. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | I - Relatório A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por, G…, contra os atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), e respetivos juros compensatórios, respeitantes ao exercício de 2004, no valor global de € 49 740,32, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul. Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente, formula as seguintes conclusões: «Assim, nos termos dos artigos 685°-A e 685°-B do Código de Processo Civil: a) Foi violado pela douta sentença o artigo 3/4 do CIVA. b) Nos termos do artigo 3/4 do CIVA, não são consideradas transmissões (a) “as cessões a título oneroso ou gratuito” (b) “do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele”, (c) “que seja susceptível de constituir um ramo de actividade independente”, (d) “quando, em qualquer dos casos, o adquirente seja, ou venha a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo do imposto de entre os referidos na alínea a) do n.° 1 do artigo 2º”. c) No caso em apreço, aquando da venda da espalhadora WIRTGEN, da rectroescavadora hidráulica, da motoniveladora Mitsubishi, da viatura Iveco, dos 2 camiões Volvo e do semi-reboque Montenegro pelo ora impugnante à “G…& Filhos, Lda.”, através das facturas n° 2113, 2114 e 2116, todas de 13/12/2004, já esta firma se encontrava a laborar há cerca de dois anos, nas instalações e sede da actividade em nome individual do ora impugnante, desenvolvendo a mesma actividade, com os antigos trabalhadores do ora impugnante, com o imobilizado corpóreo por este transmitido através das facturas n° 1883, 1884, 1885, 1886 e 1887, de 26/04/2002, facturas n° 1913, 1914, 1915, 1916 e 1917, de 19/06/2002, facturas 1921 e 1932, de 03/07/2002 e 26/07/2002 e facturas 2001 e 2002, de 09/12/2002, nomeadamente 5 rectroescavadoras (factura 1914), 1 motoniveladora (factura 1915), 11 viaturas ligeiras de mercadorias e mistas (factura 1916), 4 camiões Volvo e outros pesados de mercadorias (factura 1917) 5 semi-reboques (factura 1917), e muitos outros bens de equipamento. Logo no ano 2002 a “G… & Filhos, Lda.” declarou de serviços prestados o valor de 833.819,336 e de matéria colectável o valor de 178.315,606, declarando no ano 2003 de serviços prestados o valor de 2.557.988,816 e de matéria colectável o total de 164.432,716. d) Ou seja, (a) com a transmissão (b) de parte do património pelo ora impugnante em 2002, (c) susceptível de constituir um ramo de actividade independente, (d) o adquirente tomou-se pelo facto da aquisição, em 2002, um sujeito passivo do imposto de entre os referidos no artigo 2/1 al. do CIVA. e) A venda dos bens de equipamento efectuada em Dezembro de 2004 não é, pois, susceptível de constituir um ramo de actividade independente, dado que o sujeito passivo adquirente já existe desde 2002, desenvolvendo a sua actividade com regularidade, constituindo tal aquisição de bens uma aquisição normal com vista à expansão da actividade, tendo já no seu imobilizado, aquando da aquisição em 2004 dos bens de equipamento ora em causa, como antes explicitado, muitos outros bens da mesma natureza, não vindo os bens adquiridos ora em causa dar origem sequer a um ramo de actividade independente. Como salientado nos autos, o facto do ora impugnante ter cedido a sua posição contratual apenas em 2004 em relação a algumas obras públicas por si adjudicadas, nada tem a ver com as transmissões ora em causa, uma vez que o cessionário não tinha que ser a “G…& Filhos, Lda.”, com isso não alterando a actividade desta, nem os bens de equipamento ora em causa tinham que ser a esta vendidos, com isso também em nada alterando a actividade desta, apenas a expandindo. f) Em sede de inquirição de testemunhas continuam estas a defender que o processo de cessão do estabelecimento em nome individual para a sociedade decorreu entre 2002 e 2004, em virtude de obras em curso adjudicadas ao ora impugnante; cessões de posição contratual cuja aceitação por parte da entidade competente demorou cerca de 2 dois anos; a sociedade apenas começou a concorrer a obras públicas a partir do início de 2003 porque só a partir dessa data conseguiu obter alvará; dificuldades na transmissão dos bens constantes das facturas emitidas em Dezembro/2004 por causados contratos de leasing. Referindo também o impugnante que “a transmissão do estabelecimento comercial e industrial onde o impugnante exercia a actividade não pode deixar de ser considerada um transferência de bens corpóreos e incorpóreos ainda que o património seja transmitido em momentos diferentes (55° da p.i.), referindo ainda, citando a Informação n° 1619 de 88/05/20 da DSCA do SIVA (56° da p.i.), que “na cessão de estabelecimento é a escritura pública ou, quando esta não seja legalmente exigida, o contrato escrito que determina a inexistência do facto gerador, a qual pode ocorrer a posteriori, como conclusão de transmissões sucessivas até ao esgotamento do património do cedente. Provada a existência do referido contrato, a entrega ou facturação de vários elementos do património empresarial em momentos diferentes não prejudica o funcionamento do n° 4 do artigo 3º do CIVA”. Tese a que aderiu a douta sentença. g) Ora, na situação em pareço: não se verifica a existência de alguma escritura ou qualquer contrato escrito de cessão do estabelecimento com a discriminação dos bens corpóreos e incorpóreos que dele façam parte (logo, nem posterior nem anterior à transmissão do estabelecimento); h) Como confirmado pelo inspector G., até à data da inspecção em 2006 não tinha ainda cessado a actividade do impugnante; i) O impugnante ao argumentar que a cessão de estabelecimento ocorreu entre 2002 e 2004 concede ou confessa que a venda das máquinas ocorrida em Dezembro/2004 nunca seria susceptível de ser considerada cessão de estabelecimento ou um património susceptível de constituir um ramo de actividade independente; j) Depois o argumento invocado da cessão do estabelecimento em nome individual para a sociedade decorrer entre 2002 e 2004 em virtude do problema da cessão da posição contratual, como evidenciado nos autos, a nova sociedade começou imediatamente a laborar através da sub-contratação, tal não impedindo a aquisição imediata das máquinas adquiridas em Dezembro/2004; k) O facto da sociedade apenas poder começar a concorrer em 2003 por causa do alvará também não gerava qualquer impedimento para a aquisição imediata (em 2002) das máquinas adquiridas em Dezembro/2004, pois que imediatamente começou a laborar; l) A referência aos Ieasings como impeditivos da venda daqueles bens também não corresponde à verdade, uma vez que por exemplo a viatura IVECO de matrícula X-X-X, constante da factura n° 2114, de 13/12/2004, já se encontrava registada em nome da “G. & Filhos, Lda.”, desde 30/12/2002 - cfr. docs. juntos com as alegações; o camião VOLVO de matrícula X-X-X, constante da factura n° 2116, de 13/12/2004, já se encontrava totalmente pago em 20/10/2002 - cfr. docs. juntos com as alegações; o semi- reboque MONTENEGRO de matrícula LX, constante da factura n° 2116, de 13/12/2004, já se encontrava totalmente pago em 20/10/2002 - cfr. does. juntos com as alegações; m) Aliás, as máquinas em causa, como acabaram por confessar as testemunhas, foram imediatamente usadas pela “G., Lda.”. Tudo isto mais uma vez revelando que foi por opção do impugnante a venda daquelas máquinas quando bem lhe aprouvesse. n) No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, eles constam dos autos, tendo sido juntos quer pela oponente/recorrida, quer pela fazenda. Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso e em consequência ser revogada a decisão recorrida.»
2. As alegações e conclusões da recorrente, limitam-se a insistir na posição defendida no relatório de inspecção, conforme explanada a páginas 5, 6 e 7 da douta sentença ora recorrida, na matéria de facto dada como provada. 3. O Impugnante/Recorrido, alegou e provou o porquê da transmissão e data de transmissão dos objectos titulados pelas facturas 2113, 2114 e 2116 de 13/12/2004. 4. O Recorrido, pelas razões descritas na sua Impugnação Judicial, explanou porque pretendeu, e realizou em concreto, uma transmissão de estabelecimento comercial. 5. Transmissão que naturalmente, sofreu várias vicissitudes, que o Recorrido foi resolvendo á medida que pôde, nada de anormal no mundo das actividades económicas. 6. A transmissão do estabelecimento comercial e industrial onde o impugnante exercia a actividade não pode deixar de ser considerada uma transferência de bens corpóreos e incorpóreos ainda que o património seja transmitido em momentos diferentes. 7. A intenção de transmissão do estabelecimento comercial, e as dificuldades reais havidas, foram dadas como provadas pelo Exmo. Juiz que proferiu a sentença alvo do presente recurso, que conforme resulta do conteúdo da mesma, não teve quaisquer dúvidas sobre tal matéria. 8. Se bem se entende, nas alegações e conclusões de recurso elaboradas pela Recorrente, esta não invoca qualquer erro de julgamento da matéria de facto. 9. A Recorrente nas suas alegações de recurso, limitou-se a insistir numa repetição do relatório de inspecção, servindo de argumento para pedir a revogação da decisão recorrida. 10. No entanto, para que se aprecie a matéria de facto não basta que a recorrente nas suas alegações volte a insistir com toda a factualidade constante do relatório, sem que claramente conteste o julgamento dessa matéria, indicando concretamente os erros nele cometidos. 11. Tal não acontece com as alegações do recorrente, porquanto o que resulta destas nas conclusões a) a e) tem apenas em vista relembrar o que havia já sido dito no relatório de inspecção, possivelmente apenas com a finalidade de tal factualidade vir a ser novamente apreciada. 12. É forçoso concluir que o julgamento da matéria de facto não vem questionado pela Recorrente. 13. Em face do exposto, deve o recurso da FP ser julgado improcedente. TERMOS EM QUE DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, POR NÃO PROVADO, COM A CONSEQUENTE MANUTENÇÃO, NA ÍNTEGRA, DA SENTENÇA RECORRIDA»
2) A partir de 2002, o impugnante teve a intenção de transformar a sua actividade comercial individual em sociedade – cfr. depoimentos prestados pelas testemunhas J., L. e I.; 3) Para tal, no ano de 2002 constituiu juntamente com os seus filhos J. e J. a sociedade por quotas, “G. & FILHOS, LDA.”, que passou a exercer a actividade de construção civil e obras públicas, estando colectada em IRC e IVA no Serviço de Finanças de Meda – cfr. fls. 15 a 23 dos autos; 4) A sociedade passou a ocupar as instalações que o contribuinte em nome individual possuía – cfr. depoimentos prestados pelas testemunhas J., L. e I.; 5) O impugnante enquanto comerciante em nome individual era dono de diversas máquinas, equipamentos, veículos automóveis que foram transmitidos para a sociedade “G. & FILHOS, LDA.” nas datas, pelos preços e nas facturas que se relacionam a fls. 25 a 44 dos autos; 6) Os trabalhadores da empresa em nome individual passaram a ser trabalhadores da sociedade “G. & FILHOS, LDA.” a partir de 2002 – cfr. depoimentos prestados pelas testemunhas J., L.e I.; 7) A sociedade “G. & FILHOS, LDA.” só começou a concorrer a obras públicas a partir do ano de 2003, em virtude de só a partir dessa data ter conseguido obter o alvará – cfr. depoimento prestado pelas testemunhas J. e L.; 8) A partir do momento em que a sociedade “G. & FILHOS, LDA.” obteve o alvará começou a pedir as cedências de posição contratual das obras adjudicadas ao impugnante e ainda em execução – cfr. depoimentos prestados pelas testemunhas J. e L.; 9) Na sequência das respectivas autorizações, foram transmitidas à sociedade “G. & FILHOS, LDA.” diversas obras que tinham sido adjudicadas a Gu. enquanto empresário em nome individual – cfr. consta de fls. 45 a 60 dos autos conjugados com o depoimento prestado pela testemunha J.; 10) O pedido de cessão de posição contratual referente à obra de “R.”, apresentado em 26-02-2003 foi autorizado pelo Município de São João da Pesqueira em 25-10-2004 – cfr. fls. 45 e 54 dos autos; 11) O contribuinte facturou a obra mencionada na alínea antecedente até ser autorizada a cessão da posição contratual, passando a sociedade “G. & FILHOS, LDA.” a facturar a partir daí – vide facturas n.º 2104 de 15-04-2004 e 0286 de 10-11- 2004, juntas a fls. 55 e 56 dos autos; 12) O contribuinte facturou a obra mencionada na alínea antecedente até ser autorizada a cessão da posição contratual, passando a sociedade “G. & FILHOS, LDA.” a facturar a partir daí – vide facturas n.º 2104 de 15-04-2004 e 0286 de 10-11- 2004, juntas a fls. 55 e 56 dos autos; 13) A partir do final de 2004/princípio de 2005 o impugnante deixou de exercer qualquer actividade – cfr. depoimentos prestados pelas testemunhas J. e I.; 14) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI200600031 foi efectuada uma acção inspectiva de âmbito parcial em sede de IVA, incidente sobre o exercício de 2004, iniciada em 06-02-2006, a qual viria a culminar com a elaboração, em 15-03-2006, do Relatório Final, donde constava, além do mais, o seguinte: «3. Verificações efectuadas Analisada a situação do contribuinte relativamente à alienação dos bens do activo imobilizado, apurou - se que este havia alienado no ano de 2002 um conjunto de bens do seu activo imobilizado para a empresa que entretanto havia sido constituída, G. & Filhos, Lda, NIPC 506…, a qual ficou em 2002 com o pessoal do sujeito passivo em análise e parte dos bens do activo imobilizado, bens com que passou a exercer a sua actividade. A afectação de tais bens, os quais constituíam parte do património do sujeito passivo em análise, permitiram a constituição de um ramo de actividade independente por parte da empresa adquirente, a empresa G. & Filhos, Lda, NIPC 506... Pelo facto tal cessão a título oneroso de bens do seu activo imobilizado foi efectuada sem liquidação de IVA por se considerar, não ser considerada uma transmissão de bens nos termos do referido nº 4 do artigo 3º do CIVA. Apurou-se que o sujeito passivo no ano de 2002, não procedeu à cessão ou transmissão da totalidade dos seus bens do activo imobilizado, continuando a realizar operações tributáveis até ao final do ano de 2004, inclusive sobre o valor de tais bens continuaram a ser praticadas as amortização e reintegrações. Daqui se conclui que tais bens continuaram afectos à actividade do sujeito passivo em análise até Dezembro do ano de 2004. No final do ano de 2004, foram tais bens transmitidos ao sujeito passivo G. & Filhos, Lda, NIPC 506…, conforme consta das facturas n.ºs 2113, 2114 e 2116 todas datadas de 13/12/2004 no valor de 159.000,00€, 12.000,00€ e 79.850,00€ respectivamente, junta –se cópia das facturas sob o Anexo I. O valor dos documentos em causa totaliza a importância de 250.850,00€. Perante a situação descrita, somos de opinião que o sujeito passivo em análise no ano de 2004, e ao contrário do que acontecera em 2002, realizou uma transmissão de bens, pelo que nos capítulos seguintes procedemos à descrição da situação e indicação da respectiva proposta de correcção. III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável Em face do que já foi referido, constata-se que o sujeito passivo no final do ano de 2004, procedeu à transmissão de bens do imobilizado que estavam afectos à sua actividade. Considera-se que o sujeito passivo no final de 2004 aquando da cessão a título oneroso de parte do seu património afecto à sua actividade comercial, procedeu a uma transmissão de bens, já que não reúne os pressupostos referidos no n.º 4 do artigo 3º do CIVA. Porquanto tais bens não são susceptíveis de constituir um ramo de actividade independente, dado que o sujeito passivo adquirente já existe e já desenvolve a sua actividade com regularidade, constituindo tal aquisição de bens para o seu imobilizado, uma aquisição normal com vista à expansão da actividade. Nestes termos o sujeito passivo em análise realizou uma transmissão de bens a título oneroso, como tal sujeita a imposto sobre o valor acrescentado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do CIVA. (…)» 15) Sobre o RIT que antecede recaiu Parecer e Despacho concordantes – cfr. fls. 6 do PA apenso. 16) Nas facturas n.º 2113, 2114 e 2116 emitidas em 13-12-2004, pelo impugnante em nome da sociedade “G. & FILHOS, LDA.” contém a inscrição de «Transmissões com base [ao abrigo] no [do] nº 4 do Artº 3 do CIVA» e reportam-se aos seguintes bens: IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS Cfr. fls. 42 a 44 dos autos.»
Artigo 3.º 1 - Considera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.Conceito de transmissão de bens 2 - Para esse efeito, a energia eléctrica, o gás, o calor, o frio e similares são considerados bens corpóreos. 3 - Consideram-se ainda transmissões de bens, nos termos do n.º 1 deste artigo: a) A entrega material de bens em execução de um contrato de locação com cláusula, vinculante para ambas as partes, de transferência de propriedade; b) A entrega material de bens móveis decorrente da execução de um contrato de compra e venda em que se preveja a reserva de propriedade até ao momento do pagamento total ou parcial do preço; c) As transferências de bens entre comitente e comissário, efectuadas em execução de um contrato de comissão definido no Código Comercial, incluindo as transferências entre consignante e consignatário de mercadorias enviadas à consignação. Na comissão de venda considerar-se-á comprador o comissário; na comissão de compra será considerado comprador o comitente; d) A não devolução, no prazo de um ano a contar da data da entrega ao destinatário, das mercadorias enviadas à consignação; e) A entrega de bens móveis produzidos ou montados sob encomenda, quando a totalidade dos materiais seja fornecida pelo sujeito passivo que os produziu ou montou; f) Ressalvado o disposto no artigo 25.º, a afectação permanente de bens da empresa, a uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral a fins alheios à mesma, bem como a sua transmissão gratuita, quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto. Excluem-se do regime estabelecido por esta alínea as amostras e as ofertas de pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais; g) A afectação de bens por um sujeito passivo a um sector de actividade isento e, bem assim, a afectação ao uso da empresa de bens referidos no n.º 1 do art. 21.º, quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto. 4 - Não são consideradas transmissões as cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele, que seja susceptível de constituir um ramo de actividade independente, quando, em qualquer dos casos, o adquirente seja, ou venha a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo do imposto de entre os referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º. 5 - Para os efeitos do número anterior, a administração fiscal adoptará as medidas regulamentares adequadas, nomeadamente a limitação do direito à dedução, quando o adquirente não seja um sujeito passivo que pratique exclusivamente operações tributadas. 6 - Não são também consideradas transmissões as cedências devidamente documentadas feitas por cooperativas agrícolas aos seus sócios, de bens, não embalados para fins comerciais, resultantes da primeira transformação de matérias-primas por eles entregues, na medida em que não excedam as necessidades do seu consumo familiar, segundo limites e condições a definir por portaria do Ministro das Finanças. Em regra, a transmissão de bens, entendida esta como a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, está sujeita a tributação em sede de IVA (nº 1 do artigo 3º CIVA). O nº 4 do artigo 3º CIVA que acabamos de transcrever exclui determinadas operações do conceito de transmissão de bens. Assim, para que uma operação se enquadre no âmbito desta norma de delimitação negativa de incidência do imposto, exige-se a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (i) cessão a título oneroso ou gratuito; (ii) do estabelecimento comercial ou industrial, ou da totalidade de um património ou de parte dele; (iii) que seja suscetível de constituir um ramo de atividade independente; (iv) desde que o adquirente seja um sujeito passivo do imposto, ou o venha a ser pelo facto da aquisição. Como referido no Código do IVA e RITI: Notas e Comentários, de 2014, Almedina, na anotação a este artigo, trata-se de uma medida de simplificação administrativa que visa evitar sobrecarregar a tesouraria das empresas, aplicável, designadamente, nos casos de trespasse de estabelecimento, fusão, incorporação ou cisão de sociedades, e justificável, uma vez que há uma continuidade da atividade económica. Para apreciação do caso, necessário se torna, pois, precisar o conceito do que se deve entender por um património que seja suscetível de constituir um ramo de atividade independente, para efeitos de aplicação da norma. Desde já adiantaremos que o seu preenchimento depende de um juízo de ponderação a aferir tendo em conta as circunstâncias do caso concreto. Este artigo corresponde ao acolhimento ou transposição pelo legislador nacional da possibilidade conferida pelo nº 8 do artigo 5º da chamada 6ª Diretiva. Dizia o nº 8 do artigo 5º da 6ª Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme: 8. Os Estados-membros podem considerar que a transferência a título oneroso ou a título gratuito ou sob a forma de entrada numa sociedade de uma universalidade de bens ou de parte dela não implica uma entrega de bens e que o beneficiário é equiparado a sucessor do transmitente. Se for caso disso, os Estados-membros podem adotar as medidas necessárias, a fim de evitar distorções de concorrência quando o beneficiário não se encontre totalmente sujeito ao imposto. Na tentativa de precisar o conceito, façamos agora uma necessariamente breve incursão pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE). Como referido nas suas conclusões apresentadas pelo Advogado Geral F. G. Jacobs em 13 de abril de 2000 no Caso Abbey National: 27.O conceito de «parte de uma universalidade de bens», contudo, não é claro. Em particular suscita-se a questão de saber como estabelecer uma distinção entre a transferência dessa parte de uma universalidade de bens e a transferência normal de um ou mais dos ativos de uma empresa, que é normalmente uma operação tributada. O direito comunitário nada diz sobre esta questão. Não se encontra qualquer esclarecimento em nenhuma das diretivas IVA, nem a questão foi até aqui considerada pelo Tribunal de Justiça. 28. A solução adotada no Reino Unido parece ser razoável ao prever que quando os ativos representando uma parte de uma empresa suscetível de funcionar separadamente são transferidos de forma que exista continuidade de exploração, a faculdade concedida nos termos do artigo 5.º, n.º 8, da Sexta Diretiva, é aplicável e não se considera que exista qualquer entrega de bens. Como nota, não parece que estes critérios entrem em contradição com a formulação ampla da disposição comunitária e a questão de saber se os mesmos estão preenchidos num caso concreto permanece, por conseguinte, na competência do órgão jurisdicional nacional. Do Acórdão TJUE de 27 de novembro de 2003, Caso Zita Modes, disponível em https://eur-lex.europa.eu/ transcreve-se: 26. Quanto ao conceito de transmissão de uma universalidade de bens, que constitui um conceito de direito comunitário cuja interpretação compete ao Tribunal de Justiça, a Comissão legal que o órgão jurisdicional de reenvio deve determinar se os bens transmitidos constituem uma «universalidade de bens ou parte dela» na aceção da Sexta Diretiva, ou seja, ativos suscetíveis de serem exploradores no âmbito de uma atividade económica (vnos 27 e 28 das elaboradas do advogado-geral FG Jacobs no processo na origem do acórdão Abbey National, já referido). 27. A este respeito, a venda simples, com caráter isolado, de controles de moda não constitui uma transmissão de uma universalidade de bens na acepção da Sexta Directiva, mas uma entrega ordinária de elementos do estoque de uma empresa. Pelo contrário, a cessão de um conjunto coerente de activos susceptíveis de permitir o prosseguimento de uma actividade económica na acepção da mesma directiva pode estar abrangida pelo artigo 5º n.º 8, desta directiva. (…) 39. À luz do contexto do artigo 5º, nº 8, da Sexta Directiva e do objectivo desta última, conforme encorajado nos n.os 36 a 38 do presente acórdão, verifica-se que esta disposição visa permitir aos Estados-Membros facilitar a interferência de empresas ou de partes de empresas, simplificando-as e evitando sobrecarregar a tesouraria dos beneficiários através de um encargo fiscal excessivo que, de qualquer forma, ele teria recuperado posteriormente através da dedução do IVA pago a montante. 40. Tendo esta finalidade em conta, o conceito de «transferência a título oneroso ou a título gratuito ou sob a forma de entrada numa sociedade de uma universalidade de bens ou de parte dela» deve ser interpretado no sentido de que abrange a transmissão do estabelecimento comercial ou de uma parte autónoma de uma empresa que inclui elementos corpóreos e, se for o caso, incorpóreos que, em conjunto, constituem uma empresa ou parte de uma empresa que pode prosseguir uma atividade económica autónoma, mas que não abrange a simples cessão de bens, como a venda de um stock de produtos. Do sumário do Acórdão TJUE de 10 de novembro de 2011, proferido no Caso Schriever, também disponível em https://eur-lex.europa.eu, transcreve-se: 1. Para haver uma transferência do estabelecimento ou de uma parte autónoma de uma empresa, na acepção do artigo 5.°, n.° 8, da Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, é necessário que os elementos transmitidos, no seu conjunto, sejam suficientes para permitir a continuação de uma actividade económica autónoma. Se a prossecução de uma actividade económica não carecer de instalações especiais ou fixas, pode existir transferência de uma universalidade de bens, na acepção da referida disposição da Sexta Directiva, mesmo sem a transmissão do direito de propriedade de um imóvel. Em contrapartida, não é possível considerar que essa transmissão existe, na acepção da referida disposição, no caso de a actividade económica em causa consistir na exploração de um conjunto incindível de bens móveis e imóveis e o cessionário não tomar posse das instalações comerciais. Concretamente, se as instalações dispuserem de equipamentos fixos necessários ao desenvolvimento da actividade económica, esses bens imóveis devem fazer parte dos elementos transmitidos para que se possa falar da transferência de uma universalidade de bens ou de parte dela, na acepção da Sexta Directiva. Pode existir igualmente uma transferência se as instalações comerciais forem postas à disposição do cessionário mediante um contrato de arrendamento ou se o cessionário dispuser de um imóvel adequado para o qual os bens transmitidos possam ser transferidos e onde possa continuar a ser exercida a actividade económica em causa. Por outro lado, elementos como a duração do arrendamento e as modalidades de cessação estipuladas devem ser tomados em conta na apreciação global da operação de transferência de bens na acepção da referida disposição, uma vez que tais elementos podem ser relevantes para essa apreciação, no caso de poderem impedir a continuação duradoura da actividade económica. Contudo, o facto de um contrato de arrendamento de duração indeterminada poder ser denunciado mediante um pré‑aviso de curto prazo não é, em si mesmo, determinante para concluir que o transmissário tinha a intenção de liquidar imediatamente o estabelecimento ou a parte da empresa transmitida. Por conseguinte, a aplicação do artigo 5.°, n.° 8, da Sexta Directiva não pode ser recusada com base apenas nesse facto. 2. O artigo 5.°, n.° 8, da Sexta Directiva 77/388, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, deve ser interpretado no sentido de que a transmissão das existências e do equipamento de uma loja de venda a retalho, concomitantemente com o arrendamento do estabelecimento comercial ao transmissário, por duração indeterminada, embora denunciável a curto prazo por qualquer das partes, constitui uma transferência de uma universalidade de bens ou de parte dela, na acepção desta disposição, desde que os bens transmitidos sejam suficientes para que o cessionário possa prosseguir duradouramente uma actividade económica autónoma. Do ponto 32 do mesmo Acórdão: 32. Resulta das considerações precedentes que se deve fazer uma apreciação global das circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa para determinar se esta está compreendida no conceito de transferência de uma universalidade de bens, na acepção da Sexta Directiva. Neste quadro, deve ser dada uma importância especial à natureza da actividade económica que se pretende continuar a exercer. Vejamos, agora, considerando as circunstâncias concretas do caso em análise, atendendo à matéria de facto dada como provada e não impugnada. O Impugnante e ora Recorrido exercia a sua atividade de construção civil e obras públicas em nome individual e em 2002, constituiu com os seus filhos uma sociedade por quotas para prossecução da atividade. Para a nova sociedade que passou a exercer a mesma atividade em 2003, data em que conseguiu o respetivo alvará, transmitiu diversas máquinas equipamentos, equipamentos e veículos automóveis [cf. alíneas 1) a 5) e 7) dos factos provados]. Todavia, não procedeu à transmissão da totalidade dos bens para a nova empresa, continuando a exercer a atividade em nome individual até ao final do ano de 2004 – cf. relatório final elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT) parcialmente transcrito no ponto 14) dos factos provados. Em 13 dezembro de 2004, o Impugnante e ora Recorrido transmitiu o remanescente dos bens do ativo imobilizado através das faturas nº 2113, 2114 e 2116 (Id.). Nessa data foram transmitidos os bens melhor descritos na alínea 16) dos factos provados, identificados nas faturas como uma espalhadora, uma retroescavadora hidráulica, uma motoniveladora, uma viatura da marca Iveco, dois camiões da marca Volvo e um semirreboque. Foi esta última transmissão que originou a correção técnica que está na base da liquidação impugnada. Com efeito, no relatório final elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária, considerou que esta cessão a título oneroso de oneroso de parte do seu património afeto à sua atividade comercial, efetuado em 2004, se procedeu a uma transmissão de bens, já que não reúne os pressupostos referidos no n.º 4 do artigo 3º do CIVA (Id.). Apesar de o mesmo relatório referir que o Impugnante e ora Recorrido continuou a exercer a atividade entre os anos de 2002 (data de constituição da sociedade) e 2004 ano em que cessou a atividade e procedeu à transmissão dos bens agora em causa, justificando-se a correção em duas razões que são meramente enunciadas: a primeira relativa a os bens transmitidos não serem suscetíveis de constituir um ramo de atividade independente, dado que o sujeito passivo adquirente já existe e já desenvolve a sua atividade com regularidade, e a segunda por considerar que constituindo tal aquisição de bens para o seu imobilizado, uma aquisição normal com vista à expansão da atividade (Id.). Quanto a este segundo argumento desde já diremos que basta atender à letra da lei, ou melhor da parte final do nº 4 do artigo 3º CIVA supratranscrito para concluir que não se exige que o adquirente passe a exercer uma atividade nova, que não exercia até aí, diz: o adquirente seja, ou venha a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo do imposto de entre os referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º Exige-se sim é que o adquirente continue a exercer o mesmo ramo de atividade do cedente. Com efeito a lei fala em o adquirente ser já um sujeito passivo do imposto, não se exigindo, pois, que o adquirente inicie uma nova atividade, bastando-se com o prosseguimento da atividade que já exercia. E, a jurisprudência do TJUE transcrita vai no mesmo sentido, nomeadamente quando refere a cessão de um conjunto coerente de ativos suscetíveis de permitir o prosseguimento de uma atividade económica. A sentença recorrida para julgar procedente a Impugnação considerou que a transmissão do estabelecimento se prolongou no tempo, devido aos contratempos com a emissão do alvará e ainda com a cessão da posição contratual nos contratos relativos a obras em execução ou já adjudicadas. Por um caminho ou por outro, a verdade é que a própria Recorrente considerou que os bens em causa permitiram que o transmitente prosseguisse com a sua atividade empresarial, daí se concluindo que permitiam prosseguir com um ramo de atividade independente. Assim se concluindo, como na sentença recorrida, que estavam reunidos os pressupostos para enquadrar a operação no regime de exclusão da tributação previsto no nº 4 do artigo 3º CIVA. Em face do exposto, a sentença recorrida não merece a censura que lhe foi feita e improcede, pois, o recurso. Sumário/Conclusões: I - Em regra, a transmissão de bens, entendida esta como a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, está sujeita a tributação em sede de IVA (nº 1 do artigo 3º CIVA). II - O nº 4 do artigo 3º CIVA exclui determinadas operações do conceito de transmissão de bens. Para que uma operação se enquadre no âmbito desta norma de delimitação negativa de incidência do imposto, exige-se a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (i) cessão a título oneroso ou gratuito; (ii) do estabelecimento comercial ou industrial, ou da totalidade de um património ou de parte dele; (iii) que seja suscetível de constituir um ramo de atividade independente; (iv) desde que o adquirente seja um sujeito passivo do imposto, ou o venha a ser pelo facto da aquisição. III - Decisão Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida. Custas pela Recorrente, que decaiu. Lisboa, 16 de fevereiro de 2023 Susana Barreto Patrícia Manuel Pires Jorge Cortês |