Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 508/22.7BELLE |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 06/27/2024 |
| Relator: | LUÍSA SOARES |
| Descritores: | RECLAMAÇÃO DO ART. 276º DO CPPT; PENHORA DO USUFRUTO; VENDA; NULIDADE DA SENTENÇA POR AMBIGUIDADE/OBSCURIDADE |
| Sumário: | I - Não se verifica a nulidade da al. c) do nº 1, do art. 615º, do CPC, quando o reclamante discorda da decisão, porquanto se manifesta discordância, significa que entendeu o conteúdo dessa mesma decisão, logo, esta não é ambígua. II- A ambiguidade ou obscuridade da sentença pode, contudo, integrar a nulidade da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, quando torne a decisão ininteligível, o que não é o caso dos autos. |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | I – RELATÓRIO Vem A... apresentar recurso jurisdicional para o Supremo Tribunal Administrativo contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou improcedente a reclamação apresentada contra o despacho da Chefe do Serviço de Finanças de Albufeira proferido em 09/08/2022 e notificado através do ofício nº 1584 de 10/08/2022 no âmbito do processo de execução fiscal nº 1007-2010/01072900 e apensos. Por decisão sumária de 05 de abril de 2024, o Supremo Tribunal Administrativo julgou-se incompetente em razão da hierarquia, declarando competente para conhecer o mérito do recurso a Seção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, ao qual o processo foi remetido. A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos: “A) Segundo estatui o artigo 615.°, n.° 1, al.as c) e d), do CPC sob a epígrafe "causas de nulidade da sentença", aplicável por remissão do artigo 2° do CPPT: “É nula a sentença quando: c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que tome a decisão ininteligível e d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento." B) In casu, por um lado, parte dos fundamentos da sentença revivenda estão em oposição com a decisão, contendo a mesma ambiguidades que tornam a decisão ininteligível e o juiz não se pronunciou sobre questões que devia apreciar, ao ter julgado improcedente a reclamação apresentada pela Reclamante, por entender que a penhora do direito ao usufruto que a Reclamante detém sobre o prédio é legal e que o titular da nua propriedade havia sido notificado da venda executiva, o que não é verdade, não se impondo a sua notificação do acto de penhora e ainda por entender que o despacho reclamado não carece de fundamentação, nada mais tendo sido apreciado. C) O tribunal “a quo” deveria ter reconhecido a impossibilidade legal da venda executiva do direito ao usufruto e subsidiariamente a obrigatoriedade da notificação do titular da nua propriedade para exercício do direito de preferência na venda executiva. D) Em concreto, no que se refere à venda executiva, o tribunal a quo deu como provado no ponto P) dos factos provados que “a Reclamante reside habitualmente numa caravana sita no prédio em causa nos autos - cfr. prova testemunhal produzida", porém, concluiu que “(...) se a venda do imóvel (no caso, do usufruto do prédio rústico onde a Reclamante habita normalmente. mesmo que não pretenda afectar a tal habitação), não é legalmente admissível, tal não impede que a penhora - acto antecedente - seja possível". E) A Reclamante insurgiu-se contra o acto de penhora, por não ter sido precedido das formalidades legais no que tange à notificação da sua efectivação à Executada e por omissão do acto de notificação ao titular da nua propriedade, não tendo em momento algum arguido a ilegalidade da penhora por estar em causa a casa de morada de família da Executada, ao contrário do que o tribunal a quo pretende levar a crer ao referir que a penhora é admissível, sendo que o que não será admissível é a venda. F) Como foi acompanhado pelo Digníssimo Procurador do Ministério Público, no parecer junto aos autos, "No caso em apreço, da prova carreada para os autos, encontra-se demonstrado que, efectivamente, a Reclamante tem, naquele prédio rústico, a sua residência, onde reside numa caravana que ali se encontra e onde tem os seus animais de estimação. De acordo com os depoimentos das testemunhas, resulta igualmente provado que a Reclamante reside naquele local de forma permanente e estável, pelo que se afigura estarem reunidos os pressupostos previstos no n.° 2 do artigo 244° do CPPT que obstam à realização da venda. Por outro lado, pese embora a Autoridade Tributária venha alegar que a execução se encontra apenas na fase de penhora, o certo é que foi emitida notificação à Reclamante, mediante ofícios 1360 de 22.06.2022, da qual resulta que as dívidas fiscais se encontram em fase de venda, devendo a executada diligenciar pela regularização da situação, o que viola o preceito normativo supra mencionado". G) A notificação dirigida à Reclamante é expressa ao referir que: "Serve o presente para informar que constam em seu nome dividas fiscais na fase de venda Nos termos legais, poderá ainda evitar a marcação da venda do usufruto do prédio sito em A..., inscrito na matriz sob o artigo n° …, secção E freguesia de Albufeira, Deve em curto prazo regularizar a sua situação tributária estando este Serviço de Finanças disponível para prestar as informações que pretender também pelo endereço eletrónico sf1007@at.aov.pt ou Portal das Finanças em E-balcão." H) Assim, através daquela notificação, a Recorrente teve conhecimento de que o processo executivo que contra si segue termos no órgão de execução fiscal está em fase de venda e que a marcação da venda do seu direito ao usufruto no prédio ali identificado poderia ser evitada mediante regularização da sua situação tributária; em simultâneo, a Reclamante teve conhecimento da penhora do seu direito ao usufruto sobre o referido prédio. I) Neste contexto, a Reclamante viu-se confrontada, por um lado, com a informação de que o processo de execução fiscal estava em fase de venda e que nesse âmbito seria agendada a venda do usufruto do prédio, por outro, teve conhecimento da penhora do seu direito ao usufruto sobre o prédio, e do não cumprimento dos formalismos legais exigidos para a sua legalidade J) Ora, segundo resulta do disposto no n.° 2 do artigo 244° do CPPT, se o imóvel penhorado pela AT, no âmbito de execução fiscal, se destinar exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, e estiver efectivamente afectado a esse fim, não haverá lugar (no processo de execução fiscal) à realização da sua venda. K) Destarte, perante a notificação recebida, a Reclamante não pôde deixar de invocar perante o órgão de execução fiscal que este estaria impossibilitado de proceder à venda do direito ao usufruto que a Reclamante detém sobre o prédio em causa no âmbito da execução fiscal, visto nele ter a sua residência permanente, atento o disposto no artigo 244°, n.° 2. do CPPT, sob pena da venda padecer de nulidade, tendo assim solicitado a suspensão das diligências de venda, por ter sido informada de que o processo estava em fase de venda, nos termos da conjugação do disposto nos artigos 95° e 103° da LGT. L) A Reclamante não ignora que a circunstância de a casa de morada de família não ser susceptível de venda em execução fiscal não obsta à sua penhorabilidade como bem decidiu o tribunal a quo, no entanto, como também reconheceu o mesmo tribunal tal circunstância obsta à venda do imóvel, no caso ao direito do usufruto que a Reclamante possui sobre o imóvel que constitui a sua casa de morada de família, conforme dado como provado pelo tribunal "a quo” no ponto P) da matéria de facto dada como provada, o que se pretende e deve salvaguardar através da procedência dos presentes autos. M) Já no que se refere à obrigatoriedade da notificação do titular da nua propriedade para exercício do direito de preferência na venda executiva, o tribunal “a quo” considerou que tal obrigatoriedade de notificação resulta do artigo 249°, n.° 7, do CPPT em sintonia com o artigo 819° do CPC, no entanto, concluiu erradamente que ''a formalidade legal se mostrará integralmente cumprida quando o titular do direito de preferência haja tido conhecimento desse dia e dessa hora da entrega dos bens com a antecedência que lhe permita nele estar presente, o que manifestamente aconteceu neste processo". N) Como o tribunal "a quo" deu como provado no ponto N) dos factos provados, "Não foi marcada venda do direito de usufruto do prédio em causa nos autos - facto que se extrai de fls. 389 dos autos, numeração SITAF", pelo que jamais poderia o preferente ter sido notificado disso, pelo que não é verdade que tal tenha ocorrido nos autos. O) impondo-se, assim, que em caso de anúncio da venda executiva, seja efectuada a notificação do titular da nua propriedade, na qualidade de preferente, não podendo conclui-se que a mesma pode ser prescindida porque podia propor acção de preferência nos termos gerais. P) Destarte, nesta matéria, impunha-se que, face à matéria de facto dada como provada no ponto O), caso não fosse reconhecida a impossibilidade legal da venda executiva, fosse declarada a obrigatoriedade de notificação do titular da nua propriedade em caso de anúncio de venda executiva. Termos em que, deverá o presente recurso ser julgado procedente, com as devidas consequências legais, como é de liminar Justiça!”. * * A Recorrida não apresentou contra-alegações.* * A Exmª. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer defendendo a procedência do recurso.* * II – DO OBJECTO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente. Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações do Recorrente, importa decidir se a sentença padece de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão contendo ambiguidade/obscuridade que a tornam ininteligível, bem como por omissão de pronúncia. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos: A) Em 28 de Julho de 2010, foi autuado, no Serviço de Finanças de Albufeira, em nome de A..., ora Reclamante, o processo de execução fiscal n.º 1007-2010/01072900, para cobrança da quantia de € 80.929,23 – cfr. o processo de execução fiscal constante dos autos; B) Em 18 de Março de 2022, foi efectuada, a favor da Fazenda Pública, a penhora do direito de usufruto da Reclamante quanto ao prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, secção E, da Freguesia de A…, Concelho de Albufeira, para garantia do valor de € 152.469,77 – cfr. fls. 43 a 49 do processo de execução fiscal constante dos autos; C) A penhora referida no ponto anterior foi solicitada por via electrónica – facto que se extrai de fls. 43 a 49 do processo de execução fiscal constante dos autos; D) Em 25 de Março de 2022, o Serviço de Finanças de Albufeira dirigiu à Reclamante comunicação da qual se extrai, nomeadamente, o seguinte excerto: (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) - cfr. fls. 46 do processo de execução fiscal constante dos autos;E) A comunicação referida no ponto anterior foi enviada para a caixa postal electrónica do ViaCTT da Reclamante em 26 de Março de 2022 – facto que emerge de fls. 47 do processo de execução fiscal constante dos autos; F) A Reclamante é titular de caixa postal electrónica ViaCTT, com o n.º 235044962-PT – cfr. fls. 206 dos autos, numeração SITAF; G) A Reclamante aderiu ao serviço ViaCTT em 20 de Abril de 2012 – cfr. fls. 206 dos autos, numeração SITAF; H) A Reclamante aderiu ao serviço de notificações electrónicas da Autoridade Tributária e Aduaneira – cfr. fls. 206 dos autos, numeração SITAF; I) A Reclamante dirigiu aos Serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, requerimento do qual se extrai, entre o mais, o seguinte: (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) - cfr. o documento n.º 2 junto com a petição inicial; J) Em 9 de Agosto de 2022, Escrivã do Serviço de Finanças de Albufeira elaborou informação com o teor que se segue: (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) - cfr. fls. 54 do processo de execução fiscal constante dos autos; K) Em 9 de Agosto de 2022, a Chefe do Serviço de Finanças de Albufeira proferiu o seguinte despacho: - cfr. fls. 54 e 55 do processo de execução fiscal constante dos autos; L) A informação e o despacho que antecedem foram levados ao conhecimento da Reclamante pelo ofício n.º 1584, de 10 de Agosto de 2022 – cfr. fls. 57 e 58 do processo de execução fiscal constante dos autos; M) Não foi marcada a venda do direito de usufruto do prédio em causa nos autos – facto que se extrai de fls. 389 dos autos, numeração SITAF; N) A Reclamante não procedeu à entrega da declaração Modelo 1 de IMI [Imposto Municipal Sobre Imóveis], com a apresentação da “caravana” com afectação de habitação – facto admitido, cfr. fls. 562 dos autos, numeração SITAF; O) A titularidade da nua-propriedade do prédio em causa nos autos é de Uwe Andre Danneker – facto que se extrai da habilitação de herdeiros e da certidão permanente constante dos autos; P) A Reclamante reside habitualmente numa caravana sita no prédio em causa nos autos – cfr. prova testemunhal produzida; III- B - DOS FACTOS NÃO PROVADOS Compulsados os autos, analisados os articulados e atenta a prova documental constante dos mesmos, não existem quaisquer factos com relevância para a decisão, atento o objecto do litígio, que devam julgar-se como não provados.”. * * Nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do Código de Processo Civil, por estar documentalmente provado e ser pertinente para a boa decisão da causa e das questões colocadas em recurso, acorda-se em corrigir o facto elencado na alínea I) e em aditar ao probatório um facto elencado na alínea Q), nos seguintes termos:I) Em 08/08/2022 deu entrada no Serviço de Finanças de Albufeira um requerimento em nome da Reclamante invocando a ilegalidade da penhora e da pretensão da venda executiva, com o seguinte teor: 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 - cfr. o documento n.º 2 junto com a petição inicial; Q) Com data de 22/06/2022 foi emitido o ofício nº 1360 dirigido à ora Recorrente com o seguinte teor: (cfr. fls. 24 do doc. 004930991 28-09-2022 19:49:42, numeração SITAF) * * Atenta a factualidade supra enunciada, importa antes de mais relevar a sequência das ocorrências processuais que de seguida se enunciam: i) Através do ofício nº 1360 datado de 22/06/2022, foi a ora Recorrente notificada da existência de dívidas fiscais na fase de venda, informando-se ainda que, para evitar a marcação da venda do usufruto do prédio sito em A..., inscrito na matriz sob o artigo 26, secção E freguesia de Albufeira, deveria regularizar a situação tributária (cfr. alínea Q) por nós aditada); ii) Reagindo contra essa notificação, apresentou em 08/08/2022 junto do Serviço de Finanças de Albufeira, requerimento invocando a ilegalidade da penhora por falta de notificação da mesma, e, a ilegalidade da venda invocando que no prédio rústico tinha a sua residência permanente, numa caravana que ali se encontra, pelo que não poderia ocorrer a venda do bem nos termos do art. 244º, nº 2 do CPPT. Invocou ainda a obrigatoriedade do titular da nua propriedade do prédio em causa, de ser notificado para efeitos do exercício do direito de preferência aquando da venda (cfr. alínea I) do probatório) iii) Em 09/08/2022 o órgão de execução fiscal proferiu despacho sobre o requerimento acima mencionado com o seguinte teor “Conforme vem informado a penhora do usufruto do prédio rústico inscrito sob o artigo 26 E da freguesia de Albufeira e Olhos de Água, não enferma de ilegalidade que seja conhecida e a citação à executada foi entregue na Caixa Postal eletrónica da qual a contribuinte é aderente desde 2012.04.20. Relativamente à existência de um veículo móvel que alegadamente se encontra estacionado com carácter de permanência no referido terreno rústico e que constitui residência da reclamante, não consta que essa circunstância tenha sido comunicada à administração tributária, conforme determina os nºs 2 e 3 do art. 2º do CIMI, conjugado com a alínea a) do nº 1 do art. 13º do mesmo Código. Assim sendo, notifique a requerente para no prazo de 30 dias proceder à respetiva participação mediante apresentação da declaração mod. 1 de IMI ao abrigo das normas atrás citadas, ciente de que decorrido o prazo, sem a correspondente participação, será promovida a avaliação e inscrição matricial do referido bem, oficiosamente” e notificado à Reclamante através do ofício nº 1584 de 10/08/2022. (cfr. alíneas K) e L) do probatório) iv) Discordando do decidido pelo órgão de execução fiscal a Recorrente apresenta reclamação judicial nos termos do art. 276º do CPPT contra o despacho mencionado na alínea anterior invocando omissão de pronúncia e violação do direito de audição prévia relativamente ao requerimento apresentado a 08/08/2022 no qual invocava a sua falta de citação no processo executivo, bem como a ilegalidade da penhora do direito do usufruto de um prédio rústico que é titular, pedindo a final que: 1 v) Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé foi julgada improcedente a reclamação judicial deduzida contra o despacho proferido pelo órgão de execução fiscal a 09/08/2022, entendendo que a notificação da penhora foi corretamente realizada através da caixa postal eletrónica; que não ocorreu qualquer ilegalidade da penhora por falta de notificação do titular da nua propriedade para o exercício do direito de preferência e; considerando que in casu a venda judicial não se encontra marcada, não ocorre qualquer ilegalidade por falta de audição da Reclamante, e a proibição da venda do bem destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar nos termos do art. 244º, nº 2 do CPPT, não se estende à penhora. Mais entendeu não ter ocorrido falta de fundamentação do despacho reclamado tendo julgado improcedente in totum a reclamação judicial apresentada. vi) Dissente do assim decidido veio a Reclamante interpor o presente recurso alegando para o efeito e em síntese que a sentença padece de nulidade por ambiguidade/obscuridade que tornam a decisão ininteligível e por omissão de pronúncia. Vejamos então. O artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2º do CPPT, consagra como causas de nulidade da sentença, quando esta: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. Para a Recorrente, parte dos fundamentos da sentença estão em oposição com a decisão, contendo ambiguidades que tornam a decisão ininteligível, alegando ainda que o juiz não se pronunciou sobre questões que devia apreciar, ao ter julgado improcedente a reclamação apresentada, por entender que; i) a penhora do direito ao usufruto que detém sobre o prédio é legal; ii) que o titular da nua propriedade havia sido notificado da venda executiva, o que não é verdade, não se impondo a sua notificação do ato de penhora; iii) por entender que o despacho reclamado não carece de fundamentação; Nada mais tendo sido apreciado. Considera que o tribunal “a quo” deveria ter reconhecido a impossibilidade legal da venda executiva do direito ao usufruto e subsidiariamente a obrigatoriedade da notificação do titular da nua propriedade para exercício do direito de preferência na venda executiva. Afirma que insurgiu-se contra o ato de penhora, por não ter sido precedido das formalidades legais no que tange à notificação da sua efetivação à executada e por omissão do ato de notificação ao titular da nua propriedade, não tendo em momento algum arguido a ilegalidade da penhora por estar em causa a casa de morada de família da executada, ao contrário do que o tribunal a quo pretende levar a crer ao referir que a penhora é admissível, sendo que o que não será admissível é a venda. Desde já afirmamos que a sentença não padece de nulidade por ambiguidade/obscuridade na medida em que, resulta do teor do recurso, que a Recorrente entendeu o conteúdo da decisão, manifestando a sua discordância com o decidido. A jurisprudência é unânime no entendimento de que a nulidade da sentença por ambiguidade só ocorre quando a sentença é ininteligível. Como se afirma no Acórdão do STJ de 31/01/2023 – proc. 2759/17.7T8VNG.P2.S1 “I- Não se verifica a nulidade da al. c) do nº 1, do art. 615º, do CPC, quando o reclamante manifesta discordância com a decisão, pois que, se o reclamante manifesta discordância é porque entendeu o conteúdo dessa mesma decisão, logo, esta não é ambígua. II- A ambiguidade só relevará se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que do respetivo texto ou contexto não se torne possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se reclama de ambíguo.”. No mesmo sentido, o Acórdão do STJ de 22-01-2019, no Proc. nº 19/14.4T8VVD.G1.S1, ao referir: “2. A nulidade ancorada na ambiguidade ou obscuridade da decisão proferida, remete-nos para a questão dos casos de ininteligibilidade do discurso decisório, concretamente, quando a decisão, em qualquer dos respectivos segmentos, permite duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade). 3. A nulidade do aresto, sustentada na contradição entre os seus fundamentos e decisão, pressupõe um erro lógico na argumentação jurídica, dando conclusão inesperada e adversa à linha de raciocínio adoptada, ou seja, apenas ocorre, quando os fundamentos invocados pelo Tribunal deviam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que veio expresso no dispositivo do dito acórdão.”. E ainda o Acórdão do STJ de 25-11-2020, no Proc. nº 3283/18.6T8MTS.P1-A.S1 ao referir que “A ambiguidade ou obscuridade da sentença pode, contudo, integrar a nulidade da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do código em vigor, quando torne a decisão ininteligível.”. No caso em apreço resulta evidente que a sentença não padece de ambiguidade ou obscuridade nos termos acima expostos, porquanto o discurso fundamentador nela vertido é perfeitamente inteligível, permitindo entender o texto e contexto da decisão, improcedendo desta forma a alegada nulidade da sentença por ambiguidade ou obscuridade. Prosseguindo. Alega ainda a Recorrente a nulidade da sentença por omissão de pronúncia. Como se afirma no Ac. do STA de 03/02/2021 – proc. 0827/15.9BALSB “A omissão de pronúncia está diretamente relacionada com o comando fixado no n.º 2 do artigo 660.º do CPC (atual 608.º, n.º 2), segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras». É o vício de que enfermam as decisões judiciais que tenham deixado por apreciar alguma questão cujo conhecimento se lhe impunha por ter sido invocada pelas partes. Assim, só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o tribunal não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da decisão judicial também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio. Não há nulidade da sentença por omissão de pronúncia relativamente a questões que resultem prejudicadas pela resposta dada pelo tribunal a outras. Como é jurisprudência corrente e pacífica, a obrigação do juiz de se pronunciar sobre todas as questões que as partes lhe tenha colocado não significa que o juiz tenha de conhecer todos os argumentos ou considerações que a parte tenha produzido em defesa da sua tese, uma vez que questões não se confunde com argumentos. Por outro lado, haverá omissão de pronúncia se o tribunal deixa por conhecer questões que foram suscitadas pelas partes sem indicar razões para justificar essa abstenção de conhecimento e se da decisão jurisdicional também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento ficou prejudicado. As «questões», neste contexto, abrangem os pedidos, as causas de pedir e as exceções invocadas pelas partes. No caso dos recursos para os tribunais superiores, as «questões» sobre as quais o tribunal de recurso tem de se pronunciar são as suscitadas pelo recorrente ao alegar e pelo recorrido ao contra-alegar.”. Na sentença ora recorrida o juiz identificou desde logo que a reclamação se fundava na argumentação da Reclamante de que administração tributária não pode proceder à venda do direito de usufruto que possui sobre um bem, por ser a sua habitação própria e permanente, bem como a falta de citação e de fundamentação do despacho reclamado, pedindo a final o reconhecimento da impossibilidade de venda executiva do direito de usufruto e subsidiariamente a determinação da obrigatoriedade da notificação do titular da nua propriedade do prédio para exercício do direito de preferência na venda executiva. Compulsado o teor da decisão recorrida resulta que todas as questões suscitadas pela Reclamante foram analisadas e decididas pelo tribunal a quo tendo este decidido serem todas elas improcedentes. Concretizando e, tal como mencionado em v): A sentença recorrida julgou improcedente a reclamação judicial deduzida contra o despacho proferido pelo órgão de execução fiscal em 09/08/2022, entendendo que a notificação da penhora foi corretamente realizada através da caixa postal eletrónica; que não ocorreu qualquer ilegalidade da penhora por falta de notificação do titular da nua propriedade para o exercício do direito de preferência e; considerando que in casu a venda judicial não se encontra marcada, não ocorre qualquer ilegalidade por falta de audição da Reclamante, e a proibição da venda do bem destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar nos termos do art. 244º, nº 2 do CPPT, não se estende à penhora. Mais entendeu não ter ocorrido falta de fundamentação do despacho reclamado tendo julgado improcedente in totum a reclamação judicial apresentada. Destarte se conclui que a sentença recorrida não padece de nulidade por omissão de pronúncia, improcedendo assim a alegada nulidade. Uma última nota para referir que decorre da cronologia processual supra mencionada que, após o órgão de execução fiscal ter tido conhecimento de que a penhora do usufruto do prédio rústico no qual se encontra a caravana que constitui a habitação permanente da Reclamante, o órgão de execução não efetuou qualquer venda judicial do bem penhorado, nem sequer o seu agendamento. Na verdade, a penhora da habitação permanente é legal, não sendo no entanto permitida a venda judicial do bem como decorre do nº 2 do art. 244º do CPPT. Considerando que a venda judicial não será possível nos termos do nº 2 do art. 244º do CPPT, as questões relacionadas com a notificação do titular da nua propriedade para o exercício do direito de preferência, tornam-se insipientes na medida em que o órgão de execução fiscal não marcou qualquer venda judicial do bem penhorado, não podendo ser discutida a legalidade de um ato futuro que ainda não se concretizou. Acresce referir que na sentença recorrida ao ser mencionado que “(…) pelo que a formalidade legal se mostrará integralmente cumprida quando o titular do direito de preferência haja tido conhecimento desse dia e dessa hora da entrega dos bens com a antecedência que lhe permita nele estar presente, o que manifestamente aconteceu neste processo (…)” resulta evidente tratar-se de lapso de escrita porquanto não resulta dos autos essa notificação, nem a mesma poderia ter ocorrido dado não existir igualmente a venda judicial do bem penhorado, pelo que quando se lê “o que manifestamente aconteceu neste processo” deve entender-se “o que manifestamente não aconteceu neste processo”. Por tudo o que vem exposto entendemos ser de negar provimento ao recurso mantendo-se a sentença recorrida. * * V- DECISÃOEm face do exposto, acordam em conferência as juízas da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida. Custas pelo Recorrente Lisboa, 27 de junho de 2024 Luisa Soares Maria de Lurdes Toscano Hélia Gameiro Silva |