Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 337/10.0BELRS |
![]() | ![]() |
Secção: | CT |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 05/16/2024 |
![]() | ![]() |
Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
![]() | ![]() |
Descritores: | IRS COMPETÊNCIA CUMULATIVA ESTADO DA FONTE E DA RESIDÊNCIA DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL ÓNUS DA PROVA |
![]() | ![]() |
Sumário: | I - A demonstração do pagamento de imposto no estrangeiro não está sujeita a nenhum tipo de formalidade. As orientações genéricas não vinculam os sujeitos passivos e, pretendendo apenas interpretar uma norma, não podem ir além disso mesmo, da interpretação. II - A legalização de documentos passados em pais estrangeiro não é, atualmente, requisito da sua autenticidade, a qual só se torna necessária quando se levantarem fundadas dúvidas sobre essa autenticidade. III - Não sendo colocada em causa a efetividade dos rendimentos, o seu pagamento, e bem assim que houve lugar à retenção na fonte declarada, pautando-se o indeferimento pela insuficiência probatória, e dimanando da prova dos autos que a Recorrida auferia rendimentos de trabalho dependente, pagos por uma entidade domiciliada na Alemanha, resulta inequívoca a aplicação direta e imediata da Convenção celebrada entre Portugal e Alemanha. IV - In limite, o inquisitório sempre imporia que a AT, em caso de dúvidas fundadas, iniciasse um procedimento de troca de informações com as autoridades alemãs tendo em vista a determinação da situação contributiva e fiscal do titular dos rendimentos daquele país, não podendo, sem mais, coartar a possibilidade de acionar a Convenção e eliminar a dupla tributação internacional. V - O referido anteriormente, legitima a competência cumulativa de tributação no Estado da Fonte e da Residência, e nessa medida, impera que seja eliminada a dupla tributação internacional. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Votação: | Unanimidade |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO I-RELATÓRIO
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante DRFP ou Recorrente) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por P… (Recorrido), tendo por objeto a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2009 4004772869, relativa ao ano de 2005, e das respetivas liquidação de juros compensatórios e demonstração de acerto de contas, das quais resultou o valor total a pagar de €18.827,55. A Recorrente apresentou alegações, tendo concluído da seguinte forma: “I - O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória de procedência da impugnação, deduzida da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRS, relativa ao ano de 2005. II -Especificando, a decisão em crise anulou a decisão de indeferimento, proferida em sede de reclamação graciosa e, em consequência, anulou parcialmente o acto de liquidação de IRS, referente ao ano de 2005, na parte atinente à consideração do valor do rendimento auferido pelo impugnante no estrangeiro, no valor de € 46.585,00. III – Para a formulação de tal juízo, considerou a sentença o teor do documento emitido pela Repartição de Finanças de Munique III, denominado como “Demonstração de Liquidação de Imposto sobre o rendimento e Imposto de Solidariedade de 2005”. IV - Sobre o valor dos rendimentos obtidos pelo impugnante no ano de 2005, alega o impugnante que a administração tributária, ao presumir um rendimento global de €91.275,44 duplicou os rendimentos auferidos pela prestação de trabalho dependente, pois esse valor corresponde à soma dos rendimentos declarados pelo Impugnante no anexo J da declaração de rendimentos de IRS e dos rendimentos declarados pela entidade patronal na declaração modelo 10, respeitantes ao ano de 2005. V - Cabe-nos discordar da fundamentação constante da sentença, aqui em crise, nomeadamente na parte em que atribuiu ao documento “particular” emitido pela Repartição de Finanças de Munique III e apresentado pelo Impugnante valor probatório, dando como provado que o valor de € 46.585,00 corresponde ao valor pago pela entidade “S…,S.A.” e declarado pela última no Modelo 10 como rendimento colocado à disposição no território nacional, culminando na procedência da presente impugnação. VI - Ora, em resumo, a questão aqui em discussão trata-se de saber se o documento emitido pela Repartição de Finanças de Munique III e apresentado pelo Impugnante tem valor probatório, no sentido de ser demonstrativo de que a entidade “S…,S.A.” pagou ao Impugnante a quantia de € 46.585,00, sendo aquele um simples documento “particular”. VII – O douto Tribunal a quo respondeu a esta questão de forma afirmativa, considerando que o documento apresentado faz prova daqueles factos, nos termos do disposto no nº 1 do art. 365º do Código Civil (CC): “Os documentos autênticos ou particulares passados em país estrangeiro, na conformidade da respectiva lei, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal”. VIII - Face a este entendimento, é convicção da Fazenda Pública haver erro na interpretação das normas em apreço, porquanto o artigo 540º, nº 1 do Código Processo Civil, aplicável ex vi do disposto na alínea e) do artigo nº 2 do CPPT, determina: “1 – Os documentos autênticos passados em país estrangeiro, na conformidade da lei desse país, consideram-se legalizados desde que a assinatura do funcionário público esteja reconhecida por agente diplomático ou consular português no Estado respectivo e a assinatura deste agente esteja autenticada com o selo branco consular respectivo. 2 – Se os documentos particulares lavrados fora de Portugal estiverem legalizados por funcionário público estrangeiro, a legalização carece de valor enquanto se não obtiverem os reconhecimentos exigidos no número anterior.” IX - Avaliando a importância desta formalidade, da qual depende, em última instância, a credibilidade e poder probatório dos referidos documentos, acrescenta-se que esta regra deve ainda ser observada, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, quando se tratem de documentos particulares “lavrados fora de Portugal”, cuja legalização carece de valor, enquanto não se obtiverem os reconhecimentos mencionados no nº 1 da mesma norma. X - Ora, o documento em causa não se encontra “legalizado”, nos termos do disposto no citado artigo 540º do CPC, pelo que à Administração Tributária não restou outra solução que não fosse a de lhe retirar “qualquer tipo de relevância para os efeitos fiscais pretendidos”. XI - Sobre estes requisitos que decorrem da lei, a Administração Tributária, pronunciou-se no Ofício-Circulado nº 20124, de 09.05.2007, da Direcção de Serviços das Relações Fiscais Internacionais, mantendo a exigência da apresentação pelo contribuinte dos documentos originais autenticados (ou de fotocópias autenticadas). XII - Neste sentido, é ainda de referir que as próprias instruções do Anexo J, enuncia taxativamente: “Destina-se a declarar os rendimentos obtidos fora do território português, por residentes, e a identificar as contas de depósitos ou de títulos abertas em instituições financeiras não residentes em território português. Os documentos, originais ou fotocópias autenticadas, comprovativos dos rendimentos e da liquidação final do imposto pago no estrangeiro, bem como os comprovativos de natureza pública daqueles, emitidos pela respectiva autoridade fiscal desse país, devem ser entregues conjuntamente com a declaração ou remetidos para o serviço de finanças da área do domicílio fiscal”. XIII – De harmonia com o estatuído no nº1 do artº 74º da LGT, o ónus da prova cabia ao impugnante, devendo juntar com a referida declaração Modelo 3 todos os documentos comprovativos dos valores declarados, devidamente “legalizados”. XIV – E o impugnante teve oportunidade (várias) de apresentar a referida prova relativamente aos factos por si invocados em sede de reclamação graciosa e de impugnação, contudo não o fez. XV – Por outro lado, foram extraídos elementos de facto do documento, emitido pela Repartição de Finanças de Munique III, que o mesmo não contém, como sendo a conclusão que o imposto aí mencionado foi retido em virtude dos rendimentos auferidos pelo trabalho prestado pelo impugnante à sociedade “S…, S.A.”. XVI – Na verdade, do documento em questão não consta que os rendimentos, auferidos pelo impugnante na Alemanha, e sobre os quais foi efectuada retenção na fonte, são efetivamente os rendimentos pagos pela sociedade “S…, S.A.”, pois que do documento nada consta sobre esta matéria. XVII – Decorrendo dos documentos constantes nos autos e expressamente reconhecidos pelo impugnante(Cfr. artigo 2.º e 41.º da p.i.) que a sociedade “S…,SA” declarou no Modelo 10 do ano de 2005 pagamento do valor de € 44.689,74 (em território nacional), e que o impugnante prestou trabalho na congénere alemã “S…, AG” no período compreendido entre 1 de março de 2005 a 8 de setembro de 2006. XVIII – É um facto não contestado que a entidade “S…, SA” declarou no Modelo 10 os rendimentos colocados à disposição do impugnante, em território nacional, no valor lá constante, declaração esta que atesta o pagamento de rendimentos a residentes colocados à disposição no território nacional, dela derivando que os rendimentos foram colocados à disposição em Portugal e não no estrangeiro. XIX – Não resulta dos factos considerados provados no ponto 5 da sentença a quo, nem do documento sobre o qual versa este ponto 5, que os rendimentos brutos no valor de € 46.585,00 foram pagos na Alemanha pela entidade “S…, SA”, permanecendo por demonstrar a proveniência destes rendimentos, os quais podem ter sido pagos por outra entidade. XX – Assim, não se afigura legítima a conclusão constante na sentença proferida, que os rendimentos auferidos pelo impugnante na Alemanha correspondem aos rendimentos pagos pela entidade “S…, S.A.”, por o documento emitido pela Repartição de Finanças de Munique III não fazer qualquer referência quanto a esta matéria. XXI - O documento emitido pela Repartição de Finanças de Munique III, além de não se encontrar “legalizado”, pelos motivos já expostos, é um documento provisório, como expressamente o mesmo refere, o que lhe retira aptidão para a produção da prova pretendida pelo impugnante, na medida em que não existe um cálculo final de imposto, uma liquidação, que permita o apuramento do montante de imposto efectivamente pago na Alemanha. XXII – A prova do imposto efectivamente suportado e pago só poderá ser feita através da competente nota de liquidação final, a qual nunca foi junta aos autos de impugnação judicial, pelo que também quanto a esta matéria não logrou o impugnante dar cumprimento ao ónus da prova que sobre si recaía. XXIII - Face ao exposto, a douta sentença proferida pela Mmª. Juiz a quo fez, a nosso ver, relativamente à questão aqui tratada, uma incorrecta aplicação da lei, em violação do disposto no artigo 540º, nº 1 e 2 do Código Processo Civil, e do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, incorrendo assim em erro de julgamento, devendo, por esse motivo, ser revogada, com as legais consequências, mantendo-se na ordem jurídica a decisão impugnada e, consequentemente, liquidação em causa. Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exªs., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a douta decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.” *** A Recorrida devidamente notificada apresentou contra-alegações tendo concluído da seguinte forma: “1. Por referência ao ano de 2005, o Impugnante é considerado residente fiscal em território nacional; 2. No ano de 2005, o Impugnante auferiu remunerações de trabalho dependente por trabalho prestado na Alemanha entre 1 de Março e 31 de Dezembro de 2005. 3. Os rendimentos auferidos pelo Impugnante na Alemanha por referência ao trabalho aí prestado foram objecto de tributação na Alemanha, nos termos da parte final do art.º 15.º, n.º 1 da CDT celebrada entre Portugal e a Alemanha. 4. O Impugnante tem direito, nos termos do art.º 24.º, n.º 1, al. a) da CDT celebrada entre Portugal e a Alemanha e do art.º 81.º, n.º 1 e 2 do CIRS, à eliminação da dupla tributação internacional, através da dedução à colecta o imposto pago no estrangeiro. 5. Para fazer prova dos rendimentos auferidos na Alemanha e do imposto sobre o rendimento aí pago, o Impugnante apresentou documento emitido pela repartição de Finanças de Munique III, cuja autenticidade não é colocada em causa. 6. O Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. 7. Não se colocando em causa a autenticidade da demonstração de liquidação de imposto sobre o rendimento emitido pela repartição de finanças de Munique III, tal documento faz prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal. 8. O Impugnante demonstrou ter auferido da S…, S.A., a remuneração de trabalho dependente e de ajudas de custo no valor ilíquido de 46.585,44€ (42.489,74€ + 4.095,70€), por trabalho prestado na Alemanha. 9. O Impugnante demonstrou ter pago, no ano de 2005, a título de imposto sobre o rendimento na Alemanha o valor de 8.134,05€. 10. Face à matéria de facto provada, a Autoridade Tributária não poderia emitir uma liquidação de IRS pelo rendimento global de 91.275,74€ ou impedir a dedução ao imposto devido em território nacional do imposto sobre o rendimento suportado na Alemanha, no valor de 8.134,05€. 11. Recai sobre a Autoridade Tributária o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à liquidação adicional. 12. Dado que a Autoridade Tributária não provou os pressupostos legais da sua actuação é de concluir pela ilegalidade do acto de fixação de matéria tributável. 13. A douta sentença recorrida, ao ter julgado a acção parcialmente procedente, fez uma correcta análise da prova produzida e aplicou correctamente o Direito aos factos provados. Termos em que, e nos mais que Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, confirmada a douta sentença recorrida.” *** O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso. *** Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir. *** II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O Tribunal a quo fixou a seguinte factualidade: “Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos: 1. Em 2005, o Impugnante foi trabalhador dependente da «S…, S.A.» - cf. factos não controvertidos (cf. artigo 1º da petição inicial e artigos 6º e 7º da contestação); 2. Em 31/12/2005, o Impugnante dispunha de habitação em Portugal e tinha a intenção de a manter e ocupar como residência habitual. - cf. factos não controvertidos (cf. artigo 3º da petição inicial e artigo 7º da contestação); 3. Em 19/01/2006 a «S…, S.A.» declarou que, durante o ano de 2005, o Impugnante auferiu remunerações de trabalho dependente por trabalho prestado em Portugal entre 01/01/2005 e 28/02/2005, o valor bruto de €2.200,00, sobre o qual incidiu IRS no valor de €274,00, e que auferiu remunerações de trabalho dependente por trabalho prestado na Alemanha entre 01/03/2005 e 31/12/2005, no valor bruto de €42.489,74, sobre o qual incidiu IRS no valor de €11.410,00 – cf. declarações a fls. 24 e 25 dos autos; 4. A «S…, S.A.» declarou que, durante o ano de 2005, o Impugnante recebeu o valor de €4.095,70 a título de ajudas de custo – cf. declaração a fls. 25 dos autos; 5. A repartição de finanças de Munique III emitiu a demonstração de liquidação do imposto sobre o rendimento e imposto de solidariedade de 2005, em nome do Impugnante, constando da mesma o seguinte: «São liquidados: Imposto sobre o rendimento: €10.364,00; Imposto de Solidariedade: €570,02; Montante já pago: Imposto sobre o rendimento: €7.710,00; Imposto de Solidariedade: €424,05; Consequentemente, falta pagar: Imposto sobre o rendimento: €2.654,00; Imposto de Solidariedade: €145,97; (…) Cálculo de rendimento tributável: Rendimento de trabalho dependente: Rendimento Bruto: 46.585; Rendimento tributável: 46.613; Cálculo do imposto: (…) com 24,3227% sobre 42.613; Imposto sobre o rendimento a liquidar: €10.364; Cálculo do Imposto de Solidariedade: (…) 570,02;» - cf. tradução certificada de demonstração de liquidação a fls. 56 a 61 dos autos; 6. O Impugnante entregou a declaração de rendimentos de IRS modelo 3 do ano de 2005 em 16/03/2007, tendo declarado no anexo A como rendimentos do trabalho dependente a quantia de €2.200,00, como retenção na fonte, o valor de €274,00 e como contribuições obrigatórias para a segurança social, o valor de €242,00 - cf. declaração a fls. 66 a 69 dos autos; 7. No Anexo J da declaração identificada no ponto anterior, o Impugnante declarou como rendimentos de trabalho dependente a quantia de €46.585,44, como imposto pago no estrangeiro, o valor de €10.934,02, como imposto retido em Portugal, o valor de €11.410,00 e como contribuições obrigatórias para a segurança social, o valor de €4.618,89 – cf. declaração a fls. 66 a 69 dos autos; 8. Em 27/03/2007, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2007 400044975, em nome do Impugnante e referente ao ano de 2005, com o valor a reembolsar de €11.127,03 - cf. liquidação a fls. 70 dos autos; 9. Pelo ofício n.º 00278, datado de 14/01/2009, com o assunto «Análise da modelo 3 do ano de 2005», o serviço de finanças de Loures 3 comunicou e solicitou ao Impugnante o seguinte: «A declaração de IRS apresentada relativamente ao ano de 2005 (…) foi seleccionada para análise dos seus elementos por parte da Administração Fiscal. (…) fica V. Exa. notificado nos termos do art.º 128º do Código de IRS para (…) apresentar (…) o duplicado da referida declaração e todos os documentos comprovativos da sua situação familiar e pessoal, bem como dos elementos quantitativos declarados. (…) Fica ainda ciente, de que caso a situação não seja confirmada, será elaborada uma declaração oficiosa, com os elementos disponíveis, procedendo-se à respectiva liquidação, considerando a situação pessoal de não casado, sem dependentes nem encargos ou quaisquer despesas.» - cf. ofício, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 65 do processo administrativo apenso; 10. A Administração Tributária emitiu a declaração oficiosa de rendimentos de IRS, modelo 3, em nome do Impugnante, para o ano de 2005, constando da mesma o seguinte: «Anexo A - Rendimentos do trabalho dependente: €44.690,00; Retenções na fonte: €11.684,00; Anexo H – Deduções à colecta – Benefícios Fiscais: €4.228,61; – Deduções à colecta prevista no CIRS: €848,20; Anexo J - Rendimentos de trabalho dependente: a quantia de €46.585,44; Imposto pago no estrangeiro: €10.218,00» - cf. declaração oficiosa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 70 a 75 do processo administrativo apenso; 11. Em 20/07/2009 foram emitidas as liquidações de IRS 2009 4004772869, constando da mesma que resulta de declaração oficiosa e o valor de €91.275,44 como rendimento global, de juros compensatórios n.º 2009 1487797 e 2009 1487796 e a demonstração de acerto de contas n.º 2009 00005731496, com o valor a pagar de €18.827,55 – cf. liquidações a fls. 27 a 29 dos autos; 12. Em 28/08/2009, o Impugnante pagou a quantia de €18.827,55 – cf. comprovativo a fls. 30 dos autos; 13. O Impugnante apresentou reclamação graciosa contra as liquidações identificadas no ponto 11. – cf. petição de reclamação a fls. 3 a 17 do processo administrativo apenso; 14. Por despacho de 28/01/2010, a reclamação graciosa referida no ponto anterior foi indeferida com os seguintes fundamentos: «(…) sendo o reclamante residente em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos rendimentos obtidos, incluindo os obtidos fora desse território, cf. preconiza o art. 15° do CIRS. Tendo obtido rendimentos na Alemanha os mesmos devem ser declarados no Anexo "J". Para o efeito tem de juntar documentos originais ou fotocópias autenticadas, emitidos pelas autoridades fiscais alemãs. No presente caso verifica-se que o documento emitido pela autoridade fiscal alemã é uma fotocópia que não está autenticada. (…) atento o disposto no Oficio-Circulado n.º 20 124 de 09.05.2007, da Direcção de Serviços de Relações Internacionais, n.º 3 do Oficio-Circulado n.º 20022, de 19 de Maio de 2000, da extinta Direcção de Serviços de Benefícios Fiscais, mantêm-se a exigência da apresentação pelo contribuinte dos originais ou fotocópias autenticadas dos documentos, os quais serão apresentados devidamente traduzidos. Nestes termos, sou de parecer que deve o pedido ser indeferido, face ao incumprimento dos requisitos do Oficio-Circulado n.º 20 124 (…)» - cf. despacho e informação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 87 a 93 do processo administrativo apenso.” *** A decisão recorrida consignou ainda que: “Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa.” *** Mais ficou consignado em termos de motivação da matéria de facto que: “O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos, nomeadamente do processo administrativo apenso, e na posição assumida pelas partes nos articulados, conforme identificado nos factos provados.” *** C) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, interposta contra a liquidação adicional de IRS, referente ao ano de 2005. De relevar ab initio que apenas a Recorrente interpôs recurso jurisdicional, sendo que a Recorrida nas suas contra-alegações não requereu a ampliação do objeto do recurso encontrando-se, por isso, consolidadas na ordem jurídica as questões julgadas improcedentes e concatenadas com o vício de falta de fundamentação formal e o vício de preterição de formalidade essencial, concretamente de audição prévia. Mais importa relevar que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a decisão recorrida padece de erro de julgamento, por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, competindo, para o efeito, analisar se o Tribunal a quo, decidiu acertadamente a questão ao evidenciar que os meios probatórios juntos aos autos são suficientes para se concluir que os rendimentos de trabalho dependente foram obtidos no estrangeiro, e nessa medida, se há lugar à consideração do imposto pago no estrangeiro, por forma a eliminar a dupla tributação internacional. Apreciando. Cumpre, desde logo, evidenciar que a Recorrente não impugna a matéria de facto, ao abrigo dos requisitos consignados no artigo 640.º do CPC, não requerendo qualquer aditamento por complementação ou substituição, apenas convoca um erro de julgamento no sentido de que deveria ter sido valorada de forma distinta a prova documental constante dos autos, concluindo, assim, que o Tribunal a quo retirou ilações jurídicas desacertadas do concreto acervo factual. Face ao exposto inexiste qualquer impugnação da matéria de facto, não se vislumbrando, outrossim, qualquer erro de julgamento da matéria de facto que careça da devida materialização- por parte deste Tribunal ad quem e ao abrigo dos seus poderes de cognição- no respetivo probatório, encontrando-se, por conseguinte, o mesmo estabilizado. *** Vejamos, ora, o erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito. A Recorrente advoga erro de julgamento, quanto à suficiência probatória ajuizada pelo Tribunal a quo, defendendo, para o efeito, que o documento emitido pela Repartição de Finanças de Munique III não tem o valor probatório que lhe foi conferido pela decisão recorrida na medida em que desrespeitou o artigo 540.º, nº 1, do CPC, aplicável ex vi do disposto na alínea e), do artigo 2.º do CPPT. Sufraga, nesse particular, que o aludido normativo institui uma formalidade atinente à legalização a qual não foi respeitada e implica, per se, que o mesmo não seja valorado, sublinhando adicionalmente que tal é o entendimento que se encontra, igualmente, vertido no Ofício -Circulado nº 20124, de 09 de maio de 2007, da Direção de Serviços das Relações Fiscais Internacionais. Conclui, ainda, que o ónus probatório se encontrava na sua esfera jurídica, e que o mesmo não foi cumprido, sendo certo que os elementos de facto extraídos desse documento não permitem inferir as asserções de facto que foram ajuizadas na decisão recorrida. Dissente o Recorrido propugnando pela manutenção da decisão recorrida, na medida em que o Tribunal a quo fez uma correta interpretação quanto à prova carreada aos autos, em nada podendo relevar, para o efeito, o aduzido quanto ao plasmado no artigo 540.º do CPC e bem assim do Ofício Circulado, o qual, ademais, não tem qualquer caráter vinculativo. Alega, neste âmbito, que da prova produzida resulta inequívoco que, no ano de 2005, auferiu remunerações de trabalho dependente por trabalho prestado na Alemanha entre 1 de março e 31 de dezembro de 2005, e que esse rendimento foi objecto de tributação na Alemanha, em conformidade com o disposto nos termos da parte final do artigo 15.º, n.º 1 da CDT celebrada entre Portugal e a Alemanha. Concluindo, assim, que tem direito, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea a), da CDT celebrada entre Portugal e a Alemanha e do artigo 81.º, n.º 1 e 2 do CIRS, à eliminação da dupla tributação internacional, através da dedução à coleta o imposto pago no estrangeiro, face à idoneidade e suficiência da prova produzida. O Tribunal a quo concluiu pela parcial procedência da presente impugnação judicial, porquanto o Recorrido logrou provar o erro sobre os pressupostos de facto e de direito em que se fundou o ato tributário impugnado, demonstrando, efetivamente, que apenas auferiu rendimentos na Alemanha no valor de €46.854,44, inexistindo suporte legal para a tributação de rendimentos de trabalho dependente no valor global de €91.275,44, devendo, por conseguinte, o imposto que suportou naquele território ser relevado com vista à eliminação da dupla tributação internacional. Densifica, neste particular, que foi junta “demonstração de liquidação do imposto sobre o rendimento e imposto de solidariedade emitida pela repartição de finanças de Munique III, constando da mesma (cf. ponto 5.) que, em 2005, o Impugnante recebeu a quantia bruta de €46.585,44 a título de rendimentos de trabalho dependente, e que pagou, ao tempo da emissão daquela declaração, a título de imposto sobre o rendimento e de imposto de solidariedade o valor total de €8.134,05.” Aparta a necessidade de legalização consignada no artigo 540.º do CPC, ressalvando, para o efeito, que “não se colocando em causa a autenticidade da demonstração de liquidação de imposto sobre o rendimento emitido pela repartição de finanças de Munique III, a mesma faz prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal (cf. artigo 365º, n.º 1, do Código Civil) e nos termos do disposto no artigo 371º, n.º 1, do Código Civil, os documento autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pelo autoridade ou oficial público respectivo, assim como os factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.” Materializa, ulteriormente e mediante convocação do probatório que “[d]a conjugação dos factos provados nos pontos 3., 4., 5. e 7. resulta que, em 2005, o Impugnante auferiu da «S…, S.A.», a remuneração de trabalho dependente e de ajudas de custo no valor ilíquido de €46.585,44 (€42.489,74 + €4.095,70) por trabalho prestado na Alemanha. Deste modo, não podia a Administração Tributária emitir uma liquidação de IRS pelo rendimento global no valor de €91.275,44, em resultado de ter somado o valor declarado pelo Impugnante no Anexo J da declaração de rendimentos de IRS com o valor declarado pela sociedade «S…, S.A.” Concluindo, assim, que a “[l]iquidação de IRS impugnada enferma de erro nos pressupostos de facto e de direito, pelo que deve ser anulada na parte em que considera como rendimento global do Impugnante, do ano de 2005, o valor de €91.275,44.” No concernente à dedução à coleta para efeitos de eliminação da dupla tributação, sufraga, para o efeito, que “[d]os factos provados (ponto 5.) resulta que a repartição de finanças de Munique III declarou que, em 2005, o Impugnante pagou a título de imposto sobre o rendimento o valor total de €8.134,05, estando por pagar a quantia de €2.799,97. Sendo assim, dúvidas não temos de que o Impugnante logrou provar que o pagamento do imposto sobre o rendimento foi efectuado na Alemanha no valor de €8.134,05. Deste modo, e face ao que antecede, o Impugnante tem direito a um crédito de imposto por dupla tributação internacional, nos termos previstos no artigo 81º do Código do IRS (…) não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela convenção, o o “qual, conforme consta do ponto 5. dos factos provados, perfaz o valor de €8.134,05.” Apreciando. Importa, desde já, relevar que não se vislumbra que o entendimento do Tribunal a quo mereça qualquer censura, visto que interpretou corretamente o quadro normativo vigente e aplicou-o com adequação ao recorte fático dos autos. Senão vejamos. Comecemos por atentar no regime jurídico aplicável ao caso vertente. De harmonia com o consignado no artigo 15.º, do CIRS, sob a epígrafe de “Âmbito da sujeição”: “1 - Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território. 2 - Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.” Consignando, por seu turno, o artigo 17.º, nº 1, alínea a), do CIRS, que se consideram rendimentos obtidos em território português: “Os rendimentos do trabalho decorrentes de atividades nele exercidas, bem como de atos isolados nele praticados, de carácter científico, artístico ou técnico, ou de prestação de serviços prevista no nº 4 do artigo 3º”. Preceituando, por seu turno, o artigo 81.º do mesmo diploma legal, relativamente ao crédito de imposto por dupla tributação internacional, que: “1 - Os titulares de rendimentos das diferentes categorias obtidas no estrangeiro têm direito a um crédito de imposto por dupla tributação internacional, dedutível até à concorrência da parte da coleta proporcional a esses rendimentos líquidos, considerados nos termos da alínea b) do n.º 6 do artigo 22.º, que corresponderá à menor das seguintes importâncias: a) Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro; De chamar, igualmente, à colação o disposto no artigo 128.º do CIRS, o qual a propósito da obrigação de comprovar os elementos das declarações, dispunha que: “1 - As pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo que lhes for fixado, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e abatimentos e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Direcção-Geral dos Impostos os exija. Mais importa convocar a Convenção celebrada entre Portugal e Alemanha a qual conforme dimana, desde logo, do seu artigo 1.º aplica-se às pessoas residentes de um ou de ambos os Estados Contratantes. Neste concreto particular, importa chamar à colação o artigo 15.º, sob a epígrafe de profissões dependentes, segundo o qual: Mais importa convocar, in fine, o disposto no artigo 24.º, nº1, da aludida Convenção, o qual regulamenta o método para evitar a dupla tributação, estatuindo, para o efeito, que: “1: a) Quando um residente de Portugal obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam ser tributados na República Federal da Alemanha, Portugal deduzirá do imposto sobre os rendimentos desse residente uma importância igual ao imposto sobre o rendimento pago na República Federal da Alemanha. A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fração do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados na República Federal da Alemanha. b) Quando, de acordo com o disposto nesta Convenção, o rendimento obtido por um residente de Portugal for isento de imposto neste Estado, Portugal poderá, ao calcular o quantitativo do imposto sobre o resto dos rendimentos desse residente, ter em conta o rendimento isento.” In fine, e ainda neste concreto particular, e relativamente a rendimentos de trabalho dependente, cumpre atentar no expendido por Alberto Xavier (1-In ob. cit, pp. 619 e 620.) e que se transcreve na parte que para os autos releva: “Em matéria de profissões dependentes, as convenções internacionais-seguindo o artigo 15.º do Modelo OCDE-reconhecem, em princípio, a competência exclusiva do Estado da Residência. Se o emprego é exercido no Estado da residência do empregado, nenhum problema se suscita; se, porém, é exercido noutro Estado, importa proceder à repartição dos poderes de tributar potencialmente interessados na situação. Nesta hipótese, há que distinguir as “actividades duradouras”, caso em que ocorre a competência tributária cumulativa (may be taxed) do Estado da fonte, das “actividades temporárias”, caso em que o Estado da residência tem um poder exclusivo (…)”. mais esclarecendo que, “através destes dois últimos requisitos, pretendeu-se esclarecer que a exclusividade do direito do Estado da residência, cessa quando a “fonte de pagamento” se localiza também no país em que a actividade é exercida (fonte da produção). Visto o quadro normativo e tecidos os considerandos de direito que relevam para o caso vertente, regressemos, então, ao caso dos autos. Para o efeito importa, desde já, convocar quais as razões que motivaram o indeferimento da pretensão do Recorrido e a manutenção do ato de liquidação. Ora, atentando no probatório verifica-se que os fundamentos assentaram, tão-só, na inidoneidade da prova carreada em sede administrativa, na medida em que o sujeito passivo tem de juntar documentos originais ou fotocópias autenticadas, emitidos pelas Autoridades Fiscais Alemãs, convocando, para o efeito, o disposto no Ofício-Circulado n.º 20 124 de 09 de maio de 2007, da Direção de Serviços de Relações Internacionais, e o n.º 3 do Oficio-Circulado n.º 20022, de 19 de maio de 2000, da Direção de Serviços de Benefícios Fiscais. Mas, a verdade é que tal como sentenciado pelo Tribunal a quo, tal entendimento não pode lograr mérito, sendo que as razões avançadas pela Recorrente não permitem, de todo, apartar a fundamentação jurídica atinente à concreta idoneidade e suficiência da documentação em contenda. Senão vejamos. De relevar, desde já, que inversamente ao sustentado pela AT a prova documental carreada aos autos permite atestar os rendimentos visados, a entidade pagadora dos mesmos e a concreta retenção na fonte, sendo que, em bom rigor, nunca é colocada em causa a efetividade dos rendimentos, o seu pagamento, e bem assim que houve lugar à retenção na fonte declarada, pautando-se o indeferimento pela insuficiência probatória, desde logo, porque não foram apresentados os originais ou cópias autenticadas. Porém, tal falta não pode obstar à materialização da dupla tributação internacional, por um lado, porque a letra da lei não o implementa como requisito legal-nem, em rigor, o Recorrente avança com qualquer vinculação legal a esse nível-por outro lado, porque inexistiu qualquer ausência de colaboração por parte do Recorrido, tendo o mesmo apresentado um conjunto de documentos atinentes ao efeito, logo sempre implicaria, em caso de dúvidas, que a AT se socorresse do mecanismo legal de cooperação mútua e troca de informações. Logo, nenhuma errónea ponderação e interpretação da prova produzida pode ser convocada, mormente, no domínio da sua suficiência, tendo o Tribunal valorado ao abrigo dos seus poderes de livre apreciação da prova. Mas, atentemos, então, por reporte ao probatório dos autos o que resulta provado no caso sub judice. Do acervo fático dos autos resulta que no ano de 2005, o Impugnante, ora Recorrido era residente em Portugal, sendo trabalhador dependente da “S…, S.A”, tendo esta declarado que, durante esse ano, o Impugnante, ora Recorrido, auferiu remunerações de trabalho dependente por trabalho prestado em Portugal entre 01 de janeiro de 2005 e 28 de fevereiro de 2005, no valor bruto de €2.200,00, sobre o qual incidiu IRS no valor de €274,00, e que auferiu remunerações de trabalho dependente por trabalho prestado na Alemanha entre 01 de março de 2005 e 31 de dezembro de 2005, no valor bruto de €42.489,74, sobre o qual incidiu IRS no valor de €11.410,00. Declarando, adicionalmente, que durante esse mesmo ano de 2005, o Recorrido auferiu €4.095,70 a título de ajudas de custo. Mais dimana do probatório que, a Repartição de Finanças de Munique III emitiu documento em nome do Impugnante, que atesta que o mesmo auferiu rendimentos de trabalho dependente na Alemanha no valor de €46.585,00, e que sobre tal valor já havia pago a título de Imposto sobre o rendimento o montante de €7.710,00 e de Imposto de Solidariedade o montante de €424,05. Promanando, outrossim, e em conformidade com o supra expendido, que apresentou declaração de rendimentos Modelo 3, tendo declarado no anexo A como rendimentos do trabalho dependente a quantia de €2.200,00, como retenção na fonte, o valor de €274,00 e como contribuições obrigatórias para a segurança social, o valor de €242,00, e no Anexo J Rendimentos de trabalho dependente na quantia de €46.585,44, como imposto pago no estrangeiro, o valor de €10.934,02. Em resultado da aludida declaração foi emitido o correspondente ato de liquidação, no entanto, mediante ofício n.º 00278, datado de 14 de janeiro 2009, foi o mesmo notificado nos termos do artigo 128.º do CIRS para apresentar todos os documentos comprovativos da sua situação familiar e pessoal, bem como dos elementos quantitativos declarados, tendo o mesmo colaborado e cumprido o desiderato da notificação. Contudo, a AT entendeu que tais valores não se encontravam, devidamente justificados e emitiu liquidações oficiosas de IRS e respetivos JC, delas constando como valor total de rendimentos auferidos enquanto trabalho dependente o montante de €91.275,44 e como valor a pagar €18.827,55. Não obstante o pagamento integral da aludida quantia, o Impugnante, ora Recorrido, apresentou reclamação graciosa contra as aludidas liquidações, a qual foi indeferida, como visto, atenta a inidoneidade da documentação apresentada e em ordem ao consignado na doutrina administrativa, concretamente nos Ofícios Circulados n.º 20 124 de 09 de maio de 2007, da Direção de Serviços de Relações Internacionais, e n.º 3 do Oficio-Circulado n.º 20022, de 19 de maio de 2000, da Direção de Serviços de Benefícios Fiscais. Ora, tendo por base a aludida realidade fática ter-se-á de secundar o, bem, ajuizado pelo Tribunal a quo quanto à suficiência probatória. Com efeito, atentando no suporte documental supra aludido, dimana inequívoco que a documentação apresentada pelo Recorrido é idónea para os efeitos pretendidos, visto que dela decorre, sem margem para dúvidas, que a mesma exerceu no período visado atividade na Alemanha, auferindo, por essa via, rendimentos de trabalho dependente, extraindo-se mediante interpretação conjugada das aludidas asserções fáticas todos os elementos atinentes a esses rendimentos e as quantias, efetivamente, pagas e retidas. Em nada podendo relevar o aduzido nas suas alegações quanto ao entendimento vertido em Circular, porquanto, como é consabido, as Circulares não vinculam os sujeitos passivos, mas tão-só, a AT, sendo que, em nada podem subverter, ou criar formalismos que não se encontram plasmados na lei, como in casu. Como doutrinado no Acórdão deste TCA Sul, proferido no processo nº 1647/10.2BESNT, datado de 10 de março de 2022, e inversamente ao defendido pela Recorrente: “a demonstração do pagamento de imposto no estrangeiro não está sujeita a nenhum tipo de formalidade, no sentido de ter de ser feita inexoravelmente através de declaração emitida pelas autoridades fiscais suíças. Por maioria de razão, a falta desse tipo de documento não configura violação de uma formalidade ad substanciam. A circunstância de existirem orientações administrativas nesse sentido, como referem os Recorridos nas suas contra-alegações, em nada altera a conclusão extraída. Com efeito, o objetivo subjacente à emissão destas orientações genéricas é dotar os contribuintes de um instrumento que os esclareça sobre a interpretação que a AT faz num determinado caso, conferindo segurança adicional em termos de previsibilidade da atuação administrativa. No entanto, estas orientações genéricas, vinculando a AT na sua atuação, não vinculam os sujeitos passivos e, pretendendo-se interpretar uma norma, não podem ir além disso mesmo, da interpretação. Como referido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 14.03.2013 (Processo: 00997/12.8BEPRT): “Atento o primado da lei sobre as orientações administrativas (princípio da legalidade), as regras estatuídas nas circulares da Administração Tributária, têm que respeitar o quadro normativo legislativo de referência – normas jurídicas primárias –, que lhe é prevalente. E quando aquelas estabelecem um sentido normativo que não tem acolhimento na norma legislativa que pretensamente é interpretada, estão afinal a derrogá-la e a criar norma jurídica inovatória inválida”. Mais importa relevar que, o facto das declarações consignadas em 3) e 4), assumirem a natureza de documentos particulares não lhes retira valor e credibilidade, desde logo porque um documento particular (cfr. artigo 363.º, n.º 2, do Código Civil-CC) cuja autoria não se encontre impugnada, tem o valor probatório previsto no artigo 376.º, n.º 1, do CC, ou seja, faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova a falsidade do documento. E quanto à concreta alegação atinente à legalização do documento emitido pela Autoridade Alemã, importa, desde logo, relevar que a convocação, per se, do artigo 540.º do CPC (atual 440.º do mesmo diploma legal) não tem o alcance que lhe pretende dar a Recorrente, na medida em que, como doutrinado no Aresto do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo nº 3565/19.0T8SNT-A.L1-1, de 07 de julho de 2022: “A legalização de documentos passados em pais estrangeiro não é, actualmente, requisito da sua autenticidade, a qual só se torna necessária quando se levantarem fundadas dúvidas sobre essa autenticidade.” Note-se que, “[o] artigo 365º do Código Civil confere a tal documento, seja autêntico seja particular, desde que elaborado em conformidade com a lex loci, a mesma força probatória que têm os documentos da mesma natureza elaborados em Portugal; e só se houver fundadas dúvidas acerca da sua autenticidade, ou da autenticidade do reconhecimento, é que pode ser exigida a sua legalização, nos termos do art. 540º [actual art. 440º].” (2-Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS e outros, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, pág. 442. No mesmo sentido, ver ainda PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 3ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1982, pág. 322, e ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume I, pág. 530)” Acresce que, como claramente elucidado no Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo nº 10421/15.9T8VNG.P2.S1 STA, datado de 11 de maio de 2023: “Quando considere que não há falta ou insuficiência de prova, o Tribunal pode, no exercício dos seus poderes de livre apreciação da prova, dar por demonstrada a veracidade do documento, ainda que a veracidade do documento seja impugnada por uma das partes.” Ora, in casu, os visados documentos não foram impugnados, logo assumem o aludido valor probatório. De todo o modo, sempre se dirá que, mesmo quando são impugnados, tal implica que deixam de fazer prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, nos termos previstos no artigo 376.º do CC, mas podem ser utilizados como meios de prova, apreciados livremente pelo Tribunal. Ademais, e conforme já evidenciado anteriormente, em ordem ao princípio do inquisitório e da colaboração, sempre a conduta da AT estaria inquinada de ilegalidade, porquanto se existiam dúvidas sobre os rendimentos, efetivamente, auferidos e declarados e impostos pagos no estrangeiro não podia, sem mais, computar, por um lado, como valor global de rendimentos de trabalho dependente o montante de €91.275,44, e sem substrato factual atinente ao efeito-realidade, de resto, não sindicada in casu- e, por outro lado, desconsiderar o crédito de imposto sobre tributação internacional, na medida em que o mesmo nunca se eximiu a qualquer colaboração. In casu, o inquisitório sempre imporia que a AT iniciasse um procedimento de troca de informações com as autoridades alemãs tendo em vista a determinação da situação contributiva e fiscal do titular dos rendimentos daquele país. Mais importa evidenciar que, carece de relevo o expendido em XV) a XXII), na medida em que consubstancia fundamentação não contemporânea do ato, sendo que, como visto, e resulta inequívoco do probatório o indeferimento da pretensão radicou apenas na qualidade da prova, por reputada insuficiência. Sem embargo do exposto, sempre se dirá que as aludidas alegações não logram provimento na medida em que, inversamente ao propugnado, se aquiescem os rendimentos pagos, as concretas retenções, sendo que o probatório -não impugnado-tem de ser visto e ponderado na sua globalidade, e a verdade é que da conjugação dos pontos 3), 4) e 5) se retira os elementos de facto para poder concluir nos moldes propugnados pelo Tribunal a quo. Ainda neste concreto particular, cumpre evidenciar que não assiste, igualmente, razão à Recorrente quando advoga que o ato administrativo constante em 5) assume, integralmente, natureza provisória, bastando, para o efeito, uma leitura atenta do seu teor. É por demais evidente que, do mesmo consta como base de facto definitiva e inequívoca que foram objeto de pagamento os valores de €7.710,00 e €424,05, valor esse que o foi, efetivamente, computado na decisão recorrida, daí a cominada procedência parcial. Destarte, existindo provas inequívocas de que os rendimentos foram obtidos no estrangeiro, onde o imposto foi pago, então tem de relevar o crédito de imposto por dupla tributação internacional não podendo, sem mais, desconsiderar-se o imposto pago no estrangeiro. [Vide, neste âmbito, designadamente, Acórdãos deste TCAS, proferidos nos processos nºs 901/11, de 04.03.2024, e 52/09, de 05.11.2020]. In casu, como visto, resulta inequívoca a aplicação direta e imediata da Convenção celebrada entre Portugal e Alemanha, daí dimanando, face ao supra aludido, a competência cumulativa de tributação no Estado da Fonte e da Residência, e nessa medida, impera que seja eliminada a dupla tributação internacional. Conforme doutrina José Casalta Nabais, a dupla tributação do rendimento implica que “ (…) pode ser tributado tanto no Estado da fonte do rendimento como no Estado da residência do seu titular, sendo certo que, de acordo com o ius gentium, incumbe ao Estado da residência, porque tem legitimidade para tributar a globalidade dos rendimentos dos seus residentes, o ónus de eliminar ou atenuar a dupla tributação daí decorrente.” (3-Direito Fiscal, 4ª Edição, Almedina, 2006, p.237.). Sendo que, conforme consignado nos artigos 23.º-A e 23.º-B da Convenção Modelo da OCDE, os métodos previstos pelas Convenções por forma a eliminar a dupla tributação, são o método da isenção e o método da imputação. In casu, a Convenção celebrada entre Portugal e Alemanha determina, no citado artigo 24.º, nº1, o método da imputação limitada, dele dimanando que “Portugal deduzirá do imposto sobre os rendimentos desse residente uma importância igual ao imposto sobre o rendimento pago na República Federal da Alemanha. A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fração do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados na República Federal da Alemanha.” E por assim ser, resultando provado que os rendimentos de trabalho dependente em contenda foram obtidos no estrangeiro, onde o imposto foi pago, tem, necessariamente, de relevar o crédito de imposto por dupla tributação internacional, nos termos do disposto no artigo 24.º, nº1, da Convenção celebrada entre Portugal e Alemanha, 8.º da CRP e 81.º do CIRS, pelo que não tendo sido esse o entendimento da AT, a liquidação impugnada padece, efetivamente, de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, nos moldes e com a extensão preconizada na decisão recorrida. Logo, a sentença que assim o decidiu não merece qualquer censura, mantendo-se, assim, o julgado anulatório com todas as legais consequências, as quais não foram, minimamente, sindicadas. *** Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e confirmar a decisão recorrida. Custas pela Recorrente. Registe. Notifique. Lisboa, 16 de maio de 2024 (Patrícia Manuel Pires) (Susana Barreto) (Cristina Coelho da Silva) |