Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 13317/16 |
Secção: | CA- 2º JUÍZO |
Data do Acordão: | 10/20/2016 |
Relator: | PEDRO MARCHÃO MARQUES |
Descritores: | DECISÃO ARBITRAL; POLICIA JUDICIÁRIA; FALTAS POR DOENÇA; FÉRIAS; REGIME DA PROTECÇÃO SOCIAL CONVERGENTE; INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS; DIREITOS FUNDAMENTAIS |
Sumário: | i) Na interpretação da norma jurídica, sem transcender a linguagem – a letra da lei – entendida esta na sua construção linguística (texto enquanto veículo de um conteúdo), há que determinar o sentido ou espírito da lei – o pensamento legislativo ou ratio legis. Porém, seja qual for o objecto/sentido que se pretenda atribuir à norma, o mesmo só será possível de alcançar validamente se resultar expresso no contexto lógico-literal ou se for definível com base no próprio contexto. Por isso, deve indagar-se a vontade do legislador a partir da letra da lei e respeitando uma interpretação lógica e racional. ii) O direito a férias constitui um inegável direito fundamental de natureza análoga, sendo-lhe, portanto, aplicável tanto o regime material como o regime orgânico dos direitos, liberdades e garantias. iii) As normas respeitantes a direitos fundamentais fornecem não só um indirizzo normativo para o legislador, como um indirizzo interpretativo que orienta o intérprete-aplicador. iv) A ausência de norma especial que se refira aos efeitos das faltas por motivo de doença dos trabalhadores integrados no regime de protecção social convergente relativamente ao direito a férias, em conjugação com o disposto no artigo 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, que é especificamente dedicado às faltas por doença e que determina de forma categórica, no seu n.º 1, que “[a] falta por motivo de doença devidamente comprovada não afeta qualquer direito do trabalhador, salvo o disposto nos números seguintes”, que nada dispõem sobre efeitos no direito a férias, impõe, de acordo com os ditames da interpretação jurídica, a conclusão de que as faltas por doença daqueles trabalhadores ainda que superiores a 30 dias não determinam quaisquer efeitos sobre as férias. v) À situação de um trabalhador integrado no regime da protecção social convergente que faltou ao serviço por doença por período superior a 1 mês, por força do disposto no artigo 15.º, n.ºs 1 e 6, da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, não é aplicável o disposto nos artigos 278.º, 129.º e 127.º da LGTFP |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. Relatório O MINISTÉRIO DA JUSTIÇA veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Arbitral, datada de 26.11.2015, que julgou procedente o pedido de anulação do acto de 10.02.205 da Directora da Unidade de Recursos Humanos da Policia Judiciária, que determinou a aplicação à situação do ora Recorrido, Virgílio ………………….. ……….., dos artigos 278.º, n.º 1, 129.º, n.ºs 1 e 2, e 127 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, em virtude de este faltar ao trabalho, por doença, por período superior a um mês. As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões: I. A decisão recorrida procedeu a uma errada interpretação da lei, pois defende que por força do artigo 15.º da lei preambular, os artigos 278.º, n.º 1, 129.º, n.s 1 e 2, e 127.º da LTFP não se aplicam aos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente que faltem ao trabalho por doença, por período superior a 1 mês. II. A questão controvertida remete-nos para o regime da suspensão do vínculo de emprego público estabelecido nos artigos 276.° a 279.° da LTFP e, consequentemente, para a regra geral do artigo 278.º, aplicável a todos os trabalhadores em funções públicas (independentemente da vinculação e do regime de proteção social de que beneficiem). III. Além do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 277.º da LTFP, da suspensão resulta ainda os efeitos descritos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 129.º da LTFP, sendo que, no que aqui importa, no ano da cessação do impedimento prolongado o trabalhador tem direito a férias nos termos previstos no artigo 127.º, ou seja, tem direito a gozar dois dias úteis de férias por cada mês completo de duração do contrato. IV. Considerando que estamos perante um caso de faltas por doença, importa ainda o efeito decorrente das faltas justificadas que, nos termos da alínea a) do n.º 2 conjugada com a alínea a) do n.º 4, ambos do artigo 134.º da LTFP, que remetem para CT, é a perda de retribuição, desde que o trabalhador beneficie de um regime de segurança social de proteção na doença, cf. alínea a) do n.° 2 do artigo 255.º do CT. V. Desta forma, e sem prejuízo da suspensão do vínculo de emprego público, as faltas por doença, por período superior a um mês, têm efeitos distintos consoante o trabalhador esteja ou não integrado no regime de proteção social convergente e é aqui, neste âmbito, que devem ser analisadas as exceções impostas pelo artigo 15.º da lei preambular – que apenas impõe um regime excecional às faltas por motivo de doença relativamente a efeitos na remuneração, antiguidade e subsídio de refeição. VI. Os efeitos que possam vir a ocorrer na contagem de tempo de antiguidade não são consequência necessária da suspensão do vínculo ou vice-versa, mas sim das faltas por doença serem dadas por trabalhador integrado no regime de proteção social convergente ou não. VII. Em abono do argumento de que não há uma relação causal necessária entre efeitos das faltas e suspensão do contrato e de que o regime da suspensão do vinculo de emprego público se aplica a todos os trabalhadores em funções públicas, encontra-se ainda o elemento histórico revelado pelo antecedente contido no artigo 19° da Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, que aprovou o Regime de Contrata de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP). VIII. Por força da primitiva redação daquele artigo, as normas aplicáveis em matéria de faltas por doença eram as constantes do DL. n.° 100/99, de 31 de março, o qual, nos termos do seu artigo 13.º, não prejudicava o vencimento do direito a férias que ocorria sempre no dia 1 de janeiro de cada ano ainda que o trabalhador estivesse ausente nessa data e o período de faltas sucessivas se prolongasse por vários meses. IX. Com a alteração do artigo 19.º feita pela Lei n.º 66/2012, de 31 de dezembro, foi alterado o regime de vencimento do direito a férias durante o período de impedimento prolongado devido a faltas por doença, pelo que, no tocante ao direito a férias, os beneficiários do regime de proteção social convergente ficaram submetidos aos efeitos estabelecidos no artigo 179.º do RTFP para os trabalhadores com contrato suspenso por motivo de doença. X. O artigo 179.º do RTFP corresponde, no essencial, ao atual artigo 129.º da LTFP, o que demonstra que a intenção do legislador foi a de manter a mesma solução legal aplicável a todos os trabalhadores, independentemente do regime de proteção social de que beneficiem. XI. O entendimento do Recorrente é sustentado pela DGAEP, conforme documento junto e documentos anexos à contestação então apresentada. XII. A sentença recorrida procedeu, assim, a uma errada interpretação do disposto no art. 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, violando a referida norma legal e o disposto nos artigos 278.º, 129.º e 127.º, n.º 3, todos da LFTP. O Recorrido não apresentou contra-alegações. • • Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão. • I. 1. Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a decisão arbitral recorrida enferma de erro de julgamento ao ter considerado que o art. 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, referente a faltas por doença, afastava a aplicação dos art.s 278.º, 129.º e 127.º da LTFP aos trabalhadores integrados no regime de protecção social convergente que faltem por motivo de doença por período superior a um mês. • II. Fundamentação II.1. De facto A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 663.º, n.º 6, do CPC ex vi dos art.s 1.º e 140.º do CPTA. • II.2. De direito No recurso interposto, questiona o Recorrente o entendimento alcançado pelo tribunal arbitral acerca da invalidade do acto impugnado, com base na interpretação que fez do art. 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, que determinou a aplicação do disposto nos art.s 278.º, 129.º e 127.º da LTFP sobre suspensão do vínculo de emprego público e efeitos sobre o direito a férias, em virtude de o ora Recorrido se encontrar a faltar ao trabalho, por doença, desde 01.09.2014. Em suma, a sentença recorrida sancionou a alegação do Demandante, ora Recorrido, de que tais preceitos da LGTFP são inaplicáveis no seu caso, porquanto, nos termos do artigo 15.º, n.º 1, da Lei n.º 35/2014, a falta por motivo de doença devidamente comprovada dos trabalhadores integrados no regime da protecção social convergente – que é o seu caso por ser funcionário público desde 1997 – não afecta o direito a férias, sendo, assim, expressamente afastado o regime constante da LGTFP no que respeita aos efeitos das faltas sobre o direito a férias. Por conseguinte, ao ter aplicado à situação em causa a disciplina dos artigos 278.º, 129.º e 127.º n.º 3, da LGTFP, o acto impugnado afectou o seu direito a férias, em violação do disposto naquele art. 15.º da Lei n.º 35/2014. Alega o Recorrente que o art. 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, apenas estabelece o regime de faltas por doença dos trabalhadores integrados no regime de protecção social convergente, nada estabelecendo sobre suspensão do vínculo de emprego público, sendo que esse regime de suspensão do vínculo de emprego público está estabelecido nos art.s 276.º a 279.º da LTFP. Pelo que, aquele art. 15.º da Lei n.º 35/2014 não afasta a aplicação dos artigos 278.º, 129.º e 129.º da LTPF, contrariamente ao decidido na sentença recorrida. E, adiantamos já, não assiste razão ao Recorrente. Vejamos porquê. Dispõe o art. 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, sob a epígrafe “faltas por doença”, o seguinte: 1- A falta por motivo de doença devidamente comprovada não afeta qualquer direito do trabalhador, salvo o disposto nos números seguintes. 2- Sem prejuízo de outras disposições legais, a falta por motivo de doença devidamente comprovada determina: a) A perda da totalidade da remuneração diária nos primeiro, segundo e terceiro dias de incapacidade temporária, nas situações de faltas seguidas ou interpoladas; b) A perda de 10 % da remuneração diária, a partir do quarto dia e até ao trigésimo dia de incapacidade temporária. 3- A contagem dos períodos de três e 27 dias a que se referem, respetivamente, as alíneas a) e b) do número anterior é interrompida sempre que se verifique a retoma da prestação de trabalho. 4- A aplicação da alínea b) do n.º 2 depende da prévia ocorrência de três dias sucessivos e não interpolados de faltas por incapacidade temporária nos termos da alínea a) do mesmo número. 5- A falta por motivo de doença nas situações a que se refere a alínea a) do n.º 2 não implica a perda da remuneração base diária nos casos de internamento hospitalar, faltas por motivo de cirurgia ambulatória, doença por tuberculose e doença com início no decurso do período de atribuição do subsídio parental que ultrapasse o termo deste período. 6- As faltas por doença descontam na antiguidade para efeitos de carreira quando ultrapassem 30 dias seguidos ou interpolados em cada ano civil. 7- O disposto nos n.ºs 2 a 6 não se aplica às faltas por doença dadas por pessoas com deficiência, quando decorrentes da própria deficiência. 8- As faltas por doença implicam sempre a perda do subsídio de refeição. 9- O disposto nos números anteriores não prejudica o recurso a faltas por conta do período de férias. Por sua vez o art. 278.º, n.º 1, da LGTFP, a propósito da suspensão do vínculo por facto respeitante ao trabalhador, dispõe que: 1- Determina a suspensão do vínculo de emprego público o impedimento temporário por facto não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de um mês, nomeadamente doença. E o art. 129.º do mesmo diploma, acerca dos efeitos da suspensão do contrato por impedimento prolongado, estabelece que: 1- No ano da suspensão do contrato por impedimento prolongado, respeitante ao trabalhador, verificando-se a impossibilidade total ou parcial do gozo do direito a férias já vencido, o trabalhador tem direito à remuneração correspondente ao período de férias não gozado e respetivo subsídio. 2- No ano da cessação do impedimento prolongado o trabalhador tem direito a férias nos termos previstos no artigo 127.º. 3- No caso de sobrevir o termo do ano civil antes de decorrido o prazo referido no número anterior ou antes de gozado o direito a férias, pode o trabalhador usufruí-lo até 30 de abril do ano civil subsequente. Com este enquadramento normativo, entendeu o tribunal arbitral, enquanto suporte fundamentador da conclusão que alcançou sobre a invalidade do acto impugnado, que: “Nem no artigo 15.° nem no conjunto das demais normas especiais aplicáveis aos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente (artigos 16.° a 41.º da lei preambular) encontramos qualquer norma similar à que constava do artigo 19.º da Lei n.° 59/2008, alterado pela Lei n.° 66/2012, a determinar a aplicação do preceito sobre suspensão do contrato no caso de faltas por doença superior a 1 mês (ainda que só após a entrada em vigor da regulamentação especifica a aprovar) ou sobre a aplicação do preceito relativo aos efeitos no direito a férias. A ausência de uma norma com tal conteúdo em conjugação com o disposto no artigo 15.°, preceito especificamente dedicado às faltas por doença, que determina de forma categórica, no seu n.° 1, que a falta por motivo de doença devidamente comprovada não afeta qualquer direito do trabalhador, salvo o disposto nos números seguintes, que nada dispõem sobre efeitos no direito a férias, leva-nos a concluir que as faltas por doença dos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente ainda que superiores a 30 dias não determinam quaisquer efeitos sobre as férias, pois que esse não é um dos direitos do trabalhador afetado nos termos dos números 2 a 9 do artigo 15.°. Sendo apenas afetados, nos termos previstos nos n.° 2 a 8 do referido artigo 15.°, o direito à remuneração, a antiguidade e o direito ao subsídio de refeição. Pelo que, por força do artigo 15.º, n.º 1, da Lei 35/2014, aos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente, em caso de falta por doença prolongada (isto é, superior a 1 mês), não se aplica o disposto nos artigos 129.° e 127.° da LGTFP, preceitos que afetam o direito a férias, nomeadamente prevendo que no ano do regresso ao trabalho o trabalhador terá direito a 2 dias úteis de férias por cada mês completo de trabalho, não se vencendo férias a 1 de Janeiro desse ano. (…) Esta conclusão sai reforçada pelo disposto no n.° 6 do artigo 15.° da Lei n.° 35/2014 de que as faltas por doença podem ultrapassar os 30 dias seguidos (podem, aliás, ir até aos 18 meses ou 36 meses nos termos dos artigos 25.° e 36.°), o que significa que o vínculo de emprego público do trabalhador integrado no regime de proteção social convergente não se suspendeu nos termos do artigo 278.°, n.° 1, da LGTFP. Com efeito, nos termos desta norma, as faltas por doença não podem ultrapassar os 30 dias seguidos, suspendendo-se o vinculo de emprego logo que decorrido o prazo de 1 mês (ou até antes, a partir do momento em que seja previsível que se vai prolongar por mais de 1 mês). Ora, no caso dos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente, resulta do n.° 6 do artigo 15.º (e de outros preceitos, como os artigos 25° e 36°) que as faltas por doença podem ultrapassar os 30 dias seguidos, o que significa que o vinculo de emprego público não se suspende em resultado do impedimento por doença superior a 1 mês nos termos do artigo 278.°, n.° 1, da LGTFP, pois que se assim fosse, isto é, havendo suspensão do vínculo, não continuariam a contar dias de faltas por doença; o vínculo estaria pura e simplesmente suspenso. Como sublinham PAULO VEIGA E MOURA e CATIA ARRIMAR, «(...) se as faltas podem exceder os trinta dias seguidos (embora com perda de antiguidade), é porque para os trabalhadores integrados no regime de protecção social convergente o vínculo de emprego não se suspende quando incorram em mais do trinta dias seguidos de faltas, ao contrário do que determina o artigo 278.° para os trabalhadores integrados no regime geral». Ora, não havendo suspensão do vinculo nos termos do artigo 278.° da LGTFP, não se aplica, por essa via, o disposto nos artigos 129.° e 127.° sobre os efeitos dessa suspensão no direito a férias, sendo que, em qualquer caso, os efeitos sobre o direito a férias estariam liminarmente afastados por força do disposto no artigo 1 5.°, n.° 1, da Lei 35/2014. Dito de outra forma, ainda que houvesse suspensão do vínculo – que, a nosso ver, não há –, ainda assim, face ao disposto no n.° 1 do artigo 15.° da lei preambular, estaria afastada a aplicação dos artigos 129.° e 127.° da LGTFP, os quais afetam o direito a férias por motivo de faltas por doença que exceda 1 mês. A nosso ver, não vale em sentido contrário o argumento avançado pelo Demandado de que o artigo 15.° da lei preambular apenas estabelece o regime das faltas por doença dos trabalhadores integrados no regime da proteção social convergente, nada dispondo sobre suspensão do vínculo de emprego público por impedimento não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de 1 mês, regendo esta suspensão o artigo 278.° da LGTFP e regendo os seus efeitos no direito a férias o artigo 129.° da LGTFP (que por seu turno remete para o artigo 127.º. É que, além de se poder dizer que a suspensão do vínculo como resultado de faltas por doença que excedam 1 mês se insere ainda no campo do “regime das faltas por doenças, resulta implícito do n.° 6 do artigo 15.° da lei preambular que, quanto a esses trabalhadores, o vínculo de emprego público não se suspende. Acresce que, admitir a aplicação dos artigos 129.° e 127.° por força da suspensão do vínculo de emprego público determinada pelo artigo 278.° da LGTFP é admitir que seja afetado o direito a férias, pelo que interpretação do Demandado levaria a que se deixasse entrar pela janela (pela aplicação dos artigos 129.° e 127.° ex vi do artigo 278.° da LGTFP) aquilo a que se fechou a porta (através da prescrição constante do n.° 1 do artigo 15.° da LGTFP de que as faltas por doença não afetam qualquer direito do trabalhador, salvo o disposto nos números seguintes, nos quais não se inclui o direito a férias).[sublinhado nosso] Considerando o supra exposto e respondendo à questão decidenda, à situação de um trabalhador integrado no regime da proteção social convergente que faltou ao serviço por doença por período superior a 1 mês, por força do disposto no artigo 15.°, n.°s 1 e 6, da Lei n° 35/2014, de 20 de junho, não é aplicável o disposto nos artigos 278.°, 129.° e 127.° da LGTFP. Por conseguinte, ao aplicar os artigos 278.°, n.° 1, 129.°, n.°s 1 e 2, e 127.° da LGTFP à situação do Demandante, trabalhador integrado no regime de proteção social convergente, por o mesmo ter faltado ao serviço por motivo de doença por período superior a 1 mês, o ato impugnado padece de erro nos pressupostos de Direito, por errada interpretação e aplicação daqueles preceitos da LGTFP, e viola o disposto no n.° 1 do artigo 15.º da Lei 35/2014.” E assim é efectivamente. Com efeito, a disciplina jurídica contida no art. 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, é auto-suficiente, sob pena, tal como observado na sentença recorrida, de perder conteúdo aplicativo útil quando confrontada com o regime de suspensão do vínculo. Para nós, o ponto essencial reside na interpretação a efectuar do n.º 6 do referido artigo 15.º da Lei n.º 35/2014, onde se dispõe que: “6- As faltas por doença descontam na antiguidade para efeitos de carreira quando ultrapassem 30 dias seguidos ou interpolados em cada ano civil”. Ou seja, o legislador consagrou, a propósito das faltas por doença, que na circunstância de as mesmas faltas excederem 30 dias em cada ano civil, ocorre desconto na antiguidade e para efeitos de carreira. O que significa que tal previsão normativa – o desconto na antiguidade para efeitos de carreira – se aplica, designadamente, às situações de promoção e de alteração de índices remuneratórios, mas não abrange as férias ou a contagem da antiguidade na função pública. E, convenhamos, se a intenção do legislador tivesse sido a de determinar que o art. 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, não afastava a aplicação dos art.s 278.º da LTFP (e consequentemente dos art.s 129.º e 127.º) aos trabalhadores integrados no regime de protecção social convergente que faltem por motivo de doença por período superior a um mês, então teria sido fácil verter tal pensamento legislativo em letra de lei. Bastava ter referido, por exemplo, no n.º 1 do art. 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, que “sem prejuízo do disposto no art. 278.º” a “falta por motivo de doença devidamente comprovada não afeta qualquer direito do trabalhador” ou que, tal como o fez no n.º 9 daquele artigo (“9- O disposto nos números anteriores não prejudica o recurso a faltas por conta do período de férias”), que “o disposto nos números anteriores não prejudica o disposto no art. 278.º”; o que manifestamente não fez. Ora, sabido é que o texto ou a letra da lei é o ponto de partida da interpretação, que esta parte de um elemento determinado que é a sua fonte e procura exprimir a regra que é o seu conteúdo (cfr. Baptista Machado in Introdução ao Direito e Discurso Legitimador, 1987, p. 182 e 189; José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 4.ª ed. 1987, p. 322 e 325-326). A interpretação do texto não pode deixar de assentar nas palavras desse texto, as quais têm um determinado significado. Na interpretação da norma jurídica, sem transcender a linguagem – a letra da lei –, entendida esta na sua construção linguística (texto enquanto veículo de um conteúdo), há que determinar o sentido ou espírito da lei – o pensamento legislativo ou ratio legis. Porém, seja qual for o objecto/sentido que se pretenda atribuir à norma, o mesmo só será possível de alcançar validamente se resultar expresso no contexto lógico-literal ou se for definível com base no próprio contexto. Por isso, deve indagar-se a vontade do legislador a partir da letra da lei e respeitando uma interpretação lógica e racional. Com efeito, a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível da interpretação jurídica. É nessa medida que o art. 9.º, n.º 2, do C. Civil consagra que: “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”. Donde, vertendo à situação presente, ganha pertinência a observação efectuada na sentença recorrida, que aqui também acompanhamos, de que: “admitir a aplicação dos artigos 129.° e 127.° por força da suspensão do vínculo de emprego público determinada pelo artigo 278.° da LGTFP é admitir que seja afetado o direito a férias, pelo que interpretação do Demandado levaria a que se deixasse entrar pela janela (pela aplicação dos artigos 129.° e 127.° ex vi do artigo 278.° da LGTFP) aquilo a que se fechou a porta (através da prescrição constante do n.° 1 do artigo 15.° da LGTFP de que as faltas por doença não afetam qualquer direito do trabalhador, salvo o disposto nos números seguintes, nos quais não se inclui o direito a férias).” Acresce que a prescrição vertida no n.º 1 do art. 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, afirma a regra de que a falta por motivo de doença devidamente comprovada não afecta qualquer direito do trabalhador, salvo no que aí expressamente se excepciona, sendo que o art. 14.º da mesma lei manda aplicar o disposto nos artigos 15.º a 41.º aos trabalhadores integrados no regime de protecção social convergente – o caso do ora Recorrido – e o que se observa é que a única referência a “férias” é a constante do n.º 9 daquele artigo e apenas a propósito da faculdade de recurso a faltas por conta do período de férias. Por outro lado, necessário é não perder de vista que estamos no domínio do direito a férias e que a parte final da alínea d) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição comanda que todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas têm direito a férias periódicas pagas. Direito a férias esses que se impõe directamente a entidades públicas e privadas (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3. ed. revista, 1993, p. 120). Apesar de o preceito referente ao direito a férias, como o direito à retribuição do trabalho, ao direito a um limite máximo da jornada de trabalho e ao direito a descanso semanal, estar formalmente inserido no capítulo dos direitos e deveres económicos, certo é que a mediação legislativa que todos aqueles necessitam não lhes retira a aplicabilidade directa (v. supra), sendo vinculativos genericamente e só podendo ser restringidos por lei nos casos expressamente previstos na Lei Fundamental e à luz de interesses públicos constitucionalmente relevantes, restrições essas de carácter geral e abstracto, em princípio, sem efeitos retroactivos e, de qualquer modo, sempre proporcionadas e adequadas (neste sentido, i.a., os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 373/91, de 17.10.1991, n.º 52/03, de 29.01.2003 e n.º 827/14, de 31.12.2014). Sendo igualmente certo que a doutrina constitucionalista qualifica aqueles direitos, onde se inclui o direito a férias periódicas pagas, como “direitos análogos” aos “direitos, liberdades e garantias”, com impressivo consenso: v. g., Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º vol., 2.ª ed., 1984, pp. 129 e 322; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, 1988, pp. 143 e 144; Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais, p. 212”. Também Marcelo Rebelo de Sousa e Melo Alexandrino, destacam que em particular o direito a férias constitui um inegável direito fundamental de natureza análoga, sendo-lhe, portanto, aplicável tanto o regime material como o regime orgânico dos direitos, liberdades e garantias. Estes direitos são assim dotados de um núcleo essencial intocável que, nessa dimensão, se configura como uma verdadeira garantia (art. 18.º, da CRP). Nessa medida, da natureza do direito fundamental em causa resulta um outro efeito, para além do seu carácter jurídico-positivo, que se consubstancia ao nível da interpretação. Significa isto que os poderes estaduais, ao aplicarem a lei, estão obrigados a interpretá-la em conformidade com a Constituição. Como ensina Vieira de Andrade: “(…) as normas legislativas que contendem ou contactam com os direitos fundamentais devem ser interpretadas criticamente em função do sentido das normas constitucionais respectivas. // Estes efeitos derrogatório (anulatório) e interpretativo garantem já um certo grau de efectividade aos preceitos constitucionais (…)” (cfr. ob. cit., p. 255-256). Do que vimos de dizer, temos então que o princípio da interpretação em conformidade com a Constituição é também entendido como um princípio de prevalência ou de integração hierárquico-normativa e não apenas como princípio de controlo da constitucionalidade. Ou seja, a interpretação das normas susceptíveis de contender com direitos fundamentais terá que efectuar-se dentro dos valores constitucionalmente fixados e na medida imposta pelo art. 18.º do Texto Fundamental. O que equivale aqui por dizer, em concreta referência à questão decidenda, que da interpretação do n.º 1 do art. 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, terá que extrair-se uma regra jurídica prevalente, porque atinente ou pelo menos que contacta com o direito fundamental a férias e à sua garantia, quando relacionada com a regra contida no art. 278.º da LGTFP e por remissão nos art.s 129.º e 127.º da LGTFP (com aquele direito conflituantes). Estas directrizes constitucionais, reforçam, assim, a conclusão tirada pelo tribunal a quo e que se terá que sancionar positivamente. Terá que prevalecer o sentido interpretativo de que do artigo 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, especificamente dos seus n.ºs 1 e 6, as faltas por doença dos trabalhadores integrados no regime de protecção social convergente ainda que superiores a 30 dias não determinam quaisquer efeitos sobre as férias. Assim, tudo visto, na improcedência das conclusões do recurso terá que concluir-se que a decisão arbitral impugnada aplicou correctamente a lei, com o que tem que ser confirmada. • III. Sumário Concluindo: i) Na interpretação da norma jurídica, sem transcender a linguagem – a letra da lei – entendida esta na sua construção linguística (texto enquanto veículo de um conteúdo), há que determinar o sentido ou espírito da lei – o pensamento legislativo ou ratio legis. Porém, seja qual for o objecto/sentido que se pretenda atribuir à norma, o mesmo só será possível de alcançar validamente se resultar expresso no contexto lógico-literal ou se for definível com base no próprio contexto. Por isso, deve indagar-se a vontade do legislador a partir da letra da lei e respeitando uma interpretação lógica e racional. ii) O direito a férias constitui um inegável direito fundamental de natureza análoga, sendo-lhe, portanto, aplicável tanto o regime material como o regime orgânico dos direitos, liberdades e garantias. iii) A ausência de norma especial que se refira aos efeitos das faltas por motivo de doença dos trabalhadores integrados no regime de protecção social convergente relativamente ao direito a férias, em conjugação com o disposto no artigo 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, que é especificamente dedicado às faltas por doença e que determina de forma categórica, no seu n.º 1, que “[a] falta por motivo de doença devidamente comprovada não afeta qualquer direito do trabalhador, salvo o disposto nos números seguintes”, que nada dispõem sobre efeitos no direito a férias, impõe, de acordo com os ditames da interpretação jurídica, a conclusão de que as faltas por doença daqueles trabalhadores ainda que superiores a 30 dias não determinam quaisquer efeitos sobre as férias. iv) À situação de um trabalhador integrado no regime da protecção social convergente que faltou ao serviço por doença por período superior a 1 mês, por força do disposto no artigo 15.º, n.ºs 1 e 6, da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, não é aplicável o disposto nos artigos 278.º, 129.º e 127.º da LGTFP. • IV. Decisão Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar a sentença arbitral recorrida. Custas pelo Recorrente. Lisboa, 20 de Outubro de 2016
____________________________ Pedro Marchão Marques ____________________________ ____________________________ |