Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 335/24.7BEBJA |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 01/09/2025 |
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Relator: | SUSANA BARRETO |
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Descritores: | PENHORA CASA DE HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE DO DEVEDOR |
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Sumário: | I - De acordo com os princípios da utilidade e pertinência a que estão submetidos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto só é admissível se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte (cfr. arts. 6.º, n.º 1, 30.º, n.º 2, e 130.º, do CPC). II - Podem ser instauradas novas execuções fiscais após a declaração de insolvência (ficando afastada a regra geral constante do nº 1 do artigo 88º do CIRE e considerando-se que no artigo 180º do CPPT se estabelece um regime especial para os processos de execução fiscal), se for para cobrança de créditos vencidos após a declaração de insolvência, e apenas se forem penhorados bens não apreendidos no processo de insolvência (nº 6 do artigo 180º do CPPT). III - A circunstância de a casa de morada de família não ser suscetível de venda em execução fiscal não obsta à sua penhorabilidade |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO A…, com os sinais dos autos, notificado da sentença proferida em 2024.10.24, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que julgou improcedente a reclamação do ato do órgão de execução fiscal por si apresentado, contra a penhora ordenada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 08762019 01005707, instaurado no Serviço de Finanças de Alandroal para cobrança coerciva de dívida fiscal de IMI do ano de 2018, do prédio misto inscrito na Conservatória do Registo Predial do Alandroal sob o nº …/2…, da Freguesia de Terena, Concelho de Alandroal, o qual é composto pelo prédio rústico inscrito sob o artigo ..., da secção ..., da Freguesia de Terena, Concelho de Alandroal e ainda pelo prédio urbano com o artigo matricial ..., inscrito na mesma matriz, respetivamente de Freguesia e Concelho, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul. Nas alegações de recurso apresentadas, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: A. «Em primeiro lugar, afigura-se incompreensível a qualificação como facto NÃO PROVADO DE CIRCUNSTÂNCIAS DEVIDAMENTE MENCIONADAS E COMPROVADAS EM SENTENÇA HOMOLOGADA E TRANSITADA EM JULGADO, CUJA CÓPIA FOI DILIGENTEMENTE JUNTA AO PROCESSO DE RECLAMAÇÃO DO ATO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL (COMO DOCUMENTO N.° 2 JUNTO À RECLAMAÇÃO). B. Neste sentido, deverão necessariamente ser qualificados como factos PROVADOS, POR DEVIDAMENTE MENCIONADOS E RECONHECIDOS EM SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL JUDICIAL DE ALMEIRIM NO ÂMBITO DO PROCESSO N.° 1207/10.8TBALR: 1. A VOTAÇÃO E ANUÊNCIA DA FAZENDA PÚBLICA AO PLANO DE INSOLVÊNCIA; 2. A APROVAÇÃO DESTE ÚLTIMO A 06/07/2011; BEM COMO 3. A PERCENTAGEM DE 88,92% DE VOTAÇÃO FAVORÁVEL À RESPETIVA APROVAÇÃO PELOS CREDORES RECONHECIDOS. C. A DESCONSIDERAÇÃO DA ALUDIDA DECISÃO COMO EFETIVO MEIO DE PROVA DA MENCIONADA FACTUALIDADE REVELA UMA DESCABIDA PRETENSÃO DE VALORAÇÃO DE NÍVEL SUPERIOR POR PARTE DO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE BEJA, POR RELAÇÃO AO TRIBUNAL JUDICIAL DE ALMEIRIM. D. Em segundo lugar, qualificar como nulo o voto da Fazenda Nacional em SENTIDO FAVORÁVEL AO PLANO DE INSOLVÊNCIA, PELO FACTO DE ESTE ÚLTIMO CONTER DISPOSIÇÕES ALEGADAMENTE CONTRÁRIAS À LEI, POR CONTEMPLAREM UM PERDÃO PARCIAL DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS, PROIBIDO NOS TERMOS DOS N.°S 2 E 3 DO ART. 30.° E N.° 3 DO ART. 36.° DA LGT EM CONJUGAÇÃO COM O ART. 85.° DO CPPT, O Tribunal a quo entra em confronto direto com o entendimento proferido pelo Próprio Tribunal, pronunciado no âmbito do processo n.° 336/24.5BEBJA, NO DECORRER DO MESMO MÊS! E. DO EXPOSTO RESULTA CLARA UMA CENSURÁVEL AUSÊNCIA DE UNIFORMIDADE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE BEJA, QUE PÕE EM CAUSA A SEGURANÇA JURÍDICA DOS CONTRIBUINTES E A PROTEÇÃO DAS SUAS LEGÍTIMAS EXPECTATIVAS. F. EM TERCEIRO LUGAR, NOS TERMOS DO ARTIGO 751.° N.° 4 DO CPC, APLICÁVEL POR FORÇA DO ARTIGO 2.° DO CPPT, O IMÓVEL QUE CORRESPONDER A HABITAÇÃO PRÓPRIA PERMANENTE DO EXECUTADO APENAS PODERÁ SER PENHORADO SE A PENHORA DE OUTROS BENS PRESUMIVELMENTE NÃO PERMITIR A SATISFAÇÃO INTEGRAL DO CREDOR. G. Isto é, aquela habitação tem de ser defendida quando existam outros bens QUE POSSAM SATISFAZER AS PRETENSÕES DO EXEQUENTE, GARANTINDO ASSIM O DIREITO CONSTITUCIONAL À HABITAÇÃO, CONSAGRADO NO ARTIGO 65.° DA Constituição da República Portuguesa. H. Verdade é que o recorrente tem mais bens imóveis que são passíveis de SATISFAZER POR COMPLETO A PRETENSÃO DA RECORRIDA. I. IN CASU, O IMÓVEL PENHORADO NÃO TEM POTENCIALIDADE PARA SATISFAZER A TOTALIDADE DA QUANTIA EXEQUENDA, EXISTINDO OUTROS IMÓVEIS NO PATRIMÓNIO do Recorrente que preenchem essa possibilidade. J. A Recorrida ao decidir pela penhora do único imóvel que integra o PATRIMÓNIO DO RECORRENTE E QUE SE TEM COMO PROTEGIDO, ESTÁ A ATUAR CONTRA LEGEM E EM DESRESPEITO DOS DIREITOS DAQUELE. K. Deverá, para todos os efeitos, ser determinado o presente recurso procedente e em consequência ser revogada a sentença ora recorrida, nos TERMOS DO ARTIGO 276.° DO CPPT, SUBSTITUINDO-SE POR OUTRA QUE DETERMINE O CANCELAMENTO E CONSEQUENTE LEVANTAMENTO DA PENHORA RELATIVA AO prédio rústico inscrito sob o artigo ... da secção ... da matriz cadastral da Freguesia de Terena (S. Pedro), concelho de Alandroal, e sobre o prédio urbano inscrito sob o artigo ... DA matriz predial da mesma freguesia, prédios esses que integram o prédio misto denominado “...”, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o artigo ... L. Tal não significa que se afigurará como ilegal toda e qualquer penhora decretada pelo órgão de execução fiscal no âmbito do PEF n.° 0876201901005707, MAS POR CERTO O SERÁ TODA E QUALQUER PENHORA decretada sobre o imóvel que corresponda a habitação própria e permanente do executado, quando este comprovadamente detiver mais BENS IMÓVEIS PASSÍVEIS DE SATISFAZER POR COMPLETO A PRETENSÃO DA recorrida, NOS TERMOS DO ARTIGO 751.° N.° 4 DO CPC, APLICÁVEL POR FORÇA DO ARTIGO 2.° DO CPPT. Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado pleno provimento ao presente recurso e em consequência ser revogada a sentença ora recorrida, substituindo-se por outra que JULGUE PROCEDENTE A RECLAMAÇÃO DO ATO DO ÓRGÃO EXECUTIVO, COM TODAS AS LEGAIS consequências.» A Recorrida, não apresentou contra-alegações. O Tribunal a quo, admitiu o recurso com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo. Os autos foram com vista ao Ministério Público, que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. Com dispensa de vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre decidir. II – Fundamentação Cumpre, pois, apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso. Assim, na falta de especificação no requerimento de interposição do recurso, nos termos do artigo 635/3 do Código de Processo Civil, deve-se entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao Recorrente. O objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (artigo 635/4 CPC). Assim, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões e devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso. Atento o exposto, e tendo presentes as conclusões de recurso apresentadas, importa decidir se a sentença padece de erro de julgamento, na seleção e interpretação dos factos e aplicação do direito. II.1- Dos Factos O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade: A. «Em 15/06/2019 foi instaurado o processo de execução fiscal com o nº 0876201901005707, no Serviço de Finanças de Alandroal, contra o Reclamante para cobrança de dívida fiscal consistente em IMI do ano de 2018 - cfr. processo execução fiscal junto; B. Seguiu-se a instauração de diversas outras execuções contra o mesmo executado em razão do que foram apensas à antes enunciada, passando a correr conjuntamente - cfr. processo execução fiscal junto; C. Consta nos registos da Autoridade Tributária como domicilio fiscal do aí executado ... – cfr. doc. 4 junto com a pi; D. Por ofício datado de 13/06/2024, com o nº 2009, foi comunicado ao executado / Reclamante penhora determinada e concretizada no processo referido em a) em 12/04/2024 - cfr. processo execução fiscal junto; E. A penhora efetuada respeitou ao prédio misto inscrito na Conservatória do Registo Predial do Alandroal sob o nº …/2…, da Freguesia de Terena, Concelho de Alandroal, o qual é composto pelo prédio rústico inscrito sob o artigo ..., da secção ..., da Freguesia de Terena, Concelho de Alandroal e ainda pelo prédio urbano com o artigo matricial ..., inscrito na mesma matriz, respetivamente de Freguesia e Concelho - cfr. processo execução fiscal junto; F. O prédio penhorado, denominado por ..., corresponde à casa de morada de família do Reclamante – por acordo; G. O ofício referido em D) foi recebido pelo Reclamante em 26/06/2024 - cfr. processo execução fiscal junto; H. Em 08/07/2024 o Reclamante deu entrada à petição inicial que visou reclamar o ato de penhora citado - cfr. processo execução fiscal junto; I. O órgão de execução fiscal manteve o ato de penhora e remeteu a reclamação em 22/07/2024 a este Tribunal Tributário - cfr. fls. 1 do processo digital; J. O prédio misto penhorado foi adquirido, por compra, pelo Reclamante por partes, designadamente em 08/10/1999, 12/11/2002 e 03/01/2003 – cfr. docs juntos com a pi; K. Sobre o mesmo imóvel recaem diversos ónus, designadamente penhora efetuadas no âmbito de processos de execução fiscal em 04/10/2022 e 15/04/2024 - cfr. docs juntos com a pi; L. Do mesmo modo que enquanto ónus recaem sobre o referido imóvel nomeadamente uma dação em pagamento efetuada pelo Reclamante em benefício da sociedade “..., SA”, em 22/11/2023 - cfr. docs juntos com a pi; M. No âmbito do processo nº 1207/10.8T8ALR, que correu termos no Tribunal Judicial de Almeirim, foi declarada a insolvência do Reclamante por decisão judicial de 10/01/2011 - cfr. docs juntos com a pi; N. No âmbito do processo judicial referido na alínea que antecede esta foi proferida, em 02/07/2013, decisão homologatória do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores - cfr. docs juntos com a pi; O. Contra o ora Reclamante correm termos 178 execuções fiscais nos Serviços de finanças de Alandroal, Redondo, Ponte de Sor, Almeirim, Santarém e Lisboa 8, no valor total de 2.753.343,91 € - cfr. processo de execução junto; P. O prédio penhorado foi incluído no Plano de Insolvência, designadamente na massa insolvente - cfr. docs juntos com a pi; Q. À data da elaboração do Plano de Insolvência o ..., SA detinha sobre o Reclamante créditos no valor de 4.212.104,49 €, ficando no mesmo prevista a sua regularização através da venda dos imóveis incluídos na massa até 30/10/2011, destinando-se o valor obtido ao pagamento das hipotecas, sendo que os não vendidos seriam entregues por dação em pagamento - cfr. docs juntos com a pi; R. Os créditos referidos na alínea que antecede esta foram, entretanto, adquiridos pela já citada “..., SA” - cfr. docs juntos com a pi; S. Do Plano de Insolvência consta proposta de perdão dos créditos detidos pela Fazenda Nacional sobre o ora Reclamante - cfr. docs juntos com a pi; T. No Plano de Insolvência consta que a percentagem de voto do mesmo que cabia à Fazenda Nacional correspondia a 1,5 % - cfr. docs juntos com a pi; U. O Reclamante é proprietário de vinte prédios urbanos, sendo parte rústicos e outra parte urbanos - cfr. docs juntos pelo Reclamante; V. Ademais, o Reclamante é comproprietário de mais cinco prédios - cfr. docs juntos pelo Reclamante.». Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte: «Por seu turno da discussão da causa não resultou provado que: - a Fazenda Nacional tenha aprovado o Plano de Insolvência; - a proposta de Plano de Insolvência tenha sido aprovada em 01/07/2011; - a proposta de Plano de Insolvência foi aprovada por voto favorável de 88,92 % dos créditos reconhecidos.» E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se: «A convicção do Tribunal formou-se com base no teor dos documentos dos autos juntos quer pelo Reclamante, quer pela Fazenda Pública, os quais foram objeto de reciproco contraditório e não resultaram impugnados. Da sua análise resulta a objetiva factualidade que se verteu no probatório, concentrando-se o Tribunal na apreciação crítica dos mesmos, decorrendo a recolha da matéria que face aos fundamentos invocados pelo Reclamante se revelava de pertinência para a respetiva decisão, perante as diversas soluções plausíveis para o caso. No que respeita aos factos não provados não foi carreada prova que sustente os factos alegados, sendo que a força do caso julgado material aqui não pode ser invocada na justa medida em que a causa é diversa e as partes igualmente distintas. Nos termos do disposto nos artigos 619º e 625º do CPC o caso julgado material revelar-se-á sempre que a decisão deva projetar-se extra partes e inexista obstáculo a esse reflexo. Como em seguida se verá, ocorre obstáculo legal a essa produção de eficácia externa, assim resultando prejudicada a invocação de decisão judicial de molde a permitir a prova de factos não demonstrados por outro meio. Não resultaram por provar outros factos que sempre se revelariam inúteis para a decisão da causa tendo em conta as alegações em que se funda a reclamação.» II.2 Do Direito O Reclamante e ora Recorrente, notificado da penhora ordenada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 08762019 01005707, instaurado no Serviço de Finanças de Alandroal para cobrança coerciva de dívida fiscal de IMI do ano de 2018, do prédio misto inscrito na Conservatória do Registo Predial do Alandroal sob o nº …/2…, da Freguesia de Terena, Concelho de Alandroal, o qual é composto pelo prédio rústico inscrito sob o artigo …, da secção …, da Freguesia de Terena, Concelho de Alandroal e ainda pelo prédio urbano com o artigo matricial …, inscrito na mesma matriz, respetivamente de Freguesia e Concelho, reclamou da mesma. Notificado da sentença que indeferiu a reclamação apresentada dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul. Com as alegações de recurso juntou documentos. Cumpre, assim, em primeiro lugar pronunciarmo-nos sobre a admissibilidade e oportunidade da junção de tais documentos nesta fase processual. Em regra, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes – cf. artigo 423º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2.e) CPPT. No caso de recurso, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento – artigo 425º CPC - ou quando a junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância – artigo 651/1 CPC. Assim, na fase de recurso a junção de documentos reveste sempre natureza excecional. No caso, os documentos foram juntos com as alegações de recurso e logo fora do momento temporal em que a lei permite a sua apresentação. Todavia, como vimos, a junção de documentos ao processo conjuntamente com as alegações só é admissível se essa apresentação se revelou impossível em momento anterior (superveniência objetiva ou subjetiva) ou quando apenas se tornou necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância. E, como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa: a junção de documentos às alegações só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam. Em rigor, a Recorrente nada alega neste sentido, nem nas conclusões nem nas alegações de recurso, quanto à necessidade da sua junção nesta fase. Relativamente ao primeiro deles, constata-se que se trata do mesmo documento denominada proposta de plano de insolvência já junto pelo ora Recorrente com a pi (cf. fls. 57 dos autos). Uma vez que consta já dos autos, não se vê qualquer utilidade na sua junção com as alegações de recurso, pelo que desde já diremos que deverá ser desentranhado e entregue ao Recorrente. O segundo documento junto pelo ora Recorrente é a sentença proferida em 2024.10.09, no processo que correu termos sob o nº 336/24.5BEBJA pelo mesmo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que pende sob recurso. Relativamente a este documento, atendendo à sua natureza e à data em que foi proferida, desde já se admite a sua junção. O terceiro documento, denominado documento nº 7, é uma listagem ou “print” informático de cadernetas prediais em que o ora Recorrente figura como titular de vários prédios e que igualmente tinha já sido junto aos autos (cf. fls. 413 do processo). Constando já dos autos deverá o mesmo igualmente ser desentranhado e entregue ao ora Recorrente. Não se vislumbra, pois, qualquer justificação ou a necessidade da junção daqueles dois documentos nesta fase. Em face do exposto, não se admite a junção dos documentos, que devem ser desentranhados e restituídos à Recorrente, com a consequente condenação em custas pelo incidente anómalo a que deu causa, nos termos do artigo 527.º do CPC e 7.º n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) ao que se procederá no dispositivo do presente acórdão. Vejamos, agora quanto à impugnação da matéria de facto fixada na sentença recorrida. Nas alegações e conclusões de recurso, o ora Recorrente pretende o aditamento à matéria de facto provada relativos à aprovação do plano de insolvência em 2011.07.06, na percentagem de 88,92% dos credores reconhecidos, entre os quais se incluiria a Fazenda Pública, créditos reconhecidos em sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Almeirim no âmbito do processo nº 1207/10.8TBALR [cf. conclusões A) a C) das alegações de recurso]. Ora, quando impugna a matéria de facto fixada na sentença o ora Recorrente tem de cumprir os ónus que sobre si impendem, identificando os factos que entende terem sido mal julgados: quer por terem sido dados como provados quando o não deveriam ter sido, quer os que foram desconsiderados e considera serem relevantes à decisão, com indicação dos meios de prova que suportam esta sua pretensão de alteração do probatório, sob pena de rejeição do recurso nesta parte. Todavia, como é jurisprudência dos tribunais superiores de acordo com os princípios da utilidade e pertinência a que estão submetidos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto só é admissível se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte (cfr. arts. 6.º, n.º 1, 30.º, n.º 2, e 130.º, do CPC). Nesse sentido veja-se o recente acórdão STJ de 2023.11.03, proferido no processo nº 835/15.0T8LRA.C4.S1, disponível em www.dgsi.pt e demais jurisprudência nele citada: Acs. do STJ de 19.05.2021, Proc. n.º 1429/18.3T8VLG.P1.S1 (desta 4.ª Secção), de 09.02.2021, Proc. n.º 26069/18.3T8PRT.P1.S1 (1.ª Secção), de 30.06.20, Proc. n.º 4420/18.6T8GMR-B.G2.S1 (6.ª Secção), de 28.01.2020, Proc. nº 287/11.3TYVNG-G.P1.S1 (6.ª Secção), de 22.03.2018, Proc. n.º 992/14.2TVLSB.L1.S1 (7.ª Secção) e de 10.10.2017, Proc. n.º 8519/12.4TBCSC-A.L1.S1 (1.ª Secção). Prossegue o citado acórdão: «Vale por dizer que o dever de reapreciação da prova por parte da Relação apenas existe no caso de o recorrente respeitar todos os ónus previstos no art. 640.º, n.º 1 do CPC, e, para além disso, a matéria em causa se afigurar relevante para a decisão final (cfr. o citado aresto de 09.02.2021).» No caso concreto ora em apreciação a dívida exequenda é de IMI do ano de 2018. Trata-se, pois, de crédito vencido já após a declaração de insolvência e da aprovação do «plano de insolvência» em 2011.07.06, sendo jurisprudência pacífica e uniforme do Supremo Tribunal Administrativo da qual se cita, a título meramente exemplificativo o Acórdão STA de 2014.12.17, proferido no Proc. nº 01199/13 (disponível em www.dgsi.pt): «(…) Podem, portanto, ser instauradas novas execuções fiscais após a declaração de insolvência (ficando afastada a regra geral constante do nº 1 do art. 88º do CIRE e considerando-se que no art. 180º do CPPT se estabelece um regime especial para os processos de execução fiscal), devendo, todavia, atender-se a que: (i) se for para cobrança de créditos vencidos antes da declaração de insolvência, deverá a execução fiscal ser imediatamente sustada e avocada pelo tribunal judicial para apensação àquele processo, para o qual deverá ser enviada pelo tribunal tributário (nºs. 1 e 2 do art. 180º do CPPT e nºs. 1 e 2 do art. 85º do CIRE) (sublinhado nosso); (ii) se for para cobrança de créditos vencidos após a declaração de insolvência, a execução prosseguirá, mas apenas se forem penhorados bens não apreendidos no processo de insolvência (nº 6 do art. 180º do CPPT). E tem sido esta, aliás, a jurisprudência que tem vindo a ser afirmada uniforme e reiteradamente por esta Secção do STA.(Cfr., entre outros, os acs. de 15/11/2006, proc. nº 625/06; de 29/11/2006, proc. nº 603/06; de 31/1/2008, proc. nº 887/07; de 6/4/2008, proc. nº 249/08; de 12/11/2009, proc. nº 102/09; de 14/4/2010, proc. nº 51/10; de 6/4/2011, proc. nº 981/10; e de 29/2/2012, proc. nº 0885/11.) (…)» Temos assim que nos termos do nº 6 do artigo 180º CPPT, a execução pode ser instaurada e prosseguir contra o ora Recorrente em bens não apreendidos no processo de insolvência Vejamos o que se decidiu a este respeito na sentença recorrida: (…) «Em primeiro lugar deve proceder-se a enquadramento da mesma em termos factuais. Ora, como tal, temos como demonstrado, no probatório, que instaurado que foi processo de execução fiscal contra o executado, em 15/06/2019, em data muito posterior à sua declaração de insolvência – que ocorreu em 02/06/2013 - inexistindo satisfação voluntária pelo mesmo quanto à quantia exequenda, veio a ser concretizada penhora sobre bem imóvel propriedade do executado. Penhora essa que dos autos não resulta ser persecutória ou discriminatória, como parece ser entendimento do Reclamante. Antes se denota resultar da identificação de um dos imóveis de entre o acervo patrimonial do executado, de valor patrimonial suficiente para satisfação do crédito fiscal não voluntariamente cumprido. (…) Acresce a esta proibição a circunstância de o art. 180º do CPPT prever toda uma excecionalidade na cobrança e execução de créditos fiscais perante a declaração de insolvência dos devedores fiscais. E, na parte que aqui releva, dispõe o seu nº 6 que “O disposto neste artigo não se aplica aos créditos vencidos após a declaração de insolvência ou despacho de prosseguimento da ação de recuperação da empresa, que seguirão os termos normais até à extinção da execução.” Excluindo a Fazenda Pública do cumprimento de eventuais obrigações contraídas no âmbito desse processo. Ora, decorre assim, para o caso que nos ocupa que visto que a declaração de insolvência data de 2013, a dívida em cobrança no processo de execução fiscal vertente data de 2018 e o processo foi instaurado em 2019, qualquer plano de insolvência ou obrigações do mesmo decorrentes, são, nessa medida, inoponíveis à Fazenda Pública. Não se trata de ter conhecimento, ou não das obrigações constantes do plano. Trata-se de em respeito pela lei prosseguir a cobrança de dívida fiscal vencida após a declaração de insolvência. (…)» Assim, tratando-se, como se trata de crédito tributário constituído e vencido após a declaração de insolvência não se vê qualquer relevância ou pertinência no pretendido aditamento à matéria de facto pretendida pelo Recorrente, e que consistiria essencialmente que ficasse a constar dos factos provados que em 2011.07.06 foi aprovado do plano de insolvência, na percentagem de 88,92% dos credores reconhecidos e que a Fazenda Pública teria dado a sua anuência a esse plano. Termos em que se indefere o pretendido aditamento à matéria de facto provada. Alega o ora Recorrente que tendo a sua residência própria e permanente na parte urbana do prédio penhorado, a execução deveria prosseguir com a penhora de outros bens, argumentado que além de este não garantir na íntegra a satisfação do crédito tributário, a casa de morada de família sempre será merecedora de proteção ou tutela jurídica. Não tendo sido posto em causa, temos assim por assente que o ora Recorrente tem habitação própria e permanente naquele prédio, tanto mais que nele tem o seu domicílio fiscal. Ora, se é certo que um imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado não pode ser vendido no âmbito da execução fiscal, tal não significa que não possa ser penhorado, apenas que impede a venda do bem. Vejamos o que se decidiu na sentença recorrida no segmento que aqui interessa: «(…) Isto posto, e desde logo, cumpre referir que a casa de morada de família não integra o elenco de bens impenhoráveis nos termos da legislação civilística em vigor e bem assim na legislação fiscal, pelo que, em consequência, constitui um bem suscetível de penhora. Contudo, o legislador, atendendo à importância que a casa de morada de família detém, consagrou defesa quanto à sua penhora. Analisemos, porém, e para já, os efeitos da penhora. E, para tanto, refira-se que não obstante o legislador tenha previsto diversas formas de pagamento, no processo executivo aquele que ocorre mediante entrega do produto da venda de bens penhorados é com frequência o privilegiado. Nestas circunstâncias, o que sucede é a promoção da venda dos bens penhorados para que, com o produto nela apurado, seja efetuado o pagamento da obrigação exequenda. O que significa que todos os bens sujeitos a penhora são, por via de regra, posteriormente sujeitos a venda executiva, de forma, a que o exequente seja ressarcido na medida do seu crédito. Debrucemo-nos, agora, e em concreto, quanto à alteração produzida na legislação fiscal pela Lei nº 13/2016, de 23/05, que, como veremos, não obstaculizando a sua penhora impede a venda executiva da casa de morada de família no seio de processo de execução fiscal. A mencionada alteração legislativa teve em vista a proteção da casa de morada de família no âmbito dos processos de execução fiscal. Isto porquanto, até à sua entrada em vigor, todos os bens que constam como penhoráveis no Código de Processo Civil, seriam, também eles, penhoráveis no âmbito das execuções fiscais. A modificação substancial introduzida pela Lei nº 13/2016 – que introduziu alterações ao CPPT e à LGT – foi justamente a de consagrar que a casa de habitação permanente passou a ter restrições quanto à sua venda judicial nos processos de execução fiscal. Trata-se, como referido no preâmbulo da referida Lei, no fundo de “com esta medida, pretende-se proteger um direito essencial dos cidadãos, com maior relevância social, no caso do direito à habitação, posto em causa quando, num processo de execução fiscal, a habitação é objeto de venda judicial por iniciativa do Estado, por vezes em razão de quantias irrisórias face ao valor do imóvel”. Essencialmente, visou-se proteger o direito fundamental consagrado na Constituição da República Portuguesa, no seu art. 65º, como é, o direito à habitação. Como tal, impediu o legislador que o executado se visse privado da sua casa de morada de família por dívidas de natureza fiscal. As alterações assim introduzidas ao CPPT, incidiram sobre os artigos 219º, 231º e 244º, sendo que este último foi aquele que sofreu uma alteração substancial, mantendo apenas o nº 1 do anterior corpo do artigo. E, da nova redação de tal preceito legal, em concreto no seu nº 2, passou a constar que “*n+ão há lugar à realização da venda do imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim.”. Com efeito, a Lei nº 13/2016, de 23 de maio, que alterou o artigo 244º do CPPT Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), tem como objetivo anunciado pelo Legislador a proteção da casa de morada de família, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado, nada se dizendo, porém, sobre a penhora que como referido na sentença recorrida, não integra o elenco de bens impenhoráveis. No mais, cumpriria ao Reclamante e ora Recorrente além de alegar, provar que os demais bens de que é proprietário estão em condições de garantir e satisfazer o crédito exequendo, não bastando, para o efeito pretendido, juntar uma simples listagem de bens, com os valores patrimoniais tributários, é certo, não se sabendo, para o efeito pretendido, se se encontram livres de ónus ou encargos ou já onerados. E aqui o ónus da prova recaía sobre o ora Recorrente. Prova que não fez, insiste-se. Sendo certo que tratando-se de dívida com privilégio, como é reconhecidamente o caso das dívidas de IMI, a penhora começa pelos bens a que este respeita (cf. nº 2 do artigo 219º CPPT). No mais, como é jurisprudência deste TCAS, da qual citamos o acórdão de 2021.01.14, proferido no processo nº 740/20.8BELRA, em que foi Relatora a atual 2ª Adjunta, seguido também no Ac. de 2023.03.30, de 596/20.0BESNT (ambos disponíveis em www.dgsi.pt): «A circunstância de a casa de morada de família não ser suscetível de venda em execução fiscal não obsta à sua penhorabilidade». Nada há, pois, a censurar à sentença recorrida que assim decidiu. Argumenta ainda o ora Recorrente contradição entre o decidido na sentença recorrida com a decisão proferida pelo mesmo Tribunal em 1ª Instância, no âmbito do processo nº 336/24.5BEBJA, e ainda não transitada, mas desde já diremos que se trata de uma contradição meramente aparente porquanto a dívida em cobrança coerciva naqueles autos constituiu-se e venceu-se em data anterior à declaração de insolvência do Executado o que, como vimos já supra, convoca a aplicação de um quadro jurídico diverso do aplicável aos presentes autos. Naquele processo de execução fiscal está em causa uma dívida cujo facto gerador ocorreu no ano de 2006 e logo em data anterior à declaração de insolvência do devedor/executado. Além de se tratar de decisão ainda não transitada em julgado, o processo de execução fiscal (PEF) em que foi ordenada a penhora cujo levantamento foi aqui pedido, insiste-se, foi instaurado para cobrança coerciva de uma dívida de IMI respeitante ao ano de 2018, tendo o PEF sido instaurado em 2019. Em face do exposto improcedem todas as conclusões do recurso do Recorrente. Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…). Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, custas são pelo Recorrente que ficou vencido. Sumário/Conclusões: I - De acordo com os princípios da utilidade e pertinência a que estão submetidos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto só é admissível se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte (cfr. arts. 6.º, n.º 1, 30.º, n.º 2, e 130.º, do CPC). II - Podem ser instauradas novas execuções fiscais após a declaração de insolvência (ficando afastada a regra geral constante do nº 1 do artigo 88º do CIRE e considerando-se que no artigo 180º do CPPT se estabelece um regime especial para os processos de execução fiscal), se for para cobrança de créditos vencidos após a declaração de insolvência, e apenas se forem penhorados bens não apreendidos no processo de insolvência (nº 6 do artigo 180º do CPPT). III - A circunstância de a casa de morada de família não ser suscetível de venda em execução fiscal não obsta à sua penhorabilidade
III – Decisão Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida. Não admitir os documentos juntos com as alegações, determinando o respetivo desentranhamento e devolução à Recorrida, com custas do incidente pela Recorrida, fixando-se a taxa de justiça em uma UC. Custas pela Recorrente, que decaiu. Lisboa, 9 de janeiro de 2025 Susana Barreto Luísa Soares Isabel Vaz Fernandes |