Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:48/96.8BTLRS-A
Secção:CT
Data do Acordão:02/06/2025
Relator:ISABEL SILVA
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO
CASO JULGADO
Sumário:I- O instituto do caso julgado visa, através de autoridade do caso julgado, impor a produção de efeitos da decisão já transitada em julgado, passando a decisão proferida a assumir caráter de título executivo, permitindo ao interessado, a favor do qual foi proferida decisão, interpelar judicialmente a parte contrária para o cumprimento desta.
II- Os efeitos do caso julgado, tornam a decisão proferida insuscetível de substituição ou de modificação por aquele ou qualquer outro tribunal, tornando irreapreciável a questão objeto de litígio, não podendo, em sede de execução de julgados voltar a apreciar-se a legalidade da liquidação.

III- Face à anulação de um ato tributário ou um ato administrativo em matéria tributária, nos termos do artigo 100.º da LGT e do n.º 1 do artigo 173.º do CPTA, fica a AT obrigada à reconstituição da situação em que hipoteticamente o interessado se encontraria se o ato ilegal não tivesse sido praticado, abrangendo, esta obrigação, o dever de reconstituir as quantias indevidamente cobradas aos interessados (e das quais foram desapossados com o seu pagamento), bem como o eventual pagamento de juros indemnizatórios, moratórios e de indemnização por garantia indevidamente prestada.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO


A Autoridade Tributária e Aduaneira vem recorrer da sentença proferida em 16.05.2024, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a Ação de Execução de Julgados formulada por AA e Outros, melhor identificados nos autos.


O Tribunal Tributário de Lisboa em 06.11.2015 anulou a liquidação agora dada à execução (liquidação oficiosa de IRS n.º ..., referente ao ano de 1990), no âmbito do processo de impugnação judicial n.º 17/97.4..., decisão essa que foi posteriormente confirmada por acórdão deste TCAS, prolatado no processo n.º 9477/16.1... em abril de 2019, onde foi negado provimento ao recurso interposto pela AT daquela sentença, mantendo o sentido da decisão proferida, que ditou a procedência da impugnação judicial e, em consequência, a anulação da liquidação oficiosa de IRS n.º ..., referente ao ano de 1990.


Em sede de execução da decisão referida, o Tribunal Tributário de Lisboa determinou a condenação da AT à restituição indevida da totalidade do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, bem como o pagamento de juros de mora a incidir sobre o valor de imposto anulado, considerando os valores entretanto pagos


*


A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:


33.º

Mal andou o Tribunal a quo quando, da sentença prolatada na impugnação («Julgo totalmente procedente a presente impugnação e, em consequência, anulo a liquidação oficiosa de IRS referente ao ano de 1990»), extraiu que “Se no dispositivo desta da sentença, não é feita referência à anulação parcial do ato impugnado nem à procedência parcial da impugnação judicial, não se vislumbra, razão pela qual a AT faz tal interpretação.”

34.º

Nunca a impugnação teria uma procedência parcial se a causa de pedir procedeu na totalidade. Mas a causa de pedir não tinha como finalidade a anulação integral da liquidação, mas uma liquidação corretiva, corrigindo o vício e mantendo os restantes pressupostos que não estiveram em litígio.

35.º

A sentença a quo entrou em contradição quando, ao defender que “Com efeito, a sentença resulta da apreciação causa de pedir e pedido formulados no processo principal, cuja divergência se prendeu com a consideração indevida dos ganhos de mais valias, efetuado pelos serviços da AT.”, não atentou que a causa de pedir subscrevia-se somente a uma parte da liquidação adicional uma vez que só parte do acréscimo no valor de €119 711,50 (24 000 000$) foi contestado, sendo de manter o acréscimo de € 156 223,50 (31 320 000$) de rendimentos da categoria E, não contestados.

36.º

Incorreu em erro ao entender que a liquidação adicional se referia somente ao acréscimo impugnado, não tendo extraído que a causa de pedir não era o único elemento que formou a liquidação adicional do imposto, apesar de ter sido devidamente informado.

37.º


E ao decidir como decidiu foi para além do caso julgado.


38.º

Mais se dirá que, a liquidação corretiva limita-se a revogar parte de anterior liquidação, não possuindo natureza de ato substitutivo porque não cria um novo quadro jurídico regulador de uma situação concreta, tratando-se antes de um ato que se limita a expurgar uma parte do ato primitivo e que, por isso, não inovando na ordem jurídica na parte não revogada, tem natureza meramente confirmativa que não admite impugnação autónoma.

39.º

De acordo com o Acórdão do TCA Sul, de 12/05/2022, no Proc.º 12/10.6BELRS,

«Os atos de apuramento de imposto subsequente a uma liquidação adicional, resultantes, quer de petições apresentadas pelos sujeitos passivos, parcialmente atendidas, quer de revisão oficiosa por parte da AT, em razão dos quais se apure quantitativo de imposto inferior ao determinado na primitiva liquidação, mais não representam que liquidações corretivas, as quais não sendo lesivas dos interesses dos destinatários no segmento não corrigido, não permitem a reabertura de qualquer discussão contenciosa.»

40.º

A sentença em recurso contraria de forma ostensiva o que defendeu: que a sentença resulta da apreciação da causa de pedir e pedido formulados no processo principal, contradizendo-se ao condenar a Recorrente a anular “TODOS” os acréscimos que resultaram na liquidação oficiosa, desprezando que ia para além da causa de pedir no processo principal e respetivo recurso.

41.º

Mais desprezou que, do valor restituído pela AT de €28 730,75 e que corresponde ao imposto que incidiu sobre o acréscimo de €119 711,50, foram calculados e pagos os correspondentes juros de mora.

42.º

Todo o exposto foi claramente transmitido em sede de oposição à execução e que se dá aqui como reproduzida.

43.º

Desprezou igualmente a norma prevista no artigo 43.º, n.º 1 da LGT ao condenar a Recorrente ao pagamento de juros indemnizatórios, indo para além do decidido no Acórdão do TCA Sul que não determinou que tivesse havido erro imputável aos serviços.

44.º

Do exposto se conclui que a sentença a quo, para além de enfermar de erro nos pressupostos, é ilegal, tendo decidido para além do prolatado na sentença da impugnação e correspondente Acórdão do TCA Sul, condenando indevidamente a Recorrente à restituição de imposto devido pela Recorrida e que esta não contestou, e ainda, condenando a Recorrente ao pagamento de juros indemnizatórios, a contrario do previsto na norma para a sujeição dos referidos juros.

Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis e que V. Exas Doutamente suprirão se requer que seja dado provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a sentença recorrida com todas as devidas e legais consequências.”

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Notificados, os recorridos, não ofereceram contra alegações.


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O Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, foi notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º nº 1 do CPTA e nada disse.


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Colhidos os vistos legais, nos termos do art. 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, vem o processo à Conferência para julgamento.


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II -QUESTÕES A DECIDIR:


Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do CPPT].


Nesta conformidade, cabe a este Tribunal apreciar e decidir se a decisão recorrida padece de erro de julgamento, nomeadamente:


- ao considerar que a decisão em execução não anulou parcialmente a liquidação, violando o caso julgado e indo além do mesmo;


- ao ignorar que foram pagos juros de mora;


- errou na aplicação do artigo 43º nº 1 da LGT, na medida em que o acórdão do TCAS, que confirmou a sentença dada em execução, não determinou que havia erro imputável aos serviços.


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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:


A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:

“1.A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu liquidação oficiosa de IRS n.º ..., referente ao ano de 1990, no montante global de 16.603.457$00, (€82.817,69) sendo (€66.224,39) referente a imposto e, 3.326,657$00 (€16.593,30) do referido valor corresponde a juros compensatórios a favor do Estado, cf. facto provado no acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo n.º 9477/16.1...;

2. Em 06.11.2015, o Tribunal Tributário de Lisboa proferiu sentença no âmbito do processo de impugnação judicial n.º 17/97.4..., julgando a ação totalmente procedente e anulando a liquidação referida no ponto anterior, com a seguinte fundamentação e decisão: «(…)


[IMAGEM; TEXTO NA ÍNTEGRA NO ORIGINAL]


(...)

V – DECISÃO.

Nos termos e com os fundamentos expostos:

- Julgo totalmente procedente a presente impugnação e, em consequência, anulo a liquidação oficiosa de IRS referente ao ano de 1990;

- Custas pela Fazenda Pública estando delas, isenta;

- Registe e Notifique. (…)»

3.Em abril de 2019, o Tribunal Central Administrativo Sul proferiu acórdão no âmbito do processo 9477/16.1..., negando provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública e confirmando a sentença a que se alude no ponto anterior, cf. acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo n.º 9477/16.1...;

4.Em cumprimento do julgado referido no ponto anterior, a Autoridade Tributária e Aduaneira, em 10.02.2020, emitiu a nota de reembolso n.º ..., no montante de €28.730,75, a qual foi paga através de cheque emitido, em 27.01.2020, fl. 82, 83 do SITAF;

5.A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu nota de reembolso n.º ..., no montante de €705,28, a qual foi paga através de cheque emitido em 7 de julho de 2020, cf. fls. 84 e 85 do SITAF;

6.Os Exequentes pagaram o valor correspondente a €66.224,39 por conta da liquidação referida no ponto 1, (facto não controvertido);

7.Em momento anterior ao da propositura da presente ação, os Exequentes ficaram dispensados de pagar juros compensatórios no montante de €16.593,30, relativo à liquidação referida no ponto 1. dos factos provados, ao abrigo do perdão fiscal previsto no Decreto-lei n.º 124/96, de 10 de agosto, (facto não controvertido);

8.A presente execução de julgados foi instaurada no dia 12 de fevereiro de 2020, cf. fls. 2-3 do SITAF;

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A decisão recorrida consignou ainda, quanto aos factos não provados, o seguinte:

“Não existem outros factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.”

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Quanto à motivação da decisão de facto, o Tribunal recorrido consignou que:

“A decisão da matéria de facto teve por base o exame dos elementos documentais e informações oficiais constantes dos autos, nomeadamente as decisões judiciais proferidas no processo de impugnação n.º 17/97.4... pelo Tribunal Tributário de Lisboa e pelo acórdão n.º 9477/16.1... proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul sendo a estes feita referência em cada uma das alíneas do probatório.”

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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:


Nos presentes autos estamos em presença de uma decisão proferida num processo de execução de uma decisão proferida no processo de impugnação judicial que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa com o nº 17/97.4..., onde foi peticionada a anulação da liquidação do IRS respeitante ao ano de 1990, no valor total de € 82. 817,69.


Aquela impugnação foi julgada procedente, tendo sido anulado o ato de liquidação de IRS impugnado, decisão essa que veio a ser confirmada por este TCAS através de acórdão prolatado em abril de 2019 no processo 9477/16.1... BCLSB.


É precisamente esta decisão anulatória da liquidação de IRS de 1990 que deu origem à instauração da presente execução, por parte dos exequentes/recorridos, os quais pretendiam ver cumprido, por via da ação sob censura, o julgado em primeira instância e confirmado pelo TCAS.


A decisão posta em crise decidiu condenar a recorrente/executada a pagar aos recorridos/executados o valor integral do imposto de IRS de 1990 pago pelos mesmos, mercê da decisão anulatória proferida no processo principal, onde se concluiu pela procedência da impugnação e consequente anulação do IRS impugnado.


Relativamente aos juros compensatórios, o Tribunal a quo decidiu que não era devida qualquer quantia, uma vez que os exequentes/recorridos tinham beneficiado de perdão fiscal, o que é incontroverso, nem está aqui em questão.


A decisão recorrida condenou ainda a recorrente em juros indemnizatórios e moratórios.


Principia a recorrente por denotar o seu inconformismo com o decidido pelo Tribunal recorrido, na medida em que, no seu entendimento, andou mal o mesmo ao partir do pressuposto de que toda a liquidação de IRS de 1990 havia sido anulada, entendendo que só o foi parcialmente, por isso, afrontou aquela decisão recorrida o caso julgado emanado da decisão em execução, assim como foi para além do julgado.


Vejamos.


Na situação trazida, existe caso julgado a partir do momento em que estão solidificados os efeitos da decisão judicial proferida, ou seja, a partir do momento em que o decidido no julgado anulatório transita em julgado, o que ocorreu in casu com o acórdão proferido pelo TCAS a confirmar a decisão onde a liquidação foi anulada, sendo aquela mesma o título executivo que serve à sua execução.


Com efeito, o instituto do caso julgado visa, através de autoridade do caso julgado, impor a produção de efeitos da decisão já transitada em julgado, passando a decisão proferida a assumir caráter de título executivo, permitindo ao interessado, a favor do qual foi proferida decisão, interpelar judicialmente a parte contrária para o cumprimento desta. Foi precisamente o que sucedeu na situação sob a nossa mira.


Os efeitos de caso julgado manifestam-se através da exceção de caso julgado, tornando a decisão proferida insuscetível de substituição ou de modificação por aquele ou qualquer outro tribunal, tornando irreapreciável a questão objeto de litígio, evitando a contradição ou repetição de decisões em prol da segurança jurídica.


Deste modo, transitada a decisão da impugnação, não pode em sede de execução de julgados voltar a apreciar-se a legalidade da liquidação.


O que sucede é que, sendo anulada uma liquidação, por ter concluído o Tribunal que a mesma era ilegal, transitada essa decisão em julgado, a Administração Tributária/executada deve proceder voluntariamente à restauração direta da situação individual do interessado, praticando os atos jurídicos e operações materiais que se revelem necessários, em termos jurídicos e factuais, em harmonia com as modificações introduzidas pela decisão (cf. artigos 22º da CRP, artigo 100º da LGT e 173º do CPTA), de modo a dar cumprimento ao julgado anulatório.


Porque assim é, sempre que a Administração Tributária não cumpra o dever que lhe é imposto de executar o decidido/julgado, podem os interessados lançar mão do mecanismo acessório de execução de julgados, como ocorreu nos presentes autos, para verem a sua situação reconstituída como se o ato ilegal não tivesse sido cometido.


Deste modo e no que tange à anulação de um ato tributário ou um ato administrativo em matéria tributária, nos termos do artigo 100.º da LGT e do n.º 1 do artigo 173.º do CPTA, a AT fica obrigada à reconstituição da situação em que hipoteticamente o interessado se encontraria se o ato ilegal não tivesse sido praticado, abrangendo, esta obrigação, o dever de reconstituir as quantias indevidamente cobradas aos interessados (e das quais foram desapossados com o seu pagamento), bem como o eventual pagamento de juros indemnizatórios, moratórios e de indemnização por garantia indevidamente prestada


No entanto, o dever de reconstituir a situação que existiria se o tal ato ilegal não tivesse sido praticado apresenta-se distinto conforme o vício que ocasionou a anulação seja procedimental, de forma, incompetência ou se trate de uma violação de lei.


O poder/dever de que a Administração Tributária é investida para a reconstituição da situação atual hipotética encontra-se balizado pelos limites ditados pelo caso julgado (e temporalmente pelos prazos definidos para a execução espontânea da sentença).


Isto posto, importa descer à situação trazida.


Para tanto, importa desde já consultar o julgado anulatório, para aferir se, efetivamente, foi afrontado o decidido e bem assim se a decisão recorrida foi além do decidido, atentando contra o “caso julgado”.


Sobrevoando o teor da sentença anulatória da liquidação do IRS em execução (proferida em 6.11.2015 no processo de impugnação judicial 17/97.4... do Tribunal Tributário de Lisboa), confirmada pelo acórdão do TCAS de abril de 2019 (processo nº 9477/16.1...), ali se decidiu julgar: totalmente procedente a presente impugnação e, em consequência, anulo a liquidação oficiosa de IRS referente ao ano de 1990


E é esta decisão que, constituindo título executivo, foi dada à execução.


Assim sendo, não se vê em que medida foi afrontado o decidido em novembro de 2015 (confirmado pelo TCAS em 2019) no processo de impugnação judicial 17/97.2... em que a impugnação foi totalmente procedente e foi anulada a liquidação de IRS, que permita concluir que a decisão sob censura violou ou foi além do caso julgado.


Contrariamente ao apregoado pela recorrente, a decisão dada à execução anulou na sua integralidade a liquidação de IRS de 1990 e não parcialmente. Por isso, além de não poder ser trazida para a execução de julgados uma “nova” discussão da legalidade da liquidação anulada, a mesma está firmada na ordem jurídica sendo a sua total anulação, já transitada em julgado, que limitava os poderes do julgador em sede de executiva, bastando-se em dar execução coerciva ao julgado anulatório. E, ao considerar que a liquidação havia sido anulada na sua integralidade, concluindo pela restituição total do imposto pago pelos exequentes/recorridos, andou bem, na medida em que foi o valor dessa liquidação anulada que se viram desapossados ao pagar indevidamente o IRS de 1990 anulado.


Por assim ser, improcede o alegado pela recorrente no que tange à condenação a restituir a integralidade do imposto pago, por se ter balizado a decisão recorrida pelos limites do julgado.


Defende ainda a recorrente que a decisão recorrida peca, por não decorrer da decisão anulatória (e bem assim do acórdão do TCAS que a confirmou), dada à execução, que houve erro imputável aos serviços.


Antes de mais, importa referir que, de facto, não foi emitida pronúncia sobre o erro dos serviços, nem tinha de haver, na medida em que na PI apresentada na impugnação judicial, não pediram os ora recorridos o pagamento de juros indemnizatórios, nem estavam obrigados a formular ali tal pretensão.


A pretensão relativamente aos juros indemnizatórios foi formulada em sede de execução de julgados e foi nesta sede que legitimamente se pronunciou a decisão recorrida, entendendo que a anulação da liquidação decorreu de vícios não formais, mas por erro dos serviços.


Ademais, a formulação do artigo 100.º da LGT impõe a plena reconstituição da situação se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei, que a decisão recorrida entendeu estarem verificados.


O artigo 100.º não configura uma cláusula geral de outorga de juros indemnizatórios, devendo ser compaginado com o disposto no artigo 43.º da LGT.


O artigo 100º da LGT reconhece a natureza oficiosa do direito a juros indemnizatórios, conquanto estejam verificados os condicionalismos legais especificados no artigo 43.º da LGT.


Assim, apenas serão de atribuir juros indemnizatórios, em resultado da anulação do ato de liquidação indevidamente pago, a partir do momento do pagamento da dívida.


Consoante decorre do artigo 43º da LGT, sendo a decisão favorável ao contribuinte (neste caso a procedência da impugnação e consequente anulação do ato de liquidação de IRS de 1990), são (ainda) devidos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.


E assim é na medida em que, os juros indemnizatórios destinam-se a compensar o contribuinte pelo prejuízo provocado com o pagamento da quantia indevidamente liquidada pelo ato tributário declarado ilegal, o que decorre do princípio constitucional da responsabilidade do Estado e demais entidades públicas, previsto no artigo 22.º da CRP


Não obstante, o direito a juros indemnizatórios é limitado aos casos de anulação da liquidação com fundamento na existência de vício substancial, não se prevendo tal direito quando a anulação do ato derive de um vício de forma ou de incompetência. Tal opção resulta do entendimento de que, nestes últimos casos, a anulação não resulta de um vício privativo da própria relação jurídica tributária e do caráter indevido da prestação, mas sim do procedimento ou da incompetência para a cobrar ou exigir, do qual não resulta um prejuízo que mereça reparação, entendendo-se que, ao invés de se fixar a atribuição de juros indemnizatórios, apenas deve ser determinada a reconstituição ao interessado daquilo que foi suportado.


O artigo 43.º da LGT permite estabelecer uma presunção da existência de um prejuízo para os contribuintes e de responsabilidade da Administração Tributária pelo mesmo, independentemente de qualquer alegação ou prova dos danos sofridos, desde que se ateste que o erro seja imputável aos serviços, não se exigindo para tal a demonstração de culpa concreta, mas que dessa atuação tenha resultado o pagamento de determinada quantia tributária, que não ocorreria se o ato ilegal não tivesse sido praticado.


Competindo a determinação do pagamento de juros indemnizatórios, em primeira linha à entidade que execute a decisão judicial, nos termos do n.º 2 do artigo 61.ºdo CPPT, fica patente que os mesmos são devidos independentemente da previsão na decisão judicial da condenação da administração no pagamento de juros indemnizatórios. Deve, assim, retirar-se da leitura conjugada dos artigos 100.º da LGT e n.º 5 do artigo 61.º do CPPT que os juros são contados desde a data do pagamento do imposto indevido até que seja emitida a respetiva nota de crédito.


Na situação colocada, os juros indemnizatórios não foram pagos voluntariamente após a decisão anulatória, não sendo necessário, como se viu que tal decorresse expressamente da decisão da impugnação judicial (e do acórdão do TCAS que a confirma), pelo que bem andou a decisão recorrida a determinar aquele pagamento, no entendimento de que se verificavam os pressupostos do artigo 43º da LGT, sem que tenha existido uma pronúncia expressa na sentença (ou acórdão) executada sobre o erro dos serviços.


De resto, regressando à decisão recorrida e ao acórdão que a confirmou, a que alude a matéria de facto provada, dali se extrai que a liquidação de IRS questionada foi anulada por erro nos pressupostos de facto em que se apoiou a AT (cf. ponto 02) dos factos provados), sendo, por isso evidente a existência de erro dos serviços, o qual é substancial (vício de violação de lei) e não meramente formal.


Improcede, por isso, também, o erro de julgamento apontado à decisão recorrida.


Por fim, diz a recorrente que a decisão recorrida ignorou o valor pago de juros moratórios.


Importa desde já relembrar que os factos provados não foram postos em causa e dos mesmos se colhe que a executada/recorrente apenas pagou aos exequentes/recorridos os seguintes valores: - 28.730,75EUR e 705,28EUR (cf. pontos 4 e 5 dos factos provados).


Conclui a decisão recorrida que assiste aos recorridos o direito a receber o montante total da liquidação de imposto de IRS pago (66.224,39 EUR) uma vez que os ... beneficiaram de perdão fiscal, pelo que, tendo sido reembolsado apenas 28.730,75 EUR, cabe restituir o valor remanescente a título de IRS (37.493,64EUR), assim como juros indemnizatórios devidos desde o pagamento do imposto até ao processamento da nota de débito (artigo 61º nº 5 CPPT), devendo descontar-se o valor entretanto pago pela AT no valor de 705,28EUR.


Relativamente aos juros moratórios a decisão recorrida, apoiando-se no artigo 43º nº 5 da LGT, concluiu que eram também devidos, tendo fixado os termos em que deviam ser calculados, considerando o valor já pago pela AT a título de IRS (28.730,75EUR) e o remanescente de imposto pago em falta (37.493,64EUR), e nada mais disse, nem havia que dizer, na medida em que não decorre do probatório nem do alegado ou documentado por si, que tenha havido qualquer pagamento (parcial ou outro) quanto aos juros de mora, pelo que, também aqui o recurso terá de naufragar.


Aqui chegados, resulta a conclusão que o recurso terá de improceder, mantendo-se a decisão recorrida na sua integralidade, por não cometer os erros de julgamento que lhe foram infligidos.


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No que respeita a custas, considerando o princípio da causalidade vertido no artigo 122º nº 2 do CPPT e art. 527º do CPC, as custas ficam a cargo da recorrente por ser parte vencida.


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V- DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.


Custas a cargo da recorrente.


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Lisboa, 06 de fevereiro de 2025


Isabel Silva


(Relatora)


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Vital Lopes


(1ª adjunto)


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Ângela Cerdeira


(2ª adjunta)


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