Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2459/14.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/25/2019
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA. PROVA TESTEMUNHAL.
MODIFICAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO DEVE BASEAR-SE NUM RESULTADO RACIONALMENTE SUSTENTADO.
NORMAS RELATIVAS À RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CARÁCTER SUBSTANTIVO.
CONCEITO DE GERÊNCIA E DE ACTOS DE GERÊNCIA.
O GERENTE GOZA DE PODERES REPRESENTATIVOS E DE PODERES ADMINISTRATIVOS FACE À SOCIEDADE.
REGIME DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PREVISTO NO ARTº.24, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
ÓNUS DA PROVA DO EFECTIVO EXERCÍCIO DA GERÊNCIA/ADMINISTRAÇÃO COMPETE À A. FISCAL.
EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA. ARTº.81, NºS.1 E 4, DO C.I.R.E.
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA FICA INVESTIDO NAS VESTES DE ADMINISTRADOR DE FACTO.
RESPONSABILIDADE SOBRE AS DÍVIDAS TRIBUTÁRIAS VENCIDAS APÓS A DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA.
FALTA DE PRESSUPOSTOS DE UTILIZAÇÃO DA PRESUNÇÃO JUDICIAL, BASEADA NAS REGRAS DA EXPERIÊNCIA (CFR.ARTº.351, DO C.CIVIL), DE EXERCÍCIO DE FACTO DA GERÊNCIA.
Sumário:1. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
2. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
3. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
4. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
5. Se a decisão do julgador, no que diz respeito à prova testemunhal produzida, estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
6. O Tribunal de 2ª. Instância pode/deve modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova produzidos, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a regra da livre apreciação da prova, quando aplicável, um resultado diferente do produzido pelo Tribunal “a quo” que seja racionalmente sustentado.
7. As normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária).
8. A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos.
9. O gerente goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
10. Na previsão da al.a), do artº.24, nº.1, da L.G.Tributária, pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou. Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar.
11. Ao abrigo do regime examinado é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução.
12. Como decorre do artº.81, nºs.1 e 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.), a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores/gerentes, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.
13. Tal significa que o administrador de insolvência fica investido nas vestes de administrador de facto, assumindo a gestão da massa insolvente, tarefa que exerce pessoalmente (cfr.artº.55, nº.2, do C.I.R.E.), arcando ainda com a representação do devedor em todos os assuntos com carácter patrimonial que importem à insolvência, designadamente a cobrança dos créditos do insolvente sobre terceiros, vencidos e vincendos (excepcionando-se a intervenção do devedor no próprio processo de insolvência, nos termos do artº.223 e seg. do C.I.R.E.).
14. Na verdade, perante a amplitude de poderes e funções que o administrador de insolvência passa a assumir, contrai também a responsabilidade sobre as dívidas tributárias vencidas após a declaração de insolvência (cfr.artº.172, nº.3, C.I.R.E.), que por ele não sejam pagas na data dos respectivos vencimentos.
15. Face à prova realizada nos autos, não era lícito operar-se a presunção judicial, baseada nas regras da experiência (cfr.artº.351, do C.Civil), de exercício de facto da gerência pelos oponentes/recorridos, contrariamente ao que defende o apelante.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.100 a 105-verso do presente processo que julgou procedente a oposição intentada pelo recorrido, M………., visando a execução fiscal nº…….-2006/105……. e apensos, a qual corre seus termos no Serviço de Finanças de Albufeira, contra o opoente revertida e instaurada para a cobrança de dívidas de I.V.A., I.R.C. e I.R.S., relativas aos anos de 2004 a 2008, no montante total de € 152.984,63.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.113 a 120-verso do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1-Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julga procedente a oposição deduzida por M…….., devidamente identificada nos autos, contra a execução fiscal n.º ……20060105…… e aps contra si instaurada, na qualidade de revertida, por dívidas de IVA, IRC e IRS dos anos de 2005, 2006, 2007, 2008 e 2010, no montante de € 152.984,63, execução fiscal em que figura como devedora originária a sociedade P…….. F…… – L., A.R. LDA., com o NIF 506…….;
2-Não pode a Fazenda Pública, e com o devido respeito, conformar-se com tal entendimento vertido na douta sentença, aqui recorrida, porquanto procede a mesma a uma errada apreciação da matéria de facto de provada e da matéria constante dos e não levada ao probatório, com consequente errónea aplicação ao caso sub judice das nomas legais pertinentes;
3-Dos factos provados resulta que a sociedade devedora originária tinha como gerentes, desde a data da sua constituição e até 7 de Setembro de 2008, a aqui oponente e seu marido F………., tendo este último renunciado às funções de gerente a tal data (alíneas B. e C. do probatório), sendo que se obrigava a sociedade com a intervenção de um gerente (alínea D.) do probatório);
4-Decorre da renúncia que, desde 7 de Setembro de 2008 a oponente assume a gerência da sociedade de forma isolada, o que determina, pelo menos desde a data da renúncia às funções da gerência por F…….., a necessária prática de actos de gestão por parte da oponente, atendendo a que a sociedade se obriga perante terceiros através do seu órgão de gestão e mediante a assinatura da sua única gerente;
5-Solução esta perfeitamente compatível com o entendimento do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 21/11/2012 no processo n.º 474/12, de acordo com o qual «competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência», e também que, «sendo possível ao julgador extrair, do conjunto de factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal»;
6-Assim, constituindo matéria de facto provada nos autos o facto de que a sociedade se obrigava com a assinatura dos um gerente e o facto de ser a oponente gerente única a partir de determinada altura conclui-se pela prova do pressuposto da responsabilidade subsidiária em análise nos autos;
7-Pois, como refere a douta sentença, se “(…) serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros, através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social.”, devendo considerar-se o entendimento vertido em jurisprudência vária de acordo com a qual a assinatura de documentação vinculativa da sociedade perante terceiros se configura como acto material de gestão (vide acórdão do TCA Sul de 08-05-2012 proferido no Proc. n.º 04136/10, Acórdão do TCA Sul de 11-03-2003, proferido no Proc. n.º 7384/02 citados);
8-Assim, não obstante não derivar da gerência de direito presunção automática da prática efectiva de actos de gestão na sociedade devedora originária, deriva do conjunto de factos provados que a oponente exercia de facto a gerência, facto que ao Tribunal a quo teria sido permitido alcançar pela experiência e pela formulação de juízos de probabilidade;
9-Com efeito, assenta o Tribunal a quo as suas considerações na produção de prova testemunhal de que derivam os factos constantes das alíneas N., O. e P. do probatório, e aqui impugnamos tais factos por não permitir a produção de prova testemunhal a sua sustentação;
10-Quanto à testemunha F…….. deverá considerar-se, para efeitos de valoração do testemunho, o laço de parentesco entre a oponente e a testemunha, e portanto à sua relação de extrema proximidade com a oponente (marido), bem como com os factos aqui trazidos aos autos (co-gerente), realidade que pode emprestar alguma indesejada subjectividade às suas declarações, sendo que, não conseguiu trazer a testemunha ao tribunal uma motivação subjacente à renúncia às suas funções que se compatibilize com o alegado facto de continuar a exercer as funções de gerente depois disso, nem consta tal facto do probatório de forma a que possa extrair-se do mesmo, em conjunto com os demais, a conclusão a que chega a douta sentença acerca da credibilidade e isenção dos testemunhos;
11-Pois que, desconhecemos qual a validade a dar às declarações da testemunha que declara renunciar à gerência, através de documento por si assinado de renúncia às funções e do competente registo de tal facto na Conservatória do Registo Comercial, e que, não obstante isso, vem em momento subsequente afirmar que, apesar de tal renúncia, sempre exerceu e continuou a exercer a gerência (como resulta do facto contante dos factos N. e O. do probatório que aqui impugnamos);
12-Efectivamente, que credibilidade se pode dar à testemunha que, afirmando facto X, afirma depois facto Y, completamente contraditório ao facto X, sem que exista qualquer sustentação fáctica convincente do declarado? Nenhuma credibilidade se pode atribuir, e, portanto, o seu testemunho não pode ser considerado para efeitos dos factos contidos nas alíneas N., O. e P. do probatório;
13-Contudo, mesmo que fosse o mesmo considerado pelo Tribunal a quo, sempre tal consideração deveria parametrizar-se pelas efectivas declarações da testemunha que apontam, no período pós renúncia, para uma participação da oponente nos destinos da sociedade, pois declara a testemunha que a partir dessa altura assumiu a gerência a oponente, mas sempre com a presença da testemunha, que se deslocava à empresa dia sim, dia não, para ajudar sempre, uma vez que tinha interesse em saber do que se passava por ser sócio;
14-Por outro lado, no referente às declarações da segunda testemunha, TOC da sociedade devedora originária no período em apreço, resulta das mesmas que os contactos profissionais contabilísticos decorriam com o senhor F………, muitas vezes na presença da oponente, e que a partir de certa altura, contactava com uma funcionária da empresa directamente sem ser por intermédio do senhor M……..;
15-E, assim, não pode ser considerado o seu testemunho, por absolutamente redutor, para efeitos de prova dos factos N., O. e P., pois afirmou a testemunha não ter qualquer contacto com a empresa no que diz respeito à sua efectiva actividade diária - distava o seu escritório cerca de 200km da sede da empresa - mais declarando que era F……. a sua esposa, que reconheceu como sua cliente a determinada altura do depoimento, que se deslocavam às suas instalações a fim de tratar o primeiro dos assuntos da empresa na presença da esposa;
16-Não podendo, pois, a testemunha negar a intervenção da aqui oponente na gestão da empresa, do seu testemunho decorrendo apenas e só que estabelecia contactos com o alegado gerente da sociedade na presença da oponente, a quem se referiu a certa altura como “cliente minha”, e que não assinava F…… na sua presença qualquer documentação, nem tinha conhecimento de qualquer documentação que não fossem os cheques de pagamento de serviço a si dirigidos;
17-Logo, não podem também por esta via os factos constantes das alíneas O. e P. do probatório ser dados como provados nos termos em que o foram pelo Tribunal a quo;
18-Assim, e pelo menos desde o período da renúncia às funções de gerência, passando a sociedade devedora originária a ser gerida por uma única pessoa, a oponente, não é facticamente exequível que não exercesse a gerente única quaisquer actos de gerência, sendo antes tal facto uma consequência necessária e inelutável, uma vez que, enquanto gerente única se impunha que agisse em nome da empresa, vinculando-a junto de terceiros, nem que fosse apondo a sua assinatura nos documentos necessários ao giro comercial ou ao relacionamento com terceiros, dessa forma se mostrando preenchido o requisito referente ao exercício da gerência de facto;
19-E, mesmo que a assinatura imposta para o exercício normal da actividade da empresa se consubstanciasse em acto meramente formal, sempre a gerência de facto se mostraria assegurada atento o facto de que a assinatura de documentos necessários ao normal desenvolvimento da actividade da sociedade se configura como prática de acto de gestão, conforme acórdãos do TCA Sul de 27-01-2004 e de 09-10-2007, proferidos nos Proc. 06578/02 e no Proc. 01953/07;
20-Atento o exposto, incorreu o Tribunal a quo numa errada apreciação da matéria de facto provada, pois que, conclui pelo não exercício da gerência de facto pelo oponente, assim considerando não se mostrar preenchido o pressuposto vertido na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, quando dos autos, como referenciado, factos há que apontam para a prática de actos de gestão pela oponente e que sustentam a sua responsabilidade subsidiária;
21-Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição totalmente improcedente. Sendo que V. Exas. decidindo farão a Costumada Justiça.
X
O opoente/recorrido produziu contra-alegações (cfr.fls.123 a 128-verso do processo físico), as quais encerra com o sequente quadro Conclusivo:
1-A impugnação do julgamento de facto quanto à facticidade dada como provada nas alíneas N), O) e P) da douta sentença apresentada in casu não satisfaz as exigências previstas no art.º 640º do C.P.C., aplicável ex vi do art.º281º do C.P.P.T., não identificando a data do depoimento das testemunhas a que alude, o início e o termo da gravação, os concretos meios probatórios que impunham uma decisão diversa, limitando-se a transcrever na motivação duas pequenas frases soltas e descontextualizadas, desprovidas de conteúdo fáctico concreto e sem dúvidas que, ainda assim, não impõem decisão diversa da do Tribunal a quo, donde que os factos dados como provados nas alíneas N), O) e P) não podem ser dados como não provados pelo Tribunal ad quem;

2-Ainda assim, dir-se-á por cautela toda a prova testemunhal produzida nos autos, que o Tribunal julgou isenta e credível, não contraditada por qualquer outro meio de prova, demonstrou que a recorrida nunca exerceu a gerência de facto da devedora originária, e que foi o sócio gerente F……….., marido daquela, que sempre exerceu de facto a gerência da sociedade devedora originária, conforme passagens transcritas na motivação desta resposta que se dão por integralmente reproduzidas para todos os legais efeitos;

3-Não apontando os depoimentos prestados para qualquer pseudo “participação da oponente na gestão da empresa” seja o que for que em concreto a recorrente quer dizer com tal alegação recursiva, nem demonstrando a prática de qualquer acto interno ou externo que fosse que externalizasse o exercício da gerência de facto pela recorrida em qualquer período temporal que fosse, antes demonstrando esses depoimentos os factos provados nas alíneas N), O) e P, ou seja que “Era o outro sócio gerente e marido da oponente, o referido F………, quem tratava dos assuntos da empresa; contactava com os fornecedores; contratava os trabalhadores; fazia cessar os contratos; tratava, bem como uma trabalhadora, do envio da documentação ao contabilista”, que “Após a renúncia à gerência, o mesmo F………. continuou a controlar os destinos da sociedade, indo dia sim, dia não, às instalações da sociedade” e que “A oponente estava em casa, era doméstica e por vezes acompanhava o marido nas deslocações ao escritório do contabilista, mas sem se relacionar ao nível profissional com este”;
4-Donde que, a ser admitida, o que por cautela se aduz, deve a impugnação da decisão sobre a matéria de facto ser julgada improcedente, mantendo-se como provados os factos constantes das alíneas N), O) e P) dos factos provados;
5-É sobre a administração tributária que recai o ónus de alegar e provar os factos integradores do efectivo exercício da gerência, e “não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto”, a qual não se presume legalmente, nem se pode presumir judicialmente in casu pois inexistem provados juízos de facto, que de resto nem teoricamente a recorrente invoca, que permitissem ao Tribunal concluir, de acordo com as regras da experiência comum, a recorrida exerceu gerência de facto em algum dos períodos de tempo a que respeitam as dívidas tributárias da devedora originária, valorando-se essa falta de prova contra a recorrente;
6-Mas mesmo que hipoteticamente fossem dados como não provados os factos provados nas alíneas N), O) e P) da douta sentença, ainda assim nunca poderia a sentença recorrida ser revogada, pois o regime da responsabilidade subsidiária prevista no art. 24.º, n.º 1, da L.G.T., em qualquer das suas duas alíneas, pressupõe o exercício efectivo, o exercício de facto da gerência, que não se encontra provado ou demonstrado em qualquer outro facto da factualidade provada, e nem a recorrente pugna que seja dado como provado;
7-Pelo que, sempre se imporia a manutenção da decisão injustamente impugnada, bem tendo andado o Tribunal ao julgar procedente a oposição à execução fiscal, julgando extinta a execução contra a recorrida;
8-Nestes termos e nos demais de direito que V. Exª(s) doutamente suprirão, deve o recurso interposto pela recorrente ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo a necessária e costumada JUSTIÇA!

X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento parcial do presente recurso (cfr.fls.135 a 140 do processo físico).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.102 a 103-verso do processo físico):
A-Em 22 de Agosto de 2006, foi instaurado, no Serviço de Finanças de Albufeira, contra a sociedade “P……. e F…… - L.,A.R., Lda.”, com o NIPC 506……, o PEF n.º …….-2006/105……, para cobrança coerciva de dívidas de IVA do ano de 2006, no valor total de € 25.011,88, PEF ao qual se encontram apensos os PEF’s melhor identificados na informação prestada a fls.20 e 21 do processo físico (cfr. autuação e certidões de dívida juntas a folhas não numeradas do processo de execução apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; informação constante de fls.20 e 21 do processo físico);
B-Em face da certidão permanente do registo comercial, constam como gerentes da sociedade, desde a sua constituição, F…….. e a ora oponente, M……., que são, respectivamente, marido e mulher (cfr.certidão do registo comercial junta a folhas não numeradas do processo de execução apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
C-O referido F……….. renunciou à gerência em 7 de Setembro de 2008, renúncia registada pela AP. 1/200…… (cfr.certidão do registo comercial junta a folhas não numeradas do processo de execução apenso);
D-Sendo a forma de obrigar da sociedade “suficiente a intervenção de um gerente” (cfr. certidão do registo comercial junta a folhas não numeradas do processo de execução apenso);
E-A sociedade tem por objecto, entre o mais, a venda e montagem de equipamentos para aquecimento e tem sede em A……., Algarve (cfr.certidão do registo comercial junta a folhas não numeradas do processo de execução apenso; depoimentos das testemunhas inquiridas);
F-Por sentença de 17 de Fevereiro de 2009, proferida pelo 3.º Juízo do Tribunal da Comarca de Albufeira, no processo n.º 261/09.0TBABF, a sociedade foi declarada insolvente (cfr.cópia de D.R. junta a fls.13 e verso do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
G-Em 2008, a sociedade já se encontrava numa situação financeira precária e era com o património de outra sociedade que se pagava aos trabalhadores (cfr.depoimentos das testemunhas inquiridas);
H-Em 28 de Novembro de 2012, a oponente foi considerada notificada para audição prévia relativamente ao seguinte projecto de reversão (cfr.documentos juntos a folhas não numeradas do processo de execução apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):


I-Em 10 de Setembro de 2014, foi, pelo Chefe de Finanças de Albufeira, proferido despacho de reversão com os mesmos referidos fundamentos (cfr.documentos juntos a folhas não numeradas do processo de execução apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
J-Na mesma data, foi emitido o ofício “citação (reversão)” da oponente, na qualidade de responsável subsidiária por dívidas da sociedade referentes a IVA, IRC e IRS dos anos de 2005 a 2008 e 2010, no valor total de € 152.984,63, ofício do qual constam os mesmos referidos fundamentos da reversão (cfr.documentos juntos a folhas não numeradas do processo de execução apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
K-A oponente recebeu o ofício referido na letra anterior em 11 de Setembro de 2014 (cfr.documento junto a folhas não numeradas do processo de execução apenso; informação constante de fls.20 e 21 do processo físico);
L-Em 7 de Outubro de 2014, a oponente apresentou o articulado inicial da presente oposição junto do Serviço de Finanças de Albufeira (cfr.informação constante de fls.20 e 21 do processo físico);
M-Em 20/10/2014, na sequência da recepção do ofício n.º ….., de 2 de Outubro de 2014, em que se lhe remeteram “os elementos essenciais da liquidação e fundamentação subjacente à dívida revertida”, a oponente deduziu “aditamento” à p. i. da presente oposição, em que suscita os seguintes vícios/fundamentos: a prescrição da dívida respeitante aos PEF ……20060109………, a ilegalidade das dívidas de IVA posteriores à declaração de insolvência e a preterição de formalidades essenciais, designadamente as previstas nos artigos 22.º, n.º 4 e 23.º, n.º 4, da LGT (cfr.requerimento junto a fls.27 e verso do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
N-Era o outro sócio gerente e marido da Oponente, o referido F………, quem tratava dos assuntos da empresa; contactava com os fornecedores; contratava os trabalhadores; fazia cessar os contratos; tratava, bem como uma trabalhadora, do envio da documentação ao contabilista (cfr.depoimentos das testemunhas inquiridas);
O-Após a renúncia à gerência, o mesmo F…….. continuou a controlar os destinos da sociedade, indo dia sim, dia não, às instalações da sociedade (cfr.depoimentos das testemunhas inquiridas);
P-A oponente estava em casa, era doméstica e por vezes acompanhava o marido nas deslocações ao escritório do contabilista, mas sem se relacionar ao nível profissional com este (cfr.depoimentos das testemunhas inquiridas, os quais se revelaram isentos e credíveis);
Q-De 2005 a 2008, a sociedade pagou rendimentos da categoria A à oponente (cfr. documento junto a fls.52 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “… A convicção do tribunal fundou-se nos documentos constantes dos autos, que não foram impugnados e nos depoimentos das testemunhas inquiridas, que se revelaram isentos e credíveis, dada a sua relação com os factos (são o outro sócio gerente e marido da oponente, o aludido F………… e o contabilista da sociedade, que se esqueceram, apenas involuntariamente, de pequenos factos ou fragmentos da situação conflituosa)…”.
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Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou, além do mais, em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (“ex vi” do artº.281, do C.P.P. Tributário):
R-As dívidas exequendas revertidas são relativas a I.V.A., I.R.C. e I.R.S., dos anos de 2004 a 2008, sendo que face às respeitantes a I.R.C., do ano de 2008, e a I.V.A., dos trimestres de 2007, parcialmente, e de 2008, ocorreu o termo final do prazo de pagamento voluntário já durante o ano de 2010 (cfr.documentos juntos a folhas não numeradas do processo de execução apenso).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a oposição que originou o presente processo, em virtude da falta de prova dos pressupostos da reversão da execução contra o opoente, concretamente, do exercício da gerência de facto da sociedade executada originária, em consequência do que declarou a extinção do mesmo processo de execução fiscal nº……-2006/105….. e apensos quanto a M………. .
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante discorda do decidido aduzindo, em primeiro lugar e em síntese, que assenta o Tribunal “a quo” o seu julgamento, em sede de produção de prova testemunhal, os factos constantes das alíneas N), O) e P) do probatório, sendo que se impugnam tais factos por não permitir a produção de prova testemunhal a sua sustentação. Quanto à testemunha F……. deverá considerar-se, para efeitos de valoração do testemunho efectuado, o laço de parentesco entre a oponente e o mesmo, portanto a sua relação de extrema proximidade com a oponente (marido), bem como com os factos aqui trazidos aos autos (co-gerente). Que relativamente ao depoimento da segunda testemunha, o TOC da sociedade devedora originária no período em apreço, resulta do mesmo que os contactos profissionais decorriam com o senhor F……, muitas vezes na presença da oponente, sendo que a partir de certa altura, contactava com uma funcionária da empresa, directamente, sem ser por intermédio do senhor M…… . Que não podem os factos constantes das alíneas N) a P) do probatório ser dados como provados nos termos em que o foram pelo Tribunal “a quo” (cfr.conclusões 3 e 9 a 17 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, supomos, um erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão recorrida enferma de tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181).
Tal ónus rigoroso deve considerar-se mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7205/13). Por outras palavras, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o apelante, obrigatoriamente, sob pena de rejeição do recurso, especificar:
1-Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
2-Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
3-A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Por outro lado, no que concretamente diz respeito à produção de prova testemunhal, refira-se que se a decisão do julgador estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
Ainda, o Tribunal de 2ª. Instância pode/deve modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova produzidos, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a regra da livre apreciação da prova, quando aplicável, um resultado diferente do produzido pelo Tribunal “a quo” que seja racionalmente sustentado (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/06/2018, proc.6499/13; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.285).
“In casu”, no que se refere à produção de prova testemunhal, concorda este Tribunal com o conteúdo das alíneas N), O) e P) da factualidade provada, tal como com a motivação da decisão de facto produzida pelo Tribunal “a quo”, assim nada havendo a alterar ao probatório, nesta sede.
Concluindo, não vislumbra o Tribunal “ad quem” que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de facto, assim sendo forçoso julgar improcedente este alicerce do recurso.
O recorrente alega, igualmente e em síntese, que constituindo matéria de facto provada nos autos o facto de que a sociedade executada originária se obrigar com a assinatura de um gerente e de ser a oponente gerente única a partir de determinada altura, conclui-se pela prova do pressuposto da responsabilidade subsidiária gerência de facto por parte da revertida. Que incorreu o Tribunal “a quo” num errado enquadramento jurídico ao concluir que não se mostrava preenchido o pressuposto vertido no artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T. (cfr.conclusões 4 a 8 e 18 a 20 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O vício em causa envolve a análise do fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.b), do C.P.P.Tributário (ilegitimidade devido a falta de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda - cfr.artº.286, nº.1, al.b), do anterior C.P.Tributário).
Em primeiro lugar, diremos que as normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 28/9/2006, rec.488/06; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 24/3/2010, rec.58/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.456 e seg.).
No processo vertente, a eventual responsabilidade subsidiária do oponente deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24, da L.G.Tributária, diploma que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/1999 (cfr.artº.6, do dec.lei 398/98, de 17/12), levando em consideração o período temporal (anos de 2004 a 2008) a que respeitam as dívidas que constituem o débito exequendo revertido - cfr.al.R) do probatório (cfr.por todos ac.S.T.A.-2ª. Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.).
Mas que responsabilidade é esta. Segundo a opinião que defendemos, a responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2004, rec.28/04, in Revista Fiscal, Vida Económica, Fevereiro, 2006, pág.28; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).

O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.Impostos; artº.239, nº.2, do C.P.Tributário; artº.153, nº.2, do C.P.P. Tributário).
A lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs.259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/5/1989, rec.10492; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
É no artº.64, do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.).
Analisada a plêiade de actos que o gerente/administrador pode exercer, enquanto representante da sociedade, passemos à responsabilidade subsidiária do mesmo.
No domínio do artº.16, do C.P.C.Impostos, encontrávamo-nos perante responsabilidade “ex lege”, alicerçada num critério de culpa funcional presumida, assim dispensando a imputação subjectiva (ao nível do nexo de culpa) baseada num comportamento individual do gerente, antes se ligando ao mero exercício do cargo ou funções de gerência. Verificada a gerência de direito, presumia-se a gerência de facto, incumbindo ao responsável subsidiário, em sede de oposição à execução contra si revertida, o ónus de provar que, apesar da gerência de direito, não a exerceu de facto ou, por outro lado, que não a exerceu de forma culposa no que diz respeito à verificada insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/10/95, C.T.F.381, pág.311 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.51 e seg.).
Com o dec.lei 68/87, de 9/2, o qual veio submeter a responsabilidade subsidiária consagrada no artº.16, do C. P. C. Impostos, ao regime previsto no artº.78, do C. S. Comerciais, de acordo com a jurisprudência dominante, passou a ser exigível a culpa dos administradores ou gerentes das sociedades para que a mesma se efectivasse. Por outro lado, onerou-se a Fazenda Pública, nos termos do artº.487, nº.1, do C. Civil, com o obrigação da alegação e prova da culpa do responsável subsidiário pela inexistência de bens do devedor originário com vista à satisfação dos créditos fiscais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/97, C.T.F.386, pág.379 e seg.; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 9/7/97, Acórdãos Doutrinais, nº.432, pág.1467 e seg.).
Com a entrada em vigor do C.P.Tributário (1/7/91), a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada passa a estar consagrada no artº.13, deste diploma. Ao abrigo deste regime, desde logo, se dirá que a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes passou a estar restrita às dívidas ao Estado por contribuições e impostos, quando anteriormente a mesma responsabilidade podia abarcar também multas e quaisquer outras dívidas que não somente as aludidas contribuições e impostos. Por outro lado, contrariamente ao regime resultante do aludido dec.lei 68/87, de 9/2, volta o ónus da prova da actuação sem culpa a pender sobre os administradores ou gerentes. E não é pequena, para os mesmos, esta diferença de perspectiva legal, já que, se era difícil para a Fazenda Pública, face ao regime resultante do dec.lei 68/87, de 9/2, fazer a prova positiva da culpa, mais difícil será para os administradores ou gerentes fazerem a prova negativa de tal factualidade (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.55).
No entanto, ao abrigo do regime em análise, o constante do artº.13, nº.1, do C.P. Tributário, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função de gerente ou administrador, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, neles se incluindo o exercício de facto da gerência, e apenas se podendo esta valer da presunção legal respeitante à culpa pela insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 28/2/2007, rec. 1132/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/12/2008, rec.861/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Passemos, agora, à análise do regime consagrado no artº.24, da L.G.Tributária, o qual é aplicável ao caso concreto, conforme mencionado supra.
Do disposto no artº.22, da L.G.Tributária, retira-se que a regra geral da responsabilidade tributária originária sofre duas excepções, sendo elas a responsabilidade solidária (o responsável solidário é um condevedor solidário que, por força da lei, está em igualdade de circunstâncias com o responsável originário, o que implica que possam ser demandados ambos simultaneamente, ou qualquer um deles indistintamente, quanto ao cumprimento da prestação tributária) e a responsabilidade subsidiária (só a impossibilidade de cumprimento do responsável originário pode originar o subsequente chamamento do responsável subsidiário ao cumprimento da prestação tributária), constituindo esta última (a responsabilidade subsidiária) a regra nesta matéria, nos termos do preceituado no nº.3 do referido normativo.
A reversão contra o devedor subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia (cfr.artº.23, nº.2, da L.G.T.) e é sempre precedida da audição do responsável subsidiário (cfr.nº.4 do mesmo preceito). O nº.5 da disposição legal em causa atribui um privilégio ao devedor subsidiário que, sendo citado para o pagamento da dívida tributária e o efectuar no prazo de oposição, fica isento do pagamento de juros de mora e de custas. Este pagamento, de acordo com o artº.23, nº.6, da L. G. Tributária, tem efeito suspensivo (e não extintivo) da execução fiscal, pois no caso de virem a ser encontrados bens ao devedor principal ou ao responsável solidário, ficam estes obrigados ao pagamento de juros de mora e das custas.
Preceitua o nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, o seguinte (redacção introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12):

“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al.a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.
Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do nº.1, do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L.G.Tributária, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Sérgio Vasques, A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária, Fiscalidade - Revista de Direito e Gestão Fiscal, nº.1, Janeiro de 2000, pág.47 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.236 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als.a) e b), do artº.24, da L.G.Tributária, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al.c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T. - ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/6/2010, rec.304/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2010, rec.509/10; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Aqui chegados, não pode o aplicador do direito esquecer que é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
No caso dos autos, a sentença recorrida concluiu pela procedência da oposição em consequência da Fazenda Pública, ora recorrente, não ter efectuado a prova da gerência de facto do opoente no âmbito da sociedade executada originária, assim não se verificando os pressupostos da reversão ao abrigo do artº.24, nº.1, da L.G.T.
O recorrente, pelo contrário, entende que se verifica a prova dos pressupostos da reversão previstos no citado artº.24, nº.1, da L.G.T.
Examinando a matéria de facto provada, é óbvia a conclusão da falta de prova da gerência de facto da sociedade executada originária, por parte do opoente e ora recorrido, enquanto pressuposto da reversão das execuções fiscais contra o responsável subsidiário (cfr.als.N), O) e P) do probatório).
Apesar disso, defende o apelante que o Tribunal “a quo”, em face da renúncia à gerência por parte do outro gerente em 7 de Setembro de 2008 (cfr.al.C) do probatório), com base nas regras da experiência, deveria concluir pela gerência de facto do opoente, enquanto gerente único.
Nesta sede, deve este Tribunal chamar à colação a factualidade constante das alíneas F) e G) do probatório supra.
Por outro lado, como decorre do artº.81, nºs.1 e 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.), a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores/gerentes, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/09/2018, proc. 1592/14.2BESNT; Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, Quid Juris, 2006, I volume, pág.338 e seg.).
Tal significa que o administrador de insolvência fica investido nas vestes de administrador de facto, assumindo a gestão da massa insolvente, tarefa que exerce pessoalmente (cfr.artº.55, nº.2, do C.I.R.E.), arcando ainda com a representação do devedor em todos os assuntos com carácter patrimonial que importem à insolvência, designadamente a cobrança dos créditos do insolvente sobre terceiros, vencidos e vincendos (excepcionando-se a intervenção do devedor no próprio processo de insolvência, nos termos do artº.223 e seg. do C.I.R.E.).
Assim, ficando os gerentes, directores ou administradores da sociedade privados dos poderes de gestão/direcção/administração por mero efeito da sentença de declaração de insolvência, não pode conceber-se, de modo algum, que após essa data ocorra uma situação de direcção de facto por parte dos elementos designados no respectivo registo comercial.
Na verdade, perante a amplitude de poderes e funções que o administrador de insolvência passa a assumir, contrai também a responsabilidade sobre as dívidas tributárias vencidas após a declaração de insolvência (cfr.artº.172, nº.3, C.I.R.E.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/09/2018, proc.1592/14.2BESNT; Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, Quid Juris, 2006, I volume, pág.585), que por ele não sejam pagas na data dos respectivos vencimentos.
No caso “sub judice”, atenta a factualidade provada, independentemente da sua vontade, o oponente/recorrido não poderia decidir pelo pagamento das dívidas vencidas após o dia 17 de Fevereiro de 2009 e supra identificadas (cfr.al.R) da matéria de facto), assim faltando o pressuposto de reversão de tais dívidas, consistente no exercício de facto das funções de direcção da sociedade executada originária, tudo ao abrigo do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T.
Mais se deve recordar que o opoente foi, em sede de registo comercial, gerente único da sociedade “P……. e F……. – L., A. R., Lda.” por período de cerca de cinco meses (7 de Setembro de 2008 a 17 de Fevereiro de 2009).
Com estes pressupostos e face à prova realizada nos autos, não era lícito operar-se a presunção judicial, baseada nas regras da experiência (cfr.artº.351, do C.Civil), de exercício de facto da gerência pelo oponente/recorrido, contrariamente ao que defende o apelante.
Nestes termos, conclui-se que, no caso concreto, a A. Fiscal não estava legitimada para operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária do opoente, M…….., ao abrigo do artº.24, nº.1, da L.G.T., devido a falta de prova dos pressupostos da reversão face ao mesmo regime e no âmbito do processo de execução fiscal nº…….-2006/105….. e apensos, assim se devendo confirmar a decisão recorrida, também neste segmento.
Arrematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.

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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 25 de Junho de 2019



(Joaquim Condesso - Relator)


(Mário Rebelo - 1º. Adjunto)



(Patrícia Manuel Pires - 2º. Adjunto)