Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:160/12.8BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:05/23/2024
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:CONTRATO DE AQUISIÇÃO DE SERVIÇOS
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
JUSTA CAUSA RESOLUTIVA
Sumário:I - Impõe-se rejeitar o recurso quanto ao erro de julgamento de facto quando as alegações e conclusões de recurso são totalmente omissas no que respeita ao cumprimento dos ónus impugnatórios resultantes do art.º 640.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e n.º 2, alínea a), do CPC;
II - Considerando o disposto no art. 16.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, o regime substantivo previsto no Código dos Contratos Públicos não é aplicável aos contratos celebrados na sequência de procedimentos de formação que se iniciaram antes da sua entrada em vigor;
III - Atento o disposto no art, 1.º, n.º 1 e 2.º do RJEOP (DL 59/99), não consubstancia contrato de empreitada de obras públicas, mas sim contrato de aquisição de serviços, regido pelo DL 197/99, o contrato que tem por objeto a obrigação da Recorrente executar trabalhos de escavação e acompanhamento arqueológico;
IV - No âmbito de contratos de execução duradoura, constitui justa causa resolutiva uma violação dos deveres contratuais que torne insuportável ou inexigível para a parte não inadimplente a continuação da relação contratual;
V - Não obstante se provar que as alterações aos trabalhos e planeamento da empreitada em curso no local da prestação dos serviços de arqueologia a cargo da Recorrente, a paralisação daqueles e a realização de outras obras mesmo local, se repercutiram na prestação de serviços desta, impondo-lhe atrasos e alteração das metodologias de trabalho, provando-se que a Recorrente se mostrava impreparada e sem meios mecânicos necessários para o desenvolvimento dos trabalhos e não resultando demonstrada a dimensão/extensão do impacto daquelas vicissitudes na execução da prestação de serviços pela A., nem que tal seja imputável a condutas ou omissões do R., designadamente por violação dos deveres de coordenação, fiscalização e direção, não se pode dar como verificado o pressuposto do ilícito contratual, e a amplitude deste no sentido de tornar insuportável ou inexigível para a Recorrente a continuação da relação contratual, de que dependia o direito indemnizatório reclamado pela Recorrente.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de CONTRATOS PÚBLICOS
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

G........, Lda., (doravante Recorrente ou A.) instaurou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, a presente ação administrativa comum contra o Município de Silves, (doravante Recorrido, R. ou ED), visando a condenação de R. no pagamento de todos os prejuízos patrimoniais e não patrimoniais que se vierem a calcular em execução de sentença e que resultaram do incumprimento pelo R. do contrato de “Reabilitação Urbana do Centro Histórico de Silves – Escavações Arqueológicas” e conduziram à rescisão contratual.

Por sentença proferida em 27 de janeiro de 2015, o referido Tribunal julgou a presente ação improcedente, indeferindo o pedido.

Inconformada, a A./Recorrente interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo Sul dessa decisão, concluindo nos seguintes termos:

“I - Como questão prévia há que perceber que estamos no âmbito de um contrato público de aquisição de serviços, sendo a Recorrente uma prestadora de serviços no âmbito de uma empreitada de obras públicas adjudicada ao empreiteiro E......../A........, nos termos do Decreto-Lei n.° 197/99, de 8 de Junho. À Alegante foi adjudicado um procedimento para prestação dos serviços constantes do objecto do C.E. (art.l°) junto aos autos, no entanto, toda a sentença ora recorrida se desenvolve como se entre Alegante e Alegado tivesse sido estabelecido um contrato de empreitada de obras públicas, o que não pode proceder.
II - Trata-se de um contrato de prestação de serviços especializados, de carácter técnico/científico, trabalhos de rigor, nos quais há que ter em consideração a salvaguarda do património histórico e cultural em causa. Uma escavação arqueológica é um trabalho científico que requer pormenor (dada a sua especificidade, sendo executado manualmente).
III - Resultou sobejamente provado por toda a prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, bem como pela prova documental carreada para os autos que o Município de Silves foi omisso no mais elementar cumprimento dos seus poderes e deveres enquanto entidade administrativa adjudicante, pois tanto a prestação de serviços como a empreitada, eram geridas, coordenadas e fiscalizadas pelo Alegado, (artigo 302° do CCP)
IV - A Alegante denunciou o contrato com justa causa, a qual tem imanente não apenas a actuação do Alegado como a omissão aos seus poderes e deveres, o qual deveria ter coordenado, fiscalizado e articulado os trabalhos do empreiteiro com os da prestadora de serviços, ora Alegante, porquanto resultou provado que a prestação de serviços da Autora seria executada em articulação com a empreitada adjudicada pelo Alegado à empresa T........, S.A. - Empreitada da Reabilitação Urbana do Centro Histórico de Silves (cfr doc n° 2 junto com a contestação) em primeira linha e posteriormente devido à rescisão do contrato da empresa T........, S.A.com o Alegado, “as escavações arqueológicas deveriam decorrer em simultâneo com a empreitada adjudicada pelo Réu ao consórcio constituído pelas empresas A........, Lda. e E........, SA. (por acordo), conforme resulta da matéria provada.
V - Devia o Recorrido ter agido de acordo com o artigo 302.° do CCP, nos termos do qual são poderes do contraente público: “a) Dirigir o modo de execução das prestações; b) Fiscalizar o modo de execução do contrato ”, o que o Alegado não logrou fazer.
VI - A prestação de serviços não começou bem. Depois piorou, porquanto o empreiteiro e o dono de obra, ora Recorrido, por questões que se prendiam com a realidade da cidade de Silves e com a própria empreitada, procederam a diversos ajustes e alterações ao projecto e “essas alterações ao projecto provocaram constantes atrasos e retrocessos no trabalho da mesma,”, ou seja, resultou claramente provado que a actuação e também a falta dela por parte da entidade administrativa, foi causa directa dos constantes atrasos e retrocessos nos serviços prestados pela Alegante.
VII - Mas também não podemos esquecer as alterações ao projecto, sendo que resultou provado que “A alteração de metodologia originou uma mudança na composição da equipa, que as obras começaram com três frentes de trabalho e depois passou a uma frente e que em cada frente de trabalho é, no mínimo, necessário um arqueólogo; no caso da necrópole foi necessário acrescer um antropólogo; no mais, em trabalho de campo, são necessários técnicos de arqueologia e trabalhadores indiferenciados mas o seu número não foi apurado; no trabalho de gabinete, é necessário um trabalhador para lavar as cerâmicas, um arqueólogo para etiquetagem, registo e inventário dos achados arqueológicos e um técnico especializado em desenho de peças e tintagens” e daqui resultou para além duma maior morosidade também um maior custo em termos de meios, nomeadamente humanos a utilizar pela Recorrente.
VIII - Houve uma imprevisão, que ainda que não seja imputável ao Município, ora Alegado, também não pode ser imputável à Recorrente. Vemos no C.C.P. que da consagração do instituto da alteração das circunstâncias resulta que há que haver “indemnização de imprevisão”. A “indemnização de imprevisão” está associada a uma alteração totalmente imprevisível, alheia à vontade de qualquer uma das partes e essencial à reposição do equilíbrio do contrato. Desonerando parcialmente neste caso o Recorrido — ou seja, fazendo com que a Recorrente partilhe o prejuízo adveniente da alteração das circunstâncias, mas não sozinha. Sendo certo que a imprevisão permite a manutenção do contrato após a revisão/actualização das cláusulas directamente responsáveis pelo desequilíbrio, o que o Recorrido nunca quis fazer.
IX - A Alegante, no decurso das circunstâncias provocadas e da actuação omissiva do Município tentou por várias vezes resolver a situação, de modo a não resolver o contrato, tendo inclusive pedido a actualização do preço por m3 de escavação, pois via a sua equipa parada por não ter frentes de obra . A Alegante queria fazer!!!
X- O Município, enquanto órgão, gestor, coordenador e fiscalizador dos dois trabalhos (prestação de serviços e empreitada ) foi omisso nos poderes e deveres a que estava obrigado, apesar de ter sido por várias vezes instado pela Alegante a tomar uma posição, o que nunca fez.
XI - O empreiteiro falhava constantemente e o Município continuou sem nada fazer, mas sabia perfeitamente quais os efeitos que a Alegante iria sofrer, tendo agido em abuso de direito. Nem em sede de acção judicial o ora Recorrido admitiu que o empreiteiro não cumpriu o plano de trabalhos, sendo no entanto certo que resultou como facto não provado que “o plano de trabalhos foi respeitado pela empreiteira
XII - Em 6 de Julho de 2011 a Alegante tinha concluído no total dez ruas e meia, Travessa do Hospital, Rua da Arrochela, Rua Nova da Boavista, Rua da Misericórdia, Rua do Pelourinho troço Norte, Rua do Pelourinho troço Sul , Travessa do Pelourinho Poente, Travessa da Arrochela, Largo da Mata ( Largo do Hospital) ,Rua Nova dos Carmos, Rua Gregório Mascarenhas Neto troço sul para que o empreiteiro desenvolvesse a empreitada, não havendo possibilidade de se abrirem novas frentes de obra por facto não imputável à Recorrente.
XIII - A partir de Junho de 2011, a Recorrente apenas tinha como única frente de trabalho activa, a Rua Gregório Nunes Mascarenhas Neto, bem sabendo o Recorrido isso, no entanto, não se inibiu de licenciar nessa mesma rua, obras de remodelação na moradia do n°7, impossibilitando os trabalhos arqueológicos.
XIV - A Recorrente alertou várias vezes o Município no sentido desde tomar uma posição, o que este nunca fez, em clara violação dos seus poderes e deveres de fiscalização e coordenação.
XVI - Quando o empreiteiro começou a falhar, o Município continuou sem nada fazer, mas sabia perfeitamente quais os efeitos que a Alegante iria sofrer.
XVII- O Município agiu deliberadamente e em claro abuso de direito, bem sabendo que o fazia, ao licenciar a remodelação da moradia. Sabia de antemão que se a Aurora concluísse os trabalhos arqueológicos na Rua Gregório Nunes Mascarenhas Neto (Norte), única frente de trabalho activa, libertando-a para o empreiteiro prosseguir a obra, este não iria concluir a empreitada nesta rua por não ter capacidade para tal, visto ainda ter por concluir seis ruas e meia com valas abertas.
XVIII - Certo é que o Apelado nada fez para resolver a situação da paralisação completa da obra, não tendo a Apelante outra alternativa senão resolver o contrato, com justa causa.
XIX - Salvo o devido respeito por melhor opinião, o Tribunal a quo decidindo conforme fez não deu cumprimento ao legalmente estabelecido, não tendo para o efeito procedido a uma correcta interpretação e aplicação dos princípios constitucionais consagrados nos artigos 3.°, 13.°, 22.°, 266.° e 268.° da C.R.P.
XX - Fez ainda uma incorrecta aplicação das normas previstas nos artigos 302.° e 314.° do CCP;
XXI - Verificando-se assim:
a) erro de julgamento, através da reapreciação da prova gravada para determinação dos factos que efectivamente deveriam ou não ter sido dados como provados: alíneas a), b) e c), do n.° 1 do artigo 640.° do C.P.C;
b) Ainda, nulidade da sentença pelo facto dos fundamentos estarem em oposição com a decisão: alínea c), do n.° 1 do artigo 615.° do C.P.C.
Deve, pois, ser concedido provimento ao presente recurso e revogado o aresto em recurso, com as legais consequências.
Assim será cumprido o Direito e feita a já costumada
JUSTIÇA!”

O Recorrido apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

“ 1.ª A Recorrente requer a reapreciação da prova gravada.
2.ª No entanto, a Recorrente não especifica os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem os concretos meios probatórios, nem a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida face à matéria de facto.
3.ª Deve, pois, o presente recurso ser rejeitado, ao abrigo do disposto no artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi dos artigos 42.º e 43.º do CPTA.
4.ª A Recorrente alega também que a douta sentença recorrida padece de nulidade por alegadamente os fundamentos estarem em oposição com a decisão.
5.ª No entanto, a Recorrente não concretiza minimamente quais os fundamentos vertidos na douta sentença recorrida que com a decisão nela proferida estejam em oposição.
6.ª A Recorrente, invocando erro na determinação das normas aplicáveis, não indica as normas jurídicas que, no seu entender, deveriam ter sido aplicadas.
7.ª Também por estes motivos, deve o presente recurso ser rejeitado, ao abrigo do disposto no artigo 639.º do CPC, aplicável ex vi dos artigos 42.º e 43.º do CPTA.
8.ª A Recorrente procedeu, nas suas alegações, a uma selecção abusiva da matéria de facto provada constante da douta sentença recorrida, omitindo factos constantes das diversas alíneas da douta sentença, alguns dos quais lhes são desfavoráveis.
9.ª A Recorrente omite que “tinha conhecimento das alterações que eram feitas em reuniões semanais e que outras eram efectuadas informalmente” (alíneas AAA) da douta sentença recorrida).
10.ª A Recorrente omite também o seguinte facto dado como provado: “A Autora mostrava-se impreparada e sem meios mecânicos necessários para o desenvolvimento dos trabalhos” (alíneas SSS) ibidem).
11.ª Na sua alegação, a Recorrente, ao elencar os factos não provados, omite intencionalmente 25 (vinte e cinco) destes factos.
12.ª Fazendo menção do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, a Recorrente não especifica quais as normas jurídicas constantes deste mencionado diploma – no entretanto revogado - que, no seu entender, deveriam ter sido aplicadas.
13.ª A douta sentença recorrida faz aplicação correcta da legislação aplicável aos factos provados.
14.ª Não resulta da matéria de facto provada que o Recorrido tenha omitido e/ou violado algum dos seus poderes e deveres enquanto dono da obra.
15.ª O Recorrido não violou quaisquer deveres.
16.ª A Recorrente alega de forma genérica – e não verdadeira - existirem factos que, na sua opinião, consubstanciam a “inércia, a negligência e a falta de interesse na prossecução do interesse público”, por parte do Recorrido, mas não especifica quais os concretos pontos de facto e meios probatórios que suportam esta afirmação.
17.ª O Recorrido não agiu com inércia, nem com negligência, nem com falta de interesse na prossecução do interesse público.
18.ª A Recorrente alega – sem razão - que o Recorrido omitiu os seus deveres enquanto órgão coordenador e fiscalizador, sem esclarecer minimamente quais os concretos meios probatórios que fundamentam esta acusação.
19.ª O Recorrido cumpriu todos os deveres resultantes do seu estatuto de dono da obra, agiu de boa fé e não violou qualquer preceito legal.
20.ª É falso que alguma vez o Recorrido tenha “agido deliberadamente e em claro abuso de direito”, o que, sendo alegação não feita nos articulados nesta acção, é, além de claramente intempestiva, notoriamente falsa.
21.ª A Recorrente invoca uma “imprevisão”, no seu entender não imputável ao Município ora Recorrido, para tentar justificar a rescisão do contrato celebrado com o Recorrido.
22.ª No entanto, não existiu qualquer imprevisão, pelo que lhe falece fundamento legal para a rescisão do contrato.
23.ª Pela primeira vez neste processo, e ao arrepio das normas adjectivas aplicáveis, a Recorrente vem acusar o Município Recorrido da violação dos artigos 266.º, n.º 2, da CRP, 4.º, 5.º, n.º 2, 6.º-A, todos do CPA, o que, além de ser falso, não pode ser objecto de conhecimento neste recurso.
24.ª A Recorrente, em lugar de se cingir à análise crítica da douta sentença recorrida, opta por atacar, directamente, o Recorrido, o que, porém, as normas processuais não lhe permitem.
25.ª Os atrasos na execução dos trabalhos que foram adjudicados devem-se à própria Recorrente, a qual, não possuindo a maquinaria necessária aos referidos trabalhos, provocou o atraso de que agora se queixa.
26.ª Aliás, a Recorrente “mostrava-se impreparada e sem os meios mecânicos necessários para o desenvolvimento dos trabalhos”.
27.ª A Recorrente solicitou, apenas dois meses após o início da obra, por meio de comunicação escrita datada de 2010.07.28, uma actualização do preço por m3, de € 95,00 por m3 para € 160 m3, sem qualquer fundamento legal – vide matéria de facto provada e também constante da douta sentença recorrida.
28.ª A Recorrente, por meio de comunicação escrita datada de 2010.11.05, solicitou a cessão da sua posição contratual, a qual não foi autorizada pelo Recorrido, por não ter sido acompanhada dos elementos necessários para o efeito (ibidem).
29.ª Em 2010.06.22, a Recorrente não havia contratado, na área da arqueologia, um técnico para a área de segurança em obra (ibidem).
30.ª O Recorrido não adoptou qualquer comportamento no sentido de desrespeito pelas medidas apontadas e, porque assim é, não se encontram verificadas as condições para a rescisão do contrato pela Recorrente.
31.ª Como muito bem é referido na douta sentença recorrida, a “Autora podia, até, ser compelida ao pagamento de uma indemnização (ao Recorrido) pelos danos causados – vide art.º 1223.ºdo supracitado diploma legal (Código Civil) desde logo, porque o arrastamento dos prazos do contrato e a não execução cabal dos trabalhos, redunda para o Réu (Recorrido) nos custos da sobrecarga das obras no dia-a-dia dos munícipes e no aumento dos dias da necessidade de prover à fiscalização e obra”.
32.ª Face a todo o exposto anteriormente e ao mais cujo douto suprimento respeitosamente se solicita, deve a douta sentença recorrida ser mantida, por não enfermar dos vícios que a Recorrente, sem qualquer fundamento, lhe imputa.
Por todo o exposto e pelo mais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve:
1. Rejeitar-se o presente recurso, ao abrigo do disposto no artigo 640.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi dos artigos 42.º e 43.º, ambos do CPTA, por a Recorrente não especificar nem os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, nem a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida face à matéria de facto;
2. Rejeitar-se o presente recurso por a Recorrente não concretizar minimamente quais os “fundamentos” que, no seu entender, estariam em oposição com a douta sentença recorrida, em clara violação do disposto no n.º 1, do artigo 639.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi dos artigos 42.º e 43.º, ambos do CPTA;
3. Rejeitar-se o presente recurso por a Recorrente não indicar as concretas normas jurídicas que, no seu entendimento, deviam ter sido aplicadas, em clara violação do disposto no n.º 1, do artigo 639.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi dos artigos 42.º e 43.º, ambos do CPTA.
Caso assim se não entenda, por dever de patrocínio, mas sem conceder:
5. Julgar-se o presente recurso improcedente, por manifesta falta de fundamento legal, mantendo-se a douta decisão recorrida, nos seus exactos termos, condenando-se a Recorrente no pagamento das custas do processo e no mais legal.
Assim decidindo, far-se-á, conforme confiadamente se espera
JUSTIÇA.”

O Tribunal a quo admitiu o recurso com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo, tendo, no mesmo despacho declarado a inexistência dos vícios imputados à sentença e que impliquem a sua nulidade.

O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. Delimitação do objeto do recurso

Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA(1)), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA).
Em face do exposto, as questões a apreciar são as de saber se a sentença,
a. Padece de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão (art. 615.º, n.º 1 al. c) do CPC)
b. Erro de julgamento de facto;
c. Erro de julgamento de direito.

III. Fundamentação de facto

III.1. Na sentença recorrida foi julgada provada a seguinte factualidade:

aa) Da Matéria de Facto Assente

A) A Autora é uma sociedade comercial por quotas, cujo objecto é a realização de estudos e projectos relacionados com a conservação e restauro do património arqueológico, histórico e arquitectónico, realização de prospecções, sondagens e escavações em locais históricos e arqueológicos, trabalhos de restauro e gestão de bens e sítios patrimoniais, móveis e imóveis, divulgação e publicação de conhecimentos sobre património cultural, consultadoria na área do património (por acordo);

B) Por deliberação da Câmara Municipal de Silves datada de 12 de Abril de 2006, e respectivo anúncio publicado na III Série do Diário da República, nº 91 de 11 de Maio de 2006, o Município de Silves, ora Réu, lançou a concurso público internacional a prestação de serviços para a “Reabilitação Urbana do Centro Histórico de Silves - Escavações Arqueológicas” (cfr doc nº 3 junto com a contestação);

C) No âmbito do referido concurso, a empresa “G........, Lda.”, a Autora, apresentou concursal datada de 2 de Junho de 2006 (cfr doc nº 4 junto com a p.i.);

D) Em 2006.10.11, foi adjudicada à Autora pelo ora Réu uma prestação de serviços relativa à Reabilitação Urbana do Centro Histórico de Silves escavações arqueológicas, pelo montante total de 620.795,82€, pelo período de 19 meses, com início em 20 de Maio de 2010 (cfr doc n° 2 junto com a p.i. e por acordo);

E) Em 2010.05.18, foi celebrado entre as partes o contrato designado por “Contrato de Prestação de Serviços para Reabilitação Urbana do Centro Histórico de Silves-Escavações Arqueológicas” (cfr doc nº 1 junto com contestação);

F) Foi feita uma Adenda ao contrato referido na alínea anterior em 6 de Agosto de 2010 (por acordo);

G) Este contrato era complementado pelas disposições do Caderno de Encargos, para o contrato designado por “Reabilitação Urbana do Centro Histórico de Silves - Escavações Arqueológicas” preparado pela S......., S.A (por acordo);

H) O Caderno de Encargos continha uma “Parte I de “Cláusulas Jurídicas” e uma “Parte II” de “Cláusulas Técnicas” (cfr doc nº 2 junto com a contestação);

I) Os trabalhos de arqueologia e a empreitada de obra pública integravam-se nas acções em curso no âmbito do Programa Polis (por acordo);

J) A prestação de serviços da Autora seria executada em articulação com a empreitada adjudicada pelo Réu à empresa T........, S.A. – Empreitada da Reabilitação Urbana do Centro Histórico de Silves (cfr doc nº 2 junto com a contestação);

K) Em 2006.10.18, à Autora foram solicitados pelo Réu os documentos necessários para que se procedesse à assinatura do respectivo contrato, entre os quais a caução (garantia bancária), no montante de €31.03979 correspondendo a 5% de 620.795,82€, valor de adjudicação dos trabalhos arqueológicos (por acordo);

L) A referida Garantia Bancária foi entregue ao Réu em Dezembro de 2006, bem como a respectiva declaração de idoneidade (por acordo);

M) A Autora solicitou, dois meses após o início da obra, por meio de comunicação escrita datada de 2010.07.28 uma actualização do preço por m3, de €95,00 por m3, para €160 m3 (cfr doc nº 6 junto com a contestação);

N) As escavações arqueológicas deveriam decorrer em simultâneo com a empreitada adjudicada pelo Réu ao consórcio constituído pelas empresas A........, Lda. e E........, SA. (por acordo);

O) De acordo com o Plano de Intervenção Arqueológica de “Reabilitação Urbana do Centro Histórico de Silves — Escavações Arqueológicas” estavam previstas para acompanhamento arqueológico e escavação arqueológica nos documentos patenteados a concurso o total de 25 parcelas, divididas por ruas e largos (por acordo e cfr doc nº 18 junto com a p.i.);

P) A execução da prestação de serviços pela Autora, teve início no dia 20 de Maio de 2010, com três frentes de trabalhos, exactamente como clausulado no Caderno de Encargos (por acordo);

Q) Em determinados locais, melhor identificados nas actas de reunião de obra, nºs 50 a 61, os trabalhos estiveram parados nos meses de Junho, Julho e Agosto (cfr docs nºs 19 a 30 junto com a p.i.);

R) Na Rua da Arrochela, existia um muro se apresentava instável e que foi demolido (cfr docs n°s 31, 31-A e 31-B junto com a p.i.);

S) Na Rua Nova dos Carmos existiram suspensão dos trabalhos de arqueologia (cfr doc nº 32 junto com a p.i.);

T) Na Rua Nova da Boavista, estava previsto no caderno de encargos, efectuar-se apenas o acompanhamento arqueológico, mas pelo facto de terem surgido realidades arqueológicas não expectáveis a Autora teve necessidade de alterar metodologias de trabalho sendo efectuadas escavações arqueológicas inesperadas (por acordo);

U) Em 2011.05.13 e 2011.05.21, a Autora enviou e-mails ao Réu a relatar diversas ocorrências relativas à execução dos trabalhos relacionadas com a empreitada em causa (cfr docs nºs 35, 36 e 37 junto com a p.i.);

V) Em 2011.07.06, foi enviado e-mail pela Câmara Municipal de Silves para A....... (cfr doc nº 39 junto com a p.i.);

W) A Autora solicitou reunião com o IGESPAR, para conseguir que o empreiteiro a apresentasse cartograficamente as alterações efectuadas ao projecto (cfr docs nºs 40 e 41 junto com a p.i.);

X) Em 2010.09.20, foi enviado ao Réu um parecer jurídico sobre e um pedido de esclarecimentos (por acordo e cfr doc n° 43);

Y) Em 2010.11.18, a Autora enviou fax ao Réu sobre “liquidação de factura” (cfr doc nº 43 junto com a p.i.);

Z) Em 2010.12.13, foi enviado pela Autora ao Réu ofício nº 278.GEO.2010, onde consta, nomeadamente “(…) suspendemos a prestação de serviços a partir de 20 de Dezembro de 2010 até haver uma resolução por parte de V. Exa. aos assuntos expostos nesta e em anteriores comunicações” (cfr doc nº 44 junto com a p.i.);

AA) Pela comunicação de 2011.05.05, a Autora solicitou a rescisão do contrato por mútuo acordo (por acordo);

BB) Em 2011.06.22, a Autora elaborou auto de suspensão relativo à “Escavação arqueológica na Rua Gregório Nunes Mascarenhas Neto” que se dá aqui por reproduzido (cfr doc nº 45 junto com a p.i.);

CC) Em 2011.06.30, a Autora efectuou auto de suspensão relativa à “Escavação arqueológica na Rua Gregório Nunes Mascarenhas Neto” e enviado por email para o Réu que se dá aqui por reproduzido (cfr doc nº 46 junto com a p.i.);

DD) Após o recomeço dos estudos/escavação arqueológica, uma semana foi dedicada exclusivamente a limpar lamas na Rua Gregório Nunes Mascarenhas Neto (por acordo);

EE) Para a escavação da cubicagem expectável, a Autora laborou com uma equipa de 8 elementos/colaboradores: 3 arqueólogos; 3 técnicos de arqueologia; 1 antropóloga a tempo parcial face às necessidades do estudo arqueológico; 1 trabalhador indiferenciado (por acordo);

FF) A Administração da E......../A........, empreiteiros em obra, solicitou uma reunião à fiscalização da CMS para o dia 5 de Julho de 2011 (por acordo);

GG) Em 2011.07.05, a representante da fiscalização do Réu da área de arqueologia, Dr.ª M......., convocou a representante legal da Autora para uma reunião a ter lugar no dia 6 de Julho de 2011 (por acordo);

HH) Na reunião convocada, estiveram presentes para além da Dr.ª M......., o Director da DOMEA - Departamento de Obras, Equipamento e Ambiente, Eng.°. J....... e Director de Obra. Eng.°. A.A...... e a representante da Autora, Dr.ª A......., tendo sido esta última informada das dificuldades financeiras que o consórcio E…./A........ estava a atravessar, e dos objectivos que se propunha realizar a curto prazo (por acordo);

II) O Réu formalizou por escrito à Autora, o seguinte:

“Objectiva a presente comunicação informar que ontem, dia 05 de Julho, foi-nos solicitada uma reunião por parte da Direcção do Consórcio E........-A......... Na mesma foram-nos transmitidas as dificuldades que a entidade atravessa e a inexistência de condições para, nos próximos tempos, ser reposto o normal ritmo da obra. Em face destas dificuldades, foi-nos ainda transmitido que, nos próximos dois meses (até meados de Setembro), o consórcio terá apenas capacidade para desenvolver e terminar os trabalhos relativos ás frentes de obra em curso (Rua Nova da Boa Vista, Rua do Pelourinho, Travessas do Carmo, do Pelourinho-Poente e da Arrochela e Rua Gregório Nunes Mascarenhas Neto-Sul). Ora, não havendo possibilidade de se abrirem novas frentes de obra, outros trabalhos arqueológicos para além dos ainda associados ás ruas referidas, não terão qualquer viabilidade.

O consórcio julga poder vir a retomar a normalidade da obra em meados de Setembro, altura em que será promovida nova reunião de avaliação das suas condições internas. Foi comprometimento do consórcio formalizar em comunicação escrita á Câmara o que atrás se informou, contudo e face aos efeitos colaterais que sofrerá a GEOAR QUE com esta tomada de posição, foi a mesma dada a conhecer a V Exa., em reunião promovida hoje de manhã, na qual estiveram presentes, para além da signatária, o Director da DOMEA, Eng. J......., e o Director de Obra, Eng. A.A......” (por acordo);

JJ) Em 2011.07.13, a Autora enviou e-mail ao Réu sobre os trabalhos na Rua Gregório Mascarenhas (cfr doc nº 55 junto com a p.i.);

KK) A Autora enviou ao Réu, um e-mail no sentido desta autorizar a continuidade dos trabalhos arqueológicos naquela Rua, até conclusão dos mesmos, altura em que a proprietária da moradia poderia dar incido às obras de remodelação da moradia (cfr docs n°s 55 e 56);

LL) Em 2010.08.05, a Autora emitiu auto de suspensão da obra (cfr doc nº 56 e 57 junto com a p.i.);

MM) Em 2010.08.05, o Réu emitiu auto de suspensão da empreitada por 9 dias (cfr doc nº 60 junto com a p.i.);

NN) A Autora, por meio de comunicação escrita datada de 5 de Novembro de 2010, solicitou a cessão da sua posição contratual (cfr doc nº 9 junto com a contestação);

OO) A cessão da posição contratual, não foi autorizada, por não ter sido acompanhada dos elementos necessários para o efeito, sendo a Autora informada para, querendo, complementar a instrução do pedido formulado, devidamente acompanhado dos elementos necessários para o efeito por meio de oficio datado de 12 de Janeiro de 2012, o que não logrou fazer até ao momento, nunca tendo sido admitida qualquer cessão da posição contratual. (cfr doc nº 10 junto com a contestação);

PP) Em 2011.08.09, a Autora solicitou ao Réu, as actas das reuniões de obra, bem como informação quanto à evolução dos trabalhos (cfr doc nº 61 junto com a p.i.);

QQ) Em 2011.09.20, a Autora enviou ofício ao Réu a rescindir o contrato de prestação de serviços (cfr doc nº 63 junto com a p.i.);

RR) Em 2011.09.22, o Réu enviou à Autora e-mail que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr doc nº 67 junto com a p.i.);

SS) Em 2011.10.04, foi lavrado o Edital nº 56/2011 pela Câmara Municipal de Silves que aqui se dá por reproduzido (cfr doc nº 64 junto com a p.i.).


*

aaa) Da Base Instrutória

TT) A Autora organizou e reuniu todos os meios necessários e exigíveis para o cumprimento do contrato que celebrou com o Réu, nomeadamente a contratação de colaboradores nos moldes estipulados no Caderno de Encargos, bem como toda a logística inerente à realização do estudo arqueológico;

UU) A Autora remeteu ao Réu uma carta, em 28 de Julho de 2010, na qual apresentou uma Exposição/Petição, em que enumerou as questões que estavam a causar atrasos sucessivos na execução das escavações, o que estava a levantar problemas de liquidez à Autora;

VV) O Réu não deu qualquer resposta ao fax referido na alínea anterior;

WW) O efectivo início do estudo / escavações arqueológicas no terreno permitiu à Autora constatar que algumas das ruas, nomeadamente, parte da Rua do Castelo, Rua da Sé e parte da Rua D. Afonso III, tivessem já sido objecto de escavação arqueológica;

XX) A cubicagem de escavação arqueológica que foi patenteada a concurso, não correspondia à realidade da escavação a efectuar, pela supressão de trabalhos;

YY) A realidade patenteada no caderno de encargos tinha em 2010 sofrido alterações no número de ruas a serem intervencionadas pela Autora;

ZZ) O empreiteiro e o dono de obra, ora Réu, por questões que se prendiam com a realidade da cidade de Silves e com a própria empreitada, procederam a diversos ajustes e alterações ao projecto;

AAA) Provado que a Autora tinha conhecimento das alterações que eram feitas em reuniões semanais e que outras eram efectuadas informalmente;

BBB) Essas alterações ao projecto provocaram constantes atrasos e retrocessos no trabalho da mesma;

CCC) Na Rua da Arrochela, a Autora teve de efectuar períodos de paragem e reduzir a equipa que lá estava a laborar;

DDD) As sucessivas alterações de planeamento dos trabalhos da empreitada, implicaram uma mudança no tipo de prestação a ser executada pela Autora, pelo que, muitas vezes, foi necessária a passagem de um acompanhamento arqueológico em obra, para escavação em área;

EEE) Para a execução de um acompanhamento arqueológico é apenas necessário um arqueólogo;

FFF) Provado que quando se trata de escavação em área são necessários mais arqueólogos;

GGG) A alteração de metodologia originou uma mudança na composição da equipa, que as obras começaram com três frentes de trabalho e depois passou a uma frente e que em cada frente de trabalho é, no mínimo, necessário um arqueólogo; no caso da necrópole foi necessário acrescer um antropólogo; no mais, em trabalho de campo, são necessários técnicos de arqueologia e trabalhadores indiferenciados mas o seu número não foi apurado; no trabalho de gabinete, é necessário um trabalhador para lavar as cerâmicas, um arqueólogo para etiquetagem, registo e inventário dos achados arqueológicos e um técnico especializado em desenho de peças e tintagens;

HHH) Neste momento as ruas que a Autora terminou arqueologicamente (no total de nove ruas e meia) estão ainda por concluir;

III) A partir de Junho de 2011 a maioria das ruas já intervencionadas e libertas arqueologicamente, encontravam-se paradas sem qualquer evolução por parte do empreiteiro;

JJJ) Nesta altura a Autora tinha como única frente de trabalho activa, a Rua Gregório Nunes Mascarenhas Neto, tendo a mesma informado o Réu da necessidade de se proceder à demolição de uma habitação em ruínas que se encontrava na bifurcação da travessa da Arrochela com a Rua Gregório Nunes Mascarenhas Neto, de modo a que a Autora desse seguimento aos trabalhos arqueológicos;

KKK) Perante tal facto a Autora providenciou e planeou os trabalhos e equipa para dar seguimento aos trabalhos de escavação arqueológica e antropológica por se tratar de uma necrópole, conforme tinha sido acordado em reunião de obra;

LLL) Foi a Autora informada pela proprietária da moradia nº 7, da Rua Gregório Nunes Mascarenhas Neto que o Réu tinha licenciado obras de remodelação da sua moradia, que confina com a área onde a Autora se encontrava a trabalhar e ia prosseguir com as escavações arqueológicas, única frente de trabalho activa;

MMM) A Autora cessou os estudos /escavação arqueológica, uma vez que as obras na referida moradia implicavam a montagem de andaimes e obstrução da via pública com maquinaria e materiais, o que a impedia de avançar com a escavação arqueológica;

NNN) O empreiteiro ia concluir as ruas que a Autora tinha libertado;

OOO) Os estudos arqueológicos foram suspensos no dia 29 de Julho de 2011;

PPP) A Autora, solicitou uma nova reunião com a fiscalização da CMS, a qual ocorreu no dia 2 de Agosto de 2011;

QQQ) No mês de Julho de 2011, a Autora tinha capacidade para custear os honorários dos colaboradores;

RRR) Entre a data da entrega de garantia bancária ao Réu em 12 de Dezembro de 2006 e a sua devolução à Autora em 13 de Setembro de 2009, a Autora suportou encargos bancários inerentes à garantia, montante que se cifra em €1.500,52;

SSS) A Autora mostrava-se impreparada e sem meios mecânicos necessários para o desenvolvimento dos trabalhos;

TTT) A paragem dos trabalhos da empreitada e a não colaboração da Sociedade, a terem ocorrido, impediam a Autora de executar os seus trabalhos.”

III.2. Quanto aos factos não provados consignou-se na sentença recorrida:

“1) Em 10 de Dezembro de 2009, o Réu informou a Autora que a empreitada referente à Reabilitação Urbana do Centro Histórico de Silves (2ª Fase), tinha sido adjudicada em 25 de Novembro de 2009 ao consórcio A........, Lda. / E........, SA.;

2) Após esta situação, a Câmara Municipal de Silves, através do oficio nº 9719, datado de 10 de Maio de 2007, informou a Autora que se encontrava em processo de rescisão contratual com a firma T........, S.A., porquanto não podiam ser celebrados dois contratos com objectos coincidentes, uma vez que o contrato de empreitada integrava os estudos arqueológicos;

3) A Autora sabia que tinha sido adjudicada a prestação de estudos arqueológicos à empresa T........, S.A. e, em simultâneo, a si própria;

4) A Câmara Municipal de Silves só após rescindir o contrato de empreitada com a empresa T........, S.A., e de assinar novo contrato de Empreitada da Reabilitação Urbana do Centro Histórico de Silves com o consórcio constituído pelas empresas A........, Lda. e E........, SA., permitiu o início da prestação de serviços de arqueologia;

5) Foi transmitido pelo Réu à Autora que os estudos arqueológicos/escavações arqueológicas deveriam começar no início de Janeiro de 2007;

6) A Autora organizou e reuniu todos os meios necessários e exigíveis para o cumprimento do contrato que celebrou com o Réu, nomeadamente a contratação de colaboradores nos moldes estipulados no Caderno de Encargos, bem como toda a logística inerente à realização do estudo arqueológico;

7) A Autora remeteu ao Réu uma carta, em 28 de Julho de 2010, na qual apresentou uma Exposição/Petição, em que enumerou as questões que estavam a causar atrasos sucessivos na execução das escavações, o que estava a levantar problemas de liquidez à Autora;

8) A Autora remeteu ao Réu um fax datado de 9 de Outubro de 2007, mais de 1 (um) ano após a adjudicação, no qual pediu esclarecimentos, quanto à previsão do início dos estudos arqueológicos;

9) A Autora solicitou, por diversas vezes, ao Réu que devolvesse a Garantia Bancária entregue em Dezembro 2006, o que se verificou em 13 de Setembro de 2008;

10) A Autora solicitou à Instituição Bancária a simulação dos encargos para uma garantia do valor solicitado, para que efectuasse o planeamento mensal dos encargos;

11) Com o início dos estudos/escavação arqueológica, a pedido do Réu, foi por a Autora entregue uma nova garantia bancária no montante de 31 03979€ correspondendo a 5% do valor da adjudicação 620.795,82€ e demais documentos solicitados;

12) O projecto de que Autora dispunha, e que foi adjudicado pelo Réu em 2006 correspondia à realidade encontrada pela Autora em 2010, aquando do início da execução dos trabalhos arqueológicos;

13) O plano de trabalhos foi respeitado pela empreiteira;

14) Na Travessa do Hospital, a Autora deparou-se com problemas de planeamento, causados pela consórcio empreiteiro A........, Lda. / E........, SA.;

15) Na Rua Nova dos Carmos, ocorreram períodos de paragem devido a incompatibilidades com o empreiteiro, pela sua falta de planeamento, por não marcar correctamente e em tempo útil as valas a intervencionar arqueologicamente;

16) A falta de planeamento da empreitada verificou-se igualmente na Rua Nova do Boavista;

17) As paralisações resultaram numa reduzida cubicagem efectuada durante o mês de Julho, os quais cifraram-se em 30,564m3 na referida Rua Gregório Nunes Mascarenhas Neto, ao valor de 95,65€ m3 2.923,45€;

18) O Réu concordou com as condições propostas pelo Consórcio, tendentes a cumprir o plano de recuperação do atraso da empreitada, nos melhores meses do ano para este tipo de trabalhos (Julho, Agosto e Setembro);

19) No início de Julho de 2011, a proprietária do imóvel em questão após diligências por parte da Câmara procedeu à demolição do mesmo;

20) Na reunião a Autora alertou o Réu mais uma vez que as paralisações constantes da obra constituíam um prejuízo permanente, alertando a fiscalização da CMS para a necessidade de haver mais frentes de obra onde pudesse rentabilizar os trabalhos e a equipa;

21) A Fiscalização do Réu concordou com os factos alegados pela Autora tendo-lhe sido inclusivamente reconhecido o direito a ser indemnizada;

22) Os encargos com a manutenção de toda a logística, entendendo-se o estaleiro e o alojamento do pessoal e escritório, no período compreendido entre 29 de Julho a 20 de Setembro de 2011, correspondente à suspensão dos trabalhos arqueológicos e a rescisão do contrato por justa causa, ascendem ao valor total de 2.100,00€;

23) No mesmo período mantiveram-se no terreno dois arqueólogos, os quais representaram um encargo global de 3.100,00€;

24) A Autora teve de recorrer a uma conta caucionada no valor de Eur. 35.000,00€, por forma a ter condições para pagar vencimentos dos trabalhadores e todas as outras despesas de logística já descritas nas alíneas precedentes;

25) Os trabalhos arqueológicos realizados levaram à elaboração de 15 autos de medição, correspondendo a uma facturação total de 164.305,04€;

26) Entre a data da entrega de garantia bancária ao Réu em 12 de Dezembro de 2006 e a sua devolução à Autora em 13 de Setembro de 2009, a Autora suportou encargos bancários inerentes à garantia, montante que se cifra em €1.500,52;

27) A Autora taxa de inflação entre 2006 e 2010 justificaram o aumento do preço por m3;

28) A Rua do Castelo teve alguma intervenção arqueológica.”

III.3. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“O Tribunal firmou a sua convicção:

- com base nos documentos dos autos;

e,

- com base nos depoimentos das testemunhas que depuseram nas audiências de julgamento devidamente identificadas nos autos, pela percepção e memorização privilegiada que tiveram, revelaram, no seu depoimento, conhecimento relevante dos factos a que foram ouvidas.

Assim, tendo em conta as máximas indiciárias apuradas e a prova produzida, deram ao Tribunal, na sua compreensão global, a verdade material dos factos.

Quanto à matéria de facto dada como não provada formou o Tribunal a sua convicção na ausência de prova concreta sobre os mesmos, perante a falta de dados objectivos fornecidos pelos documentos juntos aos autos e também pela análise conjugada dos depoimentos.”


III.4. Constatando-se a insuficiência do probatório para, face à causa de pedir alegada pela Recorrente, se conhecer do objeto do recurso, nos termos do n.º 1 do art.º 662 do CPC ex vi art. 140.º, n.º 3 do CPTA, procede-se ao aditamento da seguinte factualidade:

UUU) Do Caderno de Encargos relativo ao concurso público internacional visando a adjudicação da prestação de serviços para a “Reabilitação Urbana do Centro Histórico de Silves - Escavações Arqueológicas” referido em B) extrai-se,


(…)

(…)

(…)


(…)

(…)



(…)


(…)

(…)

(…)


- cf. doc. 4 da p.i.;
VVV) No contrato referido em E) dispõe-se que,

- cf. doc. 2 junto à p.i.;



IV. Fundamentação de direito

1. Da nulidade da sentença

A Recorrente invoca a nulidade da decisão, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC, normativo que sob a epígrafe, “Causas de nulidade da sentença”, preceitua que a sentença é nula quando: “c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;”.
A nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão aí contemplada pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la: a contradição geradora de nulidade ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, de sentido diferente. (Ac. do STJ de 14.4.2021, proferido no proc. 3167/17.5T8LSB.L1.S1).
O Recorrido pugna pela rejeição do recurso por entender que a Recorrente não concretiza os “fundamentos” que, no seu entender, estariam em oposição com a douta sentença recorrida.
Assim é. Efetivamente, lidas as alegações e conclusões do recurso não logra o Tribunal identificar as razões pelas quais a Recorrente entende que a decisão de improcedência tomada pelo Tribunal a quo é contraditória com os fundamentos nos quais este alicerça a decisão.
Esta circunstância, contudo, não constitui causa de rejeição do recurso nesta parte (arts. 652.º, n.º 1 al. b) e 655.º do CPC), apenas da improcedência da causa de nulidade apontada.
Na realidade, a posição que a Recorrente aqui defende corresponde ao seu inconformismo para com a decisão tomada porquanto, no seu entender, a prova produzida e os factos provados, à luz do direito convocado pelo Tribunal a quo, conduziriam a solução distinta. Mas tal desacordo com o decidido não corresponde a uma nulidade da sentença, cujo regime “destina-se apenas a remover aspectos de ordem formal que inquinem a decisão, não sendo adequado para manifestar discordância e pugnar pela alteração do decidido» (Ac. STJ de 6.4.2021, proferido no proc. n.º 3300/15.1T8ENT-A.E1.S2).
Improcede, pois, a nulidade apontada à decisão.

2. Do erro de julgamento de facto

No ponto XXI – al. a) das conclusões de recurso a Recorrente aponta erro de julgamento de facto à sentença recorrida.
A Recorrida defende a rejeição do recurso nesta parte dado que, nos termos do disposto no artigo 640.º, do Código de Processo Civil, a Recorrente não especificar nem os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, nem os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, nem a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida face à matéria de facto.
Considerando o disposto no art. 640.º do CPC ex vi art. 1º do CPTA, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão.
Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição total ou parcial do recurso:
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados (cfr. art. 640.º, n.º 1, al. a), do CPC)(2);
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art. 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC. Ou seja, “ b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; (…)” (cf. Ac. do TCAN de 17.11.2023, proc. n.º 00464/10.4BECBR);
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas(3) (cfr. art. 640.º, n.º 1, al. c), do CPC), entendendo-se que o recorrente deve expressar “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus da alegação, por forma a obviar à interposição de recurso de pendor genérico ou inconsequente.” (cf. Ac. do TCAN de 17.11.2023, proc. n.º 00464/10.4BECBR).
Refira-se que, “[q]uanto aos requisitos primários ou fundamentais de delimitação do objeto do recurso, onde se inclui a obrigação do recorrente de formular conclusões e nestas especificar os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e que impugna e, bem assim, de acordo com uma corrente do STJ, indicar, nas conclusões, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (sendo que, a corrente maioritária, relembra-se, propende no sentido de que essa indicação tem de constar da motivação do recurso) e, bem assim, a falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados que, na sua perspetiva, sustentam esse julgamento diverso da matéria de facto que impugna, requisitos esses sobre que versa o n.º 1 do art. 640º do CPC, a jurisprudência, sem prejuízo do que infra se dirá, tem considerado que o mencionado critério de rigor se aplica de forma estrita, não admitindo quaisquer entorses, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de qualquer um desses ónus se impõe rejeitar o recurso da matéria de facto na parte em relação à qual se verifique a omissão, sem que seja admitido despacho de convite ao aperfeiçoamento.
Já no que respeita aos ónus da impugnação secundários, que são os que se encontram enunciados no n.º 2 do art. 640º, em que se consagra a obrigação do recorrente, quando os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação de provas que tenham sido gravada, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, considera-se que, embora a observância desse ónus deva ser apreciado à luz do enunciado critério de rigor, não convém exponenciar esse critério ao ponto de ser violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador”- cfr. Abrantes Geraldes, in ob. cit., págs. 160 e segs;” (Ac. do TCAN de 17.11.2023, proc. n.º 00464/10.4BECBR).
Sublinhe-se, ainda, que a questão do alegado incumprimento dos ónus impugnatório do julgamento da matéria de facto, além de expressamente suscitada pelo Recorrido, e é de conhecimento oficioso do tribunal ad quem, na medida em que o incumprimento pelo Recorrente dos ónus impugnatórios, previstos no art.º 640º, n.ºs 1 e 2, al a) do CPC, impede que a 2.ª Instância possa conhecer da impugnação do julgamento da matéria de facto operada, determinando a imediata rejeição do recurso quanto a essa impugnação (n.º 1, do art.º 640º do CPC).
Considerando o exposto, constata-se que nem em sede de alegações, nem em sede de conclusões de recurso, a Recorrente indica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios que impõem, em seu entender, decisão sobre aqueles pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, indicando as passagens da gravação em que funda a impugnação, nem tão pouco sabe o Tribunal – porque a Recorrente não o indica – qual a decisão que deveria ter sido tomada relativamente ao ponto de facto que reputa incorretamente julgado.
A Recorrente limita-se, de forma conclusiva, a fls. 1 das alegações e no ponto XXI – a) das conclusões, a afirmar que a decisão recorrida padece de “erro de julgamento, através da reapreciação da prova gravada para determinação dos factos que efectivamente deveriam ou não ter sido dados como provados: alíneas a), b) e c), do n.° 1 do artigo 640.° do C.P.C”. Na realidade, o que emerge das alegações é, essencialmente, a discordância quanto à decisão tomada pelo tribunal a quo porquanto a factualidade provada conduziria, à luz do direito, a solução distinta. Portanto, o erro de julgamento de direito.
Neste sentido, verifica-se que as alegações e conclusões de recurso são patentemente omissas quanto ao cumprimento dos ónus impugnatórios resultantes do art.º 640.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil. Não se logra alcançar quais os pontos incorretamente julgados, nem a Recorrente concretizou, por referência a cada um desses factos, quais os meios probatórios que, no seu entender, imporiam decisão diversa daquela que foi dada pelo Tribunal de 1.ª Instância, não indicando também a decisão que, no seu entender, devia ser proferida sobre a matéria de facto, relativamente a determinados factos impugnados.
Em face do exposto, impõe-se rejeitar o recurso no que respeita à impugnação da matéria de facto.

3. Do erro de julgamento de direito

Nos presentes autos a Recorrente peticionou o ressarcimento dos danos decorrentes do incumprimento pelo R. do contrato de “Reabilitação Urbana do Centro Histórico de Silves – Escavações Arqueológicas” e que conduziu à rescisão pela A. do contrato por justa causa. Danos esses no valor aproximado de € 507.361,02 mas a liquidar em execução de sentença e que se traduzem nos lucros cessantes, correspondentes ao valor de € 456.490,78 que deixou de faturar, € 10.000,00 a título de danos morais, danos emergentes correspondentes aos custos com as garantias bancárias no valor de € 1.500,00 e € 326,83 trimestrais da entregue em 7.5.2010, encargos mensais fixos de € 242,90 com conta, encargos de 35.000,00 € para fazer face aos prejuízos, encargos no valor de € 2.100,00 com logística e equipa respeitantes a aluguer de casas e honorários pelo tempo em que dois dos colaboradores se mantiveram em obra enquanto os estudos arqueológicos estavam suspensos.
A sentença recorrida julgou a ação improcedente por entender, em suma, que não se encontravam verificadas as condições para a rescisão do contrato por “não ter sido o Réu que convocou factos impeditivos ao seu prosseguimento” (fls. 37 da sentença), cabendo à A. a obrigação de cumprimento do contrato e que “a prestação de serviços não logrou a sua execução in totum devido à circunstância de outras empreiteiras estarem a operar no mesmo local, mas com diferentes fins, não decorrendo que ao invés de resolver o contrato, se a Autora tivesse continuado a perseverar na sua realização, o resultado não teria sido positivo” (fls. 39) e que nem a A. nem a R. estariam isentas “da responsabilidade do contrato não ter sido realizado no prazo contratualmente previsto” (fls. 42) , para daí concluir que a dificuldade de execução da obra por banda da Autora não era diretamente imputável à atuação do Réu e, consequentemente, a conduta deste não é causa adequada aos danos sofridos pelas A., nem a obra dos autos foi suscetível de provocar os danos que a A. reclama nos autos.
É contra o assim decidido que a Recorrente se insurge. Aduzindo que a sentença faz indevida aplicação do disposto nos artigos 3.º, 13.º, 22.º, 266.º e 268.º da CRP, 5.º do CPA e 1.º, n.º 4, 302.º e 314.º do CCP, embora de forma não expressamente qualificada, defende que aquela padece de erro de julgamento.
Para tanto, em síntese, sustenta, que, por um lado, o contrato celebrado entre a Recorrente e o Recorrido corresponde a uma prestação de serviços regida pelo DL 197/99 e não a uma empreitada de obras públicas. Por outro, alega que, face aos factos provados, ficou demonstrado que na execução do contrato, o Município foi omisso no cumprimento dos seus poderes e deveres de “dono de obra”, coordenando e articulando os trabalhos da empreitada com os da A. - de modo a salvaguardar que os trabalhos se desenvolvessem conforme previsto -, fiscalizando e dirigindo os trabalhos da empreitada - atuando perante as falhas do empreiteiro e paralisação dos trabalhos deste – de forma a permitir a execução do contrato pela Recorrente, e adotou comportamentos – designadamente ajustes e alterações ao projeto da empreitada e licenciamento de obras de remodelação de uma moradia junto dos trabalhos de escavação arqueológica – que impediram a Recorrente de executar as prestações a seu cargo. Consequentemente, denunciou o contrato com justa causa.
Importa, em primeiro lugar, dar conta que, efetivamente, o Tribunal a quo qualificou erroneamente o contrato celebrado entre a Recorrente e o Recorrido, vislumbrando-se, além do mais, que a decisão recorrida convoca o regime normativo do Código dos Contratos Públicos que se mostra inaplicável ao contrato.
Com efeito, como emerge do probatório, pese embora o contrato tenha sido celebrado em 18.5.2010 (facto E)), o procedimento concursal decorreu em 2006, tendo a adjudicação sido praticada em 11.10.2006 (facto D)). Tal significa que, nos termos do art. 16.º, n.º 1 do DL 18/2008 – que dispõe que “[o] Código dos Contratos Públicos só é aplicável aos procedimentos de formação de contratos públicos iniciados após a data da sua entrada em vigor e à execução dos contratos que revistam natureza de contrato administrativo celebrados na sequência de procedimentos de formação iniciados após essa data, salvo o disposto no n.º 2 do artigo 18.º” -, o CCP não é aplicável ao contrato em causa nos autos.
Ora, nos termos do art. 2.º do DL 59/99 (doravante RJEOP) entende-se “por empreitada de obras públicas o contrato administrativo, celebrado mediante o pagamento de um preço, independentemente da sua forma, entre um dono de obra pública e um empreiteiro de obras públicas e que tenha por objecto quer a execução quer conjuntamente a concepção e a execução das obras mencionadas no n.º 1 do artigo 1.º, […] realizados seja por que meio for e que satisfaçam as necessidades indicadas pelo dono da obra.” (n.º 3), enunciando-se no art. 1.º, n.º 1 do RJEOP o conceito de obra pública como “obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, reparação, conservação, limpeza, restauro, reparação, adaptação, beneficiação e demolição de bens imóveis, destinadas a preencher, por si mesmas, uma função económica ou técnica, executadas por conta de um dono de obra pública.”
À data, o regime da realização de despesas públicas com a locação e aquisição de bens e serviços, bem como da contratação pública relativa à locação e aquisição de bens móveis e de serviços era regido pelo DL 197/99. Refira-se que, pese embora inaplicável, o art.450.º do CCP contempla uma definição genérica do contrato de aquisição de serviços que nos permite compreender que o seu objeto é a aquisição pelo contraente público da prestação de um ou vários tipos de serviço mediante o pagamento de um preço. No art. 1154.º do CC estipula-se que “contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual (…)”.
Considerando que nos termos da cláusula segunda do contrato (ponto UUU)) e artigo 1.º das Cláusulas Técnicas do CE (ponto VVV)) o contrato tinha por objeto a obrigação da A. executar trabalhos de escavação e acompanhamento arqueológico, este corresponde a uma aquisição de serviços regida pelo DL 197/99.
O DL 197/99 não regula a extinção dos contratos por si abrangidos, contudo importa recordar que “os contratos de prestação de serviços celebrados ao abrigo do regime jurídico de realização de despesas públicas e da contratação pública configuravam-se como contratos de direito privado, não obstante serem sujeitos a procedimentos pré-contratuais, por imposição de normas comunitárias” (entre outros, o Ac. deste TCA Sul de 20.10.2021, proferido no proc. 657/11.7BELSB).
Assim sendo, a cessação do contrato, designadamente por resolução do contraente privado, e o regime da responsabilidade contratual são, subsidiariamente, regulados pelo Código Civil, ainda que, por via da remissão do art. 206.º do DL 197/99 para o CPA (na redação anterior ao DL 4/2015) essa aplicação não deixe ser temperada pelos princípios gerais de direito administrativo e, com as necessárias adaptações, pelas demais normas que regulam formas específicas de contratação pública (art. 189.º do CPA).
É sabido que os contratos devem ser pontualmente cumpridos, e o devedor que falte culposamente ao cumprimento da sua obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que cause ao credor (artigos 288.º do CCP, 406.º, n.º 1, e 798.º do CC). Esta regra corresponde ao princípio geral do pacta sunt servanda previsto no artigo 406.º n.º 1, do CC, segundo o qual o contrato deve ser pontualmente cumprido, - isto é cumprido ponto por ponto -, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos lei.
Assim, se o devedor, em geral, não realizar pontualmente a sua prestação, por culpa, e se com isso gerar ao credor prejuízo, constitui-se na obrigação de o indemnizar no quadro da responsabilidade civil contratual.
A responsabilidade contratual, embora subordinada aos pressupostos comuns a todas as formas de responsabilidade – ato ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano (artigos 562º, 563º, 564º, n.º 1, 566º, 798º, 799º e 808º, n.º 1, do Código Civil) – resulta da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei, emergindo dessa conduta ilícita e culposa, a obrigação de indemnizar os prejuízos que causou (artigos 483.º, n.º 1, 762.º, n.º 1 e 798.º do Código Civil).
Refira-se que entre os factos derivantes da responsabilidade civil obrigacional contam-se o não cumprimento de obrigações, a mora no seu cumprimento, o seu cumprimento defeituoso e a impossibilidade da prestação imputável ao devedor (artigos 798.º, 801.º, n.º 1, 804.º, n.º 1, 898.º, 899.º, 908.º, 913.º e 1223.º do Código Civil).
Acrescente-se que se previa no artigo 16.º das Cláusulas Jurídicas do CE que “o incumprimento, por uma das partes, dos deveres resultantes do contrato confere, nos termos gerais de direito, à outra parte o direito de rescindir o contrato, sem prejuízo das correspondentes indemnizações legais” (n.º 1), entendendo-se que se considera “incumprimento definitivo quando houver atraso na prestação de serviços ou falta reposição de bom funcionamento por período superior a 30 dias úteis” (n.º 2).
Também a lei (art. 432.º n.º 1 do CC) prevê a possibilidade de resolução do contrato nas hipóteses de impossibilidade da prestação por causa imputável ao devedor e o incumprimento definitivo (arts. 801.º, n.º 2 e 808.º do CC, neste sentido Luís Meneses Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina 6.ª edição, p. 265).
Refira-se que se verifica incumprimento definitivo na hipótese de conversão da mora (em incumprimento definitivo), o que ocorre,
- pelo decurso do prazo admonitório, que razoavelmente for fixado – artigo 808.º n.º 1 CC;
- pela perda do interesse do credor, em consequência da mora – artigo 808.º n.º 1 CC;
- pela recusa categórica do devedor em não cumprir;
- pela extinção da obrigação, designadamente por impossibilidade superveniente do cumprimento.
Impõe-se ainda considerar que, como se deu conta no Ac. do STJ de 9.12.2021, proc. 3023/05.0TJVNF.G1.P1.S3.,
“como se refere no ac. STJ de 17 de maio de 2018 (no proc. 567/11.8TVLSB.L1.S2, in dgsi.pt) “vem-se alertando para a circunstância de o regime de resolução por incumprimento constante do CC se encontrar desenhado com base no paradigma do contrato de execução instantânea, sendo que as especificidades das relações duradouras decorrentes da sua natureza prolongada no tempo não permitem o enquadramento automático das mesmas naquele paradigma, impondo, ainda que apenas em determinadas matérias, a aplicação de regras diferenciadas ajustadas às respetivas características – vd. Joana Farrajota, «A Resolução do Contrato sem Fundamento», Almedina, 2015, pags. 357-35”.
Um pronunciamento jurisprudencial para a particularidade da resolução por incumprimento no CC estar configurada para uma resposta aos contratos de execução instantânea colhe-se ac. RL de 16-1-1990 - in Coletânea de Jurisprudência, ano XV, tomo 1, pg. 138 – no qual , com abono na lição de Baptista Machado (na anotação» ao acórdão do STJ de 8-11-1983, R.L.J. 118, pág. 280), se decidiu que “ o mecanismo do art. 808.º do C.C. não se ajusta diretamente às relações contratuais duradouras, não sendo necessário o recurso a ele quando existe justa causa de resolução.”
[…]
E defende Joana Farrajota – op. cit. pg. 360-361 - que nos “contratos de execução duradoura a apreciação da admissibilidade do exercício da faculdade resolutória deve ser realizada noutros moldes. O inadimplemento não deve ser valorado em função apenas do seu efeito isoladamente considerado, mas atendendo ao seu impacto na relação enquanto um todo. O que está em causa, em regra, num contrato de execução duradoura, não é a perda de interesse do credor numa concreta prestação, mas sim a perda de interesse na manutenção da relação. O juízo de avaliação do incumprimento, para efeitos do exercício do direito de resolução nos contratos de execução duradoura transcende a mera apreciação do respetivo impacte no interesse do credor na prestação incumprida, incidindo igualmente sobre o efeito daquele no interesse do credor em manter-se vinculado ao contrato.
Atenta-se, para além da gravidade do incumprimento em si mesmo considerado, aos efeitos daquele na viabilidade da relação. Trata-se, pois, a final, de realizar um juízo quanto à exigibilidade da manutenção do contrato.
O contrato de execução duradoura deve poder ser resolvido sempre que de acordo com as conceções vigentes na sociedade e à luz do princípio da boa-fé, em face de determinado facto ou circunstâncias, a respetiva execução se torne inexigível” concluindo igualmente que das “regras particulares sobre a resolução por justa causa em contratos de execução duradoura retira-se um princípio geral de resolução com fundamento em justa causa, aplicável a todas as relações de execução duradoura».
Seguindo aqui o percurso de raciocínio normativo percorrido no ac. deste STJ de 17 de maio de 2018 antes citado, a justa causa a que se alude neste âmbito, por ser um conceito indeterminado recomenda na sua valoração especial atenção por não se identificar com um qualquer motivo de desconforto ou resistência na vida do contrato tendo antes de constituir, na apreciação valorativa do caso concreto, um fundamento importante. Terá de se exigir uma circunstância, facto ou situação “em face da qual na economia do contrato e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação… A “justa causa” representará, em regra, uma violação dos deveres contratuais (e, portanto, um “incumprimento”): será aquela violação contratual que dificulta, torna insuportável ou inexigível para a parte não inadimplente a continuação da relação contratual” - Baptista Machado, «Pressupostos da Resolução por Incumprimento», «Obra Dispersa», vol. I, Braga, 1991, pgs. 143-144. E é ainda este mesmo autor que na anotação antes citada ao ac. STJ de 8-11-1983, R.L.J. 118, pg. 318 – conclui que havendo uma justa causa para a resolução não há necessidade de recorrer ao processo de intimação com fixação de um prazo suplementar, nos termos do nº 1 do art. 808 e que embora a lei só fale de resolução por justa causa ao regular os contratos com prestações duradouras, o seu regime deve ser alargado por analogia às relações contratuais que não tendo, embora, por objeto prestações duradouras, perduram no tempo, pelo facto de as respetivas obrigações terem um prazo para o cumprimento” - síntese que é feita no ac. STJ de 17 de maio de 2018 citado.
No caso as prestações contratuais prolongavam-se por um período de 19 meses (ponto VVV)), o que confere ao presente contrato características das relações contratuais duradouras, que conduzem à aplicação da doutrina da resolução com fundamento em justa causa. Também a previsão na cláusula 16.º n.º 1 do CE da possibilidade de resolução com fundamento em incumprimento dos deveres resultantes do contrato, que se pode consubstanciar na verificação de falhas reiteradas na execução do programa contratual pelo Município, permite convocar a ideia de inexigibilidade da manutenção do vínculo contratual.
Esclarece-se, ainda, que uma das questões mais debatidas na doutrina e jurisprudência reporta-se à determinação do âmbito da indemnização cumulável com a resolução do contrato, designadamente, se tal indemnização visa colocar o credor/lesado na situação em que estaria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido (ressarcimento do interesse contratual positivo) ou se tal indemnização visa antes colocá-lo na situação em que estaria se o contrato não tivesse sido celebrado (ressarcimento do interesse contratual negativo). Questão que, mostrando-se necessário, será posteriormente abordada.
No caso dos autos, o que importava ao Tribunal a quo determinar era se a factualidade provada demonstrava, nos termos alegados pela A., que por força da atuação ou omissões do R. na execução do contrato, violando estes os deveres contratuais a seu cargo designadamente de coordenação dos seus serviços com a empreitada e direção e fiscalização daquela, a A. se viu impedida de prestar com normalidade e regularidade os seus serviços e se, por um lado, o conjunto, desses incumprimentos é de tal forma grave que tornou inexigível a subsistência do vínculo contratual entre a A. e o R. a consubstanciar justa causa resolutiva e, por outro, se daí emergiram os danos alegados pela Recorrente.
Isto posto, pese embora o erróneo enquadramento normativo que emerge da sentença recorrida – como dissemos, não é aplicável o CCP, nem o contrato é de empreitada -, quanto à questão que formulou de saber se “[a] dificuldade de execução da obra por banda da Autora foi directamente imputável à actuação do Réu?”, o Tribunal a quo, no essencial, deu resposta negativa quanto à imputação ao R. dos incumprimentos contratuais imputados pela A. e, consequentemente, à verificação da referida justa causa de resolução contratual.
Como se deu conta na decisão recorrida (fls. 29 e alínea N) do probatório), e resultava, além do mais, dos arts. 6.º, n.º 2 das Cláusulas Jurídicas e 1.º das Cláusulas Técnicas do CE, os serviços a cargo da A. seriam executados em simultâneo e em articulação com a realização da empreitada “Reabilitação do Centro Histórico de Silves” em conformidade com o Plano de Trabalhos do empreiteiro, “sendo a coordenação dos trabalhos das várias entidades da responsabilidade da Fiscalização (representante da Entidade Adjudicante)”.
Acrescente-se que, no âmbito da execução dos contratos, assistem ao contraente público poderes-deveres de modificação unilateral do conteúdo das prestações, direção do modo de execução das prestações, fiscalização do modo de execução do contrato e aplicação de sanções contratuais (art. 180.º do CPA ex vi art. 206.º do DL 197/99 e art. 273.º do RJEOP, atualmente art. 302.º do CCP).
Por outro lado, nos termos gerais de direito, na execução contratual devem as partes pautar as suas condutas pela boa-fé e cooperação (art. 762.º, n.º 2 do CC).
Com relevância à questão de saber se a prestação de serviços a cargo da A. foi afetada pela atuação ou omissões do R. em violação dos deveres contratuais a seu cargo e em termos que tornassem inexigível a continuação da relação contratual, o quadro factual provado pela A. é marcadamente insuficiente para que se possa concluir no sentido por esta defendido.
Efetivamente, é certo que a execução dos serviços pela A. estava dependente do andamento dos trabalhos da empreitada, de tal forma que as vicissitudes a que ali houvesse lugar poderiam, em abstrato, contender com as prestações contratuais a cargo da A..
Sucede que, embora se tenha provado que, em determinados locais, os trabalhos da empreitada estiveram parados durante nos meses de Junho, Julho e Agosto (alínea Q)), contudo o que a A. não demonstrou, nada emergindo dos autos que assim pudesse levar a concluir, foi que esses trabalhos da empreitada correspondessem a trabalhos dos quais dependesse a prestação dos seus serviços (o quadro probatório não permite associar as referidas paralisações à comunicação referida em II)). E, mais, a A. também não demonstrou quais as causas que estiveram subjacentes a essas paragens, nem tão pouco que o R. tenha omitido as medidas necessárias, ao abrigo dos seus poderes-deveres de direção e fiscalização da empreitada e, eventualmente, de natureza sancionatória, perante o empreiteiro para regularizar o ritmo daqueles trabalhos.
Por outro lado, demonstrado que determinados locais foram suspensos os trabalhos a cargo da A. (alínea S)), e que a A. suspendeu os trabalhos em diversos períodos e locais (alíneas LL), Z), BB) e CC), OOO)), o que ficou por provar são se as causas dessas suspensões eram, como alega a A., imputáveis ao R. ou aos trabalhos da empreitada relativamente à qual este era dono de obra. Refira-se, não bastam para tanto as comunicações remetidas pela A. ao R. (pontos U), V), Z) dos factos provados), que mais não expressam que a sua posição.
Acrescente-se que ainda que tenham surgido realidades arqueológicas não expectáveis que conduziram a que a Autora tivesse necessidade de alterar metodologias de trabalho e efetuar escavações arqueológicas inesperadas (alínea T)), não se estabeleceu a imputabilidade ao R.. Isto é, se, designadamente, estava em causa alguma deficiência nos elementos patenteados a concurso que pudesse ser atribuída ao R. ou se, na realidade, tal terá resultado de uma deficiente análise do local dos trabalhos ou planeamento destes pela A..
No que respeita ao facto referido em DD) – limpeza das lamas na Rua Gregório Nunes Mascarenhas Neto após o recomeço dos trabalhos - também se desconhecem, por não provadas, as causas da existência de tais lamas e, consequentemente, a sua imputabilidade, direta ou indireta, ao R..
Provou-se, é certo, que
- Na sequência da reunião de 6.7.2011 o R. comunicou à A. que, face às dificuldades do empreiteiro e a “inexistência de condições para, nos próximos tempos, ser reposto o normal ritmo da obra.”, não haveria “possibilidade de se abrirem novas frentes de obra” pelo que “outros trabalhos arqueológicos” para além dos associados às Rua Nova da Boa Vista, Rua do Pelourinho, Travessas do Carmo, do Pelourinho-Poente e da Arrochela e Rua Gregório Nunes Mascarenhas Neto-Sul, “não terão qualquer viabilidade” (facto II);
- O R. suspendeu os trabalhos da empreitada em 8.5.2010 por 9 dias (alínea MM));
- O projeto referente à Empreitada a cargo do consórcio foi objeto de diversos ajustes e alterações por parte do R. e do empreiteiro que provocaram atrasos e retrocessos no trabalho da A. (alíneas ZZ) e BBB), designadamente na Rua da Arrochela, a Autora teve de efetuar períodos de paragem e reduzir a equipa que lá estava a laborar (alínea CCC));
- As sucessivas alterações de planeamento dos trabalhos da empreitada implicaram uma mudança no tipo de prestação a ser executada pela Autora (alínea DDD), sendo que a alteração de metodologia originou uma mudança na composição da equipa (alínea GGG);
- Em julho de 2011 a Autora tinha como única frente de trabalho ativa, a Rua Gregório Nunes Mascarenhas Neto, mas tendo sido informada pela proprietária da moradia nº 7, da Rua Gregório Nunes Mascarenhas Neto que o Réu tinha licenciado obras de remodelação da sua moradia, que confina com a área onde a Autora se encontrava a trabalhar e ia prosseguir com as escavações arqueológicas, a A. cessou os estudos/escavação arqueológica, uma vez que as obras na referida moradia implicavam a montagem de andaimes e obstrução da via pública com maquinaria e materiais, o que a impedia de avançar com a escavação arqueológica (alíneas JJJ) a MMM)).
Isto é, provou-se que as alterações à empreitada, seja no que respeita aos trabalhos a executar, seja ao planeamento destes, e, bem assim, a aprovação pelo R. das obras na moradia, se repercutiram na prestação de serviços pela A., impondo-lhe atrasos e alteração das metodologias de trabalho.
Mas o que o quadro factual não revela é a causa daquelas alterações ao projeto da empreitada, designadamente se resultaram de erros e omissões que fossem imputáveis ao dono de obra – refira-se que a A. não demonstrou os termos em que foi celebrado o contrato de empreitada entre o R. e o consórcio, designadamente se o objeto daquela envolvia a conceção da obra ou apenas a execução da empreitada, desconhecendo-se a data em que decorreu o procedimento concursal e em que foi celebrado o contrato, que permitisse apurar se o mesmo se regia pelo RJEOP ou já pelo CCP – ou do exercício pelo R. do poder de modificação unilateral das prestações. Nem tão pouco se mostra apurada a imputabilidade ao R. das alterações de planeamento dos trabalhos da empreitada.
Na realidade, apenas relativamente às obras na moradia, a A. provou o seu nexo causal com a atuação licenciadora do R. e que tal a impediu de, naquela rua prestar os serviços. Mas, per si, este facto, interferindo com a execução da prestação de serviços a cargo da A., não é apto a revelar uma conduta do R. incumpridora dos seus deveres contratuais e perturbadora da concretização da prestação de serviços, que à luz do princípio da boa fé tornasse inexigível à A. que ela se mantivesse ligada ao R.
Do facto II) resulta, ainda, que a A. esteve impedida de executar trabalhos devido à paralisação do empreiteiro, mas, novamente, não só se desconhece a dimensão do período de paralisação dos trabalhos a cargo do empreiteiro, como o real impacto dessa paralisação nos trabalhos da A., desde logo porque do ofício referido emerge que o empreiteiro continuava a executar trabalhos noutros troços. Ademais, o que não é possível reconhecer no probatório é que, o R., perante tal paralisação da empreitada tenha omitido os deveres de direção, fiscalização e coordenação entre a empreitada e a prestação de serviços a cargo da Recorrente.
Também em 8.5.2010 o R. suspendeu os trabalhos da empreitada (alínea MM)) mas questiona-se em que medida essa suspensão de 9 dias impediu a prestação dos serviços pela A., dado que a Recorrente não o provou.
Aponte-se, ainda, que se provou que houve lugar à supressão de trabalhos (alíneas WW), XX) e YY)), o que significa que as prestações a cargo da A. tinham sido reduzidas com uma menor carga de trabalho para esta, mas também que a Autora se mostrava impreparada e sem meios mecânicos necessários para o desenvolvimento dos trabalhos (alíneas SSS) ). Ademais a Recorrente não demonstrou que,
- Organizou e reuniu todos os meios necessários e exigíveis para o cumprimento do contrato que celebrou com o Réu, nomeadamente a contratação de colaboradores nos moldes estipulados no Caderno de Encargos, bem como toda a logística inerente à realização do estudo arqueológico (ponto 6 dos Factos não provados);
- Na Travessa do Hospital, a Autora deparou-se com problemas de planeamento, causados pelo consórcio empreiteiro A........, Lda. / E........, SA. (ponto 14));
- Na Rua Nova dos Carmos, ocorreram períodos de paragem devido a incompatibilidades com o empreiteiro, pela sua falta de planeamento, por não marcar correctamente e em tempo útil as valas a intervencionar arqueologicamente (ponto 15));
- A falta de planeamento da empreitada verificou-se igualmente na Rua Nova do Boavista (ponto 16)).
Ou seja, existem elementos probatórios que revelam que a própria A. não atuou, na realização das prestações a seu cargo, de forma diligente, o que é apto a contribuir para as próprias dificuldades que experienciou na execução dos serviços.
A Recorrente, neste recurso, verdadeiramente continua a insistir na posição que defendeu na petição inicial, olvidando que o quadro factual apurado não é apto a permitir concluir no sentido por si pugnado. Concretamente, embora se reconheça que, efetivamente, as paralisações e deficiências de planeamento e execução da empreitada se repercutiram nos trabalhos a cargo da A., ficou por demonstrar não só a extensão e medida desse impacto, como que essa repercussão resultasse de condutas, por ação ou omissão, reveladoras do incumprimento pelo R. dos seus deveres contratuais, designadamente os referenciados nos arts. 6.º, n.º 2 das Cláusulas Jurídicas e 1.º das Clausulas Técnicas do CE, e art. 180.º do CPA ex vi art. 206.º do DL 197/99, e que esse incumprimento seja em tal medida que possibilitasse a conclusão pela inviabilidade da manutenção da relação contratual com o Recorrido.
Nesse sentido não se mostrava provado, como, no essencial, assim conclui a sentença recorrida o facto contratual ilícito e que esse incumprimento contratual fosse de tal forma grave em termos que se subsumissem à justa causa resolutiva, razão pela qual a Recorrente se mantinha vinculada à execução do contrato.
Assim, por não verificados os pressupostos do ilícito contratual e da justa causa resolutiva, naturalmente, que não assistem à Recorrente os direitos indemnizatórios por esta reclamados, reportados ao interesse contratual positivo (o valor de € 456.490,78 que aduziu não ter faturado em consequência da resolução) e ao interesse contratual negativo (correspondentes aos custos com as garantias bancárias, encargos com logística e equipa, encargos com a conta e financiamento) e, bem assim, aos danos morais que alega ter sofrido.
Refira-se, ainda, que a circunstância de a quantificação dos danos poder ser relegada para liquidação em sede de execução de sentença não dispensa o autor de alegar e demonstrar na petição inicial os factos de que depende o seu direito, concretamente que suportou danos (ainda que os não possa quantificar).
A este respeito a Recorrente apenas provou que entre a data da entrega de garantia bancária ao Réu em 12 de dezembro de 2006 e a sua devolução em 13 de Setembro de 2009, a Autora suportou encargos bancários no valor de 1.500,52 € (facto RRR)), sendo que não é possível – como assim se acabou por ajuizar na sentença recorrida (a fls. 45 e 46) – aferir o nexo de causalidade entre esses danos e a atuação do R..
Pelo que, embora se reconheça que o Tribunal a quo incorreu em erro de direito ao aplicar normativos do Código dos Contratos Públicos, ainda que com distinto fundamento há que concluir que a sentença não incorreu no erro de julgamento que lhe é imputado, designadamente por indevida aplicação do disposto nos artigos 3.º, 13.º, 22.º, 266.º e 268.º da CRP, 5.º do CPA, normativos que, de resto, a sentença nem sequer aplicou.
Adiante-se que não se logra alcançar em que medida o Tribunal a quo tenha feito indevida aplicação do disposto no art. 314.º do CCP. Reiterando-se a inaplicabilidade daquele diploma à relação contratual em causa nos autos, deteta-se que não só o Tribunal a quo não convocou para a sua decisão tal normativo, como não tendo sido invocado na petição inicial como fundamento jurídico para os direitos indemnizatórios da A. a reposição do equilíbrio económico-financeiro, naturalmente que não havia lugar à sua apreciação.
Isto é, não estava em causa nos autos saber, porque a Recorrente não o invocou, se, em virtude de atuações do R. que consubstanciassem o exercício do seu poder de modificação unilateral ou de facto do príncipe, a A. tinha direito à reposição do equilíbrio financeiro ou, se por alterações anormais e imprevisíveis das circunstâncias (reconduzíveis à teoria da imprevisão), a uma compensação. Consequentemente, não cabe a este Tribunal apreciar o que não só não foi alegado pela Recorrente na p.i., como assim não foi conhecido pela sentença recorrida.
Face ao exposto, haverá que confirmar o sentido da decisão recorrida.

4. Da condenação em custas

Vencida, é a Recorrente condenada em custas (arts. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).


V. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Sul, em,
a. Rejeitar o recurso quanto ao erro de julgamento de facto;
b. Negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida;
c. Condenar a Recorrente em custas.

Mara de Magalhães Silveira
Ana Cristina Lameira
Paula Cristina Oliveira Lopes de Ferreirinha Loureiro


(1)Atento o disposto no art. 15.º, n.º 2 do DL 214-G/2015, aos presentes autos aplica-se a redação do CPTA anterior a este diploma, ou seja, que resultava da Lei 63/2011.
(2)Os quais devem ser enunciados na motivação do recurso e sintetizados nas conclusões. Contudo, como se dá nota no Ac. do TCAN de 17.11.2023, proc. n.º 00464/10.4BECBR que “tem-se assistido ao nível da jurisprudência do STJ a um aliviar do enunciado critério de rigor, admitindo a apreciação do recurso ainda que as conclusões sejam omissas quanto à referência expressa dos concretos pontos da matéria de facto que o apelante impugna, desde que os factos impugnados resultem claramente identificados nas antecedentes alegações - cfr. neste sentido, Acs. do STJ, de 08/02/2018, Processo nº 765/13.0TBESP.L1.S1; de 08/02/2018, Processo nº 8440/14.1T8PRT.P1.S1; de 06/06/2018, Processo nº 552/13.5TTVIS.C1.S1, e de 13/11/2018, Processo nº 3396/14, este último inédito.”
(3)No Ac. de 17.10.2023, proferido no proc. n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1, o STJ uniformizou a seguinte jurisprudência: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil, o recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”.