Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:7355/14.8BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/26/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
IMPUGNAÇÃO
FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO QUE JUSTIFICAM A DECISÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - Os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, alíneas a) a d), do RJAT correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do C. P. Civil.
II - Só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade – integra a previsão da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do NCPC, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento. Erro de julgamento que escapa aos poderes de pronúncia do TCA.
III - A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia só acontece quando o acórdão deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra.
IV - Questões, para efeito do disposto no n.º 2 do art. 608.º do CPC, não são os argumentos e razões, mas sim e apenas as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.
V - Se o percurso decisório que o Tribunal faz para resolver as questões colocadas, desconsidera argumentos ou razões (de facto ou de direito) em que a parte fundou a sua posição na controvérsia, tal não inquina a decisão do vício de omissão de pronúncia sancionado com a nulidade, mas sim e, eventualmente, poderá inquinar a decisão de erro de julgamento, não sindicável em sede de impugnação da decisão arbitral.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

C…– SGPS, S.A., vem, ao abrigo do disposto no artigo 27.º e 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante RJAT), aprovado pelo D.L. n.º10/2011, de 20 de Janeiro, impugnar o Acórdão arbitral proferido no processo n.º38/2013–T, pelo Tribunal Arbitral Colectivo constituído junto do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante CAAD).

A Impugnante termina as alegações da impugnação formulando as seguintes e doutas Conclusões:
«
DA ANULABILIDADE DA DECISÃO ARBITRAL
A. No âmbito de uma acção de inspecção externa ao IRC do exercício de 2007, a AT considerou que o lucro tributável da Impugnante deveria ser corrigido em € 701.118,53, por inaplicabilidade do mecanismo de eliminação da dupla tributação económica na percepção de dividendos, na parte respeitante a 2.952.078 acções da PT SGPS detidas por um período inferior a um ano, de que resultou um montante de imposto a pagar de €201.502,01.

B. No âmbito do pedido de pronúncia arbitral tributária ao CAAD, com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto tributário de liquidação de IRC, a Impugnante invocou, como causa de pedir, que o mecanismo de eliminação da dupla tributação económica de dividendos recebidos vertido no n. 1 do artigo 46. do Código do IRC deve ser aplicado à participação social, considerada de forma unitária, não podendo operar de forma atomizada (i.e., acção a acção) e que, neste contexto, detinha uma participação que cumpria os requisitos legais vertidos na alínea c) dessa disposição:
i) Quantitativos, já que o valor de aquisição da participação excedia os € 20.000.000; e
ii) Temporais, porquanto a participação havia sido detida por um período superior a um ano, respeitando, a todo o tempo, o referido limiar dos € 20.000.000.

C. Este é o ponto central da sua exposição, o thema decidendum que é explorado entre as páginas 7 e 17 (de um total de 21) do referido pedido.

D. A Impugnante não logrou obter qualquer pronúncia do tribunal arbitral a este respeito, que conclui pela exclusão do regime da eliminação da dupla tributação económica na percepção de dividendos sem que, por uma vez que fosse, se tenha pronunciado sobre a questão (única) apresentada e dado uma explicação, ainda que num par de linhas, pela qual não concordava com a mesma.

E. A decisão prolatada é, assim, anulável, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 27. e 28. do RJAT, porquanto não especifica os fundamentos de direito que lhe estão subjacentes nem, bem assim, se pronuncia quanto à (única) questão de direito que foi suscitada pela Impugnante.

F. Esta questão (causa de pedir e fundamento do pedido) reside em saber quando é que se considera preenchido o requisito temporal de detenção da participação por um período mínimo de um ano, vertido na alínea c) do n. 1 do artigo 46. do Código do IRC, e o que se deve entender por "participação", para esse efeito.

G. O tribunal deixa por justificar os motivos (quaisquer que eles fossem) que o levaram a concluir que a estatuição do n. 1 do artigo 46. do Código do IRC era susceptível de ser aplicada fraccionando a participação social, inexistindo, assim, "uma caracterização jurídica dos factos, isto é, que dela se faça derivar a solução da causa e se explicitem as respectivas razões ou fundamentação de direito" e não se afigurando possível à Impugnante "saber porque é que lhe foi desfavorável a sentença" de forma a poder impugná-la (cf. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Março de 1997, recurso n. 21293, e de 15 de Março de 1995, processo n. 016538, respectivamente).

H. Acresce que, estribando-se a argumentação expendida pela Impugnante no desenvolvimento de uma única questão de direito, acompanhada da respectiva doutrina e jurisprudência — i.e., que o disposto no n. 1 do artigo 46. do Código do IRC deve ser aplicado à participação social detida por dada entidade como um todo desde que essa entidade possua uma participação que observe os requisitos aí elencados (i.e. uma participação não inferior a 10% ou com um valor de aquisição não inferior a €20.000.000 detida há pelo menos um ano), e não, como preconiza a AT, que cada acção detida por essa entidade tem de verificar o requisito relativo ao período mínimo de detenção de um ano para que a totalidade da participação beneficie do disposto naquela norma — a pronúncia sobre a mesma se afigurava incontornável e essencial para a resolução do thema decidendum, resultando aquela questão indissociável e implícita no pedido de anulação da liquidação de IRC.

I. A decisão em apreço afigura-se assim anulável, também com base em omissão de pronúncia (cf. alínea c) do n. 1 do artigo 28. do RJAT).

J. Adicionalmente, o tribunal arbitral não deu cumprimento à sua obrigação de especificação da matéria de facto, ao não qualificar como provado o facto (que, saliente-se, não foi contestado pela AT) que a participação que a Impugnante detinha na PT SGPS se manteve sempre acima do limiar dos € 20.000.000 referido no n.2 1 do artigo 46. do Código do IRC, pelo menos até ao dia 16 de Janeiro de 2008, i.e., "durante o ano anterior à data da colocação à disposição dos lucros ou, se detida há menos tempo, desde que a participação seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período" (sublinhado da Impugnante).

K. Este facto é essencial para concluir que a Impugnante detinha uma participação na PT SGPS que observava, no final de 2007, os pressupostos de aplicação do regime do artigo 46. do Código do IRC, pelo que a sua não especificação encerra também uma causa de anulabilidade da decisão, nos termos da alínea a) do n. 1 do artigo 28. do RJAT.

DA APRECIAÇÃO DO MÉRITO
L. Demonstrados os vícios invalidantes de que padece a decisão proferida pelo tribunal arbitral a quo, importa atender ao disposto na alínea c) do n. 1 do artigo 46. do Código do IRC, cuja interpretação permitirá ao tribunal ad quem dirimir o litígio em apreço.

M. A aplicação do mecanismo de eliminação da dupla tributação económica na percepção de dividendos encontra-se adstrita à observância cumulativa de dois requisitos.

N. Primeiro, a entidade que recebe os dividendos (in casu, a Impugnante) deve deter uma participação no capital da sociedade que distribui os lucros (in casu, a PT SGPS) não inferior a 10% ou, em alternativa, cujo valor de aquisição não tenha sido inferior a €20.000.000, o que, tal como resulta do Documento 1, ocorreu a todo o tempo entre 20 de Outubro de 2006 e 16 de Janeiro de 2008.

O. Segundo, a participação deve ter permanecido na titularidade (da Impugnante), de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da distribuição dos dividendos ou, quando detida há menos tempo, a participação deve ser mantida durante um ano.

P. A este respeito, importa, no entanto, aferir se o critério temporal enunciado deve ser preenchido (i) com referência à participação considerada de forma unitária, conquanto obedeça ao requisito quantitativo referido (10% ou € 20.000.000) ou (ii) relativamente a cada acção individualmente considerada.

Q. Entende a Impugnante que a resposta a atribuir a esta questão não poderá deixar de consistir na primeira solução avançada, conforme resulta, desde logo, da própria letra do artigo 46. do Código do IRC, o qual se refere expressamente a "participação" e não a "acção".

R. "Participação" e "acção" são conceitos diferentes: "participação" é uma realidade una que traduz a posição unitária do sócio numa determinada sociedade, posição essa que é qualificada e mensurada através do tipo e número de acções detidas. Se uma acção pode configurar uma participação, mil acções já não traduzirão mil participações, mas sim uma participação constituída por mil acções.

S. Ao referir-se a "participação", e não às "acções" que a constituem, deve entender-se que o legislador "consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados", de harmonia com o disposto no n. 3 do artigo 9. do Código Civil, aplicável ex vi n. 1 do artigo 11.º da LGT, pelo que o n.º 1 do artigo 46. do Código do IRC deve ser interpretado como visando a posição jurídica unitária que a participação confere ao seu detentor.

T. Ademais, e tendo o n.º 1 do artigo 46. do Código do IRC "importado" os seus pressupostos de aplicação da Directiva Sociedades Mães e Afiliadas — v.g., no que respeita à obrigatoriedade de detenção da participação por um período temporal mínimo — importa garantir que tais requisitos são interpretados uniformemente.

U. É isto mesmo que o TJUE vem afirmar no Acórdão Andersen og Jensen ApS (de 15 de Janeiro de 2002, referente ao processo C 43/00), tendo entendido que "quando, como no caso em apreço no processo principal, a legislação nacional se adequa, para as soluções que dá a situações puramente internas, às soluções escolhidas em direito comunitário, a fim, nomeadamente, de evitar o aparecimento de discriminações contra cidadãos nacionais ou de eventuais distorções de concorrência, existe um interesse comunitário manifesto em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou as noções que se foram buscar ao direito comunitário sejam interpretadas deforma uniforme, quaisquer que sejam as condições em que se devem aplicar" (sublinhado da Impugnante).

V. Esta conclusão é ainda reforçada pelo facto de o n. 1 do artigo 46. do Código do IRC operar, na prática (por remissão sucessiva do n.9 5 da mesma disposição), como a transposição da Directiva Sociedades Mães e Afiliadas, sendo aplicável a situações puramente internas bem como à distribuição de dividendos com intervenientes em diferentes Estados-Membros da UE.

W. Ora, no que respeita à Directiva Sociedades Mães e Afiliadas, a doutrina é unânime: a observância da detenção da participação por um período mínimo deve "verificar-se em relação à participação mínima e não em relação às acções individualmente consideradas" — neste sentido, vide Alberto Xavier, Brigitte Knobbe-Keuk e J. David B. Oliver (op. cit.).

X. Pelo que esta tese deve ser acolhida quer para a regulação de situações puramente internas, quer para a percepção de dividendos visada pela Directiva Sociedades Mães e Afiliadas, sob pena de ser aberta uma inelutável brecha na unidade sistemática do regime de tributação das pessoas colectivas, em que uma mesma norma legal seria aplicável de forma divergente, consoante a residência fiscal da sociedade que distribui dividendos.

Y. Uma interpretação contrária àquela que é preconizada pela Impugnante afigura-se inconstitucional, face ao primado do Direito Comunitário sobre o Direito Nacional, o qual resulta expressamente do n. 4 do artigo 8.° da Constituição da República Portuguesa, e ao princípio comunitário da interpretação conforme, o qual determina que os normativos nacionais de cada Estado-Membro sejam interpretados de harmonia com o Direito Comunitário, devendo o n. 1 do artigo 46Q do Código do IRC, se assim fosse (posição que não é a alegada pela Impugnante), ser desaplicado.

Z. Acresce ainda referir que, diferentemente do que é alegado (e não justificado) pela AT, o n. 1 do artigo 3l. do EBF, enquanto benefício fiscal, visa, na verdade, facilitar o acesso das SGPS ao mecanismo de eliminação da dupla tributação económica dos dividendos recebidos (exigindo unicamente o cumprimento do requisito atinente à detenção da participação social por um período mínimo de um ano), e não restringi-lo.

AA. Cumpre ainda salientar que a posição que é preconizada pela Impugnante com referência ao modo como o critério temporal ínsito na alínea c) do n. 1 do artigo 46. Do Código do IRC deve ser interpretado já foi, de resto, confirmada pela própria AT, que, em relação à dispensa de retenção na fonte, considerou que "se, em dado momento, uma participação [...] cumpre as condições do n. 1 do art. 51. do Código do IRC [artigo 46. à data dos factos] e permaneceu na titularidade da SGPS durante o ano anterior á data da sua colocação à disposição, então as aquisições de capital subsequentes podem igualmente beneficiar dessa dispensa de retenção, não devendo aplicar-se esta norma em relação às partes de capital individualmente consideradas".
BB. A título subsidiário, e na medida em que se suscitem dúvidas a este Tribunal acerca da interpretação a conferir ao n. 1 do artigo 46. do Código do IRC, a Impugnante solicita a suspensão da instância e o reenvio para o TJUE, ao abrigo do artigo 267. do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, com vista ao esclarecimento das questões prejudiciais enumeradas supra.

CC.A final, a Impugnante requer ainda que lhe seja fixada indemnização por garantia indevidamente prestada (cf. Documento 2), ao abrigo dos artigos 53.º e 100. da LGT.

VI. DO PEDIDO
Termos em que, à face dos fundamentos expostos, deve proceder a
presente impugnação de decisão arbitral tributária, sendo a mesma
revogada e, em consequência:
a) Ser anulado o acto tributário de liquidação adicional de IRC
n. 2010 00006829278 (e demonstração de acerto de contas
n. 2010 00002031597), do qual resulta um montante de
imposto a pagar de € 201.502,01, por vício de violação de lei
por erro nos pressupostos, tudo com as legais consequências;
e
b) Fixar-se o valor e determinar-se o pagamento da
indemnização devida, em virtude da prestação indevida de
garantia, de harmonia com o disposto nos artigos 53. e 100.º.
Da LGT.».

A impugnada AT apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«
Em face de todo o exposto supra, a Impugnada formula as seguintes conclusões:
a) A Impugnante pretende com a presente ação a anulação da decisão arbitral proferida no processo que correu termos no CAAD com o n.° 3812013-T, invocando, para o efeito, os vícios de falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justifjcam a decisão e de omissão de pronúncia, previstos no artigo 28.° do RJA,

b) Mais pedindo, caso a impugnação seja julgada procedente, a substituição daquele acórdão por outra decisão que determine a anulação da liquidação adicional de IRC n.° 2010-00006829278, referente ao exercício de 2007, no montante de €701.118,53;

c) O presente meio processual é o idóneo à pretendida anulação da decisão arbitral, mas já não à anulação da liquidação adicional controvertida, uma vez que as ações em processo arbitral, conforme artigo 25.° do RJAT, apenas são suscetíveis de recurso para o Tribunal Constitucional e para o Supremo Tribunal Administrativo com os fundamentos expressamente consignados na lei, decorrência do princípio geral de irrecorribilidade das decisões arbitrais, de acordo, aliás, com a jurisprudência do TCA Sul vertida no acórdão de 2013-05-28 no processo n.° 05927/12;

d) Quanto ao alegado vicio de omissão de pronúncia, conforme pacificamente entendido na Jurisprudência, a nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões a resolver e não a razões ou argumentos esgrimidos pelas partes em defesa do seu ponto de vista;

e) Justamente, a questão decidenda, devidamente identificada no ponto 2.2 da decisão arbitral, referente à aplicabilidade do regime da eliminação da dupla tributação económica aos dividendos da PT SGPS, no montante de € 1.402.237,06 auferidos pela lmpugnante com 2.952.078 ações detidas por um período inferior a um ano, foi efetivamente apreciada pelo Tribunal;

f) Transcrevendo a jurisprudência, «Se o juiz não apreciar todas as questões jurídicas e não invocar todos os argumentos de direito que caberiam sobre a "questão a resolver ' haverá apenas fundamentação pobre e pouco convincente ou, no máximo, falta de fundamentação, mas não há nulidade por omissão de pronúncia»;

g) No que respeita à alegada falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, é entendimento pacífico na Jurisprudência que a nulidade de uma sentença só se verifica no caso de existir falta absoluta ou total dessa motivação, e não apenas quando ela possa ser entendida como medíocre, insuficiente ou inadequada, circunstâncias em que apenas é suscetível de colidir com o valor doutrinal da decisão e, por essa via, ser suscetível de recurso, quando o mesmo seja admissível (a este propósito remete-se ainda para a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul vertida nos acórdãos n.° 06995/13 de 2014-01-30, n.° 06819/13 de 2013-11-28 e n.° 06772/13 de 2013-09-17);

h) Assim, quanto à matéria de facto, o juiz tem o dever de selecionar aquela que considera relevante para a boa decisão da causa, sendo que a Impugnante não tem razão quando alega que o tribunal arbitral a quo não especificou, como devia, um facto essencial para a boa resolução da causa, isto é, que o custo de aquisição da participação que aquela tinha na PT SGPS se manteve sempre acima do limiar dos € 20.000,00 pelo menos até 2008-01-16;

i ) Sendo o objeto dos autos a anulação de uma liquidação adicional, basta, para o efeito, considerar que a Impugnada incorreu em erro na apreciação dos factos que lhe serviram de fundamento, e não noutros factos quaisquer;

j) Como, porém, os factos pertinentes à boa decisão da causa tão-pouco se afiguravam controvertidos (os dividendos de € 1.402.237,06 auferidos com 2.952.078 ações detidas por um período inferior a 1 ano) a procedência da pretensão da lmpugnante dependeu apenas do julgamento do tribunal quanto à interpretação do direito, vindo a culminar
com a improcedência do seu pedido;

k) Por sua vez, é inequívoca a base legal em que assenta a decisão arbitral, inexistindo, por conseguinte, a falta de especificação quanto aos seus fundamentos de direito,

1) Prosseguindo, à cautela e sem conceder, quanto à pretendida anulação do ato de liquidação em apreço, também aqui inexiste qualquer erro da Impugnada na apreciação quer dos factos quer do direito;

m) Em causa está o regime da eliminação da dupla tributação económica dos dividendos
auferidos pelas sociedade gestoras de participações sociais (SGPS), mais concretamente o disposto do n.° 1 do artigo 32.° do EBF, com a redação introduzida pelo artigo 37.° da Lei n.° 32-B/2002, e o n.° 1 e n.° 5 do artigo 46.° do CIRC (actual artigo 51.° depois da renumeração introduzida pelo Decreto-Lei n.° 159/209, de 13/07);

n) Quanto à matéria de facto que a ora Impugnante pretende ver comprovada, supra referida na alínea h), importa, à cautela, impugnar os factos que vêm articulados pela Impugnante por se considerar que o Documento 4 junto à petição inicial, sem qualquer suporte em extratos contabilísticos devidamente assinados pelo responsável da contabilidade, não permite comprovar o que vem alegado;

o) Assim sendo, passemos à discussão da matéria de direito, mais concretamente à análise do regime de eliminação da dupla tributação económica de dividendos auferidos
por SGPS, nos atenta a remissão contida no n.° 1 do artigo 32.° do EBF para o n.° 1 e n.° 5 do artigo 46.° do CIRC;

p) Antes de prosseguir sobre a evolução do regime fiscal das SGPS no que respeita à eliminação da dupla tributação económica de dividendos, importa salientar que a alteração ao regime especial do n.° 1 do artigo 32.° do EBF, pela Lei n.° 32-B/2002, de 30/12, resulta claramente mais gravosa que o regime anterior uma vez que passa a depender da observância do requisito temporal, o que resulta evidente da simples letra da lei que exprimiu de forma inequívoca o pensamento do legislador;

q) Porque se tratou de um agravamento fiscal, é razoável concluir que o legislador exprimiu de forma adequada o seu pensamento, e que ao afastar expressamente no n.° 1 do artigo 32.° do EBF qualquer dependência dos requisitas quanta à percentagem ou valor da participação, pretendeu impor o requisito temporal previsto na última parte da alínea c) do 1 do artigo 46.° do CIRC de um modo autónomo e inteiramente independente da 1° parte dessa alínea;

r) Além do mais, não existe qualquer impedimento lógica ou linguístico a uma interpretação daquela última parte da alínea c) perfeitamente independente e destacada do seu termo inicial, nem constitui qualquer técnica legislativa anómala impor um limite
temporal à detenção de participações sociais individualmente consideradas;

s) Por fim, se o legislador quisesse colocar a aplicação daquele regime na dependência da verificação cumulativa de todos os requisitos contidos naquela alínea c) do n.° 1 do artigo 46.° do CIRC, conforme resulta da tese defendida pela Impugnante, então não se
teria expressado da forma como se expressou;

t) Mais, se essa fosse a intenção do legislador, então teria revogado o n.° 1 do artigo 32.° do EBF, o que na realidade só veio a suceder com a Lei n.° 55-N2010, de 31/12 (OE para 2011), e não, como decorre da tese propugnada pela Impugnante, com a Lei n.° 32-B/2002, de 30/12;

u) O que a Impugnante advoga é uma interpretação do disposto na alínea c) do n.° 1 do artigo 46.° do CIRC sem qualquer articulação com o n.° 1 do artigo 32.° do EBF, como se este regime especial não existisse de todo à data dos factos, ignorando, por conseguinte, a sua génese e evolução, bem como o facto de a revogação desse regime especial só ter ocorrido em data posterior à dos factos em análise;
v) Para além deste elemento literal e histórico na interpretação do regime fiscal em apreço, o relatório da inspeção tributária invoca também o elemento sistemático da interpretação das normas ao referir-se ao regime contemplado no n.° 2 do artigo 32.° do EBF relativamente às mais-valias realizadas por SGPS, uma vez que a não concorrência para a determinação do lucro tributável também está, quanto a este tipo de rendimento, condicionada à detenção das partiCipações sociais por um período não inferior a um ano;

w) Conforme supra explanado, afigura-se indefensável a interpretação segundo a qual o
requisito do período mínimo de detenção de um ano previsto na alínea c) do n.° 1 do
artigo 46.° do CIRC, para que remete o n.° 1 do artigo 32.° do EBF, deva ser aferido não relativamente a Cada ação da PT SGPS individualmente considerada que tenha dado origem a dividendos, mas antes relativamente ao limiar mínimo da participação ou do respetivo custo de aquisição referido naquela mesma alínea;

x) Assim, quanto à "Diretiva Sociedades Mães e Afiliadas" (n° 90/43510EE, de 23/07), não tem a Impugnante razão, pois o disposto nos artigos 2.° e 3.° daquela diretiva respeita aos requisitas de que depende o reconhecimento da qualidade de sociedade-mãe para efeitos daquela disposição de direito comunitário, nem a PT SGPS não é uma sociedade com sede ou direção efetiva noutro Estado membro;

y) Nestes termos, conclui-se inexistir fundamento para um reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do artigo 267.° do Tratado de Funcionamento da União Europeia, nos termos peticionados pelo ora Impugnante;
z) Quanto à resposta da Impugnada a um pedido de informação vinculativa (Ofício n.° 17.571 da Direção de Serviços de IRC) que teve por objeto a obrigatoriedade de efetuar
retenções na fonte sobre rendimentos de dividendos que beneficiam do n.° 1 do artigo 51.0 do CIRC, importa salientar que a mesma teve em vista uma dada situação jurídico-tributária concreta, não originando na esfera de outros sujeitos passivos qualquer confiança ou expectativa legítima suscetível de proteção em detrimento do princípio da legalidade, a cujo cumprimento está vinculada a Impugnada e os Tribunais, a que acresce o facto de a mesma respeitar à aplicação de um outro normativo legal, mais
concretamente a alínea c) do n.° 1 do artigo 97.° do CIRC;

aa) De todo o modo, esta informação acolhe, pelo contrário, o entendimento que tem vindo a ser defendido exposto pela Impugnada, conforme resulta sobretudo dos seus pontos 5 e 9: ponto 9) «a aplicação do n°1 do art. 51° não carece da verificação dos requisitos exigidos quanto à percentagem ou valor da participação, pelo que estes requisitos também não são necessários para se beneficiar da dispensa de retenção na fonte em causa, sendo apenas exigível cumprimento do prazo de um ano de detenção da participação"; ponto 5) "os requisitos exigidos quanto à percentagem de participação» passam a impor-se a partir de 2011-01-01, em face das alterações legais entretanto ocorridas;

bb) Nos termos do supra expostos, deve o pedido de anulação parcial da liquidação ser julgado improcedente, em virtude de o mesmo consubstanciar uma correta interpretação e aplicação da lei aos factos, inexistindo qualquer violação do princípio da legalidade e da Diretiva n.° 901435/CEE e, consequentemente, qualquer violação do disposto nos artigos 8.° e 103.° da CRP,

cc) Mais deverá improceder o pedido de indemnização por prestação indevida de garantia.

Nestes termos, nos demais de Direito e sempre com o
mui douto suprimento de V. Exas., deve a impugnação
ser julgada improcedente, por inexistir qualquer falta
de especificação da fundamentação de facto e de
direito, assim como qualquer omissão de pronúncia,
tudo para efeitos do disposto no artigo 28.° do RJAT.
Caso assim não se entenda, e na hipótese meramente
teórica que se coloca por dever de patrocínio, de o
Tribunal se substituir na apreciação do pedido de
anulação da liquidação controvertido, deve o mesmo
ser julgado improcedente.».

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal foi notificada nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aplicável “ex vi” artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), tendo emitido douto parecer no sentido de a douta sentença recorrida dever ser mantida na ordem jurídica por nenhum reparo lhe dever ser feito (fls.90/91 dos autos).

Colhidos os vistos dos Senhores Juízes-Desembargadores Adjuntos, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

De facto

Transcreve-se o que de pertinente e com interesse para a decisão consta do acórdão arbitral:
«
2.3 Matéria de facto
2.3.1. Como pertinentes ao conhecimento e decisão da questão decidenda o Tribunal Arbitral dá como provados os seguintes factos:

a) No exercício de 2007, a Requerente deduziu o montante de 10.772.000,00 € respeitante a dividendos recebidos em virtude da detenção de 1.000.000 ações do M… BCP e de 22.600.000 ações da PT SGPS, para efeitos do apuramento do seu lucro tributável.
b) As acções representativas do capital da PT' SGPS, detidas pela Requerente, que originaram o pagamento daqueles dividendos, foram adquiridas entre Outubro de 2006 e Abril de 2007;
c) Nos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2007 e em Janeiro de 2008, a Requerente procedeu à alienação de 5.040.382 acções da PT SGPS, das quais 2.952.078 acções foram detidos por um período inferior a um ano;
d) A Requerente foi sujeita a uma acção de inspecção externa, de âmbito parcial ao IRC do exercido fiscal de 2007, promovida pela Direção de Serviços de Inspeção Tributaria (DS1T), em cumprimento da Ordem de Serviço n.° 01201004008, conforme consta do respetivo relatório de inspeção;
e) A DSIT considerou não ser aplicável o mecanismo de eliminação da dupla tributação económica á parcela dos lucros distribuídos pela PT SGPS atribuível às ações que foram detidas por um período inferior a um ano;
1) Não se conformando com a proposta de correção constante do projeto do referido relatório, a Requerente exerceu, em 20 de Agosto de 2010, o direito de audição prévia;
g) A Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção em 19 de Novembro de 2010;
h) Na sequência do Relatório de Inspeção, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.° 2010 …. e da demonstração de acerto de contas n.° 2010 …., das quais resultava um montante total a pagar de €201.502,01:
1) A Requerente apresentou reclamação graciosa contra o ato de liquidação em 10 de Março de 2011;


Assim., uma SGPS com sede ou direcção efectiva em território português apenas beneficia do disposto no n.° 1 do artigo 48.° do CIRC quando, cumulativamente, 1) a participação social que angina os dividendos seja detida, Ininterruptamente por um período de um ano e ii) a entidade que distribui os dividendos tenha sede ou direcção efectiva em território português e esteja sujeita e não isenta de IRC.

Na hipótese de o requisito temporal mencionado em 1) supra não estar preenchido, deve sempre ter-se por aplicável o disposto no artigo 46.°, n.° 8 do CIRC.

Esta interpretação da lei resulta da evolução legislativa do regime da tributação das SGPS.
È certo, que na sua versão inicial, o, à data, artigo 45° do CIRC remetia o regime fiscal das SGPS para os termos da respectiva legislação", ou seja, para o n.° 1 do artigo 7.° do Decreto-Lei n° 495(88, de 30112. As SGPS beneficiavam, assim, de um regime especial, quanto aos dividendos auferidos e para eliminar a dupla tributação económica, que apenas dependia da entidade pagadora ser uma entidade residente sujeita e não isenta de IRC.

Contudo, este regime sofreu alterações.
Em primeiro lugar, foi alterado com transposição para a ordem juridica portuguesa da Directiva n.° 90/435/CEE, pelo Decreto-Lei n.° 123/92, de 2 de Julho. Com a entrada em vigor deste diploma, o artigo 45.°, n.° 1 do CIRC passou também a aplicar-se às entidades residentes que detivessem uma participação numa entidade residente noutro Estado-Membro e ambas as entidades preenchessem os requisitas do artigo 2.° da Directiva
Em segundo lugar, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que revogou, pelo seu artigo 45°, n.° 11, o artigo 7.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 495/88, de 30 de Dezembro, alterou-se o regime das SGPS, no qual passou a constar que àquelas era aplicável o disposto nos n.os 1 e 5 do artigo 46.° do CIRC, sem dependência dos requisitos ai exigidos quanto à percentagem ou ao valor da participação.
Assim, deve ter-se por aplicável ao exercido de 2007, o da questão controvertida, o artigo 46.°, n.º 1 alínea c) do CIRC, antes da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.° 159/2009, de 13 de Julho, que dizia "na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, cooperativas e empresas públicas, com sede ou direcção efectiva em território português, são deduzidos os rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos, desde que sejam verificados os seguintes requisitos: (...) a entidade beneficiária detenha directamente uma participação no capital da sociedade que distribui os lucros não inferior a 10% ou com um custo de aquisição não Inferior a €20.000.000 e esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da colocação à disposição dos lucros ou, se detida há menos tempo, desde que a participação seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período".

São pois, como bem afirma e AT, dois os requisitos de aplicação do regime:
a) Em alternativa, uma participação mínima de 10% no capital da sociedade que
distribui os lucros ou um custo de aquisição das participações no capital social desta igual ou superior a €20.000.000;
b) Cumulativamente com qualquer um dos dois requisitos alternativos mencionados em a). a detenção da participação no capital da sociedade que
distribui os lucros pelo período mínimo de um ano.

Ou seja, o mecanismo de eliminação da dupla tributação económica é dependente da observância de um requisito temporal quanto à detenção das participações.

Resulta da alínea b) da matéria de facto dada como provada que "Nos meses de Julho, Agosto. Setembro Outubro e Novembro de 2007 e em Janeiro de 2008, a Requerente procedeu à alienação de 5.040.382 acções da PT SGPS, das quais 2.952.078 foram detidas por um período inferior a um ano".
Ou seja, os lucros objecto de liquidação de IRC, tiveram origem em participações sociais que, por não respeitarem o requisito temporal supra enunciado, são insusceptíveis de permitir a aplicação do regime de eliminação da dupla tributação económica consagrado no artigo 46.°, n.º 1 do CIRC.

3.1. Relativamente ao pedido de condenação na fixação de uma Indemnização respeitante à garantia:
Improcedendo o pedido de anulação do acto tributário de liquidação de IRC com fundamento na sua Ilegalidade, improcede também, necessariamente, o pedido de condenação da AT no pagamento de indemnização por garantia indevida.

4. Decisão
Atento o exposto, acordam, neste Tribunal Arbitral, em julgar improcedente o pedido formulado pela Requerente no presente processo arbitral tributário quanto à ilegalidade da liquidação de IRC e da demonstração de acerto de contas e, assim,

(…)».

De direito

Como se deixou consignado no acórdão desta secção proferido em 18/04/2018, no proc.º121/17.0BCLSB,

«O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo RJAT, sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr.artº.2, nº.2, do RJAT).

Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.

No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada.

Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso.

Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artº.25, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo.

Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos, isto nos termos do que determinam os nºs.2 e 3, do artigo em apreço. Este recurso é endereçado à Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, sempre que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida estiver em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou Supremo Tribunal Administrativo. Neste caso, os trâmites do recurso a observar são os do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, aplicando-se o disposto no artº.152, do C.P.T.A.

Note-se que, em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in) constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos.

Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cfr.artºs.27 e 28, do RJAT).

Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação - que em bom rigor se trata de um recurso - deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artº.23.º, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artº.6.º nº.2, al. b), do RJAT.

Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:
1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
2-Oposição dos fundamentos com a decisão;
3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;
4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma.

Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do C. P. Civil.

E se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo C.P.P.T., e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do diploma em causa, quando e ao que aqui releva, refere que “(…) A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes (…)”. Assim manifestando o legislador, de forma inequívoca, uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os T. C. Administrativos (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2013, proc.5203/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.5922/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6258/12; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seg.)» (fim de cit.).

Como também tem sido entendimento unânime deste Tribunal, a decisão arbitral poderá ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na pronúncia indevida. E no conceito de “pronúncia indevida”, para além do excesso de pronúncia, incluem-se as situações em que o tribunal arbitral funcionou de modo irregular ou em que excedeu a sua competência – vd., entre outros, o Acórdão deste TCA Sul, de 06/09/2016, tirado no proc.º09156/15.

Feitos os considerandos julgados pertinentes, passemos ao caso em apreciação.

Os vícios apontados à decisão arbitral reconduzem-se à não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e à omissão de pronúncia.
Começando pela apreciação do primeiro, dispõe-se no artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC que “[é] nula a sentença quando: (…) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.

Como pedagogicamente se deixou consignado no ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 05/15/2019, tirado no proc.º 835/15.0T8LRA.C3.S1, «Conforme se assinala no Manual de Processo Civil de A. Varela e outros. 2ª edição, págªs 686 a 691 “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”.

No que se refere à nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artº 615º “não basta que a justificação seja deficiente, incompleta, não convincente. É preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.”

Ensina-nos Alberto dos Reis que na falta de fundamentação a que alude a mencionada alínea b), ensina-nos Alberto dos Reis: “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.

Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade (…)”- Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pág. 140.

O mesmo entendimento tem sido defendido por Doutrina mais recente.

Refere Lebre de Freitas, in Código Processo Civil, pág. 297 que “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”.

Por sua vez, Teixeira de Sousa, afirma que “esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art. 208º, n.º 1, CRP; art. 158º, n.º 1)”.

No mesmo sentido diz o Conselheiro Rodrigues Bastos, que “a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afecta o valor legal da sentença” (cfr."Notas ao Código de Processo Civil", III, pág. 194).
A nível jurisprudencial, desde há muito que os tribunais superiores, pacificamente, têm considerado que a nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos e não quando a fundamentação se mostra deficiente, errada ou incompleta (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/4/1975-BMJ 246º, p.131; Acórdão da Relação de Lisboa de 10/3/1980-BMJ 300º, P.438; Acórdão da Relação do Porto de 8/7/1082-BMJ 319º, p. 343; e, mais recentemente, Acórdão da Relação de Coimbra de 6/11/2012, P. 983/11.5TBPBL.C1 e Acórdão da Relação de Évora, de 20/12/2012, P. 5313/11.3YYLSB-A.E1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.).».

No caso da decisão arbitral cuja nulidade vem suscitada, constata-se que a decisão enuncia a factualidade que julgou provada, como a não provada, tendo justificado os factos provados referindo que “a convicção deste Tribunal fundamenta-se na análise crítica dos elementos que constam dos autos e do processo administrativo junto aos mesmos” e, quanto ao facto dado como não provado, refere que “não ficou provado que a garantia tivesse sido prestada por período superior a três anos, uma vez que a garantia bancária junta pela Requerente é datada de 16-03-2011 (cfr. documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral). Não se provaram outros factos com relevância para a presente lide”.

Quanto à fundamentação de direito, ela é abundante e permite apreender acessivelmente o raciocínio jurídico que levou o julgador a negar abrigo à pretensão requerente (aqui impugnante) estando especificado o quadro normativo para que se apelou e justificada a interpretação normativa que foi feita do regime consagrado no art.º 46.º, n.º 1 do C.I.R.C., como se apreende do segmento da decisão transcrito no probatório.

No que em particular respeita ao alegado pela impugnante na alínea j) das conclusões, do que se trata é de mera divergência quanto aos factos que devem integrar o probatório por julgados essenciais à decisão.

Mas essa situação reconduz-se a eventual erro de julgamento de facto (a decisão arbitral omitiu do probatório factualidade que a impugnante tem por pertinente à boa decisão da causa), não sindicável nesta impugnação.

Improcede a arguida nulidade da decisão arbitral por não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Prosseguindo, invoca ainda o Impugnante que ocorre na decisão vício de omissão de pronúncia, porquanto, o Tribunal Arbitral não se pronunciou sobre o thema decidendum.

Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al. d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra, os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por um lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr. Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.7029/13).

No regime de arbitragem voluntária em direito tributário, a nulidade da decisão arbitral derivada do vício de omissão de pronúncia está consagrada no artº.28, nº.1, al. c), do R.J.A.T. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/06/2014, proc.7084/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/03/2016, proc.8981/15).

Ora, basta atentar no teor das conclusões alegatórias para logo ficar evidenciado que o Impugnante não coloca em causa a falta de apreciação de “questões” na acepção em que a jurisprudência vem entendendo a referência feita no art.º 608.º do CPC (anterior 660.º), antes fundando o apontado vício de omissão de pronúncia em falta de apreciação de argumentos ou razões, que, a seu ver, foram susceptíveis de inquinar a decisão de erro de julgamento.

Olhando mais de perto, refere a Impugnante:
«
Acresce que, estribando-se a argumentação expendida pela Impugnante no desenvolvimento de uma única questão de direito, acompanhada da respectiva doutrina e jurisprudência — i.e., que o disposto no n. 1 do artigo 46. do Código do IRC deve ser aplicado à participação social detida por dada entidade como um todo desde que essa entidade possua uma participação que observe os requisitos aí elencados (i.e. uma participação não inferior a 10% ou com um valor de aquisição não inferior a €20.000.000 detida há pelo menos um ano), e não, como preconiza a AT, que cada acção detida por essa entidade tem de verificar o requisito relativo ao período mínimo de detenção de um ano para que a totalidade da participação beneficie do disposto naquela norma — a pronúncia sobre a mesma se afigurava incontornável e essencial para a resolução do thema decidendum, resultando aquela questão indissociável e implícita no pedido de anulação da liquidação de IRC.
(…)».

Na decisão arbitral, consignou-se:

«Assim, deve ter-se por aplicável ao exercido de 2007, o da questão controvertida, o artigo 46.°, n.º 1 alínea c) do CIRC, antes da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.° 159/2009, de 13 de Julho, que dizia "na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, cooperativas e empresas públicas, com sede ou direcção efectiva em território português, são deduzidos os rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos, desde que sejam verificados os seguintes requisitos: (...) a entidade beneficiária detenha directamente uma participação no capital da sociedade que distribui os lucros não inferior a 10% ou com um custo de aquisição não Inferior a €20.000.000 e esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da colocação à disposição dos lucros ou, se detida há menos tempo, desde que a participação seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período".

São pois, como bem afirma e AT, dois os requisitos de aplicação do regime:
a) Em alternativa, uma participação mínima de 10% no capital da sociedade que
distribui os lucros ou um custo de aquisição das participações no capital social desta igual ou superior a €20.000.000;
b) Cumulativamente com qualquer um dos dois requisitos alternativos mencionados em a), a detenção da participação no capital da sociedade que distribui os lucros pelo período mínimo de um ano.

Ou seja, o mecanismo de eliminação da dupla tributação económica é dependente da observância de um requisito temporal quanto à detenção das participações.

Resulta da alínea b) da matéria de facto dada como provada que "Nos meses de Julho, Agosto. Setembro Outubro e Novembro de 2007 e em Janeiro de 2008, a Requerente procedeu à alienação de 5.040.382 acções da PT SGPS, das quais 2.952.078 foram detidas por um período inferior a um ano".

Ou seja, os lucros objecto de liquidação de IRC, tiveram origem em participações sociais que, por não respeitarem o requisito temporal supra enunciado, são insusceptíveis de permitir a aplicação do regime de eliminação da dupla tributação económica consagrado no artigo 46.°, n.º 1 do CIRC.»

Como se vê, a Impugnante confunde “questões”, que se prendem com as pretensões que os litigantes submeteram à apreciação do Tribunal Arbitral e as respectivas causas de pedir, com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que a Impugnante fundou a sua posição na controvérsia sobre a verificação ou não, no caso, dos requisitos de aplicação do mecanismo de eliminação da dupla tributação económica previsto no art.º 46/1 do CIRC.

Tratar de saber se assume relevância o facto de não obstante a alienação que a impugnante fez das acções da PT SGPS, sempre a sua participação se manteve acima do limiar dos €20.000.000, que a decisão arbitral não relevou na interpretação que fez dos requisitos de aplicação do regime do art.º 46/1 do CIRC, poderá consubstanciar erro de julgamento, mas não constitui nulidade por omissão de pronúncia.

O invocado vício de omissão de pronúncia, na parte assente na alegação de que o Tribunal Arbitral não se pronunciou sobre a questão central colocada pela Impugnante relativamente à verificação dos requisitos de aplicação do mecanismo de eliminação da dupla tributação económica de dividendos recebidos vertido no art.º 46/1 do CIRC, improcede.

Por último e quanto à pretendida apreciação do mérito da decisão arbitral, como já acima explicitamos e para onde remetemos, a sindicância do mérito da causa encontra-se subtraída à competência deste Tribunal Central Administrativo, o que obsta ao seu conhecimento na impugnação.

5 - DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Subsecção da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em julgar improcedente a presente Impugnação da decisão arbitral.

Condena-se a Impugnante em custas.
Registe e Notifique.

Lisboa, 26 de Maio de 2022



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Vital Lopes




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Luísa Soares




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Tânia Meireles da Cunha