Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:398/08.2BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:06/18/2020
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:EFICÁCIA SUBJECTIVA DO CASO JULGADO DAS SENTENÇAS ANULATÓRIAS;
ACTO PLURAL;
ACTO QUE HOMOLOGOU E APROVOU A LISTA DE CLASSIFICAÇÃO FINAL DE CONCURSO; EXTENSÃO DE EFEITOS;
ART.º 161.º DO CPTA
Sumário:I – O acto que homologou e aprovou a lista de classificação final de um concurso na Administração Pública é um acto plural;
II – O acto plural apesar de ter um só autor e uma só manifestação de vontade visa produzir efeitos jurídicos que se repercutem e se distinguem individualmente em cada um dos destinatários do acto. O acto plural encerra em si um conjunto de actos, tantos quantos os respectivos destinatários;
III- A eficácia subjectiva do caso julgado da sentença anulatória não aproveita os destinatários dos restantes actos simples que vêm contidos no feixe do acto plural, isto é, o caso julgado que resulta da sentença anulatória não tem efeitos relativamente aos outros destinatários do acto plural que não impugnaram judicialmente aquele mesmo acto na parte em que os afectava:
IV - O mesmo ocorre com a sentença que estendeu os efeitos da anterior sentença anulatória. Esta decisão é eficaz apenas para os interessados que se constituíram como AA. naquela acção e relativamente aos quais opera o correspondente efeito do caso julgado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

O Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Sul e Açores (STFPSA), em representação dos seus associados, melhor identificados nos autos, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) de Lisboa a presente acção administrativa especial contra o Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. (IRN), pedindo a anulação do despacho de indeferimento do Presidente deste Instituto, de 11/12/2007, e a condenação da entidade demandada a “atribuir a cada um dos interessados a categoria da carreira dos oficiais dos registos e do notariado e a posição retributiva que lhes couber, mediante a sua transição para a categoria a que corresponda, no escalão 1, o índice detido à data da transição ou, não havendo coincidência, o superior mais aproximado, com efeitos à data em que foram providos na nova categoria por força do concurso previsto no artigo 5º do DL nº 129/98”.
Indicou como contra-interessados nos autos os associados: i) A.............; ii) A.............; iii) A.............; iv) B.............; v) C.............; vi) D.............; vii) E.............; viii) F.............; ix) I.............; x) J.............; xi) J.............; xii) M.............; xiii) M.............; xiv) M.............; xv) M.............; xvi) M.............; xvii) M.............; xviii) M.............; xix) M.............; xx) M.............; xxi) M.............; xxii) M.............; xxiii) N.............; xxiv) P.............; xxv) P.............; xxviii) S..............
Por Acórdão do TAC de Lisboa foi julgada a presente acção improcedente e, em consequência, a entidade demandada foi absolvida do pedido.

Inconformado com a decisão, o STFPSA, aqui Recorrente, em representação dos seus associados A............., J............., M............. e M............., apresentou as suas alegações, onde formulou as seguintes conclusões: “1ª – O acto que aprovou a lista de classificação final do concurso aberto pelo Aviso n.º 14242/98, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 200, de 31/08/1998, no qual os representados do A. eram oponentes, foi anulado em sede de recurso contencioso, interposto por I............., pelo Tribunal Central Administrativo Sul no seu Acórdão de 20/06/2002 n.º 3901/00, o qual foi confirmado por Acórdão do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18/03/2003. E
2ª – O vício que determinou tal anulação era de ilegalidade objectiva, tal como expressamente declarado pelo STA no seu Acórdão de 22/11/2006, proc. n.º 0819/06, e reafirmado no seu Acórdão de 17/01/2007, proc. n.º 0883/06. Aliás,
3ª – Tendo o acto em causa sido anulado por violação dos artºs 5º, nº 1-a) e 10º do DL 129/98, de 13/05, dúvidas não poderão restar que se trata da violação da legalidade objectiva. Ora,
4ª – «Como já ensinava Marcello Caetano (Manual II Vol., 9ª edição pág. 1396), “se se verificar uma ilegalidade objectiva e o acto for indivisível, a anulação fá-lo desaparecer totalmente da Ordem Jurídica e aproveita a quantos por ele tenham sido atingidos, isto é, o caso julgado tem então eficácia erga omnes”» (Ac. do STA de 16/06/2004, proc. n.º 0247/03).
5ª – A este propósito e relativamente ao mesmo concurso (isto é, ao concurso aberto pelo Aviso n.º 14242/98, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 200, de 31/08/1998), o STA pelo seu Acórdão de 22/11/2006, proc. n.º 0819/06, [referenciado na al. f) dos factos provados da sentença recorrida] veio, em suma, dizer que:
a) «no novo contencioso administrativo, o acto contenciosamente impugnável é, em regra, o acto primário (…) como resulta do disposto no art. 59.º, n.º 4, do CPTA»;
b)«decorrendo da decisão anulatória o dever de a Administração reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, é irrelevante que o acto impugnado seja um acto secundário, pois essa reconstituição terá sempre de se traduzir em correcção da ilegalidade que afecta o acto primário: isto é, para corrigir a ilegalidade do despacho de indeferimento do recurso hierárquico, teria de ser proferido outro acto decisório deste, que reconhecesse a razão do aí recorrente, com consequente anulação do acto primário e reconstituição da situação que existiria sem a ilegalidade»;
c) «Por isso, o que importa apreciar (…) é se se está perante uma situação de ilegalidade objectiva do mesmo acto primário e se com a sua anulação se gerou uma situação em que seja inútil apreciar a ilegalidade dos despachos que indeferiram os recursos hierárquicos dos Requerentes»;
d) «A razão da anulação do acto impugnado na decisão exequenda, foi violação do preceituado nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de Maio»;
e) «em suma, no acórdão exequendo entendeu-se que o acto aí impugnado era ilegal por não ter assegurado a concretização do disposto no referido art. 5.º, que, no entendimento adoptado, impunha que no primeiro concurso para provimento dos lugares de oficial do quadro do Registo Nacional de Pessoas Colectivas fosse disponibilizado um número de lugares suficiente para que todo o pessoal do quadro do GEPMJ que prestasse ou tivesse prestado funções de apoio técnico- administrativo ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas e tivesse classificação não inferior a BOM, pudesse ser provido em lugar da categoria que corresponda, no escalão 1, o índice que nesse momento detinham ou, não havendo coincidência, o superior mais aproximado»;
f) «Tratando-se de um vício que tem a ver com o próprio quadro regulamentar em que foi anunciado o concurso, a reposição da legalidade violada pelo acto que decidiu o recurso hierárquico anulado, no processo n.º 1709/02 do STA, exigirá a anulação do concurso e pela elaboração de um novo quadro de funcionários contendo número de lugares de categorias suficiente para que possa ser dado cumprimento ao regime de transição previsto naquele art. 5.º do Decreto-Lei n.º 129/98, tal como foi interpretado no citado aresto»;
g) «Sendo assim, a apreciação da legalidade dos actos de decisão dos recursos hierárquicos interpostos por cada um dos restantes interessados é inútil, uma vez que, mesmo [que] a decisão fosse no sentido do não provimento, sempre a satisfação da pretensão dos Requerentes estaria parcialmente assegurada pela renovação do concurso e criação de número de lugares suficiente que é necessário concretizar para reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido a ilegalidade referida.»
6ª – Ou seja, é o próprio Supremo Tribunal Administrativo que vem qualificar a anulação do acto culminante do concurso em que concorreram os representados do Autor nos presentes autos como fundada em ilegalidade objectiva e que dela retira, como consequência, a irrelevância de eventual improvimento no recurso contencioso interposto pelos requerentes dos autos do processo n.º 0819/06, todos colegas dos representados do Recorrente.
7ª – No mesmo sentido decidiu o mesmo Supremo Tribunal em situação idêntica relativa ao mesmo concurso de pessoal no seu Acórdão de 17/01/2007, proc. n.º 0883/06. Ora,
8ª – Se a Administração não extraiu do julgado anulatório proferido nos autos do recurso contencioso n.º 3901/00 [referido na al. c) do probatório da sentença recorrida] todas as consequências, designadamente as assinaladas pelo STA nos dois Acórdãos antes citados, é facto seu que não pode ser oposto aos representados do A. sob pena de violação do princípio da boa-fé e da tutela da confiança e de constituir abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium. Pois,
9ª – A circunstância de, como assinala a sentença recorrida, a entidade demandada não ter «repetido o concurso na sequência da sentença proferida no recurso contencioso n.º 3901/00», não pode ser oposta aos representados do Autor pois era à Administração que competia extrair todos os efeitos do julgado anulatório. Na verdade,
10ª – «A anulação contenciosa elimina da ordem jurídica, mercê dos efeitos retroactivos da decisão, os actos recorridos, tudo se passando como se nunca tivessem sido praticados. (…). No contencioso anulatório, o caso julgado tem eficácia erga omnes quando o acto anulado for indivisível e a decisão se fundar em ofensa da legalidade objectiva. A execução administrativa da decisão judicial anulatória não se pode limitar à satisfação, em novo acto, do direito ou interesse legítimo de que é titular o recorrente, pois a Administração, a quem incumbe tirar as conclusões da anulação, deve restabelecer a situação anterior ao acto anulado, por meio de uma actividade que o visa substituir, apagar os seus efeitos e estabelecer as condições que faltavam para ser válido». E
11ª – «Na execução de uma decisão anulatória a Administração deve, em princípio, proceder de harmonia com a lei que o tribunal considerou violada. (…) Assim, o acto de classificação e graduação dos candidatos, pelo seu objecto, é incindível ou indivisível face aos pressupostos em que tem de assentar. Anulado o acto de classificação e graduação dos candidatos por violação de lei, decorrente de erro de facto nos pressupostos, dado o carácter objectivo da ilegalidade e a indivisibilidade do acto anulado quanto a todos os candidatos, a anulação fá-lo desaparecer totalmente da ordem jurídica e aproveita a todos os candidatos que por ele tenham sido abrangidos.
Assim, o caso julgado tem eficácia erga omnes. Na execução do acórdão anulatório cumpre a Administração considerar a situação fáctico-jurídica de todos os candidatos admitidos ao concurso e proferir novo acto de classificação e graduação, entre todos um conjunto unitário».
12ª – Assim, uma vez anulado um acto administrativo com fundamento em ilegalidade objectiva e sendo este – como é o caso – indivisível visto que o vício em causa afecta o concurso como um todo e não apenas a situação dos recorrentes, “a anulação fá-lo desaparecer totalmente da ordem jurídica e aproveita a quantos por ele tenham sido atingidos, isto é, o caso julgado tem eficácia erga omnes”. Porquanto,
13ª – «O contencioso administrativo anulatório continua a ser um contencioso fortemente objectivo de modo que os efeitos do caso julgado podem abranger quem não foi parte no processo, como sucede com a parte comum e objectiva do acto plural que interpretou uma norma e nessa interpretação a aplicou aos funcionários concorrentes a um concurso, quando alguns deles obtiveram a anulação jurisdicional com fundamento em erro dessa interpretação e outros, não recorrentes, pedem a aplicação uniforme da interpretação definida como legal às suas situações individuais. Esta extensão de efeitos é exigida pelos princípios constitucionais da legalidade, da igualdade e da justiça».
14ª – Nesta conformidade, na douta sentença recorrida foi feita errónea interpretação e aplicação do direito ao caso dos autos, no que a mesma incorreu no vício de violação de lei pelo que não pode ser mantida.”

O Recorrido nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “A) Como bem entendeu o Tribunal a quo, o acórdão do STA de 18/03/2003, proferido no proc. 01709/02 que anulou o ato de homologação da lista de classificação final do concurso aberto pelo Aviso n.º 14242/98, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 200, de 31/08/1998 por inobservância do disposto nas als. a) e b) do n.º 1 do art.º 5 do suprarreferido DL n.º 129/98 - e que constitui o fundamento dos pedidos do recorrente nos presentes autos - não tem qualquer eficácia erga omnes, sendo absolutamente inviável que o respetivo julgado anulatório aproveite aos trabalhadores representados do recorrente.
B) O acórdão de 27/11/2008 do mesmo Colando Tribunal (proc. 0916/07) - proferido em sede de oposição de julgados, onde o acórdão fundamento era precisamente aquele de 18/03/2003 - veio concluir que aquele ato administrativo não incumpriu o disposto no indicado art.º 5° do DL n.º 129/98, pelo que não incorreu em vício de violação de lei, não enfermando, assim, de que qualquer ilegalidade.
C) Por outro lado, e tal como considera o Tribunal a quo - na senda do que já era sufragado pela jurisprudência, designadamente no acórdão do STA de 13/03/2007 (proc. 01005/06) - a verdade é que tal ato administrativo tem uma natureza divisível, é um ato plural, que contém tantas decisões individuais e autónomas quantos os candidatos constantes da lista final aprovada no âmbito do concurso.
D) Conforme destaca a decisão recorrida - e na linha do propugnado pela jurisprudência [entre outros, no acórdão do TCA Sul de 25/10/2012 (proc. 06288/1O)J e na mais abalizada doutrina - o mecanismo da extensão de efeitos da sentença, previsto no art.º 161° do CPTA, claramente demonstra que as decisões de anulação não são oponíveis a quem não teve qualquer intervenção no dito processo n.º 01709/02 .
E) Mecanismo, este, a que se socorreram, atempadamente, os colegas dos associados do recorrente, que intervieram na posição de autores nos proc. 0819/06 e 0883/06, tendo em vista poder beneficiar dos efeitos do julgado anulatório daqueloutra decisão de 18/03/2003; e ao qual os representados do ora recorrente não recorreram oportunamente, não obstante pretenderem, agora, e de uma forma ardilosa, beneficiar desses mesmos efeitos.
F) Acresce que, na medida em que o ato que foi objeto de impugnação no âmbito da ação onde foi proferida a decisão recorrida, é distinto do ato que homologou a lista de classificação final do concurso em causa, é inexorável que este último se consolidou na ordem jurídica relativamente aos representados do recorrente, já que não foi, em tempo, impugnado em sede contenciosa.
G) Por tudo isto, forçoso será de concluir que a decisão recorrida não está inquinada dos vícios que lhe pretende assacar o recorrente, nem, de resto, de quaisquer outros.”

O DMMP não se pronunciou.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na 1.ª instância foram fixados os seguintes factos, que se mantêm:
a) Os associados do autor representados na presente acção pertenciam à Direcção de Serviços do Registo Nacional de Pessoas Colectivas do Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça [acordo].
b) Os associados do autor representados na presente acção candidataram-se ao concurso para provimento de 6 lugares de ajudante principal, 8 lugares de primeiro-oficial, 12 lugares de segundo-oficial e 40 lugares de escriturário do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, aberto pelo Aviso n.º 14 242/98, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º200, de 31/08/1998 [acordo].
c) No recurso contencioso n.º3901/00, interposto por I............. do despacho do Ministro da Justiça, de 13/10/1999, que negou provimento ao recurso hierárquico do despacho do Director-Geral dos Registos e Notariado que homologou a lista de classificação final do concurso aberto pelo Aviso n.º14242/98, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º200, de 31/08/1998, foi proferido, em 20/06/2002, Acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Sul que concedeu provimento ao recurso e onde consta, designadamente, o seguinte: “(…) atentos os fundamentos invocados, procedem as alegações de recurso da recorrente, quanto à verificação do vício de violação de lei, violação dos artºs 5º, nº1-a) e 10º do DL 129/98, de 13/05, ficando prejudicado o conhecimento dos demais vícios imputados ao acto recorrido.” [documento n.º 31 junto com a petição inicial].
d) O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul referido em c) foi confirmado, em sede de recurso jurisdicional, pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18/03/2003 [documento n.º 32 junto com a petição inicial].
e) No Processo de execução de sentença n.º609/2005, em 04/05/2006, o Tribunal Central Administrativo Sul proferiu Acórdão que declarou a extensão dos efeitos do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 18/03/2003, proferido nos autos n.º1709/02-12, 2.ª Subsecção, na esfera jurídica dos exequentes A............., A............., A............. A............., C............., I............., M............., M............., M............., P............., R............., A............. e L............., os dois últimos na qualidade de sucessores habilitados de N............. [documento n.º33 junto com a petição inicial].
f) O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul referido em e) foi confirmado, em sede de recurso jurisdicional, pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22/11/2006 [documento n.º 34 junto com a petição inicial].
g) No Processo n.º490/04, em 18/05/2006, o Tribunal Central Administrativo Sul proferiu Acórdão que declarou a extensão dos efeitos do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 18/03/2003, proferido nos autos n.º1709/02-12, 2.ª Subsecção, na esfera jurídica da exequente M............. e N............. [documento n.º35 junto com a petição inicial].
h) O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul referido em g) foi confirmado, em sede de recurso jurisdicional, pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17/01/2007 [documento n.º34 junto com a petição inicial].
i) Em 04/09/2007, os associados do autor representados na presente acção requereram ao Presidente do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. o seguinte: “Termos em que se requer a V. Exa. providencie em ordem a que seja reintegrada a ordem jurídica violada pelo acto homologatório anulado, por meio de uma actividade que o substitua, apagando os seus efeitos lesivos e estabelecendo as condições necessárias para que o mesmo se torne válido, designadamente, atribuindo a cada um dos Requerentes a categoria e a posição retributiva que lhes couber, mediante a sua transição para a categoria a que corresponda, no escalão 1, o índice detido à data da transição ou, não havendo coincidência, o superior mais aproximado, com efeitos à data em que foram providos na nova categoria por força do disposto no artigo 5º do DL nº 129/98” [documento n.º1 junto com a petição inicial].
j) Em 11/12/2007, o Presidente do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. exarou despacho de concordância na Informação n.º48/2007 SAJRH, de 06/12/2007, onde consta, a final, o seguinte: “Em face do exposto, não devem ser alteradas as categorias e índices remuneratórios solicitadas pelos requerentes, pois os mesmos não podem, com invocação do efeito erga omnes da decisão jurisdicional em recurso contencioso de anulação e com base em identidade de situação, obter o mesmo benefício, uma vez que não foram parte nos processos que invocam, além de que, o efeito erga omnes tem de assentar num acto indivisível que, já referimos, não existe neste caso. (…).” [documento n.º28 junto com a petição inicial].

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste recurso são:
- aferir do erro decisório porque o caso julgado que resultou da anulação judicial do acto que homologou e aprovou a lista de classificação final do concurso aberto pelo Aviso n.º 14242/98, publicado no DR, 2.ª série, n.º 220, de 31/08/1998, no qual os ora Recorrentes eram oponentes, fundada na violação do art.º 5.º, n.º 1, al. a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 129/98, de 13/05, tem efeitos erga omnes e, consequentemente, aproveita aos AA. e ora Recorrentes, pois tal anulação teve por base a violação da legalidade objectiva e o acto anulado é indivisível.

Nos presentes autos discute-se a eficácia subjectiva das sentenças anulatórias. Pretendem os AA. e ora Recorrentes beneficiar dos efeitos favoráveis de uma sentença anulatória proferida no termo de um recurso contencioso de anulação, em que não foram partes, designadamente AA. ou Recorrentes.
Quanto à invocada distinção entre fundamentos de legalidade objectiva e subjectiva, diga-se, desde já, que não se acompanha tal distinção, pois a anulação com base em qualquer ilegalidade é sempre uma anulação com base numa ilegalidade objectiva.
Como refere Rui Chancerelle Machete, com toda a actualidade, o que interessa para efeitos de aferir a eficácia subjectiva das sentenças anulatórias é estabelecer uma “determinação rigorosa do acto impugnado nas hipóteses em que a declaração de vontade da Administração se dirige a uma pluralidade de destinatários.
Se admitirmos que o efeito jurídico típico é o elemento individualizador do acto jurídico, poderemos distinguir, na categoria aparentemente homogénea dos actos administrativos com pluralidade de destinatários, duas subdivisões: de um lado, os actos verdadeiramente unitários e do outro uma soma de actos idênticos. Pertencem aos primeiros os actos gerais ou normativos e os actos colectivos; aos segundos o chamado acto plural.
(…) Nos actos plurais, apesar da identidade do autor do acto, da unidade da manifestação de vontade, do conteúdo e da forma, estamos em face de um conjunto de actos. No acto plural há tantos efeitos e, por consequência, tantos actos únicos, quantas as esferas jurídicas dos destinatários directamente modificadas. Compreende-se que nestes termos haja vícios comuns a todos os actos simples e vícios autónomos, respeitantes apenas a um dos actos que integram o acto plural. Mas não se nos afigura ser esse o ponto que interesse em matéria de caso julgado.
Em virtude do princípio da economia de meios jurídicos e da importância dos elementos comuns existentes entre os actos simples, o objecto do recurso é normalmente constituído pela declaração da nulidade do acto plural em função do vício arguido, intervindo ou outros destinatários no processo como recorrentes ou sendo citados para apresentarem as suas contestações. Quando, porém, um destinatário do acto plural não recorreu nem foi citado para contestar, não fica abrangido pelo julgado. O «seu» acto administrativo não foi contenciosamente discutido. O objecto do recurso administrativo, neste caso, não inclui a discussão da legalidade do acto plural mas apenas de uma parte dos actos simples que o constituem. Esta restrição, no entanto, não se verifica nos casos de exercício de acção pública ou de acção popular pela razões que apontámos a propósito da natureza inquisitória do processo administrativo” (in MACHETE, Rui Chancerelle - Caso Julgado. Em Dicionário Jurídico da Administração Pública. 2.ª ed. Lisboa: [s.n.] v. II. p. 280–301).
Mais recentemente, também Diogo Freitas de Amaral e Paulo Otero, ensinam: ”As características dos actos plurais colocam inevitáveis problemas ao âmbito de eficácia subjectiva do caso julgado das sentenças que anulam um ou vários desses actos singulares integrantes do acto plural, relativamente aos outros actos singulares semelhantes que, não tendo sido objecto de recurso contencioso, haviam deixado os respectivos destinatários em condições análogas ao recorrente vitorioso: será que o caso julgado da sentença de provimento do recurso de um desses actos singulares integrante do acto plural também aproveita aos destinatários dos restantes actos situados no feixe que representa o acto plural e relativamente aos quais não tenha sido interposto recurso contencioso?
(…) o acto plural encerra em si vários actos, tantos quantos os destinatários diferentes que o mesmo visa. Aquilo que o diferencia dos outros actos administrativos é a circunstância de formalmente todos esses actos estarem unificados num único acto, criando, por isso mesmo, uma certa identidade de situações entre todos os seus destinatários.
Exactamente porque estamos diante de vários actos, é bem possível que cada um dos seus destinatários adopte em termos processuais posturas diferentes: pode bem suceder que uns recorram contenciosamente e obtenham provimento no recurso; que outros, recorrendo, o façam fora de prazo e, por isso mesmo, o recurso seja rejeitado por extemporaneidade; que outros ainda, tendo recorrido contenciosamente, desistam a meio do recurso; que outros aceitem o acto e, consequentemente, percam legitimidade processual para recorrer; ou, por último, que outros não tenham interesse em recorrer e, deixando precludir o prazo de recurso, o acto se torne para eles firme.
O problema da eficácia subjectiva do caso julgado de decisões de provimento em situações de actos plurais deve ser tratado, por conseguinte, e em princípio, de forma autónoma relativamente a cada um dos actos integrantes do dito acto plural: a eficácia subjectiva do caso julgado não pode ser aferida em relação a todos os actos singulares formalmente inseridos no dito acto plural, antes deve ser tomada em consideração face a cada acto simples. Compreende-se, deste modo, a postura doutrinal que, reconhecendo eficácia erga omnes ao caso julgado, não integre no seu âmbito os actos simples inseridos num acto plural cujos destinatários não tenham recorrido.
A circunstância de estarmos perante situações factuais idênticas e até iguais estatuições jurídicas não justifica uma extensão automática ou imediata do caso julgado relativamente aos destinatários dos diversos actos simples integrantes do acto plural que não tenham interposto recurso contencioso. Trata-se, aliás, de uma posição que surge agora expressamente acolhida pela mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.
(…) A jurisprudência afirma, por conseguinte, que o efeito erga omnes apenas opera quanto aos actos indivisíveis, não relativamente àqueles que, por serem divisíveis e individuais e não terem sido objecto da decisão anulatória, não estão a coberto do caso julgado
(…) O acto plural permite, deste modo, a cada acto singular nele formalmente integrado uma autonomia contenciosa própria e, por outro lado, uma disponibilidade exclusiva de meios de garantia ao seu destinatário. Num certo sentido, pode até dizer-se que tais actos traduzem, pela sua autonomia em termos de possível tutela contenciosa, a ideia de “todos iguais, todos diferentes”. (in AMARAL, Diogo Freitas; OTERO, Paulo - Eficácia subjectiva das sentenças de provimento no recurso contencioso de anulação. Em Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Manuel Gomes da Silva. Coord. Ruy de Albuquerque, Martim de Albuquerque. Coimbra: Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2001, 550-554).
Neste sentido também se tem pronunciado a jurisprudência administrativa, vg., nos Acs. do STA n.º 0383/07, de 12/07/2007, n.º 0786/06, de 15/05/2007, n.º 0901/06, de 12/04/2007, n.º 01005/06, de 13/03/2007 ou do TCAS n.º 3011/99/A, de 1/03/2002 ou n.º 06288/10, de 25/10/2012.
O acto que se impugnava no invocado recurso contencioso, a saber, o acto do Director-Geral dos Registos e Notariado (DGRN), de 20/06/2002, que homologou e aprovou a lista de classificação final do concurso aberto pelo Aviso n.º 14242/98, publicado no DR, 2.ª série, n.º 220, de 31/08/1998, no qual os ora Recorrentes eram oponentes, é claramente um acto plural, pois apesar de ter um só autor e uma só manifestação de vontade visa produzir efeitos jurídicos que se repercutem e se distinguem individualmente em cada um dos destinatários desse acto. O acto impugnado naquele recurso encerra em si um conjunto de actos administrativos, tantos quantos os respectivos destinatários. Com relação a cada destinatário desse acto, o DGRN atribuiu-lhe uma dada classificação e graduação no concurso aberto.
Assim, o recurso contencioso de anulação no termo do qual foi proferida a decisão anulatória do acto que homologou e aprovou a lista de classificação final do concurso, teve por objecto a apreciação da invalidade daquele acto apenas na parte em que abrangeu a autora do referido recurso contencioso, então Recorrente. Isto é, a apreciação daquele recurso cingiu-se ao acto simples que constituía o acto plural e que teve por destinatária a respectiva Recorrente.
Por seu turno, a decisão jurisdicional posterior que estendeu os efeitos daquela sentença nos termos do art.º 161.º do CPTA, também se restringiu a cada um dos actos simples que visaram os respectivos peticionantes, autores na acção de extensão dos efeitos da sentença.
Em conclusão, a eficácia subjectiva do caso julgado da sentença que anulou o acto do DGRN, de 20/06/2002, que homologou e aprovou a lista de classificação final do concurso, restringiu-se às partes daquele recurso e ao acto simples que teve por destinatária a então recorrente. À contrário, os restantes actos administrativos contidos no acto plural não ficam abrangidos pelo julgado anulatório. Consequentemente, porque os respectivos destinatários não impugnaram judicialmente tais actos, os mesmos firmaram-se na ordem jurídica.
Quer isto dizer, que a eficácia subjectiva do caso julgado da sentença anulatória não aproveita os destinatários dos restantes actos simples que vinham contidos no feixe do acto plural.
Na situação em apreço, porque não estava em causa uma declaração de nulidade ou de inexistência do referido acto administrativo plural, nem se discutia uma decisão tomada no termo de um processo em que se exercesse o direito de acção pública ou de acção popular, o caso julgado que resultou da sentença anulatória não tem efeitos relativamente aos outros destinatários do acto plural, que não impugnaram judicialmente aquele mesmo acto na parte em que os afectava.
Quanto a estes, a sua postura permissiva ou de aceitação do acto administrativo que lhes foi dirigido, que não impugnaram contenciosamente, tem como efeito a consolidação da respectiva posição (ou relação) jurídica.
Em suma, os efeitos favoráveis da sentença anulatória em questão, confirmada pelo Ac. do STA de 18/03/2003, produziram-se apenas interpartes, pois tais efeitos, por regra, não têm eficácia geral ou erga omnes, isto é, não são oponíveis a todos os participantes do concurso, independentemente da respectiva conduta procedimental e processual.
O mesmo ocorre com a sentença que estendeu os efeitos da anterior sentença anulatória. Esta decisão é eficaz apenas para os interessados que se constituíram como AA. naquela acção e relativamente aos quais opera o correspondente efeito do caso julgado.
Os AA. da presente acção não reagiram contenciosamente contra o acto que homologou e aprovou a lista de classificação final do concurso. A presente acção também não vem apresentada nos termos do art.º 161.º do CPTA, pois os AA. deixaram passar o prazo legal que se impunha para poderem lançar mão a tal mecanismo processual – cf. art.º 161.º, n.ºs 3 e 4, do CPTA, na versão da Lei n.º 15/2002, de 22/02, aqui aplicável.
Portanto, o despacho do Presidente do IRN, de 11/12/2007, ora impugnado, não errou quando entendeu que os efeitos favoráveis da sentença anulatória que tinha sido proferida no recurso contencioso de anulação interposto por I............. não se estendiam aos ora AA., porque o caso julgado que tinha resultado daquela sentença não tinha efeitos erga omnes.
Logicamente, a sentença recorrida também não errou quando julgou improcedente a presente acção e manteve na ordem jurídica o referido despacho.
Em suma, claudica o presente recurso in totum.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida;
- custas pelos Recorrentes em partes iguais (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 18 de Junho de 2020.
(Sofia David)

(Dora Lucas Neto)

(Pedro Nuno Figueiredo)