Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1393/11.0BESNT |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 12/20/2022 |
Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
Descritores: | REVERSÃO GERÊNCIA DE FACTO |
Sumário: | I - O exercício efetivo de funções de gestão é um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária dos gestores. II - Cabe à AT o ónus da prova do exercício efetivo de funções de gerente por parte do revertido. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | I. RELATÓRIO
A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 26.09.2019, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada procedente a oposição apresentada por C… (doravante Recorrido ou Oponente), aos processos de execução fiscal (PEF) n.º 3611200401008927 e apensos, que o Serviço de Finanças (SF) de Amadora 3 lhe moveu, por reversão de dívidas de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) dos anos compreendidos entre 2004 e 2009 e imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), atinentes ao exercícios de 2004, 2006 e 2009, da devedora originária A…, Lda. O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos: “I – Vem o presente recurso reagir contra a Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo nos presentes autos em 26-09-2019, a qual julgou procedente a Oposição à Execução Fiscal n.º 3611200401008927 e apensos, deduzida por C…, com o NIF 1………., revertido no citado processo de execução fiscal, o qual havia sido originariamente instaurado contra a sociedade “A…, LDA.”, NIF 5………, para a cobrança coerciva de dívidas relativas a IVA e IRC, já devidamente identificadas nos autos, no valor de € 309.413,52 (trezentos e nove mil, quatrocentos e treze euros e cinquenta e dois cêntimos) e acrescido. II – No fundo, considerou o Douto Tribunal a quo que, apesar de resultar provado que o Oponente praticou diversos actos que consubstanciam a gerência de facto da sociedade devedora originária, essa gerência não se verificou no período que decorreu entre 03-05-2007 e 17-02-2011, o qual se afigura como a data limite para pagamento voluntário das dívidas em cobrança nos autos executivos acima referidos, e tal facto acarreta a sua ilegitimidade para a execução. III – É consabido que a responsabilidade tributária subsidiária só pode operar contra quem exerceu, de facto, a gestão da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado, sendo esta prévia à verificação dos demais pressupostos legais da reversão, cfr., neste sentido, acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.02.2007, proferido no processo n.º 1132/06. IV – Entendendo a doutrina e a jurisprudência que, como gerência de facto de determinada sociedade comercial, se deve considerar aquela em que os gerentes praticam actos de disposição ou de administração, de acordo com o objecto social da sociedade, em nome representação desta, vinculando-a perante terceiros. V – Sendo certo, nos presentes autos, que nos documentos constantes das alíneas N), O) e P) do probatório da Sentença recorrida foi aposta a assinatura do ora Oponente na qualidade de gerente da sociedade devedora originária, realizando negócios em nome e por conta dessa sociedade. VI – Resultando provado, sem qualquer tipo de mácula, que o Oponente praticou diversos actos que consubstanciam a gerência de facto da sociedade devedora originária até finais do ano de 2004. VII – Contudo, o facto de não existir não existe qualquer disposição legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da administração de facto, designadamente que ela se presume a partir da administração de direito, não significa que não seja possível ao Tribunal, em face das regras da experiência, entender que existe uma forte probabilidade de esse exercício efectivo (de facto) da administração por parte do Oponente possa ter acontecido. VIII – Tal como se postulou no acórdão de 10 de Dezembro de 2008 da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo com o n.º 861/08, diga-se que “eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumida no processo e provas produzidas ou não pelo revertido e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte («certeza jurídica») de esse exercício da gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ele tenha acontecido”. IX – Com isto queremos referir que, contrariamente ao que postulou o Douto Tribunal a quo, o facto de não existirem elementos probatórios inequívocos que comprovem que o Oponente exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária desde 2007 até 2011, não significa que não se possa assumir, com base nas demais circunstâncias do caso concreto e nas regras da experiência comum, que tal exercício, de facto, da gerência tenha acontecido. X – Nesta conformidade, e em primeiro lugar, deve resultar provado nos presentes autos que o Oponente se afigurava como o único gerente designado da sociedade devedora originária, cfr. Certidão do Registo Comercial junta aos autos; sendo este um facto que merecia a dignidade de constar dos factos assentes da Sentença recorrida, que se reputa relevante para a decisão da causa e que deve ser aditado ao probatório, nos termos do disposto no artigo 640.º do CPC, ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT. XI – Não se olvidando que, da nomeação de uma pessoa para gerente (gerente de direito) de uma sociedade resulta uma presunção natural ou judicial, baseada na experiência comum, de que o mesmo exercerá as correspondentes funções, por ser co-natural que quem é nomeado para um cargo o exerça na realidade”, cfr. acórdão do TCA Sul de 07-11-2006, proc. n.º 01291. XII – Da mesma forma, conforme também resulta provado por perscrutação da mesma Certidão do Registo Comercial e que também merecia a dignidade de constar do probatório da Sentença ora recorrida, a forma de obrigar da sociedade devedora originária é com a intervenção de um gerente; sendo esta, também, matéria factual que deverá ser julgada provada, que se reputa igualmente relevante para a decisão e que deve ser aditada ao probatório nos termos do disposto no artigo 640.º do CPC, ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT. XIII – Assim, tendo em conta esta forma de obrigar a sociedade, ou seja, tendo em consideração que a sua assinatura obrigava a mesma, será legítimo presumir (presunção judicial baseada nas regras da experiência – artigo 350.º do CC), o exercício efectivo e continuado dos poderes de administração e representação de que a Oponente era titular face à mesma sociedade, cfr. o Acórdão do TCA Sul de 06/10/2009, processo 03336/09. XIV – E tudo isto, repare-se, independentemente de se ter realizado a escritura de cessão de quotas da sociedade devedora originária, pois que após tal negócio, o Oponente manteve a qualidade de gerente da sociedade devedora originária. XV – Até porque, perscrutada tal escritura de cessão de quotas, a mesma nada dispõe quanto a qualquer alteração da titularidade ou renúncia dos órgãos sociais da primitiva executada, o que significa que a sua gerência se manteve inalterada; sendo amplamente consabido que, por si só, a cessão de quotas de determinada sociedade não implica a transmissão da respectiva gerência. XVI – Desta forma, as funções dos gerentes subsistem enquanto não terminarem por destituição ou renúncia, sem prejuízo do acto de designação ou o contrato de sociedade poderem fixar a sua duração XVII – Sendo de relevar que a eficácia da renúncia perante terceiros depende de registo e de publicação, cfr. n.ºs 1 e 2 do artigo 14.º do CRC, encontrando-se a mesma sujeita a registo e publicação, de acordo com o disposto na alínea m) do n.º 1 do artigo 3.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º, ambos do CRC. XVIII – No caso em apreço, registo e publicação da renúncia apenas veio a suceder em 01-02-2013, já muito tempo após ter sido desencadeado contra o Oponente o mecanismo de reversão previsto no artigo 24.º da LGT, o que perfaz com que tal renúncia não seja oponível à administração tributária. XIX – Subscrevendo, na íntegra, a posição jurisprudencial plasmada no acórdão do STA de 10-12-2008, proc. n.º 861/08, e atentas todas as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente: - os documentos constantes das alíneas N), O) e P) do probatório da Sentença recorrida; - o facto de o ora Oponente se afigurar como o único gerente designado da sociedade devedora originária; - o facto de a sociedade devedora originária se obrigar mediante a intervenção de um gerente; - o facto de o Oponente se manter como gerente da sociedade devedora originária mesmo após a escritura de cessão de quotas; - o facto de a renúncia à sociedade devedora originária se mostrar realizada já muito depois de ter sido desencadeado o mecanismo de reversão contra o Oponente e da mesma apenas ser oponível a terceiros a partir da data do respectivo registo, o qual foi realizado, in casum, em 01-02-2013; Não existe outra conclusão a retirar que não seja a de que o Oponente sempre se afigurou como o gerente de facto da sociedade devedora originária no hiato temporal a que se reporta o prazo de pagamento voluntário das dívidas em cobrança em sede dos autos executivos n.º 3611200401008927 e apensos. XX – Com o devido e muito respeito, a Sentença ora recorrida, ao decidir como efectivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais. Termos em que, e com o douto suprimento de vossas excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença ora recorrida, com as demais e devidas consequências legais, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”. O Recorrido não apresentou contra-alegações. Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso. Com dispensa dos vistos legais (art.º 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.
São as seguintes as questões a decidir: a) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto? b) Há erro de julgamento, em virtude de estar demonstrado o exercício efetivo de funções de gerente por parte do Recorrido?
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “A) Em 07.02.2004, no Serviço de Finanças de da Amadora-3, foi instaurado contra a sociedade “A…, LDA.”, pessoa coletiva n.º 5………, o processo de execução fiscal n.º 361120041008927, para cobrança coerciva de IVA do ano de 2001 – cf. fls. 1 e 2 do PEF apenso. B) Ao PEF identificado em A) foram apensados os seguintes processos de execução fiscal, com o valor total de € 309.413,52:
– cf. verso de fls. 193 e fls. 275/276; 277/278; 222/223; 226/227; 270/271; 228 a 265; 268/269 do PEF apenso. C) Por despacho de 16.06.2011 foi determinada a notificação do ora oponente para efeitos de audição prévia com vista à reversão no PEF identificado em A), abrangendo a reversão apenas os respetivos apensos, identificados em B), com fundamento, em síntese, na inexistência de bens da sociedade suscetíveis de penhora e por terem os serviços da administração tributária constatado que nos seus registos, bem como na conservatória do registo comercial, figurava como gerente da sociedade “A…, LDA.”, além de outros o ora oponente “responsável subsidiário desde 24/09/2003 a 2004/03/18” – cf. fls. 65/66 e 75 do PEF apenso, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos. D) Por despacho de 12.08.2011 foi determinada a reversão contra o ora Oponente do PEF identificado em A), abrangendo a reversão apenas os respetivos apensos, identificados em B), acrescendo ao respetivo valor a quantia de € 70.062,96 a título de “acrescidos” – cf. fls. 193 do PEF apenso. E) O despacho de reversão identificado na alínea que antecede, refere-se à “fundamentação infra, a qual tem de constar da citação”, nada descrevendo no campo relativo aos “Fundamentos da Reversão” – cf. fls. 193 do PEF apenso. F) Em 06.09.2011 o ora Oponente foi citado na qualidade de responsável subsidiário para a execução identificada em A) e B), para pagamento da quantia de € 379.476,48 – cf. fls. 197/198 do PEF apenso. G) Na carta de citação são referidos os seguintes fundamentos da reversão: «Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (23º/nº 2 da LGT): Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art.º 24º/nº 1/b) da LGT]. […] Fundamentação em anexo no projecto de despacho de reversão.» – cf. fls. 197 do PEF apenso. H) Em 24.09.2003, o ora Oponente foi designado gerente da sociedade “A…, LDA.” – cf. certidão permanente a fls. 86/87 do suporte físico dos autos. I) Por escritura pública celebrada em 30.09.2004 o ora oponente cedeu a J… as quotas que detinha na sociedade “A…, LDA.”, facto levado a registo em 10.11.2004 – cf. fls. 45 a 47 do suporte físico dos autos e fls. 106 do PEF apenso. J) Em 01.02.2013 foi celebrada escritura pública entre os outorgantes mencionados na alínea que antecede, com vista ao “Suprimento de Omissão”, por referência à escritura pública mencionada em I), onde foi feito constar que a cessão de quotas implicava a renúncia à gerência da sociedade por parte do cedente, por tal renúncia ser condição do negócio, não tendo no entanto essa renúncia ficado exarada naquela escritura, mais se acrescentando que assim, nas qualidades em que outorga, supre a omissão verificada na identificada escritura de cessão de quotas, no sentido de ficar consignado que, com tal cessão, o cedente renunciou à gerência da sociedade – cf. fls. 82 a 84 do suporte físico dos autos. K) Em 01.02.2013 foi efetuado no registo comercial o averbamento correspondente à cessação de funções do ora oponente como gerente, com fundamento em renúncia datada de 30.09.2004 – cf. certidão permanente a fls. 86/87 do suporte físico dos autos. L) Em 31.10.2005 a sociedade “A…, LDA.” foi declarada insolvente, facto registado em 17.11.2005, tendo sido registado o encerramento do respetivo processo em 24.05.2006, convertido em definitivo em 12.05.2008 – cf. certidão permanente a fls. 86/87 do suporte físico dos autos. M) Em 24.09.2008, António Manuel Sousa Pereira, ex TOC da sociedade “A…, LDA.”, prestou declarações perante os serviços de inspeção tributária, conforme “Termo de Declarações” cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo referido, além do mais, que em meados de 2004 os serviços do depoente foram dispensados pelo sócio da sociedade devedora originária J…, que se fez acompanhar de outras duas pessoas que identificou como seus sócios – cf. fls. 20/21. N) Nas declarações de início de atividade para efeitos de IVA e IRC, apresentadas pela sociedade “A…, LDA.”, respetivamente, em 31.03.2004 e 19.11.2004, conta o nome do ora oponente na qualidade de representante legal da sociedade – cf. fls. 172 a 175 do PEF apenso. O) O ora oponente surge identificado como gerente da “A…, LDA.”, conjuntamente com D…, na “Ficha de Abertura de Cliente” da sociedade prestadora de serviços de frio, “F…, Lda.”, datada e enviada ao fornecedor em 30.06.2004, assinada pelo oponente – cf. fls. 116 do suporte físico dos autos. P) No processo n.º 1665/05.2TDLSB, que correu na 3.ª Vara Criminal de Lisboa, em que foram arguidos o ora oponente e J…, e que envolvia a atividade da sociedade devedora originária no PEF a que respeita a presente oposição, e em que os mesmos foram objeto de acusação por um crime de burla, sete crimes de burla qualificada e um crime de associação criminosa, foi proferida decisão em 27.06.2011 que absolveu o ora oponente da prática de todos os crimes de era acusado, condenando o outro arguido, além do mais, na prática de um crime de burla qualificada, apurando-se no âmbito do referido processo em relação ao ora oponente, além do mais, que para além de ter constado na escritura como adquirente da sociedade, fazia transferências bancárias para pagamento de mercadorias, passava cheques aos fornecedores […] e fazia os depósito dos cheques emitidos pelos clientes da “A…, Lda” e que lhe eram entregues pelo arguido J… e pelos outro dois indivíduos referidos, mais constando dos factos provados que o ora oponente cedeu a quota que tinha na “A…, Lda” ao arguido J… no dia 30-09-2004, que ficou sócio único daquela sociedade, sendo que, antes desta data, o arguido C… emitira cheques pré-datados e da fundamentação de direito que o mesmo se desvinculou da sociedade em questão bastante cedo, em 30-09-2004 – cf. fls. 109 a 167 do PEF apenso”.
II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida: “Não constam dos autos outros factos, com interesse para a decisão da causa, que importe identificar como provados ou não provados”.
II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto: “A decisão da matéria de facto assenta nos documentos constantes dos autos, conforme indicado nas respetivas alíneas do probatório, os quais não foram impugnados nem existem indícios que ponham em causa a sua genuinidade, e atenta a posição assumida pelas partes nos respetivos articulados. No que respeita à prova testemunhal produzida em audiência, em que foi inquirido um prestador de serviços da sociedade devedora originária, não obstante o mesmo ter referido que apenas se lembra de ver o nome do ora Oponente na ficha de cliente e que todos os demais contactos foram efetuados por um J…, o certo é que nunca esteve pessoalmente com nenhum dos dois nem demonstrou conhecer, de alguma forma, a função de cada um dos sujeitos ligados à “A…”, de que apenas conhecia o nome”.
II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II.A., em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração(1). Nesse seguimento, passa a ser a seguinte a redação do facto L), transcrito em II.A, que será subdividido em quatro factos: L.1) Foi proferida, no Tribunal de Comércio de Lisboa, a 31.10.2005, sentença no Processo n.º 1025/05.5TYLSB, na qual a sociedade “A…, LDA.” foi declarada insolvente (cfr. fls. 29 a 34 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). L.2.) A sentença referida em L.1) transitou em julgado (cfr. fls. 29 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). L.3.) A sentença de declaração de insolvência e a nomeação de administrador judicial em processo de insolvência foram registados na conservatória de registo comercial, correspondendo à Inscr. 2 – Ap. 25/20051117 e Ap. 20/20060323 (cfr. fls. 86 e 87 dos autos em suporte de papel). L.4.) A decisão judicial de encerramento do processo de insolvência foi registada na conservatória de registo comercial, correspondendo à Inscr. 3 – Ap. 14/20060524, provisório por natureza, convertido através do Av. 1 – Ap. 3/20080512 (cfr. fls. 86 e 87 dos autos em suporte de papel).
II.E. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto A Recorrente imputa erro na decisão proferida sobre a matéria de facto, porquanto, em seu entender, da mesma deveria constar o registo da designação do Oponente como único gerente da devedora originária e, bem assim, a circunstância de ter ficado igualmente registado que a mencionada sociedade se obrigava apenas com a intervenção de um gerente, conforme se extrai da certidão do registo comercial. Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão(2). Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC]; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC]. Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo-se-lhe os ónus já mencionados(3). Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus foram cumpridos, pelo que se passará à apreciação do alegado. Compulsada a certidão de registo comercial, quer constante dos autos, quer constante do PEF apenso, verifica-se que parte do requerido não corresponde ao que de lá decorre. Com efeito, o Oponente e D… adquiriram ambos as quotas da devedora originária, tendo sido ambos igualmente designados gerentes (aliás, do PEF resulta que houve reversão contra ambos), estando registada a renúncia de D…, por referência a 12.07.2004. Face a este contexto, o que se revela relevante no que ao Oponente respeita, in casu, decorre já da decisão proferida sobre a matéria de facto, concretamente dos factos H) a K). Quanto ao mais, ou seja, quanto à forma de obrigar, defere-se o requerido, sendo de aditar o seguinte facto: Q) O contrato social da sociedade mencionada em A) previa que a forma de a obrigar fosse pela intervenção de um gerente (cfr. fls. 93 a 107 do PEF apenso).
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO III.A. Do erro de julgamento Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, dado que, considerando a matéria de facto provada, entende que se deveria considerar, ainda que por presunção judicial, demonstrado o exercício efetivo de funções de gestão pelo Recorrido. Vejamos então. No que concerne à responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores de sociedades pelas dívidas tributárias, somos remetidos para o art.º 24.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), nos termos do qual: “1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”. À semelhança do que já decorria do art.º 13.º do CPT, o art.º 24.º, n.º 1, da LGT determina que a simples gestão de facto é suficiente para acionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito. O art.º 24.º da LGT demarca duas situações, nas duas alíneas do seu n.º 1. A primeira, correspondente à sua al. a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efetiva — culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no art.º 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à administração tributária (AT) alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores. A segunda, constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir. In casu, o despacho de reversão proferido foi-o ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, ou seja, considerando os potenciais responsáveis à data do término do prazo para pagamento voluntário [cfr. facto G)]. Como se referiu anteriormente, o regime da responsabilidade tributária tem subjacente o exercício efetivo de funções por parte do gestor. Trata-se do ponto de partida de aplicação do regime, sendo que, depois de demonstrada a gestão de facto [cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, de 28.02.2007 (Processo: 01132/06)], aplicar-se-á, num segundo momento, a al. a) ou a al. b), do n.º 1 do art.º 24.º da LGT. Cabe à AT, desde logo e em primeira linha, o ónus da alegação e prova da efetiva gerência ou administração por parte dos revertidos. Essa prova da gestão de facto tem de ser evidenciada por referência a atos praticados pelos potenciais revertidos, suscetíveis de demonstrar tal efetividade do exercício de funções, entendendo-se como tal a prática de atos com caráter de continuidade, efetividade, durabilidade, regularidade, com poder de decisão e com independência das funções exercidas. Durante vários anos, prevaleceu o entendimento de que, demonstrada que fosse a gestão de direito, a AT beneficiaria de uma presunção de gestão de facto, cabendo, segundo este entendimento, ao revertido demonstrar não ter exercido efetivamente as referidas funções. Na sequência do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.02.2007 (Processo: 01132/06), operou-se uma alteração jurisprudencial, no sentido de que “… [a] presunção judicial não tem existência prévia, é um juízo casuístico que o julgador retira da prova produzida num concreto processo quando a aprecia e valora. (...) Ninguém beneficia de uma presunção judicial, porque ela não está, à partida, estabelecida, resultando só do raciocínio do juiz, feito em cada caso que lhe é submetido. (...) Do que se trata é de censurar a aplicação que fez de um regime legal, afirmando a existência de uma presunção judicial e retirando, maquinalmente, de um facto conhecido, outro, desconhecido, como se houvesse uma presunção legal, que não há; e afirmando a inversão do ónus da prova, quando tal inversão não ocorre, no caso, na falta de presunção legal”. Como tal, continua o referido Acórdão do Pleno: “Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência. (…) [N]ada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora. Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização” (sublinhado nosso). Face a este entendimento, unânime na jurisprudência atual, a que se adere, decorre, como referido, que cabe, em primeira linha, à AT alegar e demonstrar que o revertido exerceu, nos termos consignados no n.º 1 do art.º 24.º da LGT, efetivas funções de gerência, entendidas como funções de gestão e representação da sociedade. (cfr., para as sociedades por quotas, os art.ºs 192.º e 252.º do Código das Sociedades Comerciais). O mesmo resulta da interpretação do art.º 11.º do Código do Registo Comercial (CRCom). Com efeito, nos termos desta disposição legal, “[o] registo por transcrição definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida”. Atentando na finalidade inerente ao registo comercial e, nesse seguimento, chamando à colação o art.º 1.º do CRCom, do seu n.º 1 resulta que “[o] registo comercial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos comerciantes individuais, das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma comercial e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”. Sendo certo que é legalmente obrigatória a inscrição da nomeação dos membros dos órgãos de administração de sociedades comerciais, nos termos do art.º 3.º, n.º 1, al. m), do CRCom., da leitura conjunta das disposições legais referidas resulta que as mesmas visam dar publicidade a uma situação jurídica e não a uma situação de facto(4). Assim, e no que ao registo da nomeação de uma determinada pessoa como gerente de uma determinada sociedade a presunção que decorre do art.º 11.º do CRCom é uma presunção da gestão de direito (“situação jurídica”), e não da de facto. Portanto, também por esta via, não se pode extrair da gerência de direito a gerência de facto. Posto este enquadramento, cumpre apreciar o caso em concreto. Desde já se adiante que não assiste razão à Recorrente, como, aliás, se extrai da abundante jurisprudência sobre a matéria. Vejamos com maior detalhe. Atentando na decisão proferida sobre a matéria de facto, extrai-se o seguinte: a) O Oponente foi, em 2003, designado gerente da sociedade devedora originária; b) No ano seguinte, cedeu as suas quotas na sociedade, através de escritura pública, que veio a ser retificada em 2013, por forma a dela passar a constar a sua renúncia à gerência; c) Foi averbada, no registo comercial, a renúncia do Recorrido à gerência, com efeitos reportados a 30.09.2004; d) A sociedade devedora originária foi declarada insolvente a 31.10.2005, tendo tal processo encerrado no ano seguinte; e) O prazo para pagamento voluntário das dívidas em causa terminou entre 03.05.2007 e 17.02.2011. Face a este quadro probatório, é para nós claro que não assiste razão à Recorrente, por várias ordens de razão. Primeiro, apenas resulta dos autos que o Recorrido praticou alguns atos próprios das funções de gerente em 2004, momento muito anterior aos relevantes in casu – que, como vimos, se situam entre 2007 e 2011. Quanto a esse período de tempo, a AT, ao contrário do que era seu ónus, nada alegou nem provou, o que contra si reverte. Segundo, o Recorrido cedeu em 2004 as suas quotas e renunciou à gerência, o que, no contexto de absoluto défice probatório por parte da AT, não pode deixar de ser valorado. É certo que tal renúncia não foi imediato objeto de registo. No entanto, da mesma forma que o exercício da gestão de facto não se infere do registo como gestor de direito, também não se pode desconsiderar essa manifestação de vontade do oponente, pelo simples facto de a mesma ter sido registada ulteriormente. A este respeito, veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 18.09.2012 (Processo: 05698/12): “O carácter constitutivo do registo para as sociedades comerciais e sociedades civis, como proclama o ponto 8. do Dec-Lei n.º 403/86, de 3 de Dezembro - diploma que aprovou o Código do Registo Comercial - não se prende com a prova da ilisão da gerência de facto que para o gerente nomeado lhe advém, precisamente dessa nomeação, a qual pode ser efectuada por qualquer meio de prova, por se tratar de uma mera presunção natural ou simples, nos termos do disposto no art.º 351.º citado, não tendo de ser através de prova documental, através da inscrição efectiva da respectiva renúncia na mesma Conservatória, operando a renúncia mesmo que não levada a registo, por lhe ser aplicável a norma do n.º2 do art.º 13.º do Código do Registo Comercial”. Não se ignora que a oponibilidade a terceiros da renúncia depende do respetivo registo. No entanto, como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14.02.1996 (Processo: 017179), “a inoponibilidade a terceiros da renúncia da gerência, antes do respectivo registo, só tem relevância quanto à validade dos actos praticados pelo gerente em nome da sociedade e que afectem esses terceiros e na obrigação exequenda não se põe qualquer problema de validade de qualquer acto praticado pelo gerente, mas tão-só uma questão de existência ou não de uma obrigação de responsabilidade que exige como seu pressuposto a gerência (…) e que assenta precisamente na falta da prática de actos em favor de terceiros reclamados pelo "estatuto jurídico" do gerente”. Ou seja, caso a AT tivesse alegado e provado a prática de atos de gestão pelo Recorrido, após a renúncia não registada, estaríamos perante uma clássica situação de inoponibilidade da renúncia, por falta de registo. No entanto, nada disso sucedeu. Portanto, a mencionada renúncia não pode deixar de ser valorada nos termos referidos, enquanto elemento probatório pertinente. Terceiro, mesmo que o Oponente fosse o único gerente de direito inscrito na conservatória do registo comercial (e vimos supra que não é exatamente assim), tal não faria alterar o entendimento já explanado, porquanto, desde logo, é sempre possível que uma determinada sociedade tenha um gestor de facto que não o seja de direito. Ou seja, cabe sempre à AT a demonstração da gestão de facto. O que não aconteceu, repetimos. Em suma, é claro que não resultou provado o exercício de funções de gestão de facto pelo Recorrido, durante os períodos relevantes, nem é compaginável, com tão parca prova, poder lançar-se mão de qualquer presunção judicial. Como tal, não assiste razão à Recorrente.
Vencida a Recorrente é a mesma responsável pelas custas (art.º 527.º do CPC). Cumpre, no entanto, atento o valor dos autos, considerar o disposto no art.º 6.º, n.º 7, do RCP. Assim, nos termos desta disposição legal, “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”. Atenta a circunstância de as questões em apreciação já terem sido objeto de apreciação inúmeras vezes pelos nossos Tribunais, em todas as instâncias, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.
IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: a) Negar provimento ao recurso; b) Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.; c) Registe e notifique. Lisboa, 20 de dezembro de 2022
(Tânia Meireles da Cunha) (Susana Barreto) (Patrícia Manuel Pires) ___________________________ (1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286. (2) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169. (3) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada. (4) V. a este respeito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28.02.2019 (Processo: 357/09.8BELRS), bem como o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11.03.2010 (Processo: 00349/05.6BEBRG). |