Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 324/21.3 BESNT |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 02/02/2023 |
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Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
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Descritores: | RECLAMAÇÃO 276CPPT NULIDADE PROCESSUAL PRINCIPAL FALTA DE CITAÇÃO |
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Sumário: | I - Até à entrada em vigor do DL n.º 287/93, de 20 de agosto, as dívidas, de que fosse credora a Caixa Geral de Depósitos, eram cobradas através de execução fiscal. II - A circunstância de uma dívida nas circunstâncias referidas em I., relativa a mútuo, ser objeto de cobrança coerciva, através de execução fiscal, não altera a sua natureza de dívida civil. III - Sendo Exequente a CGD, a mesma deveria ter sido chamada aos autos para responder, nos termos do art.º 278.º, n.º 2, do CPPT. IV - Não tendo tal ocorrido, essa falta configura nulidade processual principal. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | I. RELATÓRIO
A… (doravante 1.ª Recorrente ou Reclamante) e a Fazenda Pública (doravante 2.ª Recorrente ou FP) vieram recorrer da sentença proferida a 18.10.2022, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada parcialmente procedente a reclamação de ato do órgão de execução fiscal, apresentada pela primeira, que teve por objeto o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças (SF) de Amadora 3, proferido no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) n.º 3611199707002130. Nas suas alegações, a 1.ª Recorrente concluiu nos seguintes termos: “i. Vem o presente recurso, interposto da sentença a quo, que, apesar de decidir pela procedência parcial da reclamação apresentada, julgou apenas prescrita a dívida exequenda, quanto aos juros vencidos até 4 de Abril de 1986. ii. Antes de mais, deve ser atribuído efeito suspensivo ao recurso, nos termos do disposto no art. 286º, nº 2, 3ª parte do CPPT, quer porque qualquer outro efeito determinará a sua inutilidade, quer porque a penhora existente constitui garantia suficiente. iii. Pois, caso o recurso venha a merecer provimento, como se crê, implicará o reconhecimento da prescrição da totalidade da dívida e consequente arquivamento do processo executivo fiscal, o que determinará a anulação/nulidade de todos os actos posteriormente praticados, os quais, inclusivamente, caso se verifique a venda do bem penhorado, implicarão graves e sérios prejuízos para a Recorrente e cuja reparação se revelará impossível. iv. Por outro lado, face à penhora registada, encontra-se devidamente assegurado e garantido o pretenso crédito invocado e reclamado pela Exequente nos autos executivos, sendo essa a finalidade que a garantia visa assegurar. v. Assim, quer de uma forma, quer de outra, deve ser fixado o efeito suspensivo ao presente recurso, o que se requer. vi. Nos presentes autos, veio a ora Recorrente reclamar contra o acto da AT que, por considerar que não se mostra esgotado o prazo de prescrição, indeferiu o pedido de extinção dos autos de executivos por via da prescrição apresentado pela Recorrente. vii. O Tribunal a quo não deu cumprimento ao disposto no art. 120º do CPPT. viii. O art. 120º do CPPT não afasta a apresentação de alegações quando não tenha havido lugar a produção de prova testemunhal, que, por despacho de 27.09.2022, foi julgada desnecessária. ix. Não existe preceito legal que dispense a apresentação de alegações. x. Acresce ainda que, foi de facto produzida prova, nomeadamente documental, e, nessa medida, sempre haveria que ordenar a notificação das partes para apresentarem alegações, nos termos do art. 120º do CPPT. xi. Não cuidou o Tribunal a quo de cumprir o princípio da legalidade, do contraditório e da igualdade das partes. xii. Pelo que, ao actuar como o fez, o Tribunal a quo incorreu numa omissão susceptível de influir no exame e na decisão da causa, o que determina a anulação da sentença recorrida, nos termos do art. 195º, nº 1 do CPC, e implica a anulação da tramitação processual subsequente, por força do disposto no art. 98º, nº 3 do CPPT. xiii. Neste sentido, veja-se o douto Acórdão do STA (Pleno) de 08.05.2013, disponível em www.dgsi.pt. xiv. Em consequência, também neste domínio, violou o Tribunal a quo o art. 120º do CPPT, bem como incorreu nas faltas a alude o art. 615º, nº 1 do CPC, o que determina a nulidade da sentença, nos termos do art. 195º do mesmo diploma legal, sendo, por isso, nula a sentença recorrida, o que se invoca, tudo com as legais consequências. xv. Por outro lado, percorrendo a sentença colocada em crise, deparamo-nos desde logo com o elenco da matéria de facto provada, cuja decisão é fundamentada nos seguintes termos: “A convicção do Tribunal quanto aos factos provados fundou-se nos elementos documentais existentes nos presentes autos, os quais não foram impugnados pelas partes.” xvi. Ora, antes de mais, o Tribunal a quo não fundamentou a sua decisão sobre a matéria de facto. xvii. A mera referência aos documentos não é suficiente para ser considerado como fundamentação da decisão sobre a matéria de facto. xviii. Não basta indicar que a convicção do Tribunal sobre a prova de um determinado facto resulta de um determinado documento, sem mais. xix. Muito menos, indicando que os documentos juntos aos autos não foram impugnados pelas partes, quando a Recorrente expressamente impugnou os documentos juntos pela Fazenda Pública na sua contestação, nomeadamente o PEF, cfr. requerimento de 17.06.2021. xx. Pelo que, por esta via, ausência de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, a sentença recorrida é nula, nos termos do nº 1 do art. 125º do CPPT, o que se invoca, tudo com as legais consequências. xxi. Acresce ainda que a decisão sobre a matéria de facto padece de manifesto erro de julgamento, na medida em que são dados como provados factos sobre os quais não incidiu prova, nem os mesmos são aptos a demonstrar a pretensa realidade neles ínsita. xxii. É o que sucede com o facto dado como provado pelo Tribunal a quo sob o número 7 da matéria de facto provada, no qual consta que “O processo de execução fiscal não foi, até à data, objecto de decisão que ponha termo ao processo.” xxiii. Tal facto mostra-se em absoluta contradição com os factos dados como provados sob os nºs 5 e 6. xxiv. Assim, porque inexiste prova nesse sentido, e porque a mesma é contrariada pelos factos provados sob os nºs 5 e 6, impõe-se a eliminação da factualidade provada do facto insito sob o nº 7, o que se requer, tudo com as legais consequências. xxv. Padece ainda a sentença recorrida de insuficiência da matéria de facto provada. xxvi. Além de ter sido expressamente alegado pela Recorrente, considerando o thema decidendum, bem como o plasmado no art. 327º, nº 1 e 2 do Código Civil, impunha-se, na matéria de facto provada, melhor concretizar os factos patentes nos números 5 e 6, no que diz respeito à decisão proferida quanto à oposição à execução apresentada, bem como a data do trânsito em julgado da decisão que julgou deserto o recurso, respectivamente. xxvii. Tais factos assumem particular e especial relevância, na medida em que será a partir da data do trânsito em julgado da decisão referida em 6, nos termos do invocado art. 327º do Código Civil, que recomeça a contar novo prazo de prescrição. xxviii. E a verdade é que resulta dos autos a data do trânsito em julgado da sentença a que alude o número 5 da matéria de facto provada, da qual foi interposto recurso, tendo a instância sido declarada deserta, por decisão de 23.05.1995, tal como alegado pela Recorrente, não impugnado pela Fazenda Pública, xxix. Isto, por respeito e obediência ao plasmado nos arts. 352º, 353º, 355º, 356º, nº 1, 358º, nº 1, 363º, nº 2, 364º, nº 1, 369º, 370º, 371º e 372º, todos do Código Civil e arts. 574º, nº 2 do CPC. xxx. Assim, em função do supra exposto, por força dos preceitos legais invocados, deve ser alterada a redacção dos factos patentes nos nºs 5 e 6 da matéria de facto provada constante na sentença recorrida, os quais devem passar a ser as seguintes, o que se requer: 5. A 20 de maio de 1994, deu entrada na Repartição de Finanças da Amadora, Oposição à execução, em nome de M… e da Reclamante, a qual, por decisão de 30 de Março de 1995 foi rejeitada liminarmente. 6. A 23 de maio de 1995, o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa proferiu decisão, transitada em julgado na mesma data, da qual se extrai o seguinte: “Ora, no presente caso, o recorrente interpõe recurso para o Tribunal Tributário de 2ª Instância, mas não apresentou as suas alegações nos termos do citado nº 1 do artº358º, pelo que, atento o anteriormente exposto e nos termos dos artº 292-1, 690-2 e 801, todos do CPC “ex vi” artº 357 CPT, julgo deserto o recurso, por falta de alegações. Custas do incidente, pelo recorrente” xxxi. Em função do supra exposto, deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, nos termos requeridos, o que se requer. xxxii. No que tange propriamente à efectiva prescrição da dívida exequenda, convocando Jurisprudência, e apesar de considerar que o montante de capital e juros era devido por inteiro, concluiu o Tribunal a quo que é aplicável in casu o prazo prescricional de 20 anos, quanto ao capital, e o prazo prescricional de 5 anos, quanto aos juros. xxxiii. Mas, a verdade é que a conclusão alcançada pelo Tribunal a quo, bem como a Jurisprudência invocada, contrariam de forma flagrante o decidido pelo STJ, em sede de Julgamento Ampliado de Revista, no seu recente Acórdão nº 6/2022, publicado no DR, 1ª Série, de 22.09.2022, que aliás reproduz o entendimento jurisprudencial maioritário, nos termos do qual, uniformizando Jurisprudência, se sumaria o seguinte “I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II — Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém -se, incidindo o seu termo ‘a quo’ na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.” xxxiv. É verdade que o decidido no Acórdão supra citado não é vinculativo, per si, mas obriga a uma fundamentação acrescida, quando se conclui em sentido oposto. xxxv. E a verdade é que o Tribunal a quo, além de não fazer sequer referência ao referido aresto, não apresenta argumentação suficiente que permita afastar o entendimento ali patente. xxxvi. Efectivamente é indubitável que o prazo de prescrição aplicável in casu é de 5 anos. xxxvii. Estando em causa um contrato de mútuo, celebrado em 1981, vencido em 8 de Dezembro de 1981, de acordo com a nota de débito de 14 de Março de 1988, tal como concluiu o Tribunal a quo quanto aos juros de mora, é inquestionável que também a dívida exequenda, quanto ao capital, já se mostrava prescrita, quando a Recorrente foi citada, em 4 de Abril de 1991. xxxviii. Sem conceder, também não se pode conformar a Recorrente com o entendimento plasmado na decisão recorrida, no sentido de que inexiste decisão que haja colocado termo ao processo, e que a interrupção provocada pela citação da Recorrente ainda não determinou o inicio, de novo, da contagem de novo prazo de prescrição. xxxix. Como consta do facto número 4 da factualidade provada, a Recorrente o seu falecido marido foram citados em 4 de Abril de 1991. xl. Tal citação determinou, indubitavelmente, a interrupção do prazo de prescrição. xli. Sucede, no entanto, que, em 20.05.1994, foi deduzida oposição à execução, a qual, por sentença de 30.03.1995 foi rejeitada liminarmente, da qual foi interposto recurso, em relação ao qual foi proferida decisão que julgou a instância deserta, por decisão transitada em julgado em 23.05.1995. xlii. Na correcta subsunção dos factos ao direito aplicável, é forçoso concluir que a Recorrente após a citação, ocorrida em 04.04.1991, não foi notificada de qualquer outro acto ou diligência realizada nos autos executivos. xliii. Conclusão que sai reforçada pelo teor da certidão emitida pelo OEF, 3ª Repartição de Finanças da Amadora, em 24.04.2008. xliv. Pelo que, cotejada a prova e subsumindo as regras legais aplicáveis, é forçoso concluir que além da citação ocorrida em 04.04.1991, não se verificou qualquer outra causa de interrupção ou suspensão da prescrição. xlv. Nos termos do disposto no art. 323º, nº 1 do Código Civil, “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.” xlvi. Por seu turno, o art. 326º do mesmo diploma legal, “A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 3 do artigo seguinte.”, e nos termos do nº 2, “A nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311.º” xlvii. Por outro lado, estatui o nº 1 do art. 327º do Código Civil que “Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.”, realçado nosso. xlviii. Assim, ocorreu a interrupção da prescrição, com a citação, ocorrida no dia 04.04.1991. xlix. Nos termos dos supra citados preceitos legais, o novo prazo de prescrição só começa a correr novamente quando transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo executivo. l. In casu, cfr. factos provados nºs 5 e 6, foi deduzida oposição à execução, a qual, por sentença de 30.03.1995 foi rejeitada liminarmente, da qual foi interposto recurso, em relação ao qual foi proferida decisão que julgou a instância deserta, por decisão transitada em julgado em 23.05.1995. li. Sucede que, porque estamos perante decisão que julgou a instância deserta, tem aplicação a excepção plasmada no nº 2 do art. 327º do Código Civil, nos termos do qual “Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo.”, sublinhado e realçado nosso. lii. O que significa que o novo prazo prescricional começou a correr logo após a citação, ou seja, a partir do dia 04.04.1991. liii. Pelo que, não há dúvida que houve interrupção da prescrição com a citação, mas não existe igualmente dúvida que, o novo prazo de prescrição se reiniciou na data desse mesmo acto – 04.04.1991. liv. Logo, a dívida reclamada nos presentes autos encontra-se prescrita desde 04.04.1996. lv. Mesmo que assim não se entenda, o que por mera hipótese académica se admite, e caso se considere que é de aplicar à dívida exequenda o prazo prescricional geral, de 20 anos, a verdade é que a prescrição já ocorreu igualmente. lvi. O acto que determinou a interrupção da prescrição foi a citação, ocorrida no dia 04.04.1991, nos termos do art. 323º do Código Civil. lvii. A interrupção da prescrição inutiliza todo o tempo anteriormente decorrido, começando a contar novo prazo a partir do acto interumptivo, nos termos do disposto no art. 326º, nº 1 do Código Civil. lviii. Resultando a interrupção de prescrição de citação, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que colocar termo ao processo, cfr. art. 327º, nº 1 do Código Civil. lix. Sempre com o devido respeito, não se poderá considerar que a decisão que coloca termo ao processo, e que, na perspectiva do Tribunal a quo, permite que haja reinício do prazo prescricional, possa ser apenas e só o que se mostra previsto na Secção X do Capítulo II do Título IV do CPPT. lx. Tal entendimento constituiria um verdadeiro perpetuar da imprescritibilidade de dívidas e que contraria o próprio espirito e ratio da lei. lxi. No limite, sempre ter-se-á que considerar que a decisão que coloca termo ao processo e que força o reinício do prazo de prescrição é aquela que for proferida quanto ao facto que determinou a interrupção da prescrição – in casu, a citação da Recorrente e do seu falecido marido, ocorrida em 04.04.1991. lxii. Mas mais, a verdade é que há ainda que atentar a outra particular circunstância. lxiii. Quando, porém, a instância seja declarada deserta, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interrumptivo – in casu, a citação, ocorrida em 04.04.1991. lxiv. E, conforme consta dos autos, a oposição à execução foi definitivamente julgada por decisão de 23.05.1995, transitada em julgado, que declarou deserta a instância. lxv. Assim, nos termos das supra citadas normas, a prescrição da dívida exequenda, mesmo aplicando-se-lhe o prazo previsto no art. 309º do Código Civil, ocorreu no dia 04.04.2011, ou seja, há mais de 11 anos. lxvi. O Tribunal a quo, olvidou considerar o disposto nos arts. 326º e 327º do Código Civil e daí retirar as legais consequências. lxvii. O Tribunal a quo limitou-se a constatar a interrupção da prescrição, mas não interpretou e aplicou as consequências dessa interrupção e do reinício do novo prazo de prescrição e consequente cálculo aritmético daí decorrente. lxviii. Mas mais, não procedeu o Tribunal a quo à aplicação do direito aos factos que o próprio julgou provados e dos mesmos retirar as conclusões que se impõe – efectiva e real prescrição da dívida exequenda desde, no limite, 04.04.2011. lxix. Como resulta da lei, e o Tribunal a quo não ignorará, as interrupções ou suspensões da prescrição não duram ad eternum, nem existem sucessivas interrupções da prescrição, mas apenas uma única. lxx. Neste sentido, a título meramente exemplificativo, veja-se o plasmado no Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 29.06.2017, disponível em www.dgsi.pt. lxxi. Pelo que, mesmo considerando que à dívida exequenda é de aplicar o prazo de prescrição ordinário, de 20 anos, previsto no art. 309º do Código Civil, é forçoso concluir que a dívida exequenda em causa já prescreveu, quer quanto a capital, quer quanto aos juros. lxxii. O Tribunal a quo procedeu a uma inconstitucional e incorrecta interpretação e aplicação do disposto nos arts. 120º e 123, ambos do CPPT, no art. 48º da LGT, nos arts. 5º, 574º, nº 2, 580º, 581º, 607º, 620º e 621º, todos do CPC, e nos arts. 309º, 310º, alíneas d), e) e g), 323º, 326º, 327º, nºs 1 e 2, 352º, 353, 355º, 356º, nº 1, 358º, nº 1, 363º, nº 2 e nº 3 a contrario sensu, 364º, nº 1, 369º, 370º, 371º, 372º, 374º, e 376º, todos do CC e art. 2º, 20º, nºs 4 e 5, 202º, nº 1, 203º, 204º e 205º, nº 1, todos da CRP. lxxiii. Por tudo o exposto, impõe-se a revogação da sentença colocada em crise, substituindo-se por douto Acórdão que, julgando a reclamação totalmente procedente, por provada, declare prescrita a dívida exequenda, quer quanto a capital, quer quanto a juros, tudo com as legais consequências. TERMOS EM QUE E SEMPRE, Invocando-se o DOUTO SUPRIMENTO DESSE VENERANDO TRIBUNAL deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, revogada a sentença recorrida, julgando-se a final, procedente a reclamação, e, em consequência, declarada prescrita a totalidade da dívida exequenda, quer quanto a juros, quer quanto a capital, e ordenada a extinção dos autos executivos, tudo com as demais consequências legais. PORÉM VOSSAS EXCELÊNCIAS DECIDIRÃO COMO FOR DE JUSTIÇA”. A FP não contra-alegou. Por seu turno, a FP, enquanto 2.ª Recorrente, nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões: “A. O incidente de reclamação de atos do órgão de execução fiscal ora em apreciação reporta-se a uma execução fiscal para cobrança de dívida não tributária, concretamente de dívida civil respeitante a um contrato de mútuo, de que é entidade credora e exequente a C..., S.A. B. Estando em causa uma dívida não tributária em cobrança executiva da titularidade de uma empresa do sector empresarial do Estado, mas que tem personalidade jurídica e judiciária, a mesma deveria ter sido notificada para os termos da presente instância. C. O Tribunal antes de proferir qualquer decisão, não podia deixar de ter chamado ao processo a C..., enquanto credora exequente, em obediência aos aludidos princípios de igualdade e do contraditório. D. Assim sendo, impunha-se trazer a C... aos presentes autos, devendo também a Autoridade Tributária permanecer na lide, enquanto órgão de execução responsável pelo ato sindicado responsável pela execução da sentença proferida. E. Constituindo a falta de notificação/citação da C... a omissão de um ato exigido por lei suscetível de influir no exame e decisão da causa, a sentença em apreço está ferida de nulidade, ao abrigo do disposto no n.º1 do art.º 195.º do CPC. F. A Fazenda Pública não se conforma com o doutamente decidido, porquanto considera existir violação de caso julgado, nos termos do art.º 577.º, alínea i) do CPC, e consequentemente, litigância de má fé, ao abrigo do disposto no art.º 542.º, n.º1 do CPC e 104.º n,º2 da LGT. G. A questão da prescrição da dívida subjacente ao processo de execução fiscal n.º 3611199707002130 foi anteriormente suscitada no processo de reclamação contra o ato do órgão de execução fiscal, que correu os seus termos sob o processo n.º 817/18.0BESNT, da 2ª U.O., do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, transitada em julgado a 24 de Fevereiro de 2020, após interposição de recurso e arguição de nulidade junto do Tribunal Central Administrativo Sul. H. Existe repetição da causa dos autos relativamente a causa definitivamente julgada por acórdão transitado em julgado a 24 de Fevereiro de 2020, existindo identidade de sujeitos, causa de pedir e pedido, ocorrendo a exceção do caso julgado, nos termos dos artigos 580º e 581º do CPC, aplicáveis aos autos por força do disposto no artigo 2º alínea e) do CPPT. I. O caso julgado constitui exceção dilatória, nos termos do artigo 577º alínea i) do CPC, a qual obsta a que o Tribunal conheça do mérito dos presentes autos, dando lugar à absolvição da instância da Fazenda Pública, nos termos do n.º 2 do artigo 576º e artigo 582º do CPC, ambos aplicáveis aos autos por força do disposto no artigo 2º alínea e) do CPPT. J. A presente ação de reclamação foi instaurada a 06.04.2020, tendo a decisão proferida no âmbito da reclamação contra o ato do órgão de execução fiscal, que correu os seus termos sob o processo n.º 817/18.0BESNT, da 2ª U.O., do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, transitado em julgado a 24.02.2020, conforme acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo a 10.02.2020. K. Com o trânsito em julgado da decisão, conforme já expendido anteriormente, consolidou-se na ordem jurídica o prazo prescricional, bem como as causas de interrupção e suspensão do prazo de prescrição ocorridas até esse momento, e demais questões de direito nela sindicadas. L. Quando a reclamante interpõe a presente reclamação do ato que indeferiu o pedido de prescrição da dívida exequenda, já tinha conhecimento do acórdão proferido sobre a prescrição da dívida cobrada coercivamente no mesmo processo executivo, existindo apenas um mero lapso de tempo decorrido de um mês e meio após o referido trânsito em julgado. M. Face a todo o exposto, entende-se que a atuação da reclamante configura atuação como litigante de má fé, pelo que deverá ser condenada em multa, nos termos conjugados do n° 1 do artigo 542.º do CPC. Termos em que, com o douto suprimento, requer a V. Exas se dignem admitir o presente recurso, julgando o mesmo procedente por provado, e, em consequência, revoguem a douta sentença recorrida, atenta a falta de notificação/citação da C... que consubstancia uma nulidade, ao abrigo do disposto no n.º1 do art.º 195.º do CPC, devendo a entidade exequente ser chamada aos autos antes da prolação de qualquer decisão. Subsidiariamente, e caso o Tribunal não reconheça a nulidade arguida, deverá a douta sentença ser substituída por douto acórdão que julgue verificada a exceção de caso julgado e, consequentemente, condene a reclamante/recorrida em litigância por má fé, com todas as consequências legais. Assim decidindo, farão V/ Ex.ªs, aliás, como sempre, a costumada justiça”. A Reclamante apresentou contra-alegações, nas quais concluiu da seguinte forma: “I. O recurso interposto pela Representante da Fazenda Pública é desprovido de qualquer fundamento. II. Os fundamentos nesta sede invocados pela Recorrente (necessidade de notificação/citação da C..., SA, caso julgado e litigância de má fé), não foram suscitados e/ou invocados em sede de resposta ao abrigo do nº 2 do art. 278º do CPPT. III. Não o tendo feito naquela sede, é manifesta a sua extemporaneidade, o que se invoca, tudo com as legais consequências. IV. A invocação, quer da necessidade de notificação/citação da C..., SA, quer do caso julgado, quer da litigância de má fé, apenas nesta sede, de recurso, constitui a alegação de factos novos, não alegados e suscitados oportunamente, pelo que não podem ser tidos em consideração agora, estando vedada a sua apreciação por esse Tribunal ad quem, nos termos e por força do disposto no art. 608º, nº 2 do CPC, o que se invoca, tudo com as legais consequências. V. Neste sentido, a título meramente exemplificativo, atente-se ao Acórdão desse Tribunal Central Administrativo Sul, de 22.09.2022, disponível em www.dgsi.pt. VI. Pelo que, não pode ser conhecido o recurso interposto pela Representante da Fazenda Pública, impondo-se a sua rejeição, o que se requer. No entanto, caso assim não se entenda, o que por mera hipótese académica se admite, alegar-se-á o seguinte: VII. Não padece a sentença recorrida da nulidade apontada pela Recorrente, consubstanciada na ausência de notificação/citação da C..., SA. VIII. Inexiste qualquer preceito legal que exija a notificação/citação da C..., SA, não obstante ser a alegada credora no PEF em causa. IX. É o próprio diploma legal invocado pela Recorrida que lhe atribui a competência para a tramitação do PEF e a representação da (alegada) credora. X. Pelo que não haveria que notificar ou citar a C..., SA. XI. A ausência de notificação ou citação da C..., SA não tem a virtualidade de influir no exame e decisão da causa, considerando que a AT, precisamente ao abrigo da competência e representação que exerce, apresentou resposta, exercendo o contraditória e tomando posição clara quanto ao thema decidendum. XII. Não ocorre ainda a invocada violação do caso julgado, uma vez que o que está em causa, apreciação da prescrição da quantia exequenda, diz respeito ao decurso do tempo, que não é, necessariamente estanque, pelo contrário. XIII. A apreciação, num determinado momento, da verificação da prescrição, não obsta, nem poderia, à sua apreciação noutro momento temporal distinto. XIV. A prescrição é, pois, dinâmica e, por isso, tem a sua apreciação de ser efectuada em cada momento em que a questão seja suscitada. XV. E, nessa medida, não ocorre violação do caso julgado, pois que a apreciação da prescrição no âmbito do Proc. nº 817/18.0BESNT, deteve-se, necessariamente, no conhecimento da prescrição naquele momento em que foi invocada. XVI. O aresto invocado pela Recorrente não se aplica aos presentes autos, uma vez que, em momento algum, na decisão proferida no Proc. nº 817/18.0BESNT, é indicado o prazo que faltava para se completar a prescrição. XVII. Por último, o pedido de condenação da Recorrida como litigante de má fé, sem prejuízo da extemporaneidade, é manifestamente despropositado, infundado e despudorado e a Recorrida repudia-o veementemente. XVIII. A Recorrida não actuou sob nenhuma das formas plasmadas no art. 542º do CPC, ou sequer deduziu pretensão que inequivocamente lhe estava vedada pela decisão proferida no Proc. nº 817/18.0BESNT. XIX. Na reclamação apresentada, a Recorrida limitou-se a pugnar pela prescrição da quantia exequenda, que considera verificada, XX. E fê-lo, obviamente consciente da decisão proferida no Proc. nº 817/18.0BESNT, mas na plena convicção que o poderia e deveria fazer, na defesa dos seus interesses e direitos, novamente por considerar verificada a prescrição, e nessa medida, que lhe assiste razão. XXI. E porque, repita-se, em momento algum no domínio do Proc. nº 817/18.0BESNT é decidido que falta determinado prazo para que se complete a prescrição (aliás, foi exactamente nessa ausência, de concretização do prazo que ainda faltaria correr para que a prescrição se verifique, que a Recorrida sustentou, também, os recursos naqueles autos interpostos). XXII. A Recorrida apresentou a reclamação que deu origem aos presentes autos na convicção de que tal direito lhe assiste, bem como na convicção de que a sua pretensão merece provimento. XXIII. A circunstância das posições entre as partes não serem coincidentes, ou mesmo da que o Tribunal possa vir a adoptar, não faz a Recorrida incorrer na previsão do art. 542º do CPC. XXIV. Pelo exposto, deve o recurso interposto pela Representante da Fazenda Pública ser julgado totalmente improcedente. TERMOS EM QUE E SEMPRE, Invocando-se o DOUTO SUPRIMENTO DESSE VENERANDO TRIBUNAL deve ser rejeitado o recurso interposto pela Representante da Fazenda Pública, e, caso assim não se entenda, deve ser negado total provimento, tudo com as demais consequências legais. PORÉM VOSSAS EXCELÊNCIAS DECIDIRÃO COMO FOR DE JUSTIÇA”. Os recursos foram admitidos, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do CPPT, que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso apresentado pela 1.ª Recorrente. Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 655.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT. Nessa sequência, a Reclamante exerceu o direito ao contraditório, pugnando impossibilidade de conhecimento da primeira questão suscitada pela FP, tal como já referira em sede de contra-alegações. Com dispensa dos vistos legais, atenta a sua natureza urgente (art.º 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.
São as seguintes as questões a decidir: Quanto ao recurso apresentado pela Reclamante: Questões suscitadas pela 1.ª Recorrente: a) Ao recurso por si apresentado deve ser conferido efeito suspensivo? b) Verifica-se nulidade processual secundária e nulidade da sentença, por não ter sido dado cumprimento ao disposto no art.º 120.º do CPPT? c) Verifica-se nulidade da sentença, por falta de fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto? d) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto? e) Verifica-se erro de julgamento, porquanto o prazo de prescrição a considerar é de 5 anos? f) Verifica-se erro de julgamento, dado ser de aplicar a exceção constante do art.º 327.º, n.º 2, do Código Civil?
Quanto ao recurso apresentado pela FP: Questão prévia suscitada pela Reclamante: g) Deve ser rejeitado o recurso apresentado pela FP?
Questões suscitadas pela 2.ª Recorrente: h) Verifica-se nulidade processual, por falta de citação da C... (C...)? i) Verifica-se violação do caso julgado? j) A Reclamante litigou de má-fé?
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “1. A 23 de outubro de 1981, a Reclamante subscreveu documento de cujo teor se extrai o seguinte: “Nota privativa da Caixa Geral de Depósitos […] No dia vinte e três de outubro de mil novecentos e oitenta e um, em Lisboa, na sede da Caixa Geral de Depósitos, perante mim, A…, ajudante do seu notário privativo, compareceram a outorgar: Primeiro: O Sr. Dr. M… […] em representação da C... […]. Segundo: Os Senhores M… e D. A…, ambos divorciados […]. Pelos comparecentes foi declarado que, nas qualidades em que outorgam, convencionam o seguinte: Os segundos outorgantes confessam-se solidariamente devedores à C... da quantia de mil e novecentos contos que por esta Instituição lhes foi emprestada para aquisição do fogo adiante hipotecado e que se obrigam a pagar-lhe no prazo de vinte e cinco anos a contar de oito de novembro próximo. O empréstimo ficará regulado pelo Decreto-Lei número quatrocentos e trinta e cinco/oitenta, de dois de outubro […].” – cfr. fls. 6 a 13 dos autos no SITAF. 2. A 14 de março de 1988, a C... emitiu “Nota de Débito”, de cujo teor se extrai o seguinte: “Mutuário(s) M… A… […] deve(m) cinco milhões duzentos e vinte e quatro mil quinhentos e setenta e três escudos. Conforme o seguinte desdobramento: Capital………………………… 1 900 000$00 Juros de 81/12/08 a 88/03/08… 3 324 573$00” – cfr. fls. 4 dos autos no SITAF. 3. A 24 de agosto de 1990, foi emitido “Mandado de Citação”, de cujo teor se extrai o seguinte: “J…, Juiz das Execuções Fiscais do concelho de Amadora Mando ao escrivão das Execuções Fiscais ou a qualquer dos oficiais de diligências que vendo este por mim assinado, em seu cumprimento, cite a M… e A… […] ou seu legítimo representante para no prazo de 10 dias, a contar da citação, solicite neste juízo guia para pagar na Tesouraria deste concelho, a quantia de cinco milhões duzentos e vinte quatro escudos quinhentos e setenta e três escudos 5.224.573$00 proveniente de C... do ano de 1981 e bem assim os juros de mora, custas e selos do processo executivo, sob pena de penhora em seus bens.” – cfr. fls. 14 dos autos no SITAF. 4. A 4 de abril de 1991, a Reclamante subscreveu documento de cujo teor se extrai o seguinte: “Certifico que citei hoje dia 4 de abril de 1991, de todo o conteúdo do mandado retro, o Sr. M… e A…, mandado que lhe li em voz alta e vai comigo assinar: Para que dentro do prazo de 10 dias perentórios, pague na Tesouraria deste concelho mediante a competente guia que solicitará na respetiva Repartição de Finanças a quantia de cinco milhões duzentos vinte quatro mil quinhentos setenta três escudos proveniente de C... do ano de 1981 e bem assim os respetivos juros, selos e custas do processo, sob pena de penhora.” – cfr. fls. 15 dos autos no SITAF. 5. A 20 de maio de 1994, deu entrada na Repartição de Finanças da Amadora, Oposição à execução, em nome de M… e da Reclamante – cfr. fls. 312 a 318 dos autos no SITAF. 6. A 23 de maio de 1995, o Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa proferiu decisão, de cujo teor se extrai o seguinte: “Ora, no presente caso, o recorrente interpõe recurso para o Tribunal Tributário de 2ª Instância, mas não apresentou as suas alegações nos termos do citado nº1 do artº358º, pelo que, atento o anteriormente exposto e nos termos dos artº292-1, 690-2 e 801, todos do CPC “ex vi” artº 357 do CPT, julgo deserto o recurso, por falta de alegações. Custas do incidente, pelo recorrente.” – cfr. fls. 336 e 339 dos autos no SITAF. 7. O processo de execução fiscal não foi, até à data, objeto de decisão que ponha termo ao processo – cfr. fls. 20 dos autos no SITAF. 8. A 4 de março de 2020, o Escrivão do Serviço de Finanças de Amadora 3 emitiu “Termo de Juntada/Informação”, de cujo teor se extrai o seguinte: “A presente ação executiva deu entrada a 14-03-1988, tinha como base o incumprimento de um empréstimo entre outros, pela executada A…. Ora o prazo de prescrição aplicável será o prazo ordinário de 20 anos, conforme artº 309 do do Código Civil. Em 14-03-1988 foi requerida a execução coerciva da dívida pela exequente, assim foi feita a citação dos executados, logo nos termos do nº 1 do artº 323 CC., a interrupção da prescrição ocorre desde a citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima a intenção de exprimir o direito. Sendo que os executados foram citados em 04-04-1991, e conforme o artº 327 do CC., dura até à decisão que puser termo ao processo, se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termos ao processo. Vem a executada alegar que, como existiu sentença de oposição à execução apresentada, a interrupção da prescrição se verificou com o seu trânsito em julgado, sucede que no processo principal, onde se efetivou a interrupção da prescrição, ainda não existe decisão que ponha termo ao processo, não podendo a executada socorrer-se da sentença da oposição. Assim, o prazo prescricional encontra-se interrompido desde a data da citação do executado, e não havendo ainda decisão que ponha termo ao processo, não pode o presente ser declarado extinto por prescrição.” – cfr. fls. 54 dos autos no SITAF. 9. A 25 de março de 2020, a Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Amadora 3 proferiu “Despacho”, de cujo teor se extrai o seguinte: “Face ao informado, que corroboro, e porque não se encontra ainda ultrapassado o prazo de prescrição, indefiro o pedido formulado pela mandatária da executada nos presentes autos de execução.” – cfr. fls. 55 dos autos no SITAF. 10. A 16 de abril de 2020, o Escrivão do Serviço de Finanças de Amadora 3 emitiu Informação, de cujo teor se extrai o seguinte: “12. Dívida exequenda que neste momento se cifra em € 15.532,15, acrescida de juros de mora e de custas já vencidas totalizando o montante de € 31.022,56” – cfr. fls. 17 a 21 dos autos no SITAF”.
II.B. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto: “A convicção do Tribunal quanto aos factos provados fundou-se nos elementos documentais existentes nos presentes autos, os quais não foram impugnados pelas partes”.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO III.A. Do efeito do recurso apresentado pela 1.ª Recorrente Entende a 1.ª Recorrente que, ao recurso por si apresentado, deve ser conferido efeito suspensivo. Vejamos. Nos termos do art.º 286.º, n.º 2, do CPPT: “2 - Os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do presente Código ou o efeito devolutivo afetar o efeito útil dos recursos”. In casu, estamos perante uma reclamação de ato do órgão de execução fiscal, sendo que, em situações como a presente, a mesma suspende os efeitos do ato reclamad0 [cfr. art.º 278.º, n.º 3, al. a) e n.º 6, do CPPT]. Por outro lado, o n.º 8 do mesmo art.º 278.º prescreve que, “[c]om a remessa para o tribunal tributário de 1.ª instância, a execução fica suspensa até à decisão do pleito, desde que a reclamação tenha por objeto matéria que afete a totalidade da tramitação da execução”. O efeito suspensivo do PEF que a própria reclamação implica dá resposta, pois, ao pretendido. Logo, não se vislumbra fundamento para alterar o efeito do recurso.
Por uma questão de precedência lógica, começa por se apreciar o recurso apresentado pela FP. III.B. Da questão prévia suscitada pela Reclamante Recorrida Entende, desde logo, a Reclamante, na qualidade de Recorrida, que o recurso apresentado pela FP deve ser rejeitado, na medida em que foram nele suscitadas questões nunca antes invocadas. Vejamos. Como sistematizado supra, as questões suscitadas pela 2.ª Recorrente consubstanciam-se na: a) Ausência de chamamento da C..., para intervir, do lado passivo, nos autos, consubstanciando tal circunstância nulidade processual, nos termos do disposto no art.º 195.º do CPC; b) Violação do caso julgado, atenta a decisão proferida nos autos n.º 817/18.0BESNT; c) Litigância de má-fé, resultante da violação do caso julgado. O processo civil português consagra o chamado princípio da preclusão, ao qual subjaz o ónus de alegação no momento oportuno dos factos essenciais(1), sem prejuízo, naturalmente, das questões que sejam de conhecimento oficioso ou supervenientes. Por outro lado, consagrando o nosso ordenamento um modelo de recurso de reponderação(2), o Tribunal ad quem deve produzir novo julgamento sobre os factos alegados perante o Tribunal a quo. Este modelo de recurso não é um modelo puro, na medida em que, como já mencionado, podem ser apreciadas pelo Tribunal ad quem questões de conhecimento oficioso e pode ser admitida a junção de documentos, desde que supervenientes, cuja influência pode ditar alteração do julgamento de facto. Neste seguimento, salvo as exceções a que já se fez menção, o Tribunal ad quem não se pode confrontar com questões novas, apenas devendo ser confrontado com questões que, em momento oportuno, foram discutidas pelas partes. Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, verifica-se que todas as questões suscitadas podiam-no ser na presente sede. Comecemos pela nulidade processual, consubstanciada da ausência de chamamento aos autos da C.... Atento o regime processual vigente, podem existir no processo nulidades processuais, principais ou secundárias. As nulidades processuais principais, típicas ou nominadas, são as previstas nos art.ºs 186.º, 187.º, 191.º, 193.º e 194.º do CPC (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2019, p. 235). De entre elas, consta a falta de citação, prevista nos art.ºs 187.º, al. a), e 188.º do CPC, apenas sanada se o réu (ou o MP, quando intervenha como parte principal) intervier no processo sem a arguir (cfr. art.º 189.º do CPC). A nulidade por falta de citação pode ser oficiosamente conhecida pelo Tribunal, como decorre do art.º 196.º do CPC. Pode igualmente ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto não se deva considerar sanada (cfr. art.º 198.º, n.º 2, do CPC). Ora, tratando-se aqui da arguição da falta de chamamento aos autos da C..., para intervir nos mesmos do lado passivo, trata-se de arguição de nulidade por falta de citação [não obstante o legislador ter utilizado, no n.º 2 do art.º 278.º do CPPT, a palavra notificação, para estes efeitos equivale a citação, por se tratar do primeiro ato de chamamento de um interveniente aos autos; cfr., a este propósito, v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.02.2012 (Processo: 0887/11) e o Acórdão deste TCAS, de 03.05.2005 (Processo: 06772/02)]. Como tal, ainda que a FP invoque o disposto no art.º 195.º do CPC (sendo que, nos termos do art.º 5.º, n.º 3, do CPC, “[o] juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”), a mesma pode ser arguida em sede de alegações de recurso (como, aliás, pode ser qualquer nulidade processual secundária cujo conhecimento advenha da sentença), além de se tratar de questão de conhecimento oficioso. Quanto ao caso julgado (cfr. art.ºs 577.º, 580.º e 581.º do CPC), tratando-se de matéria de exceção, a mesma deveria, em princípio, ter sido suscitada na contestação, o que não foi. Não obstante, trata-se igualmente de matéria que é do conhecimento oficioso (cfr. art.º 578.º do CPC), motivo pelo qual a mesma pode ser invocada em sede de recurso. Finalmente, quanto à invocação da litigância de má-fé, trata-se de incidente processual, que não tem de ser suscitado necessariamente na contestação. Estando nós perante a invocação de uma exceção processual, de conhecimento oficioso, em consonância com a qual a FP suscita a litigância de má fé, não se afigura que a mesma não possa ser nesta sede invocada. Como tal, não há motivos para rejeitar o recurso apresentado pela FP.
Prosseguindo para a apreciação das questões suscitadas pela 2.ª Recorrente. III.B. Da nulidade processual Considera a 2.ª Recorrente que, não tendo sido a C... chamada a intervir nos presentes autos, do lado passivo, verifica-se uma nulidade processual, que compromete todo o processado, questão que, como referimos, é também de conhecimento oficioso. Vejamos. O PEF em causa foi instaurado considerando o regime previsto no DL n.º 48 953, de 5 de abril de 1969. Com efeito, nos termos do art.º 61º, n.º 1, do referido diploma (na redação pelo DL n.º 693/70, de 31 de dezembro), “[a] cobrança coerciva de todas as dívidas de que seja credora a Caixa e suas instituições anexas é da competência dos tribunais de 1.ª instância das contribuições e impostos de Lisboa, servindo de títulos executivos as escrituras, títulos particulares, letras, livranças ou qualquer outro documento apresentado pela instituição exequente, incluindo as certidões ou fotocópias autenticadas extraídas dos livros de sua escrita”. Ou seja, a C... gozou da possibilidade de cobrar, mediante execução fiscal, as dívidas originadas em relações de direito privado, designadamente as dívidas comerciais de que fosse credora no exercício da sua atividade. Com o DL n.º 287/93, de 20 de agosto, diploma que transformou a C..., Crédito e Previdência em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, e que revogou o citado DL n.º 48 953, de 5 de abril de 1969, definiu-se, no n.º 5 do art.º 9.º, que as execuções pendentes à data da entrada em vigor do diploma (01.09.1993) continuavam a reger-se, até final, pelas regras de competência e de processo vigentes aquando da instauração. Não obstante esta forma de cobrança, estamos perante dívidas não de natureza tributária, mas de natureza civil, que não perdem essa natureza pelo facto de a legislação então vigente admitir que a sua cobrança fosse feita através de execução fiscal. Ora, sendo a C... a entidade exequente de uma dívida de natureza civil, ainda que cobrada através de execução fiscal, a mesma deveria ter sido chamada a intervir nos autos (cfr. art.º 59.º do DL n.º 48 953, de 5 de abril de 1969), o que não ocorreu. Trata-se da interpretação que melhor se compadece com o respeito pelo princípio do contraditório e o da igualdade de armas, caso contrário estaremos perante uma situação em que é proferida uma decisão com repercussões na esfera jurídica de um dos intervenientes, sem que se lhe tenha sido dada a oportunidade de discutir as questões controvertidas. Como vimos, in casu apenas foi chamada aos autos, do lado passivo, a FP, nos termos do art.º 278.º, n.º 2, do CPPT – através de despacho de 26.05.2021, nunca posto em causa e cuja bondade não cumpre, pois, aqui apreciar [v., a este respeito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.01.2013 (Processo: 0935/12)]. No entanto, deveria ter sido notificada (notificação que equivale a citação, para efeitos de resposta ao incidente processual), para tais efeitos, a C... [cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 24.05.2011 (Processo: 04343/10)], entidade exequente no processo e onde, aliás, é invocada a prescrição da dívida exequenda. Face ao exposto, estando nós perante a omissão da notificação (que equivale a citação) da C... para responder, verifica-se a ocorrência de uma nulidade processual, que não foi suprida, dado que aquela entidade não teve qualquer intervenção nos presentes autos. Não tendo sido posta em causa a notificação (citação) da FP para responder, a mesma, pelo menos por ora, permanece nos autos, pelo que é de atender à disciplina contida no art.º 190.º, al. a), do CPC, o que implica a anulação de tudo o que se tenha processado depois da notificação à FP (equivalente a citação, nos termos já mencionados). Nestes termos, assiste razão à 2.ª Recorrente FP, decisão que implica que não só fiquem prejudicadas as demais questões suscitadas pela FP, mas também todas as questões suscitadas pela 1.ª Recorrente, dado deixar de existir na ordem jurídica a sentença proferida.
IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: a) Conceder provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública, declarar a existência de nulidade processual por falta de chamamento aos autos do lado passivo da exequente C..., anulando-se todo o processado ulterior ao chamamento aos autos, para responder, da Fazenda Pública; b) Determinar o retorno dos autos ao Tribunal a quo, para suprir a nulidade processual em causa e prosseguir com a demais tramitação; c) Custas pela Recorrida, porque contra-alegou, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário; d) Não conhecer do recurso apresentado pela Reclamante nem do incidente de litigância de má-fé suscitado pela Fazenda Pública, por força do decidido em a); e) Sem custas, na parte relativa a d); f) Registe e notifique. Lisboa, 02 de fevereiro de 2023 (Tânia Meireles da Cunha) (Susana Barreto) (Patrícia Manuel Pires) ____________________________ (1) Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., p. 454. (2) Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., pp. 395, 396 e 460, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2000, p. 106; António Santos Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 119. |