Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:153/17.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/10/2024
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IMPOSTO ÚNICO DE CIRCULAÇÃO
DECRETO-LEI Nº 41/2016, DE 01 DE AGOSTO
REGISTO DA PROPRIEDADE
INEXISTÊNCIA DE PRESUNÇÃO LEGAL
Sumário:I - Para efeitos do disposto no artigo 3º nº 1 do CIUC, na redação introduzida pelo D.L. nº 41/2016, de 01 de agosto, responde pelo pagamento do imposto a pessoa em nome da qual está registado o veículo à data da verificação do facto tributário, independentemente de nessa data já ter ocorrido transmissão da propriedade para outra pessoa.
II - A configuração do elemento subjetivo do facto tributário no sentido de abranger as pessoas em nome de quem se encontra registada a propriedade do veículo, é apenas uma questão de incidência simples, não assentando a técnica legislativa numa presunção legal, inversamente ao que ocorria na versão anterior da lei,.
III - Reportando-se a prova, exclusivamente, ao registo, donde a natureza documental, carece de qualquer relevo a realização da audiência de inquirição de testemunhas redundando inclusive na prática de um ato inútil.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I-RELATÓRIO

BANCO C…, S.A., antes denominado BANCO B…, S.A., antes denominado Banco M…, S.A., e antes ainda T… - F… Crédito, S.A., (doravante Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela Impugnante, que teve por objeto a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, contra as liquidações de IUC do mês de novembro de 2016, no montante total de 8.198,47€, referentes aos veículos com as matrículas …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-……-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-… e …-…-….


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A Recorrente apresentou as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

i) Todos e cada um dos veículos automóveis a que se reporta o Imposto de Circulação objecto da Impugnação onde foi proferida a sentença recorrida foram e / ou são objecto de Contratos de Locação Financeira, devendo ser dado como provado nos autos;

ii) Todos e cada um dos veículos referidos nos autos estavam na posse dos locatários financeiros referidos, à data da liquidação do imposto mencionado no autos, isto é em Novembro de 2016, como nos ditos autos têm que ser dado como provado, como se requer;

iii) Assim, por errada interpretação e aplicação, no entender do recorrente, da matéria de facto que se tem que considerar provada nos autos, e por violação do disposto no nº 2 do artigo 3º do Código do Imposto Único de Circulação , quer na versão actual, quer na versão anterior, por violação também do disposto no artigo 5º do Registo Automóvel, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado e, consequentemente, a sentença recorrida ser revogada por Acórdão que julgue a impugnação Judicial totalmente procedente e provada, desta forma se fazendo JUSTIÇA.


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O DRFFP, devidamente notificado optou por não contra-alegar.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, dão-se como provados os seguintes factos:

A) A Impugnante, Banco C…, S.A., (através de outras empresas entretantos incorporadas), celebrou contratos de locação financeira relativamente aos veículos automóveis com as matrículas …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…e …-…-… (acordo).

B) Aquando da celebração dos contratos de locação financeira indicados em A),os veículos foram entregues aos locatários (acordo).

C) Com referência aos contratos de locação financeira referidos em A), foram registados na Conservatória do Registo Automóvel os seguintes, com as respetivas datas de início e fim também a seguir indicadas:

(cfr. registos automóveis constantes de fls. 31 a 84 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos).

D) Em novembro de 2016, a propriedade dos veículos identificados na alínea antecedente, e dos a seguir identificados, encontrava-se registada na Conservatória do Registo Automóvel a favor da Impugnante ou de sociedades entretanto por si incorporadas, ao abrigo de apresentações de registo, sem quaisquer outras apresentações pendentes e sem registo de outros ónus ou encargos:




(cfr. registos automóveis constantes de fls. 31 a 84 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos).

E) Em novembro de 2016 foram emitidos, em nome da Impugnante, os documentos de cobrança de IUC referentes aos veículos identificados nas alíneas C) e D), no montante total de 8.302,97€ (acordo e cfr. documentos de fls. 8 a 470 dos autos).

F) A Impugnante realizou o pagamento dos IUC’s liquidados nos documentos referidos na alínea antecedente (acordo).

G) Em 09.12.2016 a Impugnante deduziu, junto do Serviço de Finanças de Lisboa-7, reclamação graciosa contra os atos de liquidação de IUC referentes ao mês de novembro de 2016 dos veículos identificados nas alíneas C) e D), e a outros dois veículos, a qual foi autuada sob o nº 3239201604006550 (cfr. fls. 1 a 3 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos).

H) Por despacho da Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 7, proferido em 28.12.2016, foi a reclamação graciosa deferida parcialmente, mantendo-se as liquidações de IUC referentes aos veículos identificados em C) e D) (cfr. fls. 85 a 89 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos).

I) Em 09.01.2017 a Impugnante apresentou a presente impugnação junto do Serviço de Finanças de Lisboa-7 (cfr. fls. 5 do documento registado no SITAF com o nº 006114161).


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.”


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A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

“A decisão da matéria de facto fundou-se na prova documental junta ao PAT e constante da reclamação graciosa apensa, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, os quais não tendo sido impugnados mereceram a credibilidade do Tribunal.

No caso dos documentos de origem pública, reconheceu-se o valor probatório conferido pelo disposto nos artigos 369º, nº 1, 370º, nº 1 e 371º, nº 1, todos do Código Civil, e quanto aos de origem particular, o valor decorrente dos artigos 373º, nº 1, 374º, nº 1 e 376º, nº 1, todos do Código Civil, e em conformidade com o artigo 34º, nº 2, do CPPT.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que sentenciou a improcedência e a consequente manutenção das liquidações de IUC, porquanto as mesmas padecem de ilegalidade.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, face ao exposto cumpre aferir se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento:

- de facto, na medida em que desconsiderou factualidade relevante, cujo aditamento requer, em ordem à concreta dispensa da prova testemunhal;

- por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, porquanto a Recorrente não é o sujeito passivo do imposto em virtude da existência de contratos de locação financeira.

Apreciando.

A Recorrente advoga, desde logo, erro de julgamento de facto na medida em que ao ser dispensada a produção de prova testemunhal, teria de constar como factualidade assente que todos os veículos dos autos se encontravam em poder dos respetivos locatários.

Mas, a verdade é que não lhe assiste razão.

Por um lado, não se encontram minimamente cumpridos os requisitos constantes no artigo 640.º do CPC, e por outro lado, a concreta dispensa da prova testemunhal em nada poderia, per se, acarretar a fixação de uma realidade de facto como assente, quando muito, uma anulação da decisão por deficit instrutório.

Realidade que, de todo, se verifica no caso em apreço. In casu, a realização da audiência de inquirição de testemunhas em nada relevaria para a apreciação do mérito, redundando na prática de um ato inútil, na medida em que, conforme bem ajuizado na decisão recorrida, e conforme veremos em sede própria, a prova a realizar reporta-se, exclusivamente, ao registo, donde tem de revestir natureza documental.

Uma última nota para evidenciar que não se vislumbra o alcance do aduzido em i), na medida em que essa asserção fática encontra-se contemplada na alínea A) do probatório, sendo realidade não controvertida.

Face ao exposto, não se verifica qualquer erro de julgamento de facto, mantendo-se, por conseguinte, o probatório inalterado.

Aqui chegados, uma vez estabilizada a matéria de facto, vejamos então, se a decisão recorrida padece de erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

Alega, para o efeito, que tendo todos os veículos automóveis em questão sido objecto de Contratos de Locação Financeira, e uma vez que os mesmos na data da exigibilidade do imposto se encontravam na posse dos locatários financeiros, tal determina a ilegalidade dos atos de liquidação.

O Tribunal a quo após estabelecer o devido enquadramento normativo, e tecer os respetivos considerandos de direito, mormente, quanto ao âmbito da incidência subjetiva plasmado no artigo 3.º do IUC, evidencia que “[o] sujeito passivo de IUC é, desde logo, o proprietário do veículo em questão, tal como atestado pela matrícula ou registo em território nacional.”

Ajuizou, depois, que “[n]a vigência dos contratos de locação financeira ou outros contratos de locação com opção de compra - embora o locador se mantenha proprietário do bem locado-, é o locatário quem tem o gozo exclusivo do mesmo, utilizando-o exatamente nos mesmos termos em que o proprietário o utilizaria, caso não tivesse sido celebrado o referido contrato.”

Evidenciando, no entanto, que “[a]o contrário do entendimento que vem perfilhado pela Impugnante, ainda que tenham sido celebrados contratos de locação dos veículos, apenas poderá ter aplicação o disposto no nº 2 do artigo 3º do CIUC, e aceitar-se a equiparação do locatário ao sujeito passivo de imposto, se a locação (ou qualquer outro direito ali previsto) tiver sido objeto de registo na Conservatória do Registo Automóvel.”

Esclarecendo, neste âmbito, que “estão, pois, sujeitos a registo obrigatório, não apenas o direito de propriedade sobre veículos, mas também a locação financeira e o aluguer por prazo superior a um ano quando do contrato resulte a existência de uma expetativa de transmissão de propriedade.”

Daí dilucidando que “é com base no registo automóvel que o legislador do IUC estabelece atualmente a sujeição subjetiva e temporal a imposto bem como o seu facto gerador (cfr. artigos 3º, nº 1, e 6º, nº 1 do CIUC).”

Concretizando, ulteriormente, que com a nova redação do artigo 3.º do CIUC, conferida pela Lei nº 41/2016, de 1 de agosto-aplicável in casu atenta as datas das matrículas-“[o] legislador não se limitou a estabelecer uma definição com caráter interpretativo de uma lei que então vigorava, mas estabeleceu, com caráter inovatório, o conceito de incidência subjetiva, concretizando uma rotura com o quadro legal anterior, uma vez que visou afastar qualquer pretensão de ilidir a presunção de que o proprietário de um veículo em nome do qual o mesmo esteja registado, não é sujeito passivo do imposto.”

Conclui, depois, mediante transposição para o recorte fático dos autos, o seguinte:

“In casu resultou provado que a Impugnante celebrou, com uma pluralidade de locatários, contratos de locação de veículos automóveis, tendo os veículos sido entregues aos locatários (cf. alíneas A) e B) dos factos provados).

Verificou-se, no entanto, que na Conservatória do Registo Automóvel apenas se encontrava registada a propriedade dos veículos a favor das sociedade Impugnante ou de sociedades nela incorporadas, sem quaisquer outras apresentações pendentes e sem registo de quaisquer ónus ou encargos (cf. alíneas D) e E) dos factos provados), sendo que nos casos em que se encontravam registados os contratos de locação financeira celebrados, os mesmos constavam do Registo Automóvel como já tendo terminado, o que significa que o registo vigente é o da propriedade.

De onde resulta, pois, a contrario, a inexistência em novembro de 2016 de qualquer registo de direitos de que fossem titulares os locatários em questão.”

Ora, face à fundamentação jurídica supra exposta não se vislumbra o advogado erro de julgamento, tendo a Recorrente analisado de forma acertada o respetivo quadro normativo, com a devida transposição para o caso vertente.

Vejamos, então. Começando por convocar o respetivo quadro jurídico aplicável.

Importa, desde já, relevar que da interpretação conjugada dos artigos 4.º e 6.º do Código do IUC este é um imposto periódico que incide sobre os veículos matriculados ou registados em Portugal, devendo ser liquidado e pago anualmente no ano da matrícula do veículo ou em cada um dos seus aniversários.

Resultando, desde logo, do artigo 1.º do CIUC, que este imposto obedece ao princípio da equivalência, procurando, portanto, onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.

Sendo que a propósito de incidência subjetiva, e uma vez que estão em causa liquidações de IUC efetuadas em novembro de 2016 -por reporte à data da respetiva matrícula- aplica-se o novo regime de tributação decorrente das alterações introduzidas na Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto-realidade, ademais, não controvertida no caso vertente- preceituando, neste âmbito, o artigo 3.º do CIUC, que:

“1 - São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos.

2 - São equiparados a sujeitos passivos os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação (...)”.

Mais importando ter presente que, a propriedade de veículos automóveis está sujeita a registo obrigatório (conforme dimana do preceituado no artigo 5.º n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de fevereiro), recaindo, por seu turno, a obrigação de proceder ao registo no comprador –“sujeito ativo do facto sujeito a registo”, no caso, a propriedade do veículo (em consonância com o artigo 8.º-B, n.º 1 do Código do Registo Predial, aplicável ao Registo Automóvel por força do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de fevereiro, conjugado com o artigo 5.º, n.º 1, alínea a), deste último diploma).

Daí resulta, portanto, que estão sujeitos a registo obrigatório, não apenas o direito de propriedade sobre veículos, mas também a locação financeira e o aluguer por prazo superior a um ano quando do contrato resulte a existência de uma expetativa de transmissão de propriedade.

Sendo que o desiderato inerente ao registo assenta na segurança do comércio jurídico, visando, assim, dar publicidade não só à propriedade do veículo, mas a todos os direitos, ónus ou encargos que possam incidir sobre o mesmo.

Resultando, assim, da interpretação conjugada dos normativos citados que com a redação conferida pelo Decreto-Lei nº 40/2016, de 01 de agosto, é com base no registo automóvel que o legislador do IUC estabelece atualmente a sujeição subjetiva e temporal a imposto bem como o seu facto gerador (cfr. artigos 3.º, nº 1, e 6º, nº 1 do CIUC).

Neste concreto particular, convoca-se o recente Aresto do Pleno do Contencioso Tributário do STA, Recurso de Uniformização de Jurisprudência, prolatado no processo nº 0159/23.9BALS, de 26 de junho de 2024., cujo sumário de forma clara estabelece que:

“Para efeitos do disposto no artigo 3º nº 1 do CIUC, na redacção introduzida pelo D.L. nº 41/2016, de 01-08, responde pelo pagamento do imposto a pessoa em nome da qual está registado o veículo à data da verificação do facto tributário, independentemente de nessa data já ter ocorrido transmissão da propriedade para outra pessoa.”

Extratando-se, outrossim, e por se reputar vital para a presente lide parte da fundamentação jurídica à qual se adere:

“[s]aber se o artigo 3.º do Código do Imposto Único de Circulação, na sua redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016 de 1 de agosto, contempla ou não uma presunção legal iuris tantum, ou seja, susceptível de prova em contrário, sobre quem se considera ser o proprietário do veículo, nomeadamente se a pessoa em nome da qual está registado o veículo pode afastar a responsabilidade pelo pagamento do imposto se fizer prova de que à data da verificação do facto tributário o veículo já não lhe pertencia.

Nesta matéria, cumpre notar que com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 41/2016, de 01-08, o nº 1 do artigo 3º do CIUC, passou a ter a seguinte redacção:

“Artigo 3.º

Incidência Subjetiva

1 - São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos.”.

Em momento anterior, a jurisprudência e a doutrina maioritárias tinham por adquirido que o art. 3º nº 1 do CIUC consagrava uma presunção registral susceptível de prova em contrário (cfr. neste sentido Acórdãos deste Supremo Tribunal de 18-04-2018, Proc. nº 0206/17 e de 03-06-2020, Proc. nº 0467/14.0BEMDL, ambos disponíveis em www.dgsi.pt e na doutrina, João Ochôa, “Breve reflexão sobre a incidência subjectiva do imposto único de circulação”, Cadernos de Justiça Tributária, Out/Dez 2014, pág. 3 e seguintes).

No preâmbulo do citado D.L. nº 41/2016, de 01-08 que introduziu a nova redação ao artigo 3º do CIUC, o legislador deixou expresso que “Finalmente, o artigo 169º da Lei do Orçamento do Estado para 2016 autoriza que se efetuem, também, alterações ao Código do Imposto Único de Circulação. Sendo estas, igualmente, conexas com a necessidade de ultrapassar dificuldades interpretativas que surgiram com redações anteriores deste Código, importa clarificar-se quem é o sujeito passivo do imposto”.

Neste ponto, deve dizer-se que, apesar do enunciado poder prestar-se a outras interpretações, é hoje pacífico que, como dá nota, o já referido Acórdão deste Supremo Tribunal de 03-06-2020, Proc. nº 0467/14.0BEMDL, www.dgsi.pt, “… o Governo não atribuiu, no Decreto-Lei n.º 41/2016, natureza interpretativa à alteração que introduziu no dispositivo em causa. Pela simples razão de que atribuiu no mesmo diploma natureza interpretativa a diversas outras disposições e não deixou de o anunciar expressamente no preâmbulo e o consignar expressamente no texto legislativo. O que não fez quanto à norma em causa.

Em segundo lugar, sendo embora verdade que a natureza interpretativa da norma pode ser revelada no facto de recair sobre matéria em que existam fortes divergências, documentadas na jurisprudência e/ou na doutrina, já assim não é se o sentido da lei nova vem ao arrepio da jurisprudência uniformizada ou consolidada sobre o âmbito interpretativo da lei antiga. Como refere J. BAPTISTA MACHADO (in «Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador», Almedina 1990, págs. 246/247), «se entretanto se formou uma corrente jurisprudencial uniforme que tornou praticamente certo o sentido da norma antiga, então a LN que venha a consagrar uma interpretação diferente da mesma norma já não pode ser considerada realmente interpretativa».

Ora, embora tenha existido, inicialmente, alguma controvérsia doutrinária e na jurisprudência arbitral (devidamente descrita no douto parecer do Ex.mo Sr. Procurador Geral Adjunto e para o qual ora remetemos), a jurisprudência dos tribunais superiores tem respondido de forma uniforme a esta questão e deve considerar-se consolidada no sentido que aqui se toma. …”

Assim, neste domínio, o legislador, porventura em função do entendimento defendido pela AT no sentido de que, razões de eficácia na cobrança e arrecadação do IUC, impunham assentar o procedimento de liquidação do imposto nos dados do registo automóvel, elegendo como sujeito passivo a pessoa que nele figure como titular do direito de propriedade da viatura.

E, na verdade, se a redacção anterior partia de uma presunção da titularidade da viatura em função do respectivo registo, - “considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados” -, possibilitando que o titular inscrito no registo infirmasse essa titularidade e nessa medida afastasse a responsabilidade pelo pagamento do imposto, a redacção actual e aplicável no caso concreto dos autos deixou deliberadamente - atentos os propósitos do legislador manifestados no preâmbulo do D.L. nº 41/2016, de 01-08 - de consagrar essa presunção.

Logo, atendendo ao elemento histórico e sistemático, resulta claro que o legislador elegeu como sujeito passivo do imposto não o proprietário do veículo, mas a pessoa como tal inscrita no registo automóvel, o que significa que, para efeitos de incidência subjectiva do imposto, o legislador elegeu “as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos”, independentemente de as mesmas serem ou não as proprietárias do veículo à data da verificação do facto tributário.

Diga-se ainda que a configuração do elemento subjectivo do facto tributário no sentido de abranger as pessoas em nome de quem se encontra registada a propriedade do veículo, é tão-só uma questão de incidência simples, na medida em que é determinado directamente o sujeito passivo, não assentando a técnica legislativa numa presunção legal, tal como ocorria na versão anterior da lei, ou seja, o artigo na versão actual não configura qualquer presunção em si, pode, quando muito, conceber-se que existe uma presunção no fundamento da norma, numa fase pré-jurídica, como processo intelectual que induziu o legislador a estabelecer a norma com a configuração actual.

Isso, porém, não tem relevo para a interpretação de uma norma em que a definição de quem é o sujeito passivo, entre outras situações de incidência subjectiva, que decorrem do mesmo artigo, e que com ela não se apresentam como incompatíveis, sem que aí esteja presente uma presunção com os seus elementos constitutivos (afirmação base ou indício, afirmação resultado ou afirmação presumida e pelo nexo lógico que existe entre ambas).

Nesta medida, deparamo-nos com uma opção legítima do legislador, no que diz respeito à alteração da incidência subjectiva do IUC, não havendo, em termos imediatos, impedimento a que o faça, realidade que tem de ser harmonizada com os princípios jurídico-constitucionais, situação que se mostra manifestamente assegurada (…)”.

Ora, do supra expendido resulta claro que, por opção legislativa a incidência subjetiva do IUC passou do proprietário do veículo para a pessoa em nome do qual o mesmo está registado, logo inversamente ao propugnado pela Recorrente em nada pode relevar a circunstância dos veículos, alegadamente, se encontrarem na posse dos locatários.

E por assim ser, dimanando do probatório que não obstante a Recorrente ter celebrado os contratos de locação constantes nas alíneas A) e B) da factualidade provada, a verdade é que o registo da propriedade na Conservatória do Registo Automóvel constava em nome da sociedade Impugnante ou de sociedades nela incorporadas, sem quaisquer outras apresentações pendentes e sem registo de quaisquer ónus ou encargos (cf. alíneas D) e E) dos factos provados).

Destarte, inexiste à data da prática do facto tributário qualquer registo de direitos de que fossem titulares os locatários em questão, não enfermando, assim, os atos de liquidação das assacadas ilegalidades, logo a decisão recorrida que assim o decidiu não padece de qualquer erro de julgamento, devendo, por conseguinte, ser confirmada.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, confirmar a sentença recorrida, com todas as demais consequências legais.
Custas pela Recorrente.
Registe. Notifique.


Lisboa, 10 de outubro de 2024

(Patrícia Manuel Pires)

(Isabel Silva)

(Maria da Luz Cardoso)