Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 435/20.2BELLE |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 12/20/2022 |
Relator: | VITAL LOPES |
Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL OPOSIÇÃO INEXIGIBILIDADE DA DÍVIDA EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA EXECUTIVA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE IMPUGNATÓRIA |
Sumário: | I - O julgamento da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide pressupõe a formulação de um juízo sobre o prosseguimento daquela e que dele resulte o convencimento de que esse prosseguimento é absolutamente inútil, por não trazer benefícios a nenhuma das partes. II - A extinção da execução com fundamento em inexigibilidade da dívida em nada contende com a pretensão anulatória da liquidação exequenda. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que na impugnação judicial apresentada por “MASSA INSOLVENTE DE V….. SOCIEDADE DE GESTÃO HOTELEIRA, LDA.” – visando o acto de indeferimento, proferido em 24/06/2020, no recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida do acto de liquidação adicional de IVA dos períodos 2014/09T e 2014/12T e respectivos juros compensatórios – julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide. Conclui doutamente o seguinte: « I) O Meritíssimo Juiz a quo declarou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide; II) O tribunal a quo entendeu que “(…) se a Administração Tributária não pode já exigir o pagamento da dívida liquidada, não tem qualquer utilidade a apreciação dos vícios imputados ao acto tributário, pelo que ocorre a inutilidade superveniente da lide no processo de impugnação judicial (…); III) Salvo melhor e douta opinião, incorreu o Meritíssimo Juiz a quo em erro de julgamento porquanto; IV) Quanto à oposição n.º 144/19.5BELLE, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé julgou aquela procedente e, em conformidade, determinou a extinção do processo de execução fiscal n.º 1155201801057260 por entender, em síntese, que “(…) apenas se tendo provado a notificação da liquidação ao administrador de insolvência da sociedade, após a declaração de insolvência desta e após a instauração da execução fiscal [cfr. pontos 1 e 5 dos factos provados] nos termos previstos no artigos supra referidos, estamos perante uma situação de ineficácia da liquidação, e consequente inexigibilidade da mesma(…).”; V) Portanto, o que determinou a procedência da oposição n.º 144/19.5BELLE foi o facto da notificação da liquidação ao administrador de insolvência ter sido efetuada em data posterior à instauração da execução fiscal, assim o que foi extinto foi aquele processo de execução fiscal e não a liquidação.; VI) Quanto à oposição n.º 261/19.1BELLE, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé julgou aquela procedente e extinguiu o Processo de Execução Fiscal n.º 1155201801057278, por entender, em síntese, que “(…) não existindo prova de que tenha sido remetido ao representante da Oponente os actos de liquidação de juros compensatórios e de mora devidos por falta de entrega de IVA do ano de 2014, antes de instaurado o processo de execução fiscal – fonte de eficácia dos actos de liquidação (cfr. o referido artigo 77.º, n.º 6, da LGT) -, pelo que a Administração Tributária não provou que tenha o direito a exigir à Oponente a quantia exequenda, tendo a Oposição que proceder por inexigibilidade da dívida exequenda.”; VII) Ora, o que determinou a procedência da oposição n.º 261/19.1BELLE foi o facto de não existir prova da notificação da liquidação ao representante da Oponente antes de instaurado o processo de execução fiscal, pelo que, o que foi extinto foi aquele processo de execução fiscal e não a liquidação; VIII) No processo de Impugnação, ora recorrido, embora estejam em causa, também, os mesmos factos tributários objeto das oposições 144/19.5BELLE e 261/19.1BELLE, não está a ser discutida a execução fiscal; IX) Mais, no processo de Impugnação, ora recorrido, não está em causa a notificação das liquidações mas sim a sua validade e legalidade, que é fundamento de impugnação, nos termos do artigo 99.º do CPPT. X) Assim, XI) - O que a Oponente, ora recorrida, obteve nos processos de Oposição foi a declaração da inexigibilidade daquelas dividas naqueles concretos processos de execução fiscal; XII)- Os atos de liquidação cujas quantias não pagas estavam em cobrança coerciva nessas execuções fiscais permanecem válidos; XIII) - A legalidade de tais liquidações não foi apreciada em sede de Oposição sendo esse precisamente o objeto dos autos de impugnação, ora recorridos; XIV) E, a pretensão da Impugnante, ora recorrida, nos autos de impugnação, ou seja, obter a declaração judicial da anulação da liquidação adicional de IVA do ano de 2014 e da liquidação de juros compensatórios, não foi satisfeita nos processos de Oposição; XV) Entendeu o tribunal a quo que “(…) se a Administração Tributária não pode já exigir o pagamento da dívida liquidada, não tem qualquer utilidade a apreciação dos vícios imputados ao acto tributário, pelo que ocorre a inutilidade superveniente da lide no processo de impugnação judicial, (…); XVI) Ora, com o devido respeito pelo tribunal a quo, não pode a Fazenda pública concordar com tal entendimento, uma vez que tendo a ora recorrida sido validamente notificada no prazo de caducidade da liquidação, nada impede a Autoridade Tributária de instaurar novo processo de execução fiscal para cobrança dos valores não pagos voluntariamente, porquanto o prazo para tal ainda não decorreu; XVII) Pelo que, e ao contrário da douta sentença recorrida, entendemos que não ocorreu a extinção da impugnação por inutilidade da lide. Pelo exposto e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida como é de inteira JUSTIÇA.». A Recorrida não apresentou contra-alegações. O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo que o deverá merecer provimento e, em consequência, determinar-se que o Tribunal recorrido aprecie a questão que lhe foi submetida, não se verificando a inutilidade superveniente da lide. Com dispensa dos vistos legais dada a simplicidade da questão que importa tratar, e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão. II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Assim, analisadas as conclusões das alegações do recurso, a única questão que importa apreciar reconduz-se a saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao determinar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. *** III. FUNDAMENTAÇÃO A) OS FACTOS 1. É este o teor da decisão recorrida, dando-se por provada a factualidade que dela consta, visto que não impugnada: ». B.DE DIREITO Como decorre dos autos, a impugnante deduziu impugnação judicial formulando ao Tribunal o seguinte pedido: «…deve a presente impugnação ser julgada procedente por provada e, em consequência, serem anuladas as liquidações de IVA e JC dos períodos 2014/09T e 2014/12T, no montante global de € 213.451,64, por ilegais» - cf. P.I. Entretanto, tendo chegado aos autos notícia da extinção dos processos executivos instaurados para cobrança daquelas dívidas de imposto por decisões judiciais transitadas em julgado proferidas em processos de oposição, o Mmo. juiz a quo decidiu julgar extinta a instância de impugnação por inutilidade superveniente da lide, a seu ver, por a AT já não poder exigir da impugnante o pagamento da dívida. Sobre esta temática, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo entende que só se verifica a inutilidade superveniente da lide quando essa inutilidade for uma inutilidade jurídica e que, por ser assim, não se pode considerar actividade inútil o prosseguimento do processo quando ele se destine a expurgar da ordem jurídica um acto ilegal e a proporcionar a tutela efectiva dos direitos daqueles a quem o mesmo atinge. A utilidade da lide correlaciona-se, assim, com a possibilidade da obtenção de efeitos úteis pelo que a sua extinção só deve ser declarada quando se conclua, com a necessária segurança, que o prosseguimento da instância em nada pode beneficiar o autor – vd. Acórdãos de 06/08/2017, Proc. 050/17; de 30/07/2014, Proc.0875/14; de 05/29/2002, Proc. 047745, entre outros. Ora, este é precisamente o caso posto, conforme resulta dos autos. Como decorre do artigo 2º/2 do CPTA, subsidiariamente aplicável ao processo tributário ex vi do disposto no art.º 2.º, al. c) do CPPT, a utilidade de uma acção judicial afere-se pelo efeito jurídico que o autor pretende com ela obter. A utilidade da lide está, pois, correlacionada com a possibilidade de obtenção de efeitos úteis, pelo que a sua extinção, com base em inutilidade superveniente, só deverá ser declarada quando se possa concluir que o prosseguimento da acção não trará quaisquer consequências benéficas para o autor. Tal declaração postula e pressupõe que o julgador possa efectuar um juízo apodíctico acerca da total inutilidade superveniente da lide. A inutilidade superveniente da lide tem, pois, a ver com a perda de interesse em agir, ou seja, com a perda da necessidade do processo para obter o pedido. O que equivale a dizer que tal inutilidade se dá, se e quando o efeito jurídico pretendido através do processo foi plenamente alcançado durante a instância. A inutilidade superveniente da lide, como causa de extinção da instância, ocorrerá sempre que, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não possa subsistir por motivos atinentes ao sujeito ou ao objecto do respectivo processo, configurando-se como um modo anormal de extinção da instância, por cotejo com a causa dita normal, traduzida na prolação de uma sentença de mérito (cf. Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. III, págs. 364 e seguintes e Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, pág. 512). Neste modo de ver, e vertendo aos autos, é manifesto que a extinção da instância executiva por virtude de decisão judicial passada em julgado não contende necessariamente e sempre com a pretensão anulatória da liquidação da dívida exequenda deduzida na impugnação judicial. Ou seja, um juízo apodíctico de inutilidade de prosseguimento da lide, de que fala a jurisprudência do STA, não prescinde do conhecimento dos concretos fundamentos que determinaram a extinção da instância executiva (art.º 204/1 do CPPT). Ora, tanto quanto se apreende da decisão recorrida e é confirmado pela Recorrente, tal fundamento radicou na inexigibilidade da dívida. E com este fundamento, é manifesto que a ineficácia ou inoponibilidade dos actos de liquidação por falta de notificação em nada contende com a sua validade nem com a pretensão anulatória deduzida na impugnação judicial, nem os actos desaparecem da ordem jurídica por virtude da extinção do processo executivo instaurado para a cobrança da dívida liquidada. Com efeito, é sempre necessário apurar o concreto fundamento que conduziu à extinção da instância executiva e, ajuizar se tal contende com a pretensão anulatória das liquidações impugnadas, por exemplo, se se está perante uma ilegalidade abstracta (art.º 204/1 al. a) do CPPT) que comprometa a validade das liquidações ou outro fundamento, como no caso ocorre, de inexigibilidade da dívida, que apenas compromete a cobrança da prestação tributária, mas não arreda as consequências que, no plano substantivo, tributário e não só (cf. art.º 114/5 al. a) do RGIT), se podem retirar da manutenção dos actos de liquidação na ordem jurídica. A decisão recorrida, ao julgar extinta a instância impugnatória por inutilidade superveniente da lide unicamente com base na extinção dos processos executivos determinada por sentenças passadas em julgado com fundamento em inexigibilidade das dívidas, incorreu erro de julgamento, não podendo manter-se na ordem jurídica. O recurso merece provimento. Na procedência da apelação haveria que conhecer, em substituição, das questões prejudicadas (art.º 665.º do CPC). No entanto, tal conhecimento mostra-se prejudicado por falta dos elementos necessários, sendo certo que a impugnante arrolou na P.I. prova documental e testemunhal cuja produção não se afigura desnecessária à decisão de mérito da impugnação. Haverão, pois, os autos de regressar ao tribunal recorrido para conhecimento das questões de mérito, se a tanto nada mais obstar. IV. DECISÃO Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao tribunal recorrido para que conheça do mérito da impugnação, se a tanto nada mais obstar. Sem custas. Lisboa, 20 de Dezembro de 2022 _______________________________ Vital Lopes ________________________________ Luísa Soares ________________________________ Tânia Meireles da Cunha |