Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:899/10.2BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:03/12/2025
Relator:ÂNGELA CERDEIRA
Descritores:IRS
RENDIMENTOS DA CATEGORIA B
NASCIMENTO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
RECIBOS FALSOS
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - Não possuindo o sujeito passivo contabilidade organizada e estando enquadrado no regime de isenção em sede de IVA, o IRS respeitante aos seus rendimentos da categoria B nasce só no momento do recebimento dos seus honorários.
II - Se das diligências encetadas pelos SIT resultaram sérias e fundadas dúvidas acerca da veracidade do conteúdo do recibo emitido pelo sujeito passivo, máxime, do recebimento da quantia nele inscrita, fica posta em causa a presunção consagrada no artigo 75º da LGT, cabendo ao contribuinte demonstrar o efectivo recebimento do preço.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

J..... (doravante Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra em 16.09.2013, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), relativa ao ano de 2005, no montante de € 4.774,26.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes CONCLUSÕES:

A) Atento o disposto na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, este entendeu julgar improcedente a impugnação apresentada pelo ora Recorrente;

B) O ora Recorrente foi objecto de uma acção inspectiva externa por parte dos serviços da DFL, relativa aos exercícios fiscais de 2004 e 2005;

C) Durante o exercício fiscal de 2005, o Recorrente prestou serviços a duas entidades, a primeira identificada como B....., que se refere ao empresário em nome individual F....., e à U.....;

D) Porém, ambas as entidades não procederam à entrega dos montantes de retenção na fonte correspondentes aos valores de 3.720,00 € (três mil setecentos e vinte euros) e 780,00 € (setecentos e oitenta euros), respectivamente;

E) Concluiu assim a DFL que os recibos emitidos pelo sujeito passivo são relativos a “prestações de serviços simuladas que nunca ocorreram, sendo estas fictícias e suportadas pela emissão dos recibos” (cf. Capítulo III do Relatório);

F) Resultando, inter alia, o acto de liquidação adicional e declaração de compensação, apurando o montante a entregar pelo ora Recorrente de 4.774,26 € (quatro mil setecentos e setenta e quatro euros e vinte seis cêntimos), o qual já foi integralmente pago;

G) O Recorrente exercia a actividade de consultoria na área de formação profissional, sendo-lhe conferido o código CAE 80.422 – Outras Actividades Educativas N.E., desde 1 de Abril de 1988 (já há aproximadamente 20 anos), estando enquadrado na categoria B de IRS e estando sujeito ao regime simplificado de IRS, nos termos do artigo 28.º do CIRS;

H) o Recorrente prestou vários serviços às entidades B..... e U……, os quais se centraram na realização de acções de formação preparadas pelo próprio, o aqui Recorrente, relativas à utilização, entre outros, do programa informático “WinRest” (aplicação informática da área da restauração);

I) Tais acções de formação foram preparadas para serem leccionadas aos formandos de ambas as empresas, incluindo ainda a possibilidade de cada uma das referidas entidades se poder dedicar à formação, com base nos planeamentos realizados pelo Recorrente;

J) Para atestar esse facto juntaram-se os conteúdos programáticos relativos à B..... (doc. 5, junto à petição inicial de Impugnação Judicial) e o Organigrama e Programação do Departamento de Formação feito para a U....., (doc. 6, junto à petição inicial de Impugnação Judicial);

K) A prestação destes serviços equivale ao valor monetário de 18.600,00 € (dezoito mil e seiscentos euros), para o caso da B....., e de 3.900,00 € (três mil e novecentos euros) para o caso da U.....;

L) O Recorrente não chegou a receber o montante devido pela B....., muito embora tenha passado o recibo com o n.º 31857 (cf. doc. 7, junto à petição inicial de impugnação judicial), pedido pela B..... em contrapartida do pagamento dos respectivos serviços;

M) O Recorrente procurou obter o montante devido, sendo que, por motivo de ausências do país do proprietário da B....., o Sr. F....., incluindo promessas de pagamento do mesmo montante, ainda que com grande atraso, conduziram a que o ora Recorrente não tivesse recorrido aos meios judiciais para obtenção do montante em dívida;

N) Pelo que, a recusa pela B....., na pessoa do Sr. F....., de lhe terem sido prestados serviços pelo ora Recorrente, é consistente com a evasão ao pagamento dos serviços prestados pelo Recorrente;

O) Veja-se que, perante os comportamentos adoptados pela B....., esta faltou: i) ao pagamento dos rendimentos devidos; ii) à entrega da retenção na fonte devida nos cofres do Estado; e iii) à entrega da declaração que deve ser emitida pelas entidades pagadoras de rendimentos de categoria B, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 119.º do CIRS; juntando-se ainda a sua recusa dolosa, perante a solicitação da Administração Tributária, de que lhe tenham sido prestados quaisquer serviços pelo Recorrente;

P) Estes comportamentos da B....., interpretados pelo Tribunal a quo como correspondentes à demonstração da ausência de prestação de serviços pelo Recorrente, correspondem, pelo contrário, a um padrão consistente de evasão da B..... ao cumprimento das obrigações que lhe são devidas como entidade destinatária de uma prestação de serviços;

Q) No caso da U....., o Recorrente recebeu a respectiva quantia de 3.120,00 € (três mil cento e vinte euros) que lhe era devida (cf. extracto da conta bancária do Recorrente, mais especificamente o movimento de 29 de Março, o depósito múltiplo de 3.178,48 € (três mil cento e setenta e oito euros e quarenta e oito cêntimos), onde o respectivo montante está incluído (junto como doc. 8 à petição inicial de impugnação judicial), o qual consiste no único meio que permite ao Recorrente comprovar, de forma expressa, o recebimento do montante devido;

R) Deve assim afastar-se o entendimento manifestado pelo Tribunal a quo, uma vez que aqui se encontra patente o recebimento do valor devido pela U.....;

S) Não obstante, a U..... manifesta uma total evasão ao pagamento dos impostos devidos por retenção na fonte sobre os rendimentos de IRS pagos ao Recorrente, verificando-se que os seus sócios e gerência não são localizáveis, nem a empresa que efectuava a contabilidade da U..... tem qualquer contacto com a mesma desde 31 de Março de 2003 ;

T) A U..... faltou: i) à entrega da retenção na fonte devida nos cofres do Estado; e ii) à entrega da declaração que deve ser emitida pelas entidades pagadoras de rendimentos de categoria B, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 119.º do CIRS;

U) Porém, novamente entendeu o Tribunal a quo que o Recorrente não prestou quaisquer serviços, quando o que se verifica é que a U....., por via dos seus representantes, "desapareceu "! O que é atestado pela empresa de contabilidade C......., Lda. que não tem qualquer contacto com a U..... desde 31 de Março de 2003 , ou seja antes da prestação de serviços em apreciação;

V) Razão pela qual, não tendo a retenção na fonte devida sido realizada pela U....., não poderá o Recorrente ser responsabilizado por isso, qualquer falha relativa à falta ou atraso na entrega do imposto retido na fonte deve assim sempre ser imputada à U..... e não ao Recorrente;

W) No que se refere ao argumento apresentado pelo Tribunal a quo quanto ao processamento dos recibos modelo 6, comprovativos dos rendimentos relativos aos serviços prestados, o Recorrente apenas poderá ser culpado pelo atraso do seu processamento, após o prazo definido no artigo 28.º, n.º 1, alínea b) do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado ("CIVA"), não sendo este um factor que defina a realização ou não dos serviços em causa;

X) Apenas poderia ser um factor decisivo a emissão do recibo, o que sucedeu e no exercício fiscal a que diz respeito;

Y) Pelo exposto, para o exercício fiscal de 2005, deverão ter-se em consideração os seguintes rendimentos, corrigindo a liquidação de IRS em conformidade: a) Categoria H: 19.142,06 € (dezanove mil cento e quarenta e dois euros e seis cêntimos), tendo sido efectuadas quotizações sindicais no montante de 95,72 € (noventa e cinco euros e setenta e dois cêntimos); b) Categoria B: 3.900,00 € (três mil e novecentos euros), com uma retenção na fonte no montante de 780,00 € (setecentos e oitenta euros).

Z) Veja-se ainda que, não foi recolhida prova pela Administração Tributária que demonstre a inexistência dos factos tributários que estão na origem dos rendimentos declarados, muito pelo contrário, resulta que os factos provados permitem apenas demonstrar que o Recorrente foi "enganado" pelas entidades a quem prestou os seus serviços, uma vez que estas não cumpriram as obrigações fiscais que lhes competiam, não procedendo à entrega ao Estado das retenções na fonte a que estavam obrigadas, fugindo ainda a quaisquer contactos da Administração Tributária ou recusando o cumprimento das obrigações a que estavam obrigadas;

AA) Pelo que, não poderá ser afastada a presunção de boa fé das declarações apresentadas pelo Recorrente, prevista pelo artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária ("LGT"), o qual refere expressamente que se presumem “verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”;

BB) O Recorrente age de boa fé e no cumprimentos das obrigações fiscais a que está vinculado;

CC) Aliás, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Abril de 2010, recurso n.º 03/10, invocado pelo Tribunal a quo, apenas reforça a posição do ora Recorrente, uma vez que cabe à Fazenda Pública o ónus da prova de que as declarações proferidas pelo Recorrente não reflectem a sua real situação tributária;

DD) E a Fazenda Pública não logrou demonstrar o contrário do declarado pelo Recorrente;

EE) Considerando ainda os artigos 74.º, n.º 1 da LGT e 342.º, n.º 1, do Código Civil, conforme supra se demonstrou, a Fazenda Pública não consegue provar uma realidade fáctica diferente da demonstrada pelo ora Recorrente, visto que apenas demonstra a evasão das entidades devedoras dos rendimentos e a omissão do cumprimento das obrigações fiscais que lhes eram devidas, ou seja, o mesmo que o ora Recorrente verifica ao ter prestado serviços, relativamente aos quais essas mesmas entidades (B..... e U.....) não procederam à entrega dos montantes de imposto devidos a título de retenção na fonte;

FF) Perante o demonstrado, deverá a sua liquidação de IRS ser corrigida em conformidade com o aqui exposto, e consequentemente, ser o Recorrente reembolsado de todos os montantes suportados, acrescidos de juros indemnizatórios calculados até à data do seu reembolso, nos termos do artigo 43.º da LGT.

Pelo exposto e com o mui douto suprimento de V. Ex.ªs, que desde já se invoca, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, modificada a decisão de direito conforme supra peticionado.

Assim agindo cumprirão V.Exas. a Lei, fazendo a costumada e sã

J U S T I Ç A!»

Regularmente notificada, a Entidade Recorrida não apresentou contra-alegações.


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O DIGNO MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO (DMMP) neste TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

***

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

A) O Impugnante declarou no ano de 2005 rendimentos de categoria A, H e B (pelo exercício da actividade de consultadoria na área de formação profissional — CAE 80.422 — Outras Actividades Educativas, N.E.).(Doc. fls.13/26 do processo de reclamação graciosa)

B) Em sede de IVA, o Impugnante com início de actividade em 01.04.1988, está enquadrado no regime de isenção, previsto no artigo 5° do CIVA, desde 01.01.1997, enquadrando-se, em sede de IRS no regime simplificado. (Doc. fls.13/26 do processo de reclamação graciosa)

C) Com base na declaração de rendimentos a que alude a al.A) do probatório foi emitida em 18.07.2006, a liquidação n.° .......59 do valor a reembolsar de € 4.571,57. (Doc. fis. 116 a 118 do processo administrativo tributário apenso)

D) Em cumprimento das ordens de serviço n.° .......20 e .......21, com despacho de26.03.2007 foi levada a efeito ao Impugnante uma acção inspectiva de natureza externa de âmbito parcial (em sede de IRS e IVA) quanto ao de 2005, desenvolvida tendo em conta que foram declaradas importâncias retidas (relativas a rendimentos de categoria B — rendimentos empresariais e profissionais não auferidos) que não foram pagas/entregues nos cofres do estado. (Doc. fls.13/26 do processo de reclamaçso graciosa)

E) Na sequência da acção de inspecção a que alude a al.D) do probatório foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária (RIT), do qual consta designadamente o seguinte:

"III — Descrição dos Factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas á Matéria Tributável

(...)

Os rendimentos da categoria B declarados pelo s.p. são os seguintes:


“(texto integral no original; imagem)”

(…)

(2) B..... — Informática aplicada de F…….; Contacto, telefonicamente e via mail o Sr. F......., NIF …….11, no sentido de apresentar:

. cópia dos recibos emitidos pelo contribuinte J....., relativos aos serviços prestados;

. comprovativo de pagamento dos referidos serviços;

. cópias das declarações emitidas nos termos da alínea 6) do n.°l do artigo 119 do CIRS dos anos de 2004 e 2005;

Veio o mesmo informar, via mail, que o s.p. nunca lhe prestou qualquer serviço pelo que não foi paga e/ou retida qualquer importância sendo-lhe impossível fornecer qualquer documentação.

Consultando o sistema informático da DGCI, não se verifica a entrega/pagamento da retenção na fonte no valor de €3.720,00, no ano de 2005, relativa aos alegados serviços prestados.

(s) U..... , LDA: notificado (no sentido de apresentar o extracto de conta corrente do fornecedor J..... bem como cópia dos recibos emitidos e comprovativos do seu pagamento), por carta registada, através do ofício 38.769 de 14.05.2007, veio a mesma devolvida com a indicação de “retirou”.

Contactada a empresa que que efectuava a contabilidade da U..... CIT, Lda no âmbito das acções inspectivas efectuadas aos anos de 2002 e 2008 do s.p. J......) informou a C......., Lda, NIPC 50……, que “ não mantemos qualquer contacto com a contribuinte — U..... CIT, LDA- referenciado, desde 31 de Março de 2008. Efectuamos diversas diligências para localizar os sócios que se mostraram infrutíferas. Oportunamente informamos a CTOC e a DGCI de que a dita empresa não fazia parte da nossa carteira de clientes.”

Consultando o sistema informático da DGCI, não se verifica a entrega/pagamento da retenção na fonte no valor de € 780,00, do ano de 2005, relativa aos alegados serviços prestados à U....., LDA.

Assim constata-se, através da consulta ao sistema informático, que o sujeito passivo declara, desde 1998, rendimentos de categoria B com as respectivas retenções na fonte, sendo que as referidas retenções na fonte nunca foram declaradas e/ou pagas pelas entidades pagadoras, situação que originou reembolsos de IRS, conforme que se apresenta.

F) Com base nas conclusões extraídas do RIT, foi emitida a liquidação adicional de IRS n.° …….53 e Compensação n.° ….84, apurando-se o saldar a pagar no montante de €4.774,26. (Doc. fls.27/28 do processo de reclamação graciosa)

G) No dia 03.04.2008, o Impugnante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRS n.° .......53 e Compensação n.° .......84. (Doc. fls. 2/11 do processo de reclamação graciosa)

H) No dia 28.01.2009, por despacho da autoria do Chefe de Divisão Justiça Administrativa (por subdelegação do Director Finanças Adjunto de Lisboa) foi a reclamação graciosa a que alude a al. G) do probatório indeferida. (Doc. fia. 232/235 do processo de reclamação graciosa)

I) No dia 09.03.2009, o Impugnante interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento a que alude a al. H) do probatório. (Doc. fis. 4/13 do processo de recurso hierárquico)

J) Consta dos autos um documento sob o título " Auto Card — Progama de Curso - Conteúdos" mencionando além do mais o seguinte "DURAÇÃO: 180 Horas, Preço aconselhado: 1.600,00 Euros, Conteúdo programático elaborado por: J.......".(Doc. fls.36 /38 dos autos)

K) Consta dos autos um documento sob o título "Microsoft Windows 2000/8 Server — Programa de Curso - Conteúdo" mencionando além do mais o seguinte: “ DURAÇÃO: 20 Horas, Preço aconselhado: 280,00 Euros, elaborado por: J.......".(Doc. fls.39 dos autos)

L) Consta dos autos um documento sob o título "Organigrama e Programação de Formação" referente ao Departamento de Formação da U....., Lda.(Doc. fls. 40/44)

M) Em 31.03.2005, o Banco T....... emitiu o extracto bancário relativo à conta titulada pelo Impugnante do qual consta um depósito múltiplo de € 3.178,48. (Doc. fls. 46 dos autos)

N) A Impugnante não recebeu o valor constante do recibo n.° 31857 emitido em nome da B...... (cfr. artigo 3° e 33º da p.i.)

O) A petição inicial que originou os presentes autos deu entrada em Tribunal em 16.07.2010, tendo sido remetida por correio registado no dia 14.06.2010. (cfr. carimbo aposto sobre a P1 de fls. 5)

Factos não provados

Inexistem outros factos sobre que o Tribunal deva pronunciar-se já que as demais asserções da douta petição ou integram antes conclusões de facto e/ou direito ou se reportam a factos não relevantes para a boa decisão da causa.

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo, consonante ao que acima ficou exposto.»

III – APRECIAÇÃO DO RECURSO

O Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a impugnação contra a liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2005, no montante de € 4.774,26 e que teve origem num procedimento inspectivo, no âmbito do qual foram efectuadas correcções técnicas à matéria colectável, em sede de rendimentos da categoria B.

Consideraram, em síntese, os serviços de inspecção tributária que, no ano de 2005, o aqui Recorrente declarou rendimentos da categoria B, com as respectivas retenções na fonte, decorrentes de alegados serviços prestados às entidades B..... e U..... CIT LDA, tendo sido apurado que estas empresas não entregaram ao Estado os montantes correspondentes às referidas retenções na fonte e, bem assim, recolhido elementos que evidenciam que as prestações de serviços tituladas pelos recibos emitidos pelo sujeito passivo não ocorreram na realidade.

A sentença recorrida validou as correcções em causa, com base na seguinte fundamentação:

“Como é sabido as declarações apresentadas pelos contribuintes nos termos legais se presumem verdadeiras (artigo 75.°, n. 1, da LGT), presunção esta que apenas se refere ao próprio declarante nas suas relações com a Administração Tributária Aduaneira.

Quer isto dizer que, gozando os contribuintes e demais obrigados tributários desta presunção, cabe à Fazenda Pública o ónus da prova de que tais declarações não refiectem a real situação tributária dos contribuintes (Cf., neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20.04.210, recurso 03/10.).

Por seu turno, a ATA no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional.

Apresentar-se-á, igualmente, relevante, o artigo 74.° n.° 1 da LGT «O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.»

Como assinala a doutrina, «uma aplicação no processo de impugnação judicial da regra geral sobre o ônus da prova no procedimento tributário enunciada no artigo 74, nº 1 da LGT, em que se estabelece que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque» — nestes termos, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Volume 1, 2006, pág. 719.

Determina, então, o artigo 342.° do CC no seu n.° 1 que «àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado», determinando o n.° 2 do mesmo artigo que «A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.»

Posto, isto vejamos ocaso trazido a juízo.

A ATA procedeu à anulação dos valores declarados pelo Impugnante a título de rendimento pelos serviços prestados ás sociedades; B..... — Informática aplicada de F…… e U..... , LDA, considerando para tanto o seguinte circunstancialismo descrito na al. E) do probatório, do qual se destaca:

- foi contactada a empresa B..... — Informática aplicada de F….., tendo esta informado que o Impugnante nunca lhe prestou qualquer serviço, pelo que não foi paga e/ou retida qualquer importância;

- Contactada a empresa que efectuava a contabilidade da U..... CIT, Lda no âmbito das acções inspectivas efectuadas aos anos de 2002 e 2005 do s.p. J......) informou a C......., Lda, NIPC 50……., que " não mantemos qualquer contacto com a contribuinte — U..... CIT, LDA.- referenciado, desde 31 de Março de 2005. Efectuamos diversas diligências para localizar os sócios que se mostraram infrutíferas. Oportunamente informamos a CTOC e a DGCI de que a dita empresa não fazia parte da nossa carteira de clientes."

Consultando o sistema informático da DGCI, não se verifica a entrega/pagamento da retenção na fonte no valor de € 780,00, do ano de 2005, relativa aos alegados serviços prestados à U....., LDA.

Perante o circunstancialismo apurado, afigura-se-nos que a ATA recolheu prova suficiente da inexistência dos factos tributários que estão na origem do rendimento declarado.

Sucede, ainda, que o Impugnante não juntou os documentos (cópia das declarações emitidas pelas entidades pagadoras de rendimentos de categoria B, nos termos da al.b) do n.°1 do artigo 119°, relativa ao ano de 2005 e comprovativo do recebimento dos valores constantes nos recibos em 2005) solicitados no âmbito da acção de inspecção em apreço, omissão essa, que permite também abalar a presunção de veracidade da declaração de rendimentos apresentada pelo Impugnante.

Com efeito, para além das diligências efectuadas pela ATA, procurou esta ainda, que o Impugnante trouxesse ao procedimento as provas relativas à situação fáctica que declara, o que não fez.

E, também em sede de impugnação judicial o Impugnante não logrou provar a realização dos serviços reportados nos recibos nem que recebeu as quantias declaradas. Por um lado, nenhum dos documentos levados ás alíneas J), K), L), M) do probatório provam que foram realizadas as prestações de serviços e que o valor creditado é proveniente da mesma.

E, ainda como bem, adiantou a Fazenda Pública a propósito do documento levado á al.M) do probatório “sendo de um depósito em valor diferente do que consta do recibo AGZ 0031858, não prova que respeite a este recibo, além do que se constata que o recibo em causa apenas foi passa em 31.12.200, quando deveria respeitando àquele pagamento ter sido passado aquando do recebimento do montante, cf. 28º n.º1 b) do CIVA na redacção em vigor á data dos factos.”.

Ora, em conclusão, não tendo o Impugnante vencido o ónus, que sobre si incumbia, de provar que foram efectivamente pagos os valores a título de prestações de serviços, forçoso se torna concluir que o acto impugnado, não padece de ilegalidade, razão porque se pode manter na ordem jurídica.

Face ao destino dado ao acto tributário, já se vê, que os pedidos de reembolso e o pagamento de juros indemnizatórios falecem por força do artigo 4° da LGT, uma vez que a estatuição da citada norma não se mostra preenchida no caso.”

O Recorrente não se conforma com o decidido, alegando, em síntese, que ao contrário do entendimento do tribunal de 1ª instância, prestou serviços às entidades B..... e U....., que consistiram na realização de acções de formação preparadas pelo próprio, relativas à utilização, entre outros, do programa informático “WinRest” (aplicação informática na área da restauração), conforme atestam os documentos nº 5 e 6 juntos com a petição inicial.

Refere, ainda, que os “comportamentos da B....., interpretados pelo Tribunal a quo como correspondentes à demonstração da ausência de prestação de serviços pelo Recorrente, correspondem, pelo contrário, a um padrão consistente de evasão da B..... ao cumprimento das obrigações que lhe são devidas como entidade destinatária de uma prestação de serviços” e no caso da U..... “entendeu o Tribunal a quo que o Recorrente não prestou quaisquer serviços, quando o que se verifica é que a U....., por via dos seus representantes, "desapareceu”, daí concluindo que “não foi recolhida prova pela Administração Tributária que demonstre a inexistência dos factos tributários que estão na origem dos rendimentos declarados”, pelo que “não poderá ser afastada a presunção de boa fé das declarações apresentadas pelo Recorrente, prevista pelo artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária”.

Acrescenta que “o Recorrente recebeu a respectiva quantia de 3.120,00 € (três mil cento e vinte euros) que lhe era devida (cf. extracto da conta bancária do Recorrente, mais especificamente o movimento de 29 de Março, o depósito múltiplo de 3.178,48 € (três mil cento e setenta e oito euros e quarenta e oito cêntimos), onde o respectivo montante está incluído (junto como doc. 8 à petição inicial de impugnação judicial), o qual consiste no único meio que permite ao Recorrente comprovar, de forma expressa, o recebimento do montante devido”, devendo “assim afastar-se o entendimento manifestado pelo Tribunal a quo, uma vez que aqui se encontra patente o recebimento do valor devido pela U.....”.

Conclui que “deverá ser (…) reembolsado de todos os montantes suportados, acrescidos de juros indemnizatórios calculados até à data do seu reembolso, nos termos do artigo 43.º da LGT.”

Vejamos se lhe assiste razão.

No domínio dos pressupostos de facto em que assentou a decisão recorrida, o Recorrente insurge-se contra as ilações retiradas do probatório de que o mesmo não logrou provar a realização dos serviços prestados, nem que lhe foram pagos os valores constantes dos recibos.

Considerou, fundamentalmente, o Tribunal recorrido que “nenhum dos documentos levados às alíneas J), K), L), M) do probatório provam que foram realizadas as prestações de serviços e que o valor creditado é proveniente da mesma”, salientando, ainda, que “sendo de um depósito em valor diferente do que consta do recibo AGZ 0031858, não prova que respeite a este recibo, além do que se constata que o recibo em causa apenas foi passa em 31.12.200, quando deveria respeitando àquele pagamento ter sido passado aquando do recebimento do montante, cf. 28º n.º1 b) do CIVA na redacção em vigor á data dos factos.”

Analisados os elementos descritos nas referidas alíneas J), K), L) e M), conclui-se que outra não podia ser a decisão do tribunal, na medida em que a prova produzida nos autos revelou-se, efectivamente, insuficiente para dar como provada, quer a realização dos serviços, quer o pagamento do recibo emitido à U......

Os documentos a que aludem as alíneas J), K) e l) são documentos particulares, alusivos a supostos programas de curso, com a indicação de que foram elaborados pelo aqui Recorrente e rubricados pelo mesmo, mas sem qualquer assinatura dos clientes em causa ou comprovativo de que estes os receberam, nomeadamente através de email ou outro meio de comunicação.

De igual modo, também não é possível extrair o alegado pagamento do documento descrito na alínea M) dos factos provados, por se desconhecer a identidade do depositante e atendendo ainda à apontada falta de coincidência entre o valor do recibo e o valor depositado, sem que o Recorrente avance qualquer explicação para essa diferença.

Em consonância com o exposto, é de manter o julgamento de facto efectuado pelo Tribunal recorrido, improcedendo as conclusões de recurso em análise.

Relativamente ao julgamento de direito, o Recorrente fundamenta a sua discordância alegando que “os comportamentos da B....., interpretados pelo Tribunal a quo como correspondentes à demonstração da ausência de prestação de serviços pelo Recorrente, correspondem, pelo contrário, a um padrão consistente de evasão da B..... ao cumprimento das obrigações que lhe são devidas como entidade destinatária de uma prestação de serviços” e no caso da U..... “entendeu o Tribunal a quo que o Recorrente não prestou quaisquer serviços, quando o que se verifica é que a U....., por via dos seus representantes, "desapareceu”.

Conclui que “não foi recolhida prova pela Administração Tributária que demonstre a inexistência dos factos tributários que estão na origem dos rendimentos declarados”, pelo que “não poderá ser afastada a presunção de boa fé das declarações apresentadas pelo Recorrente, prevista pelo artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária”.

Vejamos.

Importa salientar, primeiramente, que não possuindo contabilidade organizada e estando enquadrado no regime de isenção em sede de IVA (cfr. p. 7 do RIT), o Recorrente vê o IRS respeitante aos seus rendimentos da categoria B nascer só no momento do recebimento dos seus honorários – cfr. Xavier de Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, p. 173.

E de acordo com o disposto no artigo 115º, nº 1, alínea a) do CIRS, na redacção em vigor à data dos factos, “os titulares dos rendimentos da categoria B são obrigados:

a) A passar recibo, em impresso de modelo oficial, de todas as importâncias recebidas dos seus clientes, pelas prestações de serviços referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º, ainda que a título de provisão, adiantamento ou reembolso de despesas, bem como dos rendimentos indicados na alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo”.

Importa, ainda, convocar o disposto no art.º 75.º da Lei Geral Tributária (LGT):

“1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.

2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo…”.

Cabe, pois, à AT ilidir esta presunção de veracidade da contabilidade, carreando, em sede de fundamentação do ato tributário, elementos suficientes para esse efeito.

Como tal, há que verificar se a AT cumpriu o seu ónus probatório, ou seja, aferir se foi pela mesma alegada e demonstrada (fundamentadamente) a existência de indícios que, de forma séria, abalam a presunção de veracidade dos recibos emitidos pelo aqui Recorrente às entidades B..... e U......

Relativamente à entidade B....., é o próprio sujeito passivo, aqui Recorrente, que admite no artigo 30.º da petição inicial que “da parte da B....., o Impugnante nunca chegaria a receber o pagamento pelos seus serviços”, pelo que o recibo passado a esta entidade é, inequivocamente, falso, inexistindo facto gerador de imposto.

No tocante à entidade U..... CIT, os SIT apoiaram-se nos seguintes elementos para fundamentar o juízo acerca da falsidade do recibo em causa:

· A U..... não entregou ao Estado o “imposto retido na fonte”;

· O sujeito passivo não juntou cópia da declaração que lhe deveria ter sido entregue pela U....., enquanto entidade obrigada a efectuar a retenção, nos termos da alínea b) do n.°1 do artigo 119°, relativa ao ano de 2005;

· Informação prestada pela empresa responsável pela contabilidade, C......., Lda. de que " não mantemos qualquer contacto com a contribuinte — U..... CIT, LDA.- referenciado, desde 31 de Março de 2005”;

· O sujeito passivo não juntou comprovativo do recebimento do valor constante do recibo.

Por sua vez, o Tribunal recorrido considerou que tal circunstancialismo permitia “abalar a presunção de veracidade da declaração de rendimentos apresentada pelo Impugnante.”

E tal conclusão mostra-se acertada, pois, na verdade das diligências encetadas pelos SIT resultaram sérias e fundadas dúvidas acerca da veracidade do conteúdo do referido recibo, máxime, do recebimento da quantia nele inscrita e que, como vimos, constitui o facto gerador do imposto.

Cumprido o ónus da prova que recaía sobre a AT, competia ao Impugnante demonstrar o efectivo recebimento do preço dos serviços alegadamente prestados à U....., o que não logrou fazer, conforme se concluiu supra, em sede de análise do invocado erro de julgamento da matéria de facto.

Em face do exposto, é de concluir que a sentença recorrida não enferma dos erros de julgamento que lhe são apontados pelo Recorrente, devendo ser mantida na ordem jurídica.

Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, formulam-se as CONCLUSÕES:

I. Não possuindo o sujeito passivo contabilidade organizada e estando enquadrado no regime de isenção em sede de IVA, o IRS respeitante aos seus rendimentos da categoria B nasce só no momento do recebimento dos seus honorários.

II. Se das diligências encetadas pelos SIT resultaram sérias e fundadas dúvidas acerca da veracidade do conteúdo do recibo emitido pelo sujeito passivo, máxime, do recebimento da quantia nele inscrita, fica posta em causa a presunção consagrada no artigo 75º da LGT, cabendo ao contribuinte demonstrar o efectivo recebimento do preço.




Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em NEGAR provimento ao recurso, CONFIRMANDO A DECISÃO RECORRIDA.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 12 de março de 2025


(Ângela Cerdeira)

(Sara Diegas Loureiro)

(Tiago Brandão de Pinho, em substituição)

Assinaturas eletrónicas na 1ª folha