Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1993/12.0 BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 02/02/2023 |
Relator: | JORGE CORTÊS |
Descritores: | IVA. REGULARIZAÇÃO. |
Sumário: | A inexistência ou invalidade do número de contribuinte do adquirente, descrito na fatura, não constitui, só por si, impedimento ao exercício da faculdade de regularização do imposto liquidado a mais. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO I- RelatórioV............... Portugal- …………………..., S.A. deduziu impugnação judicial visando a anulação das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) com os nºs ………..093, ………095, ………….097, ………..099 e …….101, referentes ao exercício fiscal de 2009, e respectivos juros compensatórios, emitidas na sequência de procedimento inspectivo, do qual resultou a pagar o montante global de €16.300,28. Pedindo ainda a condenação da AT no pagamento de indemnização pelos encargos suportados com a manutenção indevida da garantia prestada em ordem à suspensão da execução fiscal instaurada para cobrança da dívida que teve origem nas liquidações sindicadas. O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls.295 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), datada de 28 de Setembro de 2020, julgou a impugnação improcedente. Inconformada com o assim decidido, a sociedade impugnante, apelou para este Tribunal Central Administrativo, tendo na sua alegação, inserta a fls. 328 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), apresentado as conclusões seguintes: « A) O presente Recurso vem interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo que decidiu julgar improcedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrente, mantendo, em consequência, a liquidação adicional de IVA do ano de 2009, por considerar não estarem verificados os requisitos para a dedução do imposto por parte da Recorrente, alegando o Tribunal a quo que só as operações tituladas por fatura que respeite todos os requisitos previstos no artigo 36.º do CIVA é que permitem o exercício do direito à dedução do imposto, o que não se verificaria na situação em apreço, pois o número de identificação fiscal dos adquirentes era inválido ou inexistente. B) Este Venerando Tribunal já se pronunciou sobre o tema da dedução de IVA relativo a faturas com número de identificação fiscal inexistente ou inválido, num recente acórdão, proferido no processo n.º 09178/15, o que se invoca para os devidos efeitos. C) Como resulta amplamente exposto nos presentes autos, a questão material ora controvertida consiste em determinar (i) se a invalidade ou inexistência de números de identificação fiscal dos adquirentes nas faturas emitidas pela Recorrente é motivo de desconsideração das mesmas para efeitos de exercício do direito à dedução do IVA por parte da Recorrida, bem como (ii) se a Recorrente não poderia regularizar o IVA relativo a determinadas faturas com base na circunstância de uma parte dos devedores, alegadamente, realizarem operações que conferiam direito à dedução. D) O regime geral de recuperação do IVA contido nos créditos em mora e incobráveis tem consagração expressa nos n.ºs 7 a 10 do artigo 78° do CIVA (à data dos factos aqui sindicados), estipulando-se que os sujeitos passivos podem regularizar, a seu favor, o IVA respeitante a créditos incobráveis, contanto que verificados os pressupostos legais enumerados no referido preceito legal. E) Relativamente à correção no montante de € 9.581,39, a invalidade do número de identificação fiscal do adquirente não constitui um impedimento legal à recuperação do IVA liquidado sobre créditos incobráveis, desde logo porquanto o artigo 78º do CIVA permite a recuperação do imposto liquidado a particulares e sujeitos passivos exclusivamente isentos – cfr. alíneas a) e c) do n.º 8 do artigo 78.º do CIVA. F) Apesar de a Recorrente não ignorar que a observância dos requisitos previstos no nº5 do artigo 36º do CIVA constitui um requisito indispensável para a dedução do imposto, de harmonia com o preceituado no artigo 19° n.º 2 alínea a) e n.º 6 do mesmo Código, o seu incumprimento não terá a virtualidade de inviabilizar, por completo, a aplicação do regime previsto no artigo 78º do CIVA. G) Mais, a inexistência ou invalidade do n.º de identificação fiscal do adquirente dos serviços não tem a consequência pretendida pela AT ou pelo Tribunal a quo, pois que a Recorrente não vai deduzir qualquer imposto, tendo pelo contrário entregue o IVA liquidado nas faturas, pelo que, tratando-se de adquirentes que não disponham de número de identificação fiscal válido, por não constarem do seu sistema informático, nenhuma dúvida restará que tais contribuintes serão enquadrados como se de particulares se tratassem, sendo, pois, objeto de expressa previsão legal nos termos da alínea a) do n.º 8 do artigo 78.º do CIVA. H) Concretizando: tratando-se de sujeitos passivos sem número de identificação fiscal válido, estamos perante adquirentes particulares, pelo que a recuperação do IVA será efetuada ao abrigo da alínea a) do n.º 8 do artigo 78.º do CIVA – sendo precisamente neste ponto que assenta o erro constante da decisão recorrida, não existindo assim qualquer violação do disposto no artigo 36.º do CIVA, ao contrário do que pretende fazer crer a AT ou o Tribunal a quo. I) O entendimento acima exposto pela Recorrente tem expresso acolhimento na Informação n.º1416, de 12 de Maio de 2008, da Direção de Serviços do IVA. J) Trata-se, de resto, de entendimento uniformemente preconizado pela Administração Tributária quanto a esta matéria, pois como se esclarece no ponto 9 da informação supra citada, "o Oficio-Circulado n°30091, de 2006-04-05, da DSIVA, no que se refere a obrigatoriedade e requisitos da emissão de facturas nos termos dos artigos° 35°e 39°do Código do IVA, dispõe que nas prestações de serviços cujos destinatários sejam particulares, não é exigível a indicação do respectivo numero de identificação fiscal, obrigatoriedade apenas exigível aos sujeitos passivos (...)" (sombreado nosso). K) No caso em apreço, temos uma informação vinculativa da Direção de Serviços do IVA – a qual apesar de versar sobre uma situação concreta - veicula uma interpretação genérica sobre as implicações legais decorrentes da invalidade ou inexistência dos números de contribuinte para efeitos da regularização dos créditos incobráveis em sede de IVA – sendo, portanto, de extrema relevância para análise da situação sub judice. L) Em momento algum a Autoridade Tributária colocou em causa as transações comerciais cujas faturas titulam, sendo que, ao longo do relatório de inspeção, se reconheceu que os requisitos substantivos foram respeitados pela Recorrente, sendo, pois assim, pacífico que a jurisprudência acima referida proferida por este Venerando Tribunal tem plena aplicação à situação sub judice, sob pena de violação dos princípios comunitários que norteiam o sistema do IVA. M) Mais, decorre da jurisprudência consolidada e uniforme do TJUE a (i) impossibilidade de sustentar a recusa do direito à dedução do imposto, com fundamento no artigo 35.º do CIVA (atual 36.º), bem como (ii) a recusa do TJUE em admitir que os Estados-membros livremente condicionem ou criem requisitos formais de tal forma desajustados que inviabilizem o direito à dedução do imposto. N) O TJUE é claro ao limitar os casos de recusa de dedução aos casos em que se possa concluir que o adquirente sabia ou devia saber que a operação subjacente ao direito à dedução estava relacionada em algum esquema de fraude ou evasão com vista à obtenção de vantagens fiscais, o que manifestamente não se verifica na situação objeto do presente recurso. O) Impõe-se, assim concluir, face à jurisprudência desde Venerando Tribunal e do TJUE, que a correção efetuada pela Administração Tributária no montante de €9.581,39 se encontra ferida de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, o que determinará a sua revogação, a consequente anulação parcial dos atos tributários objeto dos presentes autos, bem como a revogação da decisão ora recorrida, tudo com as demais consequências legais. P) Como resulta da factualidade exposta nos autos, no cumprimento das condições impostas pelo nº8 do artigo 78º do CIVA, a ora Recorrente efetuou também a regularização do IVA referente a créditos em situação de incobrabilidade, regularização essa que foi contestada parcialmente pela Administração Tributária, pelo facto de alguns devedores se encontrarem alegadamente incorretamente enquadrados nas alíneas a) e c) do n.º 8 do artigo 78.º do CIVA. Q) Na sentença ora recorrida, o Tribunal a quo não efetuou qualquer análise sobre a legalidade desta correção, não obstante a mesma ter sido devidamente identificada e contestada nos presentes autos, resultando os fundamentos autónomos desta correção diretamente do exposto no relatório de inspeção. R) Não estando a correção no valor de EUR 5.425,90 fundamentada com base no tema dos NIFs inexistentes ou inválidos do adquirentes, a apreciação do Tribunal a quo sobre este segundo tema não prejudica de forma alguma a apreciação que deveria ter sido efetuada sobre a questão relacionada com o erro nos pressupostos de facto de que padecia aquela primeira correção – a qual foi fundamentada pela AT unicamente com base no facto de alegadamente estamos perante sujeitos passivos que realizam operações que conferem direito à dedução e, como tal, não enquadráveis nas alíneas a) e c) do artigo 78.º do CIVA. S) A sentença ora recorrida padece do vício de nulidade por omissão de pronúncia ao abrigo do disposto nos artigos 125.º do CPPT e 615.º do CPC, requerendo-se a este Venerando Tribunal que, no uso dos poderes que lhe são conferidos nos termos do artigo 665.º do CPC, proceda à apreciação da questão não analisada pelo Tribunal a quo, uma vez que constam do processo todos os elementos necessários para o efeito. T) O enquadramento atribuído aos devedores a que correspondem os créditos em apreço, constantes dos mapas de suporte facultados pela ora Recorrente à Administração Tributária, foi objeto de prévia validação junta da Direção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros (“DGITA”) – conforme prova documental produzida em 1.ª instância. U) Confrontando os números de contribuinte que estiveram na base das correções efetuadas com as informações fornecidas à ora Recorrente pela DGITA, desde logo se conclui que, contrariamente ao alegado pelos serviços de inspeção, estes correspondiam, à data dos factos tributários ora em análise, a particulares e sujeitos passivos exclusivamente isentos, pelo que, estão cumpridos os requisitos previstos nas alíneas a) e c) do número 8 do artigo 78.º do CIVA, devendo as correções ora impugnadas ser anuladas por erro nos pressupostos de facto e de direito. V) Face a tudo o acima exposto, a ora Recorrente requer a este Venerando Tribunal que se digne julgar procedente por provado o presente recurso, revogando a decisão recorrida e concluindo no sentido da anulação integral das liquidações adicionais de IVA objeto dos presentes autos, por erro nos pressupostos de facto e de direito, uma vez que se encontravam integralmente cumpridos os requisitos estabelecidos no artigo 78.º do CIVA, o que determinará a procedência do presente recurso, tudo com as demais consequências legais, em particular a condenação da Administração Tributária a indemnizar a Recorrente pelos custos de manutenção indevida da garantia prestada para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva dos atos tributários ora sindicados e a restituir o imposto indevidamente pago a 20 de dezembro de 2013, acrescido de juros indemnizatórios contados nos termos do artigo 43.º da LGT. X Não há registo de contra-alegações.X O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, aderindo ao parecer do MP junto da 1ª instância.X Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.X II- Fundamentação1.De Facto. A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:« A) A Impugnante tem por objeto social o estabelecimento, gestão e exploração de infraestruturas, prestação de serviços de comunicações eletrónicas e exercício de atividade de televisão, bem como de qualquer atividade complementar ou acessória – cfr. documento 4 da petição de impugnação (relatório de inspeção); B) Os serviços prestados pela Impugnante encontram-se sujeitos e não isentos de IVA, pelo que a Impugnante liquida IVA nas faturas relativas aos serviços de comunicações eletrónicas prestados aos seus clientes – cfr. documento 4 da petição de impugnação (relatório de inspeção); C) No âmbito da sua atividade, a Impugnante presta serviços de telecomunicações a clientes sujeitos passivos de IVA e presta serviços a clientes particulares que não revestem a qualidade de sujeitos passivos – cfr. documento 4 da petição de impugnação (relatório de inspeção); D) A Impugnante no decurso do ano de 2009, procedeu à regularização a seu favor, do IVA relativo a créditos considerados incobráveis ou em mora, preenchendo o campo 40 das declarações periódicas de IVA, correspondentes aos períodos e nos montantes seguidamente identificados:
E) Pela ordem de serviço n.ºOI201100171 datada de 02-05-2011, a Autoridade Tributária ordenou uma ação de inspeção externa, de âmbito geral, ao exercício de 2009, realizada pela Direção de Serviços de Inspeção Tributária (DSIT) F) Em 30-11-2011, a DSIT emitiu o projeto de relatório de inspeção, no qual propunha a realização de correções no valor de € 17 114,75, em sede de IVA, nos seguintes termos: “(…) será de concluir que as regularizações efectuadas nos campos 40 das declarações periódicas no montante de € 1 701 548,04 contém € 17 114,75 regularizados indevidamente por não se verificarem a totalidade das condições previstas nas alíneas a) e c) do n.º 8 do artigo 78.º do Código do IVA, pelo que será efectuada uma correcção nesse montante” – cfr. documento 2 da petição de impugnação; G) A 13-12-2011, a ora Impugnante apresentou o seu direito de audição prévia ao projeto de correção – cfr. Documento 3 da petição de impugnação; H) A 21-12-2011, a Autoridade Tributária concluiu o relatório final de inspeção, contendo correções respeitantes às regularizações realizadas pela Impugnante, com apuramento de IVA em falta, no montante de € 15 007,29, do qual destaco o seguinte teor: “1.4 Descrição sucinta das conclusões da acção de inspecção Da análise externa efectuada à contabilidade do exercício 2009, da empresa V............... Portugal – ……………….., SA (…) resultaram as seguintes correcções: 1.4.1 Imposto em falta A correcção constante do projecto de relatório ascendia a € 17 114,75 tendo no âmbito do exercício do direito de audição sido convertida em € 15 007,29, conforme pontos III.1.1 e IX.1.1, deste relatório. II OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO II.1 Credencial e período em que decorreu a acção III.1. Imposto em falta II) Enquadramento legal Do valor dos créditos Da mora no pagamento Da condição do devedor III) Conclusões No entanto e conforme referido no ponto II), foram encontradas situações que não têm enquadramento nas condições referidas nas alíneas a) e c) do n.º 8 do artigo 78.º do Código do IVA, a que correspondem os seguintes montantes: Na sequência do exercício do direito de audição, a correcção passou para €15.007,20 conforme ponto IX.1.1 deste relatório. Através da análise do sistema MGIT verificou-se que € 2 107,46 correspondem a situações que têm enquadramento nas condições referidas nas alíneas a) e c) do artigo 78.º do Código do IVA, pelo que será anulado esta parte da correcção inicialmente prevista. Quanto aos restantes € 5 425,90 confirma-se que correspondem a sujeitos passivos que realizam operações que conferem direito à dedução (Anexo II), pelo que face ao estatuído nas alíneas a) e c) do artigo 78.º do CIVA, o imposto não pode ser regularizado a favor do sujeito passivo, conforme sua pretensão.
Juntam-se Anexo I e II – Regularização de IVA” - cfr. documento 4 junto com a petição de Impugnação (Relatório de Inspeção Tributária); I) A Impugnante foi notificada das seguintes liquidações de IVA relativas ao ano de 2009, cuja data de pagamento voluntário terminava a 31-03-2012:
J) A Impugnante foi notificada das seguintes liquidações de juros compensatórios:
K) A Impugnante foi citada da instauração do processo de execução fiscal n.º 3336201201034871, no valor de € 16 395,05 para cobrança das liquidações referidas nas alíneas precedentes – cfr. documento 7 da petição de impugnação; L) Em 30-05-2012, a ora Impugnante apresentou garantia bancária nº …………….emitida pelo Banco ………, SA, no valor de € 21 102,85, para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal referido na alínea precedente – cfr. documento 8 da petição de impugnação; M) Em 29-06-2012 (data da remessa por correio) foi apresentada a petição de impugnação dos presentes autos contra as liquidações referidas em I e J – cfr. referência dos CTT, a fls. 191; N) A Impugnante junta aos autos informação vinculativa n.º 1416 de 12-05-2008, da Direção de Serviços do IVA, da qual destaco o seguinte: “Assunto: Art. 71.º n. 9, a) do CIVA (…) CONCLUSÃO: (…) relativamente às prestações de serviços cujas facturas não apresentem o número de identificação fiscal, se devem entender como efectuadas a «particulares», pelo que, desde que reunidas as restantes condições, pode recuperar o IVA nelas contido nos termos da alínea a) do n.º 9 do art. 71.º do CIVA, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do art. 91.º do CIVA que refere o prazo de quatro anos para o exercício desse direito, contado a partir do momento em que nasce (seis meses após a emissão da factura).” - cfr. documento 9 da petição de impugnação; O) Em 20-12-2013, a Impugnante pagou as liquidações de IVA, no montante de € 14 986,19, ao abrigo do Regime Excepcional de Regularização de Dívidas Fiscais e à Segurança Social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31/10 obtendo a anulação das liquidações de juros compensatórios e extinção do processo de execução fiscal - cfr. artigo 4 da pronúncia do Representante da Fazenda Pública na sequência da apresentação das alegações.» X “Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.”X “Considero os factos provados, atendendo ao teor dos documentos juntos aos autos e identificados nas diversas alíneas do probatório, não impugnados.”X 2.2. De Direito.2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença recorrida seguintes: i) Nulidade por omissão de pronúncia, quanto à correcção relativa aos devedores que realizam operações que conferem direito à dedução. ii) Erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa, no que respeita à correcção relativa à invalidade ou inexistência dos números de identificação fiscal. A sentença julgou improcedente a impugnação, mantendo na ordem jurídica as liquidações adicionais de IVA de 2009 contestadas nos autos. 2.2.2. Enquadramento Nos presentes autos estão em causa duas correcções impostas à declaração periódica de IVA da recorrente, relativas a regularizações de imposto liquidado, que teve por base créditos incobráveis, as quais não foram aceites pela Administração Fiscal. Concretamente, estão em causa as correcções seguintes: «a) € 7 533,36 que correspondem a sujeitos passivos que realizam operações que conferem direito à dedução (alíneas a) e c)); // b) € 9 581,39 por NIF`s inválidos ou inexistentes, que não constam do nosso sistema informático (alíneas a) e c)); // O que totaliza € 17 114,75». A fundamentação das correcções em apreço é a que consta dos pontos III.1.1. e IX.1.1. do relatório inspectivo. A norma invocada pela Administração Fiscal corresponde ao disposto no artigo 78.º/8/ a) e c), (“Regularizações”) (1), do CIVA. O preceito determina que «[o]s sujeitos passivos podem igualmente deduzir o imposto respeitante a outros créditos desde que se verifique qualquer das seguintes condições: // a) O valor do crédito não seja superior a (euro) 750, IVA incluído, a mora do pagamento se prolongue para além de seis meses e o devedor seja particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito a dedução; // (…) // c) Os créditos sejam superiores a (euro) 750 e inferiores a (euro) 8000, IVA incluído, tenha havido aposição de fórmula executória em processo de injunção ou reconhecimento em acção de condenação e o devedor seja particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito a dedução». A propósito do exercício da faculdade de rectificação do imposto liquidado, constitui jurisprudência fiscal assente a seguinte: i) «Apesar de as deduções de I.V.A., efectuadas pelos sujeitos passivos de imposto, terem, em princípio, um carácter definitivo, deverão ou poderão ser alteradas em determinadas situações consagradas no artº.78, do C.I.V.A. São as chamadas situações de rectificação do I.V.A. Grosso modo, a rectificação será obrigatória caso o imposto seja a favor da A. Fiscal (imposto liquidado a menos), podendo ser efectuada sem qualquer penalidade até ao final do período seguinte àquele a que respeita a factura a rectificar, já sendo facultativa se o imposto for a favor do sujeito passivo (imposto liquidado a mais), neste caso podendo apenas ser realizada no período de dois anos (cfr.nºs.5 e 6, do artº.78, do C.I.V.A.). Para além de outras situações que podem fundamentar a regularização de imposto, prevê a norma, no seu nº.7, a possibilidade de dedução de I.V.A. respeitante a créditos considerados incobráveis» (2). ii) «O direito à dedução de I.V.A. não pode ser recusado por falta de requisitos formais, incluindo aquela circunstância, de acordo com a jurisprudência do T.J.U.E. (…), segundo a qual a alínea a) do nº 5 do art. 35º (actual) 36.º do CIVA impõe a obrigação das faturas mencionarem a identificação fiscal dos sujeitos passivos, mas não comete explicitamente ao adquirente a obrigação de controlar se essa identificação é ou não verdadeira».(3) iii) «A Impugnante pode deduzir o IVA das facturas respeitantes a fornecedores, cuja actividade se encontra cessada, numa situação como na dos autos em que nem sequer é colocada em causa a veracidade das operações subjacente às facturas».(4) Feito o presente enquadramento, cumpre aferir do mérito da presente intenção rescisória. 2.2.3. No que respeita ao fundamento do recurso referido em i), a recorrente invoca a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quanto à correcção relativa aos créditos relativos a devedores que realizam operações que conferem direito à dedução, referida em b), supra. Apreciação. Nos termos do artigo 615.º/1/e), do CPC, «[é] nula a sentença quando: // O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar». Compulsada a sentença recorrida, verifica-se que a mesma não apreciou da legalidade da correcção relativa a « b) € 7 533,36 que correspondem a sujeitos passivos que realizam operações que conferem direito à dedução (alíneas a) e c))». Pelo que se impõe declarar a nulidade da sentença, nesta parte. Havendo elementos nos autos, uma vez observado o contraditório prévio, impõe-se o conhecimento em substituição da causa de pedir não dirimida (artigo 665.º/2 e 3, do CPC. Apenas a recorrente proferiu alegações complementares, reiterando a posição já vertida nos autos. A recorrente invoca que «[o] enquadramento atribuído aos devedores a que correspondem os créditos em apreço, constantes dos mapas de suporte facultados pela ora Recorrente à Administração Tributária, foi objeto de prévia validação junto da Direção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros (“DGITA”) – conforme prova documental produzida em 1.ª instância»; que «[c]onfrontando os números de contribuinte que estiveram na base das correções efetuadas com as informações fornecidas à ora Recorrente pela DGITA, desde logo se conclui que estes correspondiam, à data dos factos tributários ora em análise, a particulares e sujeitos passivos exclusivamente isentos». Compulsados os autos, concretamente, os elementos juntos pela recorrente, quer em 1ª instância, quer em sede de instância de recurso, verifica-se que da análise dos elementos em exame não é possível conciliar os registos constantes das listas juntas pela recorrente com a discriminação de sujeitos passivos constantes do anexo II do relatório inspectivo, o qual constitui suporte da correcção em referência. Pelo que se mantém intocada a veracidade da afirmação e da fundamentação constantes do relatório inspectivo (ponto “IX.1.1. Imposto em falta” do mesmo) no sentido de que a não aceitação da regularização em causa respeita a sujeitos passivos que realizam operações que conferem direito à dedução, pelo que não integram o âmbito previsivo da norma que garante o direito à rectificação do imposto liquidado em apreço (artigo 78.º/8/a) e c), do CIVA. Motivo porque se impõe rejeitar a presente imputação. 2.2.4. No que respeita ao fundamento do recurso referido em ii), a recorrente alega erro de julgamento quanto à aferição do direito aplicável. Invoca que «a inexistência ou invalidade do n.º de identificação fiscal do adquirente dos serviços não tem a consequência pretendida pela AT ou pelo Tribunal a quo, pois que a Recorrente não vai deduzir qualquer imposto, tendo pelo contrário entregue o IVA liquidado nas faturas, pelo que, tratando-se de adquirentes que não disponham de número de identificação fiscal válido, por não constarem do seu sistema informático, nenhuma dúvida restará que tais contribuintes serão enquadrados como se de particulares se tratassem, sendo, pois, objeto de expressa previsão legal nos termos da alínea a) do n.º 8 do artigo 78.º do CIVA». Apreciação. Está em causa a correção relativa a «a) € 7 533,36 que correspondem a sujeitos passivos que realizam operações que conferem direito à dedução (alíneas a) e c))». A sua fundamentação resulta dos pontos “III.1.1.” e “IX.1. Imposto em falta” do Relatório Inspectivo. A jurisprudência dos tribunais superiores é consensual e reiterada no sentido de que a não aceitação do direito à dedução/regularização com base em facturas insertas na contabilidade do contribuinte não pode resultar apenas da falta de identificação ou inexistência do número de identificação fiscal do adquirente, porquanto a ocorrência de elementos que depõem no sentido da veracidade das transacções tituladas não logra ser afastada pela preterição de tal requisito formal da factura. No caso em exame, não existe dissídio entre as partes sobre a efectividade da prestação, sobre a emissão da factura e sobre a liquidação do imposto, bem como sobre a falta de pagamento do crédito da recorrente. Neste quadro, a invocação de NIF inexistente ou inválido não logra por em causa o preenchimento dos pressupostos do direito à rectificação do imposto liquidado pela contribuinte, mas que afinal não é devido, porque a transacção não se veio a consumar. Como refere o Tribunal de Justiça da União Europeia [TJUE], no Acórdão de 15/10/2020, P. C- 335/19, «O artigo 90.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que subordina a redução do valor tributável do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) à condição de, no dia da entrega do bem ou da prestação de serviços e no dia anterior à apresentação da retificação da declaração de imposto destinada à obtenção dessa redução, o devedor estar registado como sujeito passivo de IVA e não ser objeto de um processo de insolvência ou de liquidação (…)». Bem como no Acórdão do TJUE, de 08/05/2019, P. C-127/18, «O artigo 90.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê que o sujeito passivo não pode proceder à retificação do valor tributável do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) em caso de não pagamento total ou parcial, pelo seu devedor, de um montante devido a título de uma operação sujeita a este imposto, se o referido devedor já não for sujeito passivo para efeitos do IVA». Do exposto se infere que a condição da indicação do número de identificação fiscal do destinatário da factura, numa situação em que a ocorrência da prestação, a emissão da factura, a liquidação e a entrega do imposto não são contestadas, não pode servir de óbice ao exercício do direito à rectificação do imposto liquidado, quando se trata de crédito incobrável. A correcção em apreço enferma do vício de violação de lei, pelo que não se pode manter na ordem jurídica. A sentença recorrida que decidiu em sentido discrepante incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser substituída por decisão que julgue procedente a impugnação, nesta parte. 2.2.5. No que respeita aos pedidos indemnizatórios cumpre referir o seguinte. No que se reporta à indemnização dos prejuízos causados pelo oferecimento da garantia, cumpre referir o seguinte. A impugnação deve ser julgada procedente, nos termos do referido no ponto 2.2.4. Pelo que assiste à recorrente o direito à indemnização pelos custos comprovadamente incorridos pela prestação de garantia, referida na alínea L), do probatório, nos termos do preceito do artigo 53.º/1 e 2, da LGT. O quantum indemnizatório será, porém, concretizado em sede de execução de julgado. No que se refere ao pedido de condenação em juros indemnizatórios, cabe notar que «[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» (artigo 43.º/1, da LGT). No caso, a recorrente realizou o pagamento da dívida de imposto em 20/12/2013 (alínea O), pelo que, seja o imposto liquidado a mais, sejam os juros indemnizatórios, na proporção da parte inquinada das liquidações, nos termos do referido no ponto 2.2.4., são-lhe devidos desde a data do pagamento até à data da emissão da nota de crédito (artigo 61.º/5, do CPPT). Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso. Dispositivo Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul no seguinte:i) Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação, na parte referida em 2.2.4. ii) Julgar verificada a nulidade da sentença recorrida na parte referida em 2.2.3. e, em substituição, julgar improcedente a impugnação, nesta parte. iii) Condenar a recorrida no pagamento de indemnização pelos custos que se venha a verificar terem sido incorridos com o oferecimento da garantia, bem como, na restituição do imposto liquidado a mais e no pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios, desde a data do pagamento até à data da emissão da nota de crédito. Custas pela recorrente e pela recorrida, em partes iguais, sem prejuízo da dispensa da taxa de justiça, dado a segunda não ter contra-alegado. Registe. Notifique. (Jorge Cortês - Relator) (1.ª Adjunta –Patrícia Manuel Pires) (2.º Adjunto–Vital Lopes) (1) Versão vigente. (2) Acórdão do STA, de 22-06-2022, P. 01031/16.4BELRA (3) Acórdão do STA, de 16-12-2020, P. 01432/10.1BELRS (4) Acórdão do TCAS, 22-02-2018, P. 09178/15 |