Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3070/12.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/16/2024
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:INDEMNIZAÇÕES POR DANOS EMERGENTES
INCREMENTOS PATRIMONIAIS CATEGORIA G
RENÚNCIA ONEROSA A POSIÇÕES CONTRATUAIS
DIREITOS RELATIVOS A BENS IMÓVEIS
Sumário:I - As indemnizações por danos emergentes, não correspondem a acréscimos líquidos visando, tão-só, compensar decréscimos provocados pelo dano inflingido, não sendo, portanto, tributadas enquanto rendimento da Categoria G, desde que devidamente comprovadas.
II - Com a alteração introduzida no artigo 9.º, do CIRS, pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, -sem atribuição de carácter interpretativo, donde, inovador –constitui regra de incidência e tributação enquanto incremento patrimonial na Categoria G, as indemnizações comprovadamente pagas pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos relativos a bens imóveis.
III - A alteração referida em II), tem um desiderato de agilização do mercado imobiliário, estatuindo o legislador que a partir dessa altura, existe uma atuação, diríamos que simétrica, porquanto se implementa uma nova despesa relevante para efeitos de cálculo das mais-valias imobiliárias e, em simetria, e como compensação inovadora passam a constituir incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, as indemnizações devidas por renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis
IV - A perda do conteúdo da posição ativa que mantinha sobre o locado, que tem necessária expressão económica, não era, à data, subsumível na Categoria G, e nos normativos citados, não estando, por isso, sujeita a tributação.
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I-RELATÓRIO

A DIGNA REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a decisão de indeferimento proferida na reclamação graciosa sobre a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), relativa ao ano de 2007, com o nº 2011 5005168515 e correspondente ato de liquidação de Juros Compensatórios, com o nº 2011 00002017905, tudo no valor global de €105.495,13.

A Recorrente, veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial à margem identificada, deduzida M…, NIF 1..., tendo como objeto o ato de decisão de indeferimento proferida na reclamação graciosa sobre a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, relativa ao seu ano de 2007, com o nº [2011]5005168515 e a conexa, de juros compensatórios, com o nº[2011]00002017905, de 24 de dezembro de 2011.

B. Da circunscrição da matéria de facto, provada e não provada, não constam as condições do contrato de arrendamento celebrado entre a Impugnante, ora recorrida, e os anteriores proprietários do imóvel em apreço, e que passou a ser propriedade de Investimentos Imobiliários J…, S.A.

C. Da mesma forma, que da matéria de facto, não constam as condições em que assentou a indemnização da Impugnante, ou seja, a forma de cálculo/apuramento, e que está no epicentro do presente quid.

D. No entendimento da Fazenda Pública estes factos são essenciais, ab initio, para a clarificação da quantificação da indemnização como ressurcitória, ou, sem prescindir, se a totalidade ou que parte desse valor.

E. Porquanto, desconhece-se da matéria de facto qual o prazo de duração do contrato de arrendamento, e nessa senda, quando é que o mesmo hipoteticamente terminaria, assim como outras eventuais cláusulas, que no seu computo pudessem interferir no respetivo juízo de descoberta da verdade material.

F. E nessa senda, da matéria de facto não consta como é que as partes chegaram ao cálculo do valor em apreço, invocado como compensatório, porquanto do Acordo de Revogação de Contrato de Arrendamento de 29-03-2007 e da Alteração de 30-07-2007 do referido Acordo.

G. Considerando que, da matéria de facto não constam esses factos, a Fazenda Pública entende, trazendo aqui à colação, a ocorrência de um vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provado.

H. Pelo que, a Fazenda Pública entende que, com o devido respeito, o Tribunal a quo deveria ter considerado no elenco da matéria de facto os elementos referentes ao contrato de arrendamento e ao cálculo da indemnização, e que caso, não constasse dos autos a respetiva prova sobre esses factos, sempre deveria ter considerado esse facto da matéria de facto não provada.

I. Sendo certo, que nos referimos a circunscrição e não aditamento, porquanto a douta sentença é omissa quanto aos factos não provados.

J. Portanto, a douta Sentença proferida pelo Ilustre Tribunal a quo padece de vício quanto a circunscrição da matéria de facto, e na subsequente impossibilidade de correto julgamento, na medida em que não julgou determinados factos ou a ausência deles, o que não traduz, em nosso entendimento, a correta valoração da prova, pela Impugnante e ora recorrida, dos factos por si alegado no libelo inicial.

K. Posto isso, não pode a Fazenda Pública, com o devido respeito, que é muito, conformar-se com o assim decidido, por ser seu entendimento que, in casu, ocorreu uma alteração substancial e manifesta das condições jurídicas e materiais da Impugnante, ora recorrida, e ainda, que continua por provar o nexo de causalidade entre o facto e o dano, atento que da matéria de facto não ficou demonstrado elementos essenciais do direito de arrendamento e fundamentação do cálculo dos danos sofridos, como fundamento de qualificação de indemnização ressarcitória, nos termos do art.9.º n.º1 al.b) do CIRS.

L. Portanto, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença recorrida enferma, de vício quanto à matéria de facto, conforme supra referido, e de erro de julgamento quanto a qualificação dos valores indicados a título de indemnização.

M. Nessa medida, importa reforçar que o ónus da prova dos factos alegados pela Impugnante, incumbia a esta, nos termos do art.74.º n.º1, da LGT, de modo a que a administração pudesse considerar a indemnização recebida como tendo uma mera função ressarcitória, logo não resultando então qualquer acréscimo patrimonial suscetível de tributação.

N. Assim, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, nos termos do art.562.º do Código Civil, o que não foi o caso, uma vez que a Recorrida adquiriu a qualidade de proprietária e não de arrendatária como tivera antes, alterando-se então substancialmente a natureza e as condições anteriores e excedendo-se agora muito claramente o fim tutelado pelo contrato de arrendamento.

O. Logo, importa reter que o legislador quando consagrou a não tributação das indemnizações por dano patrimonial, devidamente comprovado, visou excluir as situações em que não existe um incremento patrimonial, mas uma equivalência face à situação que existiria caso não se tivesse verificado o dano, nos termos do art.562.º do Código Civil.

P. Pese embora não constar da matéria de facto o contrato de arrendamento e respetivas condições, mas atento o disposto no ponto 1) da matéria de facto provada, ancorado nas fls 28 a 33 dos autos, o direito da Recorrida assentava num direito de arrendamento, que hipoteticamente começou em 1985, e que se desconhece, por exemplo, o seu prazo de duração, não constando tal facto da matéria de facto, conforme supra referido.

Q. Portanto, o direito do arrendatário é um direito obrigacional, entendido também como um direito de crédito.

R. Ao invés, sempre em suma, o direito de propriedade é um direito real, constituindo a consagração pelo respeito da propriedade privada, e que em termos constitucionais goza quase de proteção quase absoluta, garantindo-se de não ser arbitrariamente privado da propriedade e de ser indemnizado no caso de desapropriação.

S. Logo, ocorrendo uma contraposição entre um direito de obrigação e um direito real, é inegável, como vem sendo entendido uniformemente, que estamos perante direitos diferentes, comportando o direito real uma maior densidade jurídica, designadamente de proteção constitucional.

T. Aqui chegados, atenta a breve súmula dos direitos em presença, considerando que a Recorrida tinha uma expectativa jurídica assente numa obrigação derivada de um contrato de arrendamento, então passando a ter um direito de proprietário que deriva da contraprestação de da revogação da obrigação do direito de arrendamento, não existe uma correspondência de situações, nem qualquer equiparação.

U. Acresce, sem prescindir, da matéria de facto também não consta como é foi apurado o valor de contraprestação pela revogação do contrato de arrendamento, sendo que singelamente, apenas consta provado que a Recorrida acordou receber a quantia de 200.000,00€, e posteriormente apenas 199.000,00€, pela revogação do contrato de arrendamento.

V. Pelo que, não consta da matéria de facto que a respetiva causalidade entre o dano da perda do direito de arrendamento e a causa da revogação desse direito, ou seja, que valor corresponde ao efetivo perda do direito de arrendamento.

W. Porquanto, atento que do facto provado 1) consta que a renda era de 220,00€, então questiona-se como é se chegou ao valor de 200.000,00€?

X. Não se diga, como o Tribunal a quo, que tal definição de valores é irrelevante para o objeto dos autos, por estar abrangida pela liberdade contratual, mas pelo contrário, tal imputação de valores assume da máxima importância, e que não decorre da matéria de facto, com vista a compreendermos que valor corresponde a um verdadeiro ressarcimento pela perda do direito de arrendamento da Recorrida.

Y. Pelo contrário, tal imputação de valores assume da máxima importância, e que não decorre da matéria de facto, com vista a compreendermos que valor corresponde a um verdadeiro ressarcimento pela perda do direito de arrendamento, e outro corresponde a uma efetivamente indemnização, que naturalmente, constitui um verdadeiro acréscimo patrimonial da Recorrida com a inerente incidência de tributação.

Z. Como refere o Tribunal a quo, citando Mr. de la Palisse, é verdade que a indemnização intende a compensar a Recorrida da perda do direito de arrendamento, mas essa indemnização apenas não será tributada na justa medida que o valor estiver devidamente provado da sua relação económica com a perda do direito do arrendamento.

AA. Como por exemplo, e sempre por exemplo, por não constar da matéria de facto dos autos, e por isso o supra invocado vício, se a Recorrida pagava 220,00€ de renda mensal, então 199.000,00€, dariam para pagar cerca de 904 rendas, que por sua vez representariam 75 anos de renda……Será esse cálculo das partes, que não ficou provado e apenas ora hipoteticamente elevamos? Muito duvidamos…e se assim foi é claramente um valor irreal.

BB. E por ser irreal, são situações como hipoteticamente é a dos autos, face a ausência de matéria de facto assente, que como refere o Tribunal a quo quanto ao regime do art.9.º n. º1 al.b) do CIRS em vigor à data, que a legislador quis salvaguardar da inclusão de falsos acréscimos patrimoniais como indemnizações ressarcitórias ou por danos emergentes, dirigidas exclusivamente à reposição patrimonial.

CC. Portanto, reitera-se o entendimento composto da Fazenda Pública em sede de contestação, desde logo, porque estando em sede de vício sobre a circunscrição da matéria de facto e erro de julgamento dos factos dos autos, o realço esta em reforçar o entendimento coerente da Autoridade Tributária, desde os serviços inspetivos até a Fazenda Pública, demonstrando que o entendimento defendido ab initio é o correto e único possível, assente que a Recorrida não comprovou, como devia nos termos do art.74.º n.º1 da LGT, os danos efetivamente sofridos com o término do direito de arrendamento e não procedeu à sua quantificação, bem como ao nexo de causalidade entre facto e o fano, nos termos do art.563.º do Código Civil.

DD. Razão pela qual se impõe a sua revogação e substituição por Acórdão que declarando improcedente, por não provada, a impugnação, mantenha vigente, por legais, no ordenamento jurídico tributário, os atos de liquidação em crise.

EE.Finalmente, sendo a impugnação julgada totalmente improcedente, será a Impugnante, ora Recorrida, como parte vencida, que deverá suportar a totalidade do pagamento das custas, impondo-se, portanto, também nestes segmentos, a reforma da sentença recorrida.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., e em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, e substituída por Acórdão que julgue improcedente, por não provada, a impugnação judicial, e, em consequência, mantenha, vigentes no ordenamento jurídico tributário, por legais, a liquidação impugnada.

Todavia,

Decidindo, Vossas Excelências farão, como sempre, a costumada Justiça! “


***


A Recorrida devidamente notificada, apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:

“A) O presente recurso foi interposto pela Fazenda Pública contra a sentença proferida no processo n.º 3070/12.5BELRS, que julgou procedente a impugnação judicial que tinha por objeto o despacho de indeferimento da reclamação graciosa relativa ao ato de liquidação de IRS n.º 2011.5005168515, respetiva demonstração de liquidação de juros e de acerto de contas, referentes ao ano de 2007, bem como, estes atos propriamente ditos;

B) O entendimento da AT e da Fazenda Pública, de que o montante pago à Recorrida consubstanciou um ganho, para além de simplista, não tem aderência à realidade e, mais grave ainda, é manifestamente imparcial, o que é de demasiadamente grave numa situação em que a lei aplicável à data dos factos claramente afastava, como a Fazenda Pública bem sabe, do campo de incidência este tipo de indemnizações;

C) Os factos que foram dados como assentes na sentença recorrida são mais do que suficientes para se poder sustentar a exclusão de tributação da indemnização que foi paga à Recorrida, pelo que não era necessário, ao contrário do que alega a Fazenda Pública, dar como provado qualquer outro facto;

D) A Recorrida não pretendeu obter um ganho através do pagamento desta indemnização, mas tão somente conseguir ir viver para uma casa minimamente equiparável àquela em que há muitos anos habitava, pelo que o objetivo dessa indemnização foi, apenas e só, o de assegurar que conseguiria uma nova casa de morada para si – cfr. ponto 4. do probatório;

E) A habitação que foi adquirida pela Recorrida era claramente inferior à anterior, arrendada, pois tratou-se de uma casa com uma área significativamente mais pequena (um T3) e numa zona que, sendo residencial e uma referência em termos de qualidade e segurança, não era equiparável à zona centro de Lisboa;

F) Por isso, é justo questionarmos onde está o ganho a que a Fazenda Pública alude, quando esta bem sabe que arrendar uma casa semelhante àquela em que a Recorrida vivia era impossível, pois as rendas seriam muito superiores a € 220,00, sendo que, caso tivesse tentado adquirir uma casa igual, o valor de que necessitaria para o efeito seria bem maior;

G) Na realidade, a Recorrida acabou por adquirir uma casa manifestamente mais pequena, situada fora do centro de Lisboa, por € 150.000,00, a que acresceram as despesas devidamente comprovadas nos autos, pelo que o valor que lhe foi então pago pelo senhorio não foi, de forma alguma, despropositado;

H) Não faz qualquer sentido tentar equivaler o direito de arrendamento a um futuro de direito de propriedade, o qual nem sequer encontra aderência ao espírito e à letra da lei aplicável, apenas medindo a amplitude deste último direito em face do primeiro;

I) A Fazenda Pública acaba por legitimar a ingerência, por parte da AT, nas decisões da Recorrida, exigindo-lhe que arrendasse uma outra casa, nas mesmas condições que o anterior contrato de arrendamento, e limitando a sua (legítima) vontade em adquirir uma casa, sem que sejam indicados os critérios para apuramento do valor da indemnização a pagar;

J) Neste caso, as partes chegaram a acordo para a fixação de uma indemnização que permitisse à Recorrida conseguir ir viver para uma casa minimamente similar, em termos de condições de habitabilidade, espaço e localização, à anterior, pelo que qualquer outra construção que se possa fazer, na tentativa de apurar um montante indemnizatório que equivalesse per se ao valor das rendas vincendas, seria sempre irrazoável e não teria qualquer aderência à realidade e à forma como o arrendatário e o senhorio chegam a um consenso ou acordo, neste tipo de situações;

K) O Tribunal Recorrido enuncia, de forma cristalina, os motivos pelos quais a tese da AT e da Fazenda Pública nunca poderia ser atendida, quando refere que o dano, nesta situação, é notório e “decorre da natureza das coisas: ao renunciar ao direito ao arrendamento a Impugnante extinguiu-o e, consequentemente, perdeu-o. E a indemnização intende a compensá-la dessa perda. Mr. de la Palisse não diria melhor...Assim, o único sentido útil que pode extrair-se da posição subjacente aos atos é o de que a quantificação do dano, sendo consensual, não constitui uma sua comprovação. Mas este sentido também não tem a nossa concordância. Nem a velada alusão a que a Impugnante obteve da situação um incremento efetivo do seu património”;

L) Conforme bem explica o Tribunal, para apuramento do dano em causa, as Partes “atenderam quer à duração do contrato de arrendamento até então e ao montante da renda mensal paga, em cotejo com o que seria necessário à reinstalação da Impugnante numa habitação condigna e minimamente equivalente àquela de que largava mão, segundo os padrões atuais possíveis, i. e., praticáveis. E mais resulta que com sensatez e sentido de justiça o fizeram, no âmbito da sua liberdade contratual”;

M) Dúvidas não podem também existir, de que a equivalência a que a alude a Fazenda Pública, apesar de não ter cabimento na lei, até foi ponderada por parte do Tribunal Recorrido: “Efetivamente, o destino que à quantia indemnizatória a Impugnante deu, como que reflexamente, ilustra a posteriori, mas escassos meses depois, essa pretendida equivalência de situações. Com efeito, ela acabou por adquirir um apartamento muito menor que aquele de que abdicou, pelo que o défice de aplicação da indemnização na nova morada tem aí a sua explicação. Ainda assim, adquirindo uma casa manifestamente menor, com os encargos e obras inerentes e necessárias, despendeu nisso mais de três quartos da indemnização, se se abstrair do empréstimo que paralelamente contraiu – por cuja opção não há que sindicar, de resto. De todo modo, o emprego da indemnização tem o condão de demonstrar o equilíbrio pretendido, a tendencial equivalência entre o valor atribuído ao direito a que renunciou e o necessário ao seu estabelecimento numa situação nova mas algo equivalente do ponto de vista patrimonial/residencial”;

N) Quanto à questão específica da alegada insuficiência probatória da sentença, decorre do artigo 50.º do CPPT e do artigo 72.º da LGT, que a AT poderá, e deverá, utilizar todos os meios de prova admitidos em direito, no âmbito do procedimento, sendo que o ónus da prova dos factos constitutivos de direitos, sejam da AT ou dos contribuintes, impende sobre quem os invoque (cfr. artigo 74.º da LGT);

O) De facto, apesar de vir agora invocada a falta de exibição do contrato de arrendamento em questão, a verdade é que a AT, tendo tido várias oportunidades para o fazer, nunca solicitou a junção desse documento ao procedimento, quer à sociedade “Investimentos Imobiliários J…, S.A.”, quer à própria Recorrida;

P) Acresce que não faz qualquer sentido, quer em termos processuais, quer em face das normas que regulam a distribuição do ónus da prova pelas Partes, quer ainda dos deveres de condução, instrução e gestão processual e dos poderes de cognição que incumbem ao Tribunal (cfr. artigos 5.º e 6.º do Código de Processo Civil e 114.º do CPPT), alegar que o Tribunal Recorrida deveria ter considerado, no elenco da matéria de facto, os “elementos referentes ao contrato de arrendamento e ao cálculo da indemnização” ou que “caso, não constasse dos autos a respetiva prova sobre esses factos, sempre deveria ter considerado esse facto da matéria de facto não provada”;

Q) Tal só faria sentido se alguma das Partes tivesse trazido esses elementos de prova para os autos, e o Tribunal não lhes tivesse dado o devido relevo probatório; se a Recorrida tivesse sido instada a proceder à sua junção e não o fizesse, ou, ainda, se o Tribunal tivesse considerado que a análise das específicas cláusulas do contrato de arrendamento era absolutamente necessária para aferir da adequação da indemnização paga à Recorrida – o que não sucedeu;

R) Pelo que carece de qualquer fundamento o recurso, desde logo na parte referente ao alegado erro de julgamento da matéria de facto ou insuficiência probatória;

S) Quanto ao erro de julgamento do Direito, começamos por dizer que o destino propriamente dito da indemnização acabou por ser irrelevante, pois como se refere na sentença recorrida, o que estava em causa não era o destino em concreto dado à indemnização, pois a Recorrida “podia ter optado por viver de um outro modo qualquer e gastar a indemnização como muito bem lhe aprouvesse, mas sim a sua aptidão para demonstrar essa tendencial equivalência de situações, do arrendamento extinto v. custo económico da composição de uma situação àquele equiparável” -equivalência essa que se demonstrou ter ficado evidenciada;

T) Da redação do n.º 1 do artigo 12.º e do n.º 1 do artigo 9.º, ambos do Código do IRS, em vigor à data dos factos, resulta que as indemnizações que visam ressarcir danos emergentes comprovados não estavam sujeitas a qualquer tributação em sede de IRS;

U) Danos esses que, no caso que agora nos ocupa, ficaram devidamente comprovados - cfr. Documentos n.ºs 6 a n.º 12 que foram juntos com a p.i. e pontos 5 a 7 do probatório;

V) Em momento algum, a Fazenda Pública colocou em causa a efetiva comprovação daqueles danos, a sua quantificação ou mesmo a sua necessidade no caso concreto, limitando-se, neste particular, a invocar a diferença de densidade jurídica entre o direito de arrendamento, como direito obrigacional, e o direito de propriedade, como direito real;

W) A indemnização recebida não representou um acréscimo patrimonial, mas antes um reequilíbrio patrimonial que visou compensar o prejuízo patrimonial comprovadamente sofrido pela Recorrida, em virtude da renúncia do direito ao arrendamento, que teve na sua essência a abdicação deste direito;

X) O Tribunal Recorrido explicou, bem, a forma como essa indemnização teria que ser caracterizada: “(…) a quantia percebida pela Impugnante teve causa a sua abdicação do direito ao arrendamento habitacional de que era titular, como inquilina (sendo ela viúva à data dos factos, presumimos que o contrato tivesse sido celebrado por seu marido, daí figurar como sua transmissária). Configura por isso uma compensação pelo dano emergente da perda desse mesmo direito com conteúdo económico. Logo, cabe-lhe uma função ressarcitória dessa perda patrimonial, como decorre aliás dos termos contratuais que a estabeleceram, que apenas fazem referência à duração temporal do contrato de arrendamento a extinguir e à renda mensal então paga pela Impugnante. E, isto, ainda que noutros casos semelhantes possa admitir-se que reflexamente tais indemnizações possam outrossim contemplar compensação por perda da relação pessoal com um certo espaço vivencial, proporcionado pelo concreto locado que se abandona”;

Y) Nessa medida, para apuramento da compensação a pagar à Recorrida, foi estabelecida pelas Partes uma equivalência correspondente ao valor atribuído ao direito ao arrendamento, mas “no necessário à obtenção de uma posição equivalente do ponto de vista residencial”, tendo para o efeito em consideração as regras vertidas nos artigos 562.º e 566.º do Código Civil;

Z) Em face do disposto no n.º 2 do artigo 566.º do CC, não é necessário sequer fazer qualquer juízo de prognose para apuramento do valor a indemnizar, pois basta que seja possível, nesse momento, apurar os danos já comprovadamente incorridos pelo(a) lesado(a) – o que foi o caso;

AA) Em momento algum, o legislador ou a própria lei atribuíram natureza interpretativa à alteração promovida ao artigo 9.º, através da Lei n.º 82-E/2014, de 31.12, pelo que a mesma foi claramente inovadora e, nessa medida, não poderá aplicar-se a factos tributários formados antes dessa data – como é o caso – neste sentido, veja-se o acórdão do CADD, no processo n.º 67/2016-T ou o acórdão do TCAS, de 13/12/2019, proferido no processo n.º 628/09.3BELRS;

BB) Conforme esclareceu o Tribunal Recorrido, sobre esta alteração, “Diversamente, vigoraria agora para o caso a ressalva do art.12ºnº1 corpo e alínea d), acima transcrito, em correlação com o novo art.9ºnº1 corpo e alínea e). Mas não aquando dos factos. (…) Deste modo, tal tributação é ilegal por falta de norma, à época, porque além do elenco dos incrementos patrimoniais que a autorizariam, padecendo do vício de violação de lei, ofendendo ainda o princípio constitucional referido”;

CC) Assim e não existindo motivos para censurar o entendimento do Tribunal Recorrido, na medida em que não existia, à data, norma de incidência que legitimasse a tributação dos montantes recebidos pela Recorrida, pela renúncia “forçada” ao direito ao arrendamento, e comprovados que foram também os danos que essa mesma renúncia originou na sua esfera patrimonial, não pode proceder o recurso agora apresentado pela Fazenda Pública,

Termos em que, como na p.i., deverá o recurso apresentado pela Fazenda Pública ser julgado improcedente, por provado e, em consequência, manter-se a decisão proferida pelo Tribunal Recorrido e a anulação do ato de liquidação de IRS em crise, referente ao ano de 2007, com as demais consequências legais.”


***


O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul proferiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

***


Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***


II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida fixou a factualidade que infra se descreve:

“1. A Impugnante, M…, vivia desde 1 de março de 1985, mediante contrato de arrendamento então celebrado, num apartamento de várias assoalhadas e bem conservado, situado na Rua S…, no centro da cidade de Lisboa, na zona das P…, pelo qual em 2007 pagava uma renda mensal de €222,00.

2. A sociedade imobiliária que entretanto adquirira o edifício em que tal apartamento se integrava, pretendendo levar por diante um projeto imobiliário que implicava a demolição do edificado, propôs à Impugnante renunciasse ao referido contrato de arrendamento, mediante uma compensação pecuniária.

3. A Impugnante aceitou tal trato, pelo qual a nova senhoria lhe deu, em 29 de março de 2007, €100.000,00 e, €99.000,00, em 30 de julho de 2007.

4. Com essa quantia, a Impugnante tratou de conseguir uma nova casa de morada para si.

5. Veio assim a adquirir no dia 12 de outubro seguinte, pelo preço de €150.000,00 – recorrendo a um empréstimo bancário da quantia de €50.000,00 –, um apartamento habitacional tipologia T3, a fração AH do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o art.1…º da então freguesia de São João de Brito, descrito pela ficha 4… desta freguesia na 2ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, situado na Avenida …, tornejando para a Rua S… e para a Rua A…, também nesta cidade de Lisboa.

6. Por tal aquisição a Impugnante pagou €2.274,00 a título de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis e €1.225,00 a título de Imposto de Selo, bem como €493,04 de honorários ao Notário, para além de €1.500,00 de honorários ao Advogado que a representara nas negociações com a senhoria mencionada no ponto 2..

7. Nessa nova casa a Impugnante procedeu ainda a obras de reabilitação, nas quais despendeu €7.108,25.

8. Detetando que a Impugnante não declarara, pela sua declaração anual para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, respeitante a 2007, ter percebido aquela indemnização, a Administração Tributária procedeu, através dos seus serviços competentes, a uma ação inspetiva à Impugnante [ordem de serviço nºOI201105023, de 9 de setembro de 2011], de caráter externo, cingida àquele ano e a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

9. No termo de tal procedimento concluiu-se no respetivo relatório final, de 16 de dezembro de 2011, que a indemnização constituía um incremento patrimonial de 2007, sujeito a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, porque o dano emergente da renúncia, que intendia a reparar, não estava comprovado, art.9ºnº1 corpo e alínea b) do respetivo Código.

10. Assim, enquadrando a indemnização na categoria G do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, propôs-se naquele relatório se procedesse à correção técnica dos rendimentos declarados [€23.460,56], por acréscimo do valor daquela, perfazendo o rendimento coletável da Impugnante, em 2007, de €222.460,56.

11. Sob tais conclusões inspetivas, aprovadas por despacho de 22 de dezembro de 2011, foi elaborado documento de correção, com os demais elementos já antes declarados pela Impugnante.

12. Depois disso, a Administração Tributária elaborou à Impugnante, 24 de dezembro de 2011, uma liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, relativa ao seu ano de 2007, com o nº[2011]5005168515 que, sob o supra-referido rendimento global, determinou uma coleta líquida de €93.688,33; elaborou-lhe ainda uma liquidação de juros compensatórios, com o nº[2011]00002017905 [valor base: €81.264,44; período: 30 de abril de 2008 a 16 de dezembro de 2011; taxa: 4%], no montante de €11.806,80.

13. Do estorno da liquidação originária e acerto com aquelas, com o nº[2011]00007468565, de 27 de dezembro de 2011, resultou então uma dívida de imposto e juros compensatórios no montante global de €93.072,24, com prazo de pagamento com termo a 1 de fevereiro de 2012.

14. Perante isso, no dia 16 de fevereiro de 2012 a Impugnante reclamou graciosamente daquelas liquidações [procedimento este a que coube o nº3107201204002784 no Serviço de Finanças de Lisboa 8], pedindo a exclusão da tributação da indemnização com fundamento em que não constitui acréscimo, mas compensação definida, no âmbito da liberdade contratual e não abusiva, para a perda patrimonial sofrida, invocando ainda que o art.9ºnº1 corpo e alínea b) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares apenas excluía da não tributação indemnizações por danos de natureza não patrimonial e não fixados judicialmente, indicando ainda os supra-referidos gastos como comprovação final da função da indemnização.

15. No termo do procedimento mencionado no ponto anterior foi proferida decisão de indeferimento, de 16 de novembro de 2012, reiterando o fundamento de que o quantum do dano patrimonial emergente da renúncia se não mostrava efetivamente comprovado, como o exigia a norma de exclusão de tributação.

16. Tendo dessa decisão sido a Impugnante notificada a 21 de novembro de 2012, no dia 7 de dezembro seguinte apresentou a petição na origem dos presentes autos.”


***


A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte:

“Não há outros factos provados que relevantes sejam para a apreciação da causa, sendo certo que se entende que os encargos da Impugnante emergentes da sua nova posição de condómina decorrem do que ficou provado – do mesmo modo que a cessação do pagamento de renda, como inquilina, se extrai da sua renúncia ao arrendamento!… Como quer que seja, não se vê que esta matéria seja relevante, segundo as soluções plausíveis de direito, para os assinalados temas da decisão, tendo-se já condescendido na fixação dos encargos com aquisição e melhoria da nova habitação, mas aqui por mor da clareza quer quanto à função da indemnização, quer mesmo acerca da sua efetiva utilização e função concretas.”


***


A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

“Assim, a formação da convicção sobre os factos provados assentou-a o Tribunal na prova documental junta aos autos, sendo que também se não observam divergências entre as partes quanto a nenhum dos factos. Assim, o teor dos pontos 1.-3. extraiu-se do contrato e sua alteração, constantes de fls.28-33 dos autos; o que ficou vertido nos pontos 4.-6. retirou-se da escritura de aquisição da fração habitacional e contrato de mútuo que a instrói complementarmente, de fls.34-51 e das liquidações dos tributos e honorários no último desses pontos referidos, de fls.82-84 da reclamação graciosa; já o que se consignou no ponto 7. retirou-se das faturas das obras no apartamento, de fls.55-63 dos autos, cuja natureza e referências nominativas e temporais permitiram aferir da sua pertinência; o teor dos pontos 8.-11. retirou-se do extrato do procedimento inspetivo, designadamente o seu relatório final e os atos de aprovação subsequentes, de fls.23-31 da reclamação graciosa; o que se contém nos pontos 12.-13. está retratados nas demonstrações das liquidações e no acerto de contas, de fls.10-12 da reclamação graciosa; o descrito nos pontos 14.-16., naturalmente, retirou-se da análise do iter e teor da reclamação graciosa e, quanto à apresentação da petição inicial destes autos, da notação nela aposta nessa circunstância. Em suma, esta documentação, como dito sobre factos incontroversos, serviu de suporte probatório dos factos, reconhecendo-se-lhe a força probatória para tanto, na medida em que a sua fidedignidade não foi posta em causa, nem se mostra controvertida, sendo que sobre a sua correspondência com os originais não se suscitou dúvida alguma, conforme dispõem os arts.369ºnº1, 370ºnº1 e 371ºnº1 do Código Civil e arts.373ºnº1, 374ºnº1 e 376ºnº1 do mesmo diploma, quanto aos documentos públicos e particulares, respetivamente, em conjugação com o seu art.383ºnº1 no caso das certidões, cfr. ainda o disposto no art.34ºnº2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”


***


Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração. (1-Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.)

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação dos factos que infra se identificam, por referência à sua enumeração em 1.ª instância:

3) No âmbito da situação descrita em 2), foi celebrado, a 29 de março de 2007, escrito denominado de “Acordo de revogação do contrato de arrendamento”, entre Investimentos Imobiliários J…, SA, enquanto 1º outorgante e na qualidade de legítimo proprietário do imóvel melhor identificado em 1), e M…, enquanto 2º outorgante e na qualidade de transmissária do contrato de arrendamento evidenciado nesse mesmo ponto, do qual se extrata, na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

(cfr. contrato, a fls. 28 a 30 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);

9. No âmbito da ação de Inspeção Tributária referida em 8), foi elaborado Relatório de Inspeção Tributária, datado de 16 de dezembro de 2011, do qual se extrata na parte que para os autos releva, e atinente aos fundamentos das correções meramente aritméticas realizadas à matéria coletável, designadamente, o seguinte:



«Imagem em texto no original»


«Imagem em texto no original»



(cfr. Relatório de Inspeção Tributária a fls.23 a 31 do procedimento de reclamação graciosa);


***


Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

17) A 30 de julho de 2007, na sequência da outorga do referido em 3), foi celebrado escrito denominado de “Alteração ao acordo de revogação do contrato de arrendamento e recibo de quitação”, do qual se extrata, designadamente, o seguinte:









(cfr. alteração ao contrato, constante de fls. 30 a 33 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);


***


III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação deduzida contra o ato de liquidação de IRS, referente ao ano de 2007, no valor de €105.495,13, incluindo juros compensatórios.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Face ao exposto, as questões sob recurso e que importa decidir são as que infra se enumeram:

i. Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, importando, assim, aferir se impugnou a matéria de facto cumprindo os requisitos contemplados no artigo 640.º do CPC, e em caso afirmativo se procede o requerido aditamento, por complementação, da matéria de facto;

ii. Se o Tribunal a quo, incorreu em erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, por ter ajuizado que a quantia auferida a título de indemnização pela rescisão de contrato de arrendamento não configurava um incremento patrimonial passível de tributação na Categoria G, mediante subsunção normativa no artigo 9.º, nº1, alínea b), do CIRS.

Comecemos, então, por apreciar o erro de julgamento de facto.

No caso vertente, aduz a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, na medida em que da circunscrição da matéria de facto, provada e não provada, não constam as condições do contrato de arrendamento celebrado entre a Impugnante, ora Recorrida, e os anteriores proprietários do imóvel em apreço, e bem assim as condições em que assentou o arbitramento da indemnização visada, realidades vitais para a qualificação da verba enquanto meramente compensatória, e sem qualquer fito de incremento patrimonial.

Mais propugnando que, de todo o modo, não constando dos autos a respetiva prova sobre esses factos, sempre teriam de ser considerados enquanto factos não provados.

Para o efeito importa, desde já, convocar o teor do artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de primeira Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Tem, por isso, de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida ou o aditamento de novos factos ao acervo probatório dos autos (2-António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.).

Mais importa ter presente que “[q]uestão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais (3-Henrique Araújo: “A matéria de facto no processo civil”, publicado no site do Tribunal da Relação do Porto, acessível em www.trp.pt).

Daí que, “as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado (4-Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de julho de 2018, proferido no processo nº 1193/16.1T8PRT.P1).

Ora, tendo por base as alegações da Recorrente e o quadro normativo atinente à impugnação da matéria de facto, importa, desde logo, relevar que a mesma não cumpriu os requisitos atinentes ao efeito, na medida em que convoca um aditamento por complementação, de forma absolutamente conclusiva e não consubstanciada, não evidenciando, tão-pouco, a concreta roupagem do facto a aditar.

Sem embargo do exposto, sempre se dirá que as asserções fáticas concernentes ao contrato de arrendamento e reputadas de relevo se encontram refletidas no ponto 1 do probatório.

Acresce, outrossim, sublinhar que atentando no Relatório de Inspeção Tributária é facto assente e não controvertido a outorga do contrato de arrendamento, e a sua concreta circunscrição temporal, logo carece de qualquer relevo o expendido pela Recorrente quanto às particulares condições desse mesmo contrato, e ao específico alcance e concreta qualificação da natureza da verba, porquanto não integrantes da fundamentação contemporânea do ato.

E precisamente pelas mesmas ordens de razão, não procede, outrossim, o aduzido quanto à expressa consignação dessa realidade enquanto factualidade não provada, sendo certo que, há que sublinhar e adensar para o efeito que, era à AT que competia comprovar o caráter compensatório e de incremento patrimonial, e a verdade é que, como evidenciado anteriormente -e que será analisado com superior propriedade, em sede de própria- a AT não elegeu as condições particulares do contrato de arrendamento, como vitais para efeitos de subsunção normativa no artigo 9.º, nº1, alínea b), do CIRS.

Uma última nota para evidenciar que não assiste razão ao evidenciado em I), na medida em que se encontra contemplada a factualidade não provada. É certo que, não representa a melhor e mais adequada técnica jurídica porquanto coadunada com uma natureza excludente e residual, contudo, ainda assim, perceciona-se que o Tribunal a quo entendeu que inexistem factos alegados não provados com relevância para a decisão da causa.

E por assim ser, rejeita-se a impugnação da matéria de facto.


***


Aqui chegados, dirimida a aludida questão, corporizados os competentes aditamentos à matéria de facto por parte deste Tribunal, e ao abrigo dos seus poderes de cognição, encontra-se, portanto, estabilizada a competente matéria de facto.

Face ao exposto, cumpre, ora, apreciar do erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

A Recorrente alega, desde logo, que a Recorrida não cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia, continuando por provar o nexo de causalidade entre o facto e o dano, e a inerente qualificação ressarcitória da indemnização, nos termos do artigo 9.º, n.º1, alínea b), do CIRS.

Mais defendendo que o Tribunal a quo não valorou adequadamente a existência de alteração substancial e manifesta das condições jurídicas e materiais, na medida em que são distintos o direito de arrendamento e o direito de propriedade.

Adensa, para o efeito, que a ratio da consagração da não tributação das indemnizações por dano patrimonial, devidamente comprovado, visou, tão-só, excluir as situações em que não existe um incremento patrimonial, mas sim uma equivalência face à situação que existiria caso não se tivesse verificado o dano, nos termos do artigo 562.º do Código Civil.

Sublinhando que, in casu, tal não sucedeu na medida em que a Recorrida tinha apenas uma expectativa jurídica assente numa obrigação derivada de um contrato de arrendamento, e passou a ser proprietária não existindo, portanto, qualquer correspondência de situações, nem qualquer equiparação.

Conclui, assim, pela existência de um acréscimo patrimonial tributado nos moldes propugnados pela AT.

Dissente a Recorrida, evidenciando, desde logo, que não se perceciona o alcance do juízo de entendimento da Recorrente quando advoga que não resulta demonstrado o nexo entre o facto e o dano, e que a indemnização visou ressarcir e repor os danos decorrentes e emergentes da revogação do contrato de arrendamento, na medida em que a mesma se encontra patente no probatório e de forma absolutamente clara.

Mais advoga que, a Recorrente está ciente que o legislador não pretendeu, até à reforma realizada em 2014, tributar as indemnizações em questão, e ainda assim tentou contornar aquela exclusão de tributação, invocando a necessidade de uma total equiparação entre o direito a que a Recorrida renunciou (arrendamento) e o direito que foi por si adquirido (propriedade), por força da indemnização paga, e sem qualquer respaldo na letra da lei.

Conclui, assim, que resulta demonstrado que as partes chegaram a acordo para a fixação de uma indemnização que permitisse à Recorrida conseguir ir viver para uma casa minimamente similar, em termos de condições de habitabilidade, espaço e localização, à anterior, logo uma indemnização para reparar um dano emergente e sem qualquer intuito de incremento patrimonial.

O Tribunal a quo, por seu turno, esteou a procedência, relevando, desde logo, que:

“[o] fulcro do entendimento ali defendido, o que a precipita, é o de que não havia demonstração do dano emergente, de que não se tratava, na expressão legal, de um dano emergente comprovado.
Se bem se observa, uma tal proposição é destituída de sentido. Com efeito, o dano é notório e decorre da natureza das coisas: ao renunciar ao direito ao arrendamento a Impugnante extinguiu-o e, consequentemente, perdeu-o. E a indemnização intende a compensá-la dessa perda. Mr. de la Palisse não diria melhor... Assim, o único sentido útil que pode extrair-se da posição subjacente aos atos é o de que a quantificação do dano, sendo consensual, não constitui uma sua comprovação. Mas este sentido também não tem a nossa concordância. Nem a velada alusão a que a Impugnante obteve da situação um incremento efetivo do seu património. (…)”

Convocando, neste âmbito, que a indemnização foi arbitrada no âmbito da sua liberdade contratual, sublinhando, para o efeito, que “[o] destino que à quantia indemnizatória a Impugnante deu, como que reflexamente, ilustra a posteriori, mas escassos meses depois, essa pretendida equivalência de situações. (…).”

Adensando, assim, que o “[a]rt.9ºnº1 corpo e alíneas, maxime b), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares não incluía como fonte de incrementos patrimoniais sujeitos nenhum daqueles cuja fonte são prestações decorrentes da execução de negócio jurídico pelo qual as partes fixam um dado quantum indemnizatório sobre um dano patrimonial emergente, desde que com uma causa concreta, demonstrada, comprovada, mas sim daqueles cuja causa permanecesse obscura, não demonstrada ou fosse insondável.”

Densificando, neste âmbito, que só com a entrada em vigor da “[L]ei 82-E/2014 de 31 de dezembro, que aditou ao citado art.9ºnº1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares uma alínea, a alínea e),” passou a estar expressamente previsto “[a] tributação de indemnizações como aquela aqui em causa.”

Para depois concluir, que “[a] liquidação operada, como depois a decisão da reclamação graciosa, operam e caucionam, respetivamente, uma tributação que estava então excluída pelas normas de incidência do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e, em particular, pelos arts.9ºnº1 corpo e alínea b), ou 12º a contrario, ambos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na redação vigente em 2007.”

Vejamos, então, se a decisão recorrida padece dos erros de julgamento que lhe são assacados.

Comecemos, então, por convocar o quadro normativo que releva para o caso vertente.

Preceituava à data da prática dos factos tributários, o artigo 9.º, nº1, alínea b), e nº4, do CIRS, sob a epígrafe “Rendimentos da categoria G”, o seguinte:

“1 - Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias: (…)
b) As indemnizações que visem a reparação de danos não patrimoniais, excetuadas as fixadas por decisão judicial ou arbitral ou resultantes de transação, de danos emergentes não comprovados e de lucros cessantes, considerando-se neste último caso como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão (…)
4 - Os incrementos patrimoniais referidos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do presente artigo constituem rendimento do ano em que são pagos ou colocados à disposição.”

Mais estatuía o artigo 12.º, nº1, do CIRS, relativamente à concreta “delimitação negativa de incidência”, que:

“1 - O IRS não incide sobre as indemnizações recebidas ao abrigo de contrato de seguro ou devidas a outro título, salvo quando:
a) As indemnizações devam ser consideradas como proveitos para efeitos de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais;
b) Se trate das indemnizações referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º;
c) Se trate das indemnizações relativas a bens sinistrados, de harmonia com o artigo 43.º do Código do IRC;
d) Neste Código se disponha diferentemente.”

Ora, da interpretação conjugada dos aludidos normativos resulta que, à data, se encontravam sujeitas a tributação as indemnizações visando a reparação de danos não patrimoniais, ressalvadas as ordenadas por decisão judicial ou arbitral ou resultantes de acordo homologado judicialmente, as concernentes a danos emergentes não comprovados, e bem assim as respeitantes a lucros cessantes, sendo que nesta última situação entende-se como tal as que se destinem, somente, a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão.

Como doutrina José Guilherme Xavier de Basto (5-In IRS Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, página 362.), as indemnizações por danos emergentes não são tributadas enquanto rendimento da Categoria G, desde que devidamente comprovadas, pela simples razão de que as mesmas “são acréscimos patrimoniais que simplesmente compensam decréscimos provocados pelo dano inflingido, pelo que não são acréscimos líquidos e só estes são tributáveis, só estes constituem rendimento para efeitos fiscais.”

Mais importa relevar, para o efeito, que o aludido normativo foi objeto de alteração com a Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro (Reforma IRS 2014), a qual aditou ao nº 1, do artigo 9.º do CIRS, a alínea e), com o seguinte teor:

“e) As indemnizações devidas por renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis.”

Daí resultando, portanto, que a partir dessa alteração legislativa -sem atribuição de carácter interpretativo, donde, inovador –constitui regra de incidência e tributação enquanto incremento patrimonial na Categoria G, as indemnizações comprovadamente pagas pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos relativos a bens imóveis.

Ainda quanto ao concreto âmbito de delimitação das mais valias, doutrina Paula Rosado Pereira (6-Estudos sobre o IRS-Rendimentos de Capitais e Mais Valias, Almedina: fevereiro de 2005, pp. 88 e 89.) “As mais-valias correspondem a ganhos ou rendimentos de carácter ocasional ou fortuito, e que não decorrem de uma actividade do sujeito passivo especificamente destinada à sua obtenção, mas relativamente aos quais o princípio da capacidade contributiva determina a sujeição a imposto.”

Resulta, assim, que subjacente à tributação enquanto mais valias se encontra um acréscimo patrimonial na esfera do sujeito passivo, que tem como norteador basilar o princípio da capacidade contributiva.

Aliás, tal é a expressão do princípio vertido no artigo 4.º, n.º 1 da LGT, no sentido de que a capacidade contributiva será revelada pela existência de rendimentos, riqueza e a utilização que o sujeito faz da mesma.

Visto o direito que releva para o caso vertente, consideremos, então, qual a fundamentação contemporânea do ato e que fundou as correções aritméticas e o ato impugnado, atentando, natural e exclusivamente, para o que resulta do Relatório de Inspeção Tributária.

Dele dimana, mediante descrição da competente situação factual, que face ao recebimento no ano de 2007, da quantia de €199.000,00 a título de contrapartida pela revogação de contrato de arrendamento, e convocação dos normativos 1.º, 9.º, nº1, alínea b), e nº4, do CIRS, a aludida indemnização paga pelo senhorio é alvo de tributação, na medida em que se destina a reparação de danos emergentes, não comprovados.

Mais evidenciando que, a partir da entrada do Novo Regime do Arrendamento Urbano, ou seja, 28 de junho de 2006, essas indemnizações passaram a não estar excluídas de tributação, e que não obstante a existência de custos morais associados, mormente, perda de alguns costumes enraizados, perda de vizinhança ou o acesso a determinados equipamentos sociais mais próximos da zona de residência, a verdade é que tal recebimento comportava um incremento patrimonial, logo deveria ter sido declarada enquanto tal.

Ora, tendo por base a aludida fundamentação jurídica e o acervo fático dos autos, ter-se-á de secundar o entendimento do Tribunal a quo no sentido de que, à data da prática dos factos tributários, uma situação factual com o do contorno dos autos, não era passível de subsunção normativa no citado artigo 9.º, nº1, alínea b), do CIRS.

Senão vejamos.

Do recorte probatório dos autos, resulta, desde logo, que a Recorrida, mediante outorga de contrato de arrendamento, e pagamento de renda mensal, a qual ascendia no ano de 2007, a €222,00, vivia desde 1 de março de 1985, num apartamento de várias assoalhadas e bem conservado, situado na Rua S…, no centro da cidade de Lisboa, na zona das P….

Na sequência de aquisição do locado, e com o desiderato de construção de um projeto imobiliário, o qual implicava a demolição do edificado, a sociedade adquirente investimentos imobiliários j…, sa propôs à Recorrida que renunciasse ao aludido contrato de arrendamento, mediante uma compensação pecuniária.

Nessa decorrência, a 29 de março de 2007, foi celebrado um acordo de revogação do contrato de arrendamento, do qual resultava, expressamente, que face à intenção de demolição do imóvel e edificação de um novo projeto imobiliário, a Recorrida anuía com a revogação do seu direito e contrato de arrendamento, mediante o pagamento de uma quantia total no valor de €200.000,00, cujo valor seria pago em duas prestações, 50% na data da outorga da revogação e os remanescentes 50% na data da restituição do locado, estipulado, para o efeito, a 29 de setembro de 2007.

Acordo esse que, foi objeto de alteração a 30 de julho de 2007, na medida em que a Recorrida demonstrou ter absoluta necessidade de receber, por antecipação, a quantia de €100.000,00, o que foi concretizado pela sociedade adquirente, mediante recurso a um empréstimo bancário. Contudo, face ao vencimento de juros remuneratórios no valor de €1.000,00, tal determinou que o valor da segunda tranche corporizasse, justamente, esse montante enquanto expressão quantitativa, auferindo a Recorrida, nessa data, apenas a quantia de €99.000,00.

Mais resultou provado que, esse valor foi canalizado para a aquisição, de um apartamento habitacional tipologia T3, designado de fração AH, do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1…º da, então, freguesia de São João de Brito, descrito pela ficha 4… desta freguesia na 2ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, situado na Avenida …. Tendo, outrossim, recorrido a um empréstimo bancário adicional na quantia de €50.000,00.

Dimanando, igualmente, assente que para efeitos da visada aquisição a Impugnante pagou €2.274,00 a título de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis, €1.225,00 a título de Imposto de Selo, bem como €493,04 de honorários ao Notário, para além de €1.500,00 de honorários ao Advogado mandatado para efeito das competentes negociações.

Promanando, ainda, enquanto gasto, devidamente comprovado, que a mesma despendeu €7.108,25 a título de obras de reabilitação.

Ora, face à realidade em apreço, e inversamente ao propugnado pela Recorrente, está perfeitamente justificado, e inteiramente documentado, donde demonstrado, de forma idónea e inequívoca, qual o intuito da presente compensação, e a verdade é que, à data da prática do facto tributário, a mesma não se subsumia na aludida norma de incidência.

Mais importando sublinhar que, em nada releva, neste e para este efeito, e contrariamente ao advogado pela Recorrente, o concreto cômputo do valor arbitrado em termos de indemnização, na medida em que contido na autonomia da vontade e da liberdade contratual, e bem assim as condições particulares do contrato de arrendamento, porquanto exorbitam as premissas que norteiam o incremento patrimonial líquido que visa tributar. Aliás, a própria fundamentação contemporânea do ato legitima, de forma inequívoca, essa concreta irrelevância, na medida em que nunca foi convocado para efeitos de subsunção e tributação na Categoria G.

De relevar, neste concreto particular, que o princípio da liberdade contratual atua numa dupla vertente de liberdade de celebração e de liberdade de modulação do conteúdo do contrato, conforme dimana do preceituado no artigo 405.º do CC, o que significa que as partes, dentro dos limites da lei, podem fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos no CC, incluir ou modificar nestes as cláusulas que lhes aprouver. Não competindo, à AT sindicar a bondade de qualquer rescisão contratual, mormente estabelecendo premissas, exclusivamente, alocadas a um valor diminuto da renda (7-Vide, Acórdão do STA, prolatado no processo nº 3104/11, de 29.01.202, e deste TCAS, proferido no processo nº 1503/10, de 02.02.2023.).

De sublinhar, outrossim, que não logra mérito o aduzido pela Recorrente no sentido de que a inexistência de tributação da quantia visada enquanto incremento patrimonial, estava dependente da existência de uma total equivalência entre o direito objeto de rescisão e o direito ulteriormente obtido, por um lado, porque da letra do normativo em contenda o que resulta como predicado e pressuposto de tributação é que existindo indemnização por dano emergente a mesma não resulte comprovada, em nada implementando qualquer requisito em termos de concreta equivalência, e por outro lado, porque a ratio do legislador não se compadecia com esse tipo de exigência.

Acresce que, apelando às próprias regras da experiência se consegue percecionar o concreto dano, não fazendo qualquer sentido tentar equivaler o direito de arrendamento a um futuro de direito de propriedade, como visto, sem substrato e fundamento, quer na letra, quer na ratio legis, apenas medindo a amplitude deste último direito em face do primeiro.

Secundando-se, assim, o evidenciado pelo Tribunal a quo no sentido de que a perda do conteúdo da posição ativa que mantinha sobre o locado, que tem necessária expressão económica, não era, à data, subsumível na Categoria G, e nos normativos citados, não estando, por isso, à data sujeita a tributação.

É certo que, como já evidenciado anteriormente, a Reforma do IRS, do ano de 2014, inclui na norma de incidência uma nova realidade, mas a verdade é que a mesma não tem caráter interpretativo, e à data a que se reporta o facto tributário em contenda, não estava previsto que as indemnizações devidas por renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis, pudessem ser objeto de tributação (8-Vide, neste sentido, Manual de IRS, de Paula Rosado Pereira, página 276.).

Neste âmbito, basta atentar no Anteprojeto da aludida Reforma do IRS, particularmente, no ponto 4.1.12.10, no qual se extrata, designadamente, o seguinte: “A par com o que, como já referimos, acontece no âmbito das mais-valias de partes sociais e de outros valores mobiliários, também no caso das mais-valias imobiliárias se regista um regime injustificadamente restritivo ao nível das despesas elegíveis para efeitos da determinação destas mais-valias, pois a lei excluiu a dedutibilidade de gastos efetiva e necessariamente suportados para a respetiva obtenção. Com o objetivo de assegurar uma tributação mais justa, que atenda à real capacidade contributiva, entende-se que deve ser alargado o leque de despesas a considerar na determinação de mais e menos-valias, passando a incluir as indemnizações comprovadamente pagas pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos relativos a bens imóveis. Em contrapartida, prevê-se expressamente que aquelas indemnizações constituam incrementos patrimoniais passíveis de tributação na esfera dos respetivos beneficiários”.

É, portanto, inequívoco que com um intuito a montante de agilização do mercado imobiliário, o legislador estatuiu que a partir dessa altura, existe uma atuação, diríamos que simétrica, porquanto se implementa uma nova despesa relevante para efeitos de cálculo das mais-valias imobiliárias e, em simetria, e como compensação inovadora passam a constituir incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, as indemnizações devidas por renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis.

Neste particular, veja-se o Aresto do STA prolatado no processo nº 3104/11, de 29 de janeiro de 2020, cujo sumário se transcreve:

“I-Em concordância com o princípio da legalidade dos impostos, estes só podem ser cobrados quando se verificam os pressupostos aos quais a lei condiciona a existência de uma obrigação fiscal devendo o intérprete cuidar de a conceber em termos restritos, aplicável, consequentemente, apenas aos casos e situações inequivocamente naquela previstos.
II - A tributação só pode resultar da verificação concreta de todos os pressupostos tributários, como tais previstos e descritos, abstractamente, na lei de imposto. Se não se verificar um dos pressupostos, já não é possível a tributação, por obediência ao princípio da tipicidade do imposto.
III -No Direito Tributário, a tipologia é dominada não só por um princípio de taxatividade como também por um princípio de exclusivismo. Opera-se o fenómeno que a lógica jurídica designa por implicação intensiva. Verifica-se a implicação intensiva sempre que os elementos enunciados no pressuposto não são apenas suficientes, mas ainda necessários para a verificação da consequência: se esses elementos se verificarem, segue-se a consequência, mas esta só se segue, se eles se verificarem.
IV -As indemnizações devidas por renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias (artigo 9º, nº1, alínea e) do CIRS).
V -Esta norma de incidência foi introduzida pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro (Lei da Reforma do IRS). Anteriormente, as indemnizações por renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis não se encontravam sujeitas a tributação em sede de IRS, em virtude da inexistência de norma de incidência específica que as previsse.
VI -Assim, no tocante à renúncia onerosa a posições contratuais, designadamente, a cessação de contrato de arrendamento rural não estava contemplada nas normas de incidência do IRS, concretamente enquanto rendimento da categoria G, previsto no artigo 9º, nº1, alínea b) até porque, se a primitiva redacção já pretendesse abranger estes ganhos, seria natural que se atribuísse à nova redacção natureza interpretativa, à semelhança do que é usual fazer-se nas leis orçamentais, quando se pretende que as novas redacções (clarificadoras) se apliquem às situações potencialmente abrangidas pelas anteriores redacções.
VII) Significa que a partir da Reforma do IRS de 2014, há uma nova despesa relevante para efeitos de cálculo das mais-valias imobiliárias e, em compensação, uma ampliação simétrica, inovadora, da norma de incidência tributária, a que corresponde a referida alínea e) do nº 1 do artigo 9.º do Código do IRS.”

No mesmo sentido, vide, designadamente, Acórdãos deste TCAS, proferidos nos processos nºs 36/12, de 15.04.2021, e 628/09, de 13 de dezembro de 2019.

Assim, face ao exposto, ter-se-á que concluir que a indemnização auferida não se encontrava sujeita a tributação, logo a sentença recorrida que assim o decidiu não padece do erro de julgamento que lhe é assacado, devendo, por conseguinte, manter-se.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Registe. Notifique.

Lisboa, 16 de maio de 2024

(Patrícia Manuel Pires)

(Maria Isabel Silva)

(Cristina Coelho da Silva)