Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:41/04.9BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:04/28/2022
Relator:ANA CRISTINA DE CARVALHO
Descritores:INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA
AUDIÊNCIA PRÉVIA
NOTIFICAÇÃO
DEVOLUÇÃO DE CARTA REGISTADA
Sumário:I - A notificação com vista ao exercício do direito de audição prévia sobre as conclusões do relatório deve ser efectuada para o domicílio do inspeccionando através de carta registada, com a indicação clara do remetente.
II - A sua devolução ao remetente antecedida de aviso e acompanhada da indicação de não ter sido reclamada pelo destinatário, opera a presunção de notificação para o efeito da aludida audição prévia prevista no artigo 43.º n.º 1 do RCPIT.
III - Em causa a determinação dos proveitos da sociedade obtidos com a venda dos terrenos em apreço, pelo que importa atender ao valor declarado nas escrituras de compra e venda, salvo demonstração de erro, vício ou simulação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO

O Representante da Fazenda Pública, veio interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou procedente a impugnação deduzida por J…, contra as liquidações de IRS respeitantes aos anos de 1999 e 2000 e juros compensatórios n.os 532….. e 5323…….., no montante, respetivamente, de € 83 20,96 e de € 47 069,45 (o que perfaz um total de € 130 490,41) e, em consequência, anulou as sobreditas liquidações.
O Recorrente termina as alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
a) Quanto ao fundamento de ilegalidade de preterição do direito de audição prévia por parte da inspecção tributária, foi violado pela douta sentença o artigo 60/3 da LGT à data em vigor (actual artigo 60/4 da LGT), o artigo 43/1 do RCPIT, os artigos 349°, 350°, 346°, 347°, 364°, 376°, todos do Código Civil, tendo-se verificado a desconsideração, pela douta sentença de prova, quer testemunhal, quer documental, junta aos autos. Quanto ao fundamento de ilegalidade de natureza substantiva, que conduziu à anulação parcial da liquidação de IRS/2000, foi violado pela douta sentença o artigo 74/1 da LGT e 342/1 do Código Civil, o princípio da capacidade contributiva manifestada pelo impugnante patenteada no relatório de inspecção tributária ora em causa e nos presentes autos.
b) A douta sentença, relativamente a todas as ilegalidades invocadas pelo impugnante veio a dar-lhe razão em duas: uma de natureza procedimental, inquinando ou repercutindo-se em todas as correcções efectuadas à matéria colectável dos exercícios de 1999 e 2000 ora em causa - a consideração de que a administração tributária não notificou o ora impugnante do projecto de relatório para exercer o direito de audição nos termos do artigo 60/1 alínea e) da LGT (e do artigo 60° do RCPIT); e outra de natureza substantiva, circunscrevendo-se a uma correcção aos proveitos omitidos no exercício de 2000: vício de violação de lei, ao ter sido dada importância a uma fotocopia de um contrato-promessa de compra e venda em detrimento de uma escritura pública.
c) Tendo em conta que a invocada ilegalidade procedimental - violação do direito de audição prévia que o tribunal “a quo” deu como provada, vem inquinar as correcções à matéria colectável e, logo, as liquidações de IRS/1999 e 2000 na sua totalidade (ao contrário da ilegalidade de natureza substantiva), é por aquela que a fazenda inicia a sua defesa.
d) Conforme evidenciado nos autos, no que se refere ao não exercício do direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção, é expressamente mencionado pelo inspector tributário G…, no relatório de inspecção tributária, que “foi o sujeito passivo notificado em 14/05/2003, nos termos do artigo 60° da LGT e artigo 60° do RCPIT, para exercer o direito de audição, sobre o projecto de conclusões do relatório de inspecção. No entanto, e apesar de notificado para a morada que consta do cadastro informático como domicílio fiscal, o mesmo não procedeu ao levantamento da correspondência, tendo a mesma sido remetida a esta Direcção de Finanças por devolução. Nestes termos somos de elaborar o relatório final, mantendo todas as propostas constantes do já referido projecto de conclusões de relatório de inspecção tributária”.
e) Conforme aposto pelos CTT na devolução da carta para a Direcção de Finanças - junta aos autos - o sujeito passivo encontrava-se “ausente às 11h30 do dia 15/05/2003. Deixei aviso”, colocando o distribuidor, de seguida, a sua assinatura, constando ainda na devolução a menção “não reclamado”.
f) Note-se, pois que, a notificação foi enviada, por carta registada, assim se cumprindo os pressupostos dos artigos 60/3 da LGT à data em vigor (actual artigo 60/4 da LGT) e do artigo 43/1 do RCPIT. Nos termos do artigo 60/3 da LGT à data em vigor (actual artigo 60/4 da LGT), “o direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte”. E conforme dispõe o artigo 43° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária “presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta”.
g) Acresce o facto do inspector, testemunha nos autos, G…, ter evidenciado que o técnico de contas do impugnante, J…, acompanhou o procedimento de inspecção do princípio ao fim, dando-lhe conhecimento, durante a inspecção, das correcçoes à matéria tributável, tanto mais que aquando da assinatura da nota de diligência (cujo original é entregue ao sujeito passivo) - que dá por concluída a acção inspectiva - pelo sujeito passivo ou um seu representante, é aquele alertado, como foi o caso, da existência de actos tributários desfavoráveis ao sujeito passivo. Mais concretamente: “Da acção inspectiva resultam actos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis ao sujeito passivo? Sim. Em caso afirmativo, será remetido projecto de conclusões do relatório da acção de inspecção, nos termos do artigo artigo 60° da LGT e artigo 60° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária”.
h) Está, pois, em causa, uma presunção legal de notificação, tal como previsto nos artigos 349° e 350° do Código Civil, à qual está subjacente a procura de evitar que as situações se arrastem em face de manobras dilatórias por parte dos visados, seja pelo facto da carta em causa não ser levantada - a situação presente -, seja pelo facto de ter sido recusada ou se mencionar que o sujeito visado está ausente ou em parte incerta.
i) Presunção legal nunca ilidida pelo ora impugnante nos termos dos artigos 346°, 347°, 364°, 376°, todos do Código Civil - apenas aparecendo como testemunha relativamente à situação em apreço a filha do impugnante, necessariamente parcial e, acima de tudo, nunca trazendo aos autos qualquer justificação para o não levantamento da carta (limitando-se a dizer que procedia ao levantamento da correspondência) e muito menos uma prova documental, um documento que fizesse a prova do contrário, ou, ao menos colocasse em dúvida a efectivação da notificação, que a carta não foi entregue ou se extraviou -, impugnante este que, devolvida a carta, nunca demonstrou aos autos que o não levantamento da carta, (por exemplo, por se encontrar doente ou internado) se deveu a facto não imputável ao mesmo (na situação em apreço, por não levantamento, por se encontrar ausente do domicílio).
j) Presunção legal, não ilidida, desconsiderada, pois, pelo tribunal “a quo”.
k) Neste sentido veja-se, por exemplo, o Acórdão do STA, de 19/10/2005, Processo n° 315/05, nos termos do qual "... II As notificações a fazer no procedimento de inspecção tributária seguem as regras aí previstas, dado tratar-se de normas especiais”, ou ainda o Acórdão do STA, de 28/01/2015, Processo n° 803/14, nos termos do qual, “...II Em face do disposto no art.° 43° n° 1 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, não há que convocar o disposto no art.° 39.° n° 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (a norma prevista naquele preceito encontra-se numa relação de especialidade relativamente à prevista neste) em ordem a indagar dos efeitos decorrentes da devolução da carta registada simples”.
l) Quanto ao fundamento de ilegalidade de natureza substantiva, que conduziu à anulação parcial da liquidação de IRS/2000 - vício de violação de lei, ao ter sido dada importância a uma fotocopia de um contrato-promessa de compra e venda em detrimento de uma escritura pública -, foi violado pela douta sentença o artigo 74/1 da LGT e 342/1 do Código Civil, o princípio da capacidade contributiva manifestada pelo impugnante patenteada no relatório de inspecção tributária ora em causa e nos presentes autos.
m) Assim, no que se refere à venda omitida da fracção D, destinada a comércio, do prédio urbano inscrito na matriz sob o n° 15…, considerou a inspecção como valor de transmissão para efeitos de tributação, isto é, como valor real de transmissão, o valor de 26.000.000$00, o valor constante do contrato promessa de compra e venda. Veio o impugnante pôr em causa aquele valor de transmissão, quer na petição, quer através das testemunhas, sendo uma delas o comprador.
n) Como evidenciado nos autos, a venda da referida fracção foi totalmente omitida, não tendo sido declarado sequer o valor da venda constante da escritura.
o) E, quer a escritura, quer as testemunhas, vêm confessar ou confirmar que o valor de venda foi de pelo menos 6.500.000$00, pelo que necessariamente, não se aceitando o valor constante do contrato-promessa, sempre teria de ser aceite, reduzindo-a, a correcção no valor de 6 500 000$00, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva manifestada pelo impugnante patenteada no relatório de inspecção tributária ora em causa e nos presentes autos.
p) E, ainda que se considere que estaríamos perante novas correcções, o que não se concede, sempre seria aplicável à situação em apreço o artigo 46/2 alínea d) da LGT, nos termos do qual “o prazo de caducidade suspende-se ainda em caso de o direito à liquidação resultar de reclamação ou impugnação, a partir da sua apresentação até à decisão”.
q) Foi ainda violado pela douta sentença o artigo 74/1 da LGT e 342/1 do Código Civil, o princípio da capacidade contributiva manifestada pelo impugnante patenteada no relatório de inspecção tributária ora em causa e nos presentes autos, desde logo também quer por se ter demonstrado que a venda constante da escritura fere o fim duma actividade lucrativa, que é a prossecução do lucro, ao fazer constar da escritura um valor manifestamente inferior ao custo de construção do imóvel, quer por contradição da prova testemunhal, duas delas filhos do impugnante, necessariamente parciais porque parte interessada.
r) Assim, é referido na petição que “jamais esteve anexo aos elementos de contabilidade fotocópia ou outro documento com os elementos referidos”. Ora, conforme relatório de inspecção e confirmação da testemunha G…, o contrato promessa de compra e venda estava arquivado numa das pastas da contabilidade do impugnante, pastas essas que foram fornecidas ao inspector aqui testemunha G… nas instalações da firma pela testemunha J…. Mais foi referido pela testemunha C… que na altura da inspecção já tinha ido buscar todos os documentos da contabilidade à D. L…, anterior técnica de contas do impugnante, para os entregar ao actual técnico de contas J…, que acompanhou a acção inspectiva.
s) Confrontado ainda o comprador aqui testemunha A… com a assinatura aposta no contrato promessa, referiu que não assinou o contrato promessa, que só assinou a escritura. No entanto, a assinatura constante do contrato promessa é semelhante, por exemplo, à assinatura constante do pagamento da sisa para celebração da escritura de compra e venda. Quanto às testemunhas J… e C…, filhos do vendedor aqui impugnante, referiu o primeiro que “tem dúvidas da assinatura do seu pai, reconhecendo no entanto a assinatura da procuração como sendo a do seu pai, e a segunda que “tem dúvidas sobre se a assinatura é do seu pai mas inclina-se para o não”. No entanto, e confrontando apenas as assinaturas constantes do contrato promessa e da procuração, verifica-se serem em tudo semelhantes. Questionadas ainda estas duas testemunhas se sabiam por quanto tinham sido vendidas as outras fracções, referiram nada saber, sendo certo que, como disseram, é a filha que organiza toda a documentação do pai e foi o filho que entregou toda a documentação contabilística e fiscal ao inspector, contradizendo-se pois.
t) Verifica-se ainda que o valor da escritura é inferior ao valor de construção apurado para a referida fracção, que o impugnante não juntou qualquer meio de pagamento ou extracto de conta bancária comprovativo do valor de transacção constante da escritura, nem deu qualquer justificação para vender por preço abaixo do custo. A douta sentença não teve em conta que a actividade ora em causa prosseguida pelo impugnante é uma actividade comercial cujo escopo é a busca do lucro.
u) Assim, deverá ser revogada a douta sentença.
v) No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, eles constam dos autos, tendo sido juntos quer pela impugnante/recorrida, quer pela fazenda.
Concluindo a final, que «deve ser dado provimento ao recurso e em consequência ser revogada a decisão recorrida.»
O Recorrido apresentou contra-alegações rematando-as com as seguintes conclusões:
1. Dos autos não consta qualquer notificação tendente a dar conhecimento ao recorrido do projecto de conclusões e bem assim com vista ao exercício por parte deste do seu direito de audição prévia antes da conclusão do RIT identificado em 3. dos factos provados.
2. A prova de tal facto competia à Fazenda Pública, nos termos do artigo 74°, n° 1 da LGT, e não foi feita.
3. Ora, a ocorrência de tal notificação vem impugnada pelo aqui recorrente e mostra-se contrariado pelo depoimento prestado pela testemunha C….
4. Certo é que, as conclusões extraídas pela AT (quer no RIT, quer na sua peça recursória) mostram-se totalmente desacompanhadas de qualquer outro elemento probatório.
5. Assim sendo, considerando que nada nos autos releva a existência de notificação do recorrido para o exercício do direito de audição prévia e não sendo caso de dispensa da sua audição nos termos do artigo 60°, n° 2 da LGT nem da aplicação do princípio do aproveitamento dos actos administrativos, por não se poder concluir estarmos perante o exercício de poderes inculados, forçoso será concluir pela improcedência do presente recurso interposto pela Fazenda Pública.
Por outro lado,
6. No que concerne à questão do vício de violação da lei por ter sido considerado uma fotocópia de um contrato-promessa em detrimento de uma escritura publica, a AT desconsiderou valor da escritura pública tendo presente uma fotocópia do contrato-promessa, sem mais.
7. Esse único elemento probatório foi impugnado pelo recorrido, alegando que tal nunca esteve junto à sua contabilidade.
8. Ademais, o preço constante da escritura pública de compra e venda é coincidente com o valor da liquidação para efeitos de SISA. E,
9. O teor da escritura publica foi corroborado pelos depoimentos das testemunhas arroladas pelo impugnante, tendo a testemunha A…, adquirente do aludido imóvel, referido não ter assinado qualquer contrato-promessa.
10. Também nesta parte, considerando que as conclusões vertidas no RIT pela Administração Tributária se mostram desacompanhadas de qualquer elemento probatório e que tal ónus sobre ela incidia, atenta a obrigação de provar os pressupostos que subjazem à liquidação adicional, forçoso será concluir que, no caso em apreço não se verificam indícios certos e seguros que o preço de compra e venda declarado na escritura não corresponde à realidade, pelo que deve negar-se provimento ao presente recurso.
Concluindo a final, que «deve negar-se provimento ao presente recurso, mantendo-se inalterada a douta decisão recorrida.»
Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer concluindo pela improcedência do recurso e consequente manutenção da sentença recorrida na ordem jurídica.

II – Delimitação do objecto do recurso

Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (artigo 639.º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, as questões a decidir no presente recurso são as de saber:
i) se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto e de direito ao julgar não provada a notificação do recorrido para o exercício do direito de audição prévia no âmbito da acção inspectiva e, em consequência, ilegais as liquidações impugnadas por preterição do aludido direito em violação do disposto nos artigos 60.º, n.º 5 da LGT e 43.º, n.º 1 do RCPIT e 349.º, 350.º, 346.º, 347.º, 364 e 376.º do Código Civil;
ii) se ocorreu a verificação de erro de julgamento de facto ao anular parcialmente a liquidação de IRS relativa ao ano de 2000, por considerar que as conclusões do relatório de inspecção, quanto à determinação do preço de venda da fracção correspondente à fracção D do artigo matricial n.º 15…. – Aguiar da B…, com base numa cópia do contrato-promessa de compra e venda em detrimento do valor constante da escritura, desacompanhadas de qualquer outro elemento de prova;
iii) e se incorreu em erro de julgamento de direito, por violação do princípio da capacidade contributiva manifestadas pelo recorrido,

*

III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. De facto

A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:

1) O impugnante encontra[va]-se registado em IVA pelas actividades de Construção de Edifícios e Comércio por Grosso de Produtos Alimentares, CAE: 45211 e 51382, desde 05-09-1994 — cfr. fls. k do processo administrativo apenso, designadamente 11-3. do relatório de inspecção tributárias;
2) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 9…., de 21-11-2002, foi o impugnante alvo de acção inspectiva levada a cabo pela Administração Tributária, iniciada em 12- 03-2003, incidente sobre os exercícios de 1999 e 2000, de âmbito parcial em sede de IRS e IVA — cfr. fls. k do PA apenso, designadamente 11-1. e II-2. do RIT;
3) Em 02-06-2003, foi elaborado o Relatório Final constante de fls. 2 a 17 do PA apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, de onde se destaca, além do mais, o seguinte: « III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
1. – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS)
1.1. – IRS – Categoria C – Venda de Imóveis em Fracções
1.1.1. – Custos não aceites.
Em sede de IRS, e no âmbito do controlo efectuado relativamente às vendas das fracções autónomas dos imóveis construídos para venda e da valorização de tais fracções, apurou-se o seguinte:
As fracções autónomas dos prédios construídos para venda não foram devidamente valorizadas, isto porque o sujeito passivo e o seu responsável pela escrita, não observaram o estabelecido do Código do IRC (CIRC), nomeadamente no seu artigo 19º do CIRC, por remissão do artigo 31.º do CIRS, já que tratando-se de construção de imóveis e pelo facto de o seu ciclo ou período de construção ser superior a um ano, configura a existência de Obras de carácter plurianual, pelo que, e de acordo com o estabelecido na alínea b) do n.º 2 do artigo 19º do CIRC, é obrigatória a utilização do critério de percentagem de acabamento nas obras efectuadas por conta própria vendidas fraccionadamente, à medida que forem sendo concluídas e entregues aos adquirentes, ainda que não sejam conhecidos os custos totais das mesmas.
O Plano Oficial de Contabilidade, prevê o seguinte:
5- Critérios de valorimeteria.
5.3.17 – Nas actividades de carácter plurianual, designadamente construção de edifícios, estradas, barragens, pontes e navios, os produtos e trabalhos em curso podem ser valorizados, no fim do exercício, pelo método da percentagem de acabamento ou, alternativamente, mediante a manutenção dos respectivos custos até ao acabamento.
A Directriz Contabilística n.º 3/91: Tratamento contabilístico dos contratos de construção, estabelece no seu n.º 3 que: “De acordo com o método da percentagem de acabamento, os proveitos são reconhecidos à medida que a obra contratada progride, ou seja, excepcionalmente, na base da produção. Atribui-se assim a cada período contabilístico um resultado correspondente ao grau de acabamento mediante o balanceamento dos proveitos respectivos com os custos incorridos inerentes.”, sublinhado nosso.
A doutrina existente, Circular n.º 5/90, de 17-1-90 – Obras de caracter plurianual, estabelece nos seus n.ºs 5 e 6 as regras de determinação do resultado e imputação de custos a cada fracção.
Assim e de acordo com o estabelecido no artigo 19º do CIRC e Circular n.º 5/90, de 17-1-90, imputamos os custos totais(valor das existências de Matérias-primas, subsidiárias e de consumo declarados no anexo B1 da Mod. 3 de IRS de 1998) a cada fracção em função da sua área de construção. Tais áreas são as que constam da matriz do artigo n.º 1519 e da modelo 129 do artigo n.º 1691 (Anexos I e II).
O custo de construção de cada fracção é o que se apurou no mapa anexo, sob o Anexo III.
A partir do referido mapa, determinou-se o custo das fracções vendidas em 1999, 2000 e 2001 (Anexos IV, V e VI)
O valor das existências finais de produtos acabados, relevantes para a determinação do resultado dos exercícios de 1999, 2000 e 2001, é a soma dos custos de construção das fracções ainda não vendidas à datada de 31 de Dezembro dos respectivos exercícios de 1999, 2000 e 2001.
Assim, a diferença entre o valor declarado como custo das fracções vendidas e o custo de construção das referidas fracções, calculado de acordo com os princípios já enunciados, constituem custos não necessários à obtenção de proveitos do exercício em que foram declarados, e como tal não aceites como custo nos termos do artigo 19º e 23º do CIRC.
A correcção ao valor das existências finais de produtos acabados dos exercícios em análise, já terá em conta as fracções já vendidas, mas não declaradas para efeitos de determinação dos rendimentos dos exercícios de 2000 e 2001, que foram as frações a seguir identificadas:

Artigo n.° 15…. - Fracção D - vendida em 10/11/2000 e não declarada para IRS nem contabilizado o seu valor de venda;
Artigo n.° 1….1 - Fracção D - vendida em 05/07/2001 e não declarada para IRS nem contabilizado o seu valor de venda.

Assim as correcções aos valores declarados como custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas são as seguintes:

Assim no n.º 5 da mesma define-se a forma de determinação dos resultados das obras a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 19º do CIRC, dizendo que será feita com base no valor da venda e nos custos imputáveis à fracção vendida.

O n.º 6 da referida Circular, estabelece que, para efeitos do disposto no número anterior (nº5) os custos deverão ser repartidos e imputados a cada fracção tendo em conta a respectiva permilagem ou área.
Na realidade, para determinação do resultado das fracções vendidas nos exercícios em análise, o sujeito passivo não observou nada do que está estabelecido, já que considerou como custo das vendas efectuadas em cada um dos exercícios de 1999 e 2000, um valor exactamente igual ao valor das vendas, resultando assim, num lucro zero, relativamente a esse sector de actividade e se tido em conta os custos comuns suportados ao longo do exercício este será negativo.
Já no exercício de 2001, adoptou outro critério, mas também este sem a observância do estabelecido no CIRC e na Doutrina Fiscal e Contabilística já referida, pois considerou como custo das vendas de fracções um montante equivalente a 90% do valor das vendas, adoptando uma margem de lucro bruto de 10%.
Ora, de acordo com o Código do IRC, nenhum destes métodos é adequado para a determinação do resultado tributável relativo à construção de edifícios para venda em fracções, pelo que se procede às respetivas correcções.
Assim e tendo em conta que no início do exercício de 1999, as existências relativas a fracções não vendidas, constituem produtos acabados, pois já tinham sido declarados como concluídos anteriormente, conforme consta das respectivas modelos 129, os prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos n.ºs 15… e 16…-freguesias de Aguiar da B…, sendo que para este último a modelo 129 foi apresentada em 06/08/98, indicando como data de conclusão das obras 360/07/1998 e para o primeiro foi indicada como data de ocupação 10/08/1994.
Pelo facto, e por estarem concluídos, o valor declarado no anexo B1 da Mod. 3 de IRS de 1998, como existência final de Matérias-primas, subsidiárias e de consumo, que deveria constar em produtos acabados/fabricados, considera-se como correspondente ao valor das existências finais de produtos acabados (fracções dos artigos n.ºs 15… e 16…), ainda não vendidas.
Refira-se que mesmo nos outros exercícios e apesar de dispor d contabilidade organizada o valor de tais existências não consta da conta de Produtos Acabados, mantendo-se na conta de existência de Matérias-primas, subsidiárias e de consumo, não relevando por isso e de forma exacta a situação contabilística do sujeito passivo.
Perante tais factos, e na ausência de custos relacionados com as fracções em causa, suportados no decorrer do ano de 1999, não existem dúvidas quanto à determinação do custo de produção de cada fracção já concluída e ainda não vendida.
O correspondente valor em euros, para os custos não aceites é de 178.161,34 euros, valor que será acrescido ao lucro fiscal declarado para efeitos de determinação do lucro fiscal corrigido.
Exercício de 2000
(Escudos)
Descrição
Valores Declarados
(1)
Valores Corrigidos
(2)
Diferença de Custos
(3)=(1-2)
1. Existências Iniciais
53.193.744
88.911.886
2. Compras
39.537
39.537
3. Existências Prod. Acabados (Anexo V)
70.059.402
4. Existências Produtos em Curso
3.039.537
5. Existências Finais Totais (3+4)
43.233.281
73.098.939
Custos das Merc.Vend.Mat.Consumidas
10.000.000
15.852.484
-5.852.484

A diferença entre o valor declarado como Custo das Mercadorias Vendidas e Matérias Consumidas e o valor corrigido, decompõe-se da seguinte forma:
Descrição
Valores Declarados
(1)
Valores Corrigidos
(2)
Diferença de Custos
(3)=(1-2)
1. Custo das Vendas Declaradas – Fracção B do artigo 1519 –Aguiar da Beira
10.000.000
4.767.767
5.232.233
0
11.084.717
-11.084.717
Custos das Merc.Vend.Mat.Consumidas
10.000.000
15.852.484
-5.852.484

Nestes termos, considera-se que o sujeito passivo considerou indevidamente como custo a importância de 5.232.233$00/26.098.27 euros, nos termos dos artigos 19º e 23º do CIRC.
Por outro, considerar-se-á como custo do exercício, o valor correspondente ao custo de construção da Fracção D do artigo 15….-Aguiar da Beira no montante de 11.084.717$00/55.290,34 euros. A referida fracção foi omitida aos proveitos do exercício, mas considerada nas correcções propostas neste relatório de inspecção.
Os valores indicados nos dois parágrafos anteriores, serão acrescidos e deduzidos pelos respectivos montantes ao lucro fiscal declarado para efeitos de determinação do lucro fiscal corrigido.
(…)
1.1.2- Proveitos Omitidos
Exercício de 2000
Da análise efectuada às vendas e documentos existentes na contabilidade para controlo das fracções constituintes de cada prédio urbano, apurámos que a fracção D, destinada a Comércio, do Prédio Urbano inscrito na matriz sob o n.° 15… - Aguiar da B…, já se encontrava vendida, conforme contrato de promessa de compra e venda (Anexo VII), documento arquivado numa das pastas da contabilidade do sujeito passivo, mas sem que estivesse devidamente contabilizado o seu valor de venda, resultando numa omissão de proveitos para efeitos de determinação quer do resultado contabilístico quer do lucro tributável do exercício.
Perante a situação procedemos à confirmação de tal transmissão junto do Serviço de Finanças de Aguiar da Beira, existindo a indicação neste de que tal transmissão ocorreu em Novembro de 2000.
Assim e perante os factos, resulta que o sujeito passivo omitiu o valor da referida transmissão, que constituí proveito nos termos do artigo 20° do CIRC por remissão do já referido artigo 31° do CIRS.
Dado que o valor constante do contrato de promessa de compra e venda diverge do valor declarado para liquidação do Imposto Municipal de Bisa e Escritura Notarial, considera-se por isso, como valor de transmissão para efeitos de tributação em sede de IRS o maior dos dois valores apurados.
O valor estabelecido e aceite, constante do contrato de promessa de compra e venda, celebrado entre vendedor e comprador, foi de 26.000.000$00 e o valor declarado para liquidação do Imposto Municipal de Sisa e Escritura Notarial foi de 6 500.000$00. Nestes termos considera-se como valor dos proveitos omitidos a importância de 26.000.000$00/129.687,45 euros, por constituir este o valor real da transmissão, e por forma á obtenção do lucro real, conforme preconiza o Código do IRS, já que o valor da escritura constitui o valor formal declarado pelos intervenientes na transação, pelo que o valor de 26.000.000$00/129.687,45 euros, será acrescido ao lucro tributável já declarado para efeitos de determinação do resultado tributável corrigido.
O custo de construção desta fração já foi tido em conta nas correcções efectuadas no ponto anterior deste capitulo, correspondendo-lhe um custo de construção de 11.084.717$00/55.290,34 euros(área de construção da fracção=275,69 m2) conforme apurado no Anexo III.
Verifica-se inclusive que o valor declarado para liquidação do Imposto Municipal de Sisa e escritura Notarial é inferior ao custo de construção apurado para a referida fração.
(…)
1.2- IRS - Categoria F - Rendimentos Omitidos
Exercido de 1999
Neste exercício e de acordo com a informação constante da consulta â declaração anual, consulta ao anexo J/Mod.10 - Sujeitos Passivos (Anexo VIII), o sujeito passivo NIPC 503 342 424 - Viso Seguros Soc. Mediadora de Seguros. Lda, pagou a importância de 3.085,09 euros referentes a rendimentos da categoria F, sobre os quais efectuou a retenção na fonte de IRS, no montante de 462,76 euros.
No entanto o sujeito passivo em análise, não declarou tais valores para efeitos de determinação do rendimento coletável do exercido de 1999. peto facto somos de acrescer tais valores aos já declarados como rendimentos da categoria F de IRS, já que os mesmos constituem rendimento sujeito a tributação e a englobamento nos termos dos artigos 9° e 21° do Código do IRS, com a redacção e numeração existente à data dos factos, já que posteriormente foram renumerados. correspondendo actualmente aos artigos 8º a 22º do mesmo Código respetivamente.
Solicitou-se á entidade pagadora, cópia do documento de pagamento e esclarecimento sobre o tipo de rendimento pago. vindo esta a fornecer cópia dos respectivos recibos de prova de pagamento, os quais integram os mapas de trabalho.
(…)»

4) Na sequência do RIT que antecede foram propostas as seguintes correcções à matéria tributável em sede de IRS:
> IRS - Categoria B - ano 1999 - € 178.161,34;
> IRS - Categoria F — ano 1999 - € 3.085,09;
> IRS - Categoria B - ano 2000 - € 100.495,38; - cfr. fls. 3 do PA apenso;
5) Sobre o RIT mencionado em 3) e respectivas conclusões recaiu Parecer e Despacho concordantes — cfr. fls. 2 do PA apenso;
6) O RIT e as suas conclusões foram comunicadas ao impugnante em 16-07-2003 - cfr. fls. 38 e 40 do PA apenso;
7) O critério de quantificação teve por base a área das fracções autónomas conforme consta de fls. 18vº, 20 e 21 do PA apenso;
8) Do anexo VIII ao RIT, relativo ao histórico de declarações do sujeito passivo - consulta do Anexo J/Mod. 10 consta a seguinte nota: «Tratar-se de rendimentos Categoria F, Houve erro de recolha do Anexo J, conforme confirmou a entidade pagadora é relativo à fracção AL - Art.º 1152 - Viseu.». - cfr. fls. 28 do PA apenso;
9) Elaboradas as liquidações de IRS e juros compensatórios relativos aos anos de 1999 e 2000, foram as mesmas remetidas ao impugnante para pagamento até, 13-10-2003 e 22-10-2003, respectivamente — cfr. fls. 14 e 15 do PA apenso;
10) Em 13-01-2004, deu entrada neste TAF a presente impugnação - cfr. carimbo aposto no rosto de fls. 2 dos autos.

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No que respeita aos factos não provados, refere a sentença o seguinte: «Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, designadamente quedou por provar, à míngua de prova clara, indiscutível e suficiente, que entre o impugnante e a primeira testemunha inquirida foi celebrado o contrato-promessa cuja cópia consta de fls. 26 e 27 do PA apenso; que o valor real da venda da fracção D do prédio urbano inscrito na matriz predial n.º 1….-Aguiar da B… corresponde àquele que consta do documento junto a fls. 26 e 27 do PA apenso e que o impugnante tenha sido notificado para exercer o direito de audição prévia.»
Mais se refere na sentença recorrida o seguinte: «o Tribunal alicerçou a sua convicção no exame crítico dos documentos juntos aos presentes autos, bem como os que constam do PA apenso, não impugnados.
Quanto à matéria dada como não provada, tal resultou da circunstância das conclusões extraídas pela AT, concretamente quanto aos pontos mencionados, se mostrar totalmente desacompanhada de qualquer outro elemento probatório, para além da cópia do contrato-promessa, o qual vem impugnado.
Importa salientar que as testemunhas inquiridas, frontalmente contrariaram as conclusões a que a AT chegou no seu RIT e que fundamentam as liquidações impugnadas, afirmando que não foi celebrado qualquer contrato-promessa, apenas tendo sido celebrado a escritura pública e que o preço real da transacção é o que consta da mencionada escritura pública [A…, adquirente do aludido imóvel]; que não reconhecem a assinatura do impugnante no contrato-promessa [J… e C…, filhos do impugnante] e que tal contrato- promessa não constava das pastas da contabilidade do impugnante [J…, explicando que foi o depoente quem forneceu os elementos contabilísticos ao inspector tributário].
As testemunhas arroladas pelo impugnante justificam, ainda, o baixo preço de venda do imóvel em questão explicando que tal fracção foi vendida em “bruto", ficando as restantes obras a cargo do adquirente; que ficava na rectaguarda do prédio, numa rua de sentido único e, portanto, com pior localização do que as outras fracções destinadas a comércio, as quais ficavam viradas para a frente do prédio e que a fracção em causa tinha problemas de humidade (infiltrações).
Por fim, relativamente á falta de notificação do impugnante para o exercício do direito de audição prévia, foi afirmado pela testemunha C…, filha do impugnante, que era esta quem tratava da correspondência daquele, procedendo ao seu levantamento e à sua organização, acrescentando que, no caso em concreto, apenas foi recepcionada a notificação do relatório de inspecção.
Tais depoimentos, frontalmente contrariando as conclusões vertidas pela AT no seu RIT, são suficientes para colocar em crise aquelas conclusões, uma vez que as mesmas estão, como já dissemos, totalmente desacompanhada de qualquer outro elemento que permita convencer o tribunal da sua correcção, sendo que o ónus de provar a correcção das liquidações adicionais incidia sobre a Fazenda Pública.»

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III. Da apreciação do recurso
III. 1 – Julgamento da matéria de facto

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:
11) O projecto de relatório foi remetido ao recorrido através do ofício n.º 32… datado de 14/05/2003, através de carta registada contendo a identificação da Direcção Geral dos Impostos, com a informação de que poderia, no prazo de 10 dias, «querendo, exercer o direito de audição, por escrito ou 0ralmente, sobre o Projecto de Conclusões do Relatório de Inspecção, que se anexa, nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária e artigo 60.º do Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária» - cf. documento de fls. 426 e sgs do sitaf;
12) Sobre o verso do envelope foi aposta a seguinte menção: «AUSENTE ÀS 11.30 DO DIA 15/5/03 DEIXEI AVISO» - cf. fls. 426 e sgs do sitaf e fls. 41 do PAT;
13) O referido expediente postal foi devolvido ao remetente com a indicação «não reclamado» - cf. fls. 426 e sgs do sitaf e fls. 41 do PAT.
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Quanto aos factos não provados, em congruência com a matéria de facto aditada impõe-se excluir o facto dado como não provado de «que o impugnante tenha sido notificado para exercer o direito de audição prévia». Além de conclusivo, da prova documental constante dos autos resultam provados os factos constantes dos pontos 11 a 14, aos quais o Tribunal aplicará o direito conforme infra se verá.
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Este Tribunal alicerçou a sua convicção no que se refere à decisão sobre a matéria de facto supra exarada, no teor dos documentos referidos em cada ponto da matéria de facto provada e não provada.
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A recorrente não se conforma com a sentença recorrida que julgou a acção procedente e em consequência anulou os actos de liquidação objecto de impugnação.

Na última conclusão alega que «no que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida eles constam dos autos, tendo sido juntos quer pela impugnante/recorrida, quer pela fazenda

A recorrente pretende impugnar o julgamento da matéria de facto de modo a demonstrar um eventual erro de julgamento e a modificação da matéria de facto.

Ora, a apreciação desta questão (impugnação da matéria de facto fixada pelo Tribunal de 1.ª Instância por este Tribunal «ad quem») pressupõe que a recorrente cumpra determinados ónus, conforme dispõe o artigo 640.º do CPC ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT.

Analisadas as alegações e respectivas conclusões de recurso constata-se que não foram observados os pressupostos estabelecidos pelo artigo 640.º, do CPC, para a impugnação da decisão da matéria de facto.

A recorrente não procede à indicação dos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, nem indica, qual deveria ter sido, na sua perspectiva, a redacção que os factos que impugna deveriam conter limitando-se a afirmar genericamente que os meios probatórios impunham decisão diversa, pelo que, para além do aditamento e alteração dos factos a que se procedeu oficiosamente , não tendo a recorrente dado cumprimento ao disposto nas alíneas do nº 1, e alínea a) do nº 2 do artigo 640.º do CPC, impõe-se julgar improcede este segmento do recurso.


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Alega a recorrente que a sentença recorrida padece de erro de julgamento por resultar dos autos que o sujeito passivo foi notificado em 14/05/2003, nos termos do artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPIT, para exercer o direito de audição prévia sobre o projecto de conclusões do relatório de inspecção e que, apesar de notificado para a morada que consta do cadastro informático como domicílio fiscal, o mesmo não procedeu ao levantamento da correspondente, tendo a mesma sido devolvida com a indicação de que se encontrava ausente e de ter sido deixado aviso.

Vejamos então o regime jurídico aplicável.

Dispõe o n.º 1 do artigo 60.º do Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária (RCPIT) o seguinte:

«1 - Concluída a prática de actos de inspecção e caso os mesmos possam originar actos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspeccionada, esta deve ser notificada no prazo de 10 dias do projecto de conclusões do relatório, com a identificação desses actos e a sua fundamentação.

2 - A notificação deve fixar um prazo entre 15 e 25 dias para a entidade inspeccionada se pronunciar sobre o referido projecto de conclusões, devendo o prazo, no caso de incluir a aplicação da cláusula geral anti abuso constante do n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária, ser de 30 dias.

3 - A entidade inspeccionada pode pronunciar-se por escrito ou oralmente, sendo neste caso as suas declarações reduzidas a termo.

4 - No prazo de 10 dias após a prestação das declarações referidas no número anterior será elaborado o relatório definitivo

Dispõe o artigo 43.º do mesmo diploma legal, quanto à presunção da notificação, o seguinte:

«1 - Presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a comunicação dos serviços postais para levantamento de carta registada remetida pela administração fiscal deve sempre conter, de forma clara, a identificação do remetente.

3 - A violação do disposto no número anterior só impede o funcionamento da presunção mediante exibição da comunicação dos serviços postais em causa.

4 - O disposto no n.º 1 não impede a realização de diligências pela administração tributária com vista ao conhecimento do paradeiro do sujeito passivo ou obrigado tributário

Sobre esta questão, a sentença julgou procedente a impugnação com fundamento na preterição do direito de audição prévia, por remissão para a fundamentação que fez vencimento no Acórdão proferido por este TCAS no recurso n.º 07919/14, datado de 19/02/2015, em que as partes e a questão eram as mesmas, concluindo que «(…) in casu, não consta notificação alguma tendente a dar conhecimento ao impugnante do projecto de conclusões bem assim como para notificar o impugnante para exercer o seu direito de audição prévia.

Prova essa que incidia sobre a Fazenda Pública e que não foi feita.

Atente-se que tal notificação vem impugnada pelo aqui impugnante e mostra-se contrariada pelo depoimento prestado pela testemunha C….

Assim sendo, considerando que nada nos autos revela a existência da notificação do impugnante para o exercício do direito de audição prévia e não sendo o caso de dispensa da sua audição, nos termos do artigo 60.º, n.º 2, da LGT nem da aplicação do princípio do aproveitamento dos actos administrativos, por não se poder concluir estarmos perante o exercício de poderes vinculados, forçoso será concluir pela procedência do presente fundamento.»

Desde já se adianta que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento da matéria de facto e em consequência errou no julgamento de direito.

Resultando dos autos a prova documental de que, pela Administração tributária foi remetido ao recorrido um ofício com a informação de que poderia exercer o direito de audição prévia sobre as conclusões do relatório, através de carta registada, com a indicação clara do remetente, para o seu domicílio, conforme resulta dos factos objecto de aditamento, constantes dos pontos 11 a 13 da matéria de facto provada, impõe-se concluir que a carta foi colocada na disponibilidade do destinatário. Desta forma, impunha-se ao tribunal recorrido, não obstante a devolução da carta ao seu remetente, julgar verificada a presunção de notificação dirigida ao recorrido, tendo em vista o exercício, por este, do direito de audição prévia em causa.

A sua devolução ao remetente foi antecedida de aviso e acompanhada da indicação de não ter sido reclamada nos CTT Correios de Aguiar da Beira, pelo que, se encontram cumpridos os requisitos que operam a presunção de notificação para o efeito da aludida audição prévia previstos no artigo 43.º do RCPIT.

Perante tal prova documental e da referência que a tais factos foi efectuada no relatório de inspecção, a prova testemunhal produzida nos autos não é suficiente para impedir a operatividade da presunção prevista no artigo 43.º n.º 1 do RCPIT.

Sendo certo que era ao recorrido cabia ilidir a presunção, nos termos do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, tanto mais que, conforme alega a recorrente, resulta do disposto no artigo 350.º, n.º 1 do Código Civil, que «quem tem a seu favor a presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz.» Podendo tal presunção ser ilidida por prova em contrário, conforme estatui o n.º 2 da citada norma legal. No entanto, a verdade é que a prova testemunhal consubstanciada pelo depoimento da filha do recorrido, não foi suficiente para infirmar a prova documental, na medida em que, do facto de a testemunha inquirida afirmar que era ela quem tratava da correspondência, não resulta inequivocamente provado que o recorrido não teve acesso ao aviso, o qual foi colocado na esfera da sua cognoscibilidade, Não se bastando, assim, a prova em contrário com, os termos em que foi produzida a prova testemunhal, pois impunha-se que, perante a prova do envio ao destinatário e respectiva devolução ao remetente, fosse alegado e provado que o não recebimento da correspondência não foi imputável ao destinatário, o que não sucedeu.

Perante a devolução da correspondência ao remetente opera a presunção de notificação constante do n.º 1 do artigo 43.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e, assim sendo, não se verifica o fundamento invalidante em que se sustentou a sentença recorrida.

Neste sentido decidiu este Tribunal em Acórdão proferido no processo n.º 48/14.9BELLE datado de 24/03/2022 «III - Provando-se que a notificação para audição prévia sobre o projecto de conclusões do relatório se fez por carta registada dirigida para o domicílio fiscal comunicado pelo sujeito passivo e constante do cadastro de contribuintes, perante a devolução das cartas ao serviço remetente opera a presunção do art.º 43/1 do RCPIT.»

Também o Supremo Tribunal Administrativo, pronunciou-se sobre a questão no Acórdão proferido no processo n.º 0347/10.8BEPRT 0615/17, de 17 de Outubro de 2018: «(…) a fórmula estandardizada que foi referida na alínea (…) dos factos provados – “Não reclamado” – significa que foi deixado aviso para levantamento da correspondência na estação, e ignorado, no prazo concedido, pelo avisado. O não recebimento da correspondência é, pois, imputável ao destinatário (…) a falta de reclamação/levantamento deste tipo de correspondência junto da estação dos correios implica que se tenha de imputar ao destinatário a sua falta de recebimento, fazendo espoletar a presunção legal de notificação contida no art.º 43º nº 1 do RCPIT; e porque o destinatário não invocou nem demonstrou a inexistência de qualquer aviso para levantamento da carta, nada nos autos permite dar por ilidida a referida presunção.»

Na verdade, ao contrário do que se afirma na sentença, resultam dos autos os documentos que comprovam o envio do expediente postal, nos termos supra expostos e que conduzem a decisão diversa.

Por outro lado, as normas aplicáveis constituem as constantes do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, por conter normas especiais que derrogam a aplicabilidade das normas gerais em que se sustentou a sentença recorrida.

Do que se deixou dito, resulta a evidência de que a fundamentação efectuada por remissão para o Acórdão citado na sentença, não tem cabimento no caso sub judice, porquanto os factos concretos são diferentes. No caso tratado no Acórdão citado na sentença recorrida, embora as partes fossem as mesmas e a questão tratada fosse a mesma, estando ali em causa IRS relativo ao ano de 2001, com base no mesmo relatório de inspecção, a verdade é que não existia no processo prova documental do envio da notificação, com vista ao exercício do direito de audição prévia sobre as conclusões do relatório de inspecção, facto que impediu que se operasse a presunção da notificação aqui em causa. Salienta-se o voto de vencido lavrado no referido Acórdão, nos termos do qual se entendeu que os autos deviam «baixar à 1ª instância para a junção do PAT integral, a fim de averiguar quanto à notificação do sujeito passivo para o exercício do direito de audição prévia.»

Ora, resultando provado nos presentes autos, o envio e a devolução ao remetente, da notificação, nos termos supra expostos, estão reunidos os pressupostos para que se opere a presunção de notificação prevista no artigo 43.º n.º 1 do RCPIT, donde se impõe conceder provimento ao recurso quanto a este fundamento de recurso.


*

Quanto ao fundamento de recurso «de ilegalidade de natureza substantiva, que conduziu à anulação parcial da liquidação de IRS/2000 - vício de violação de lei, ao ter sido dada importância a uma fotocopia de um contrato-promessa de compra e venda em detrimento de uma escritura pública» alega a recorrente que «foi violado pela douta sentença o artigo 74/1 da LGT e 342/1 do Código Civil, o princípio da capacidade contributiva manifestada pelo impugnante patenteada no relatório de inspecção tributária ora em causa e nos presentes autos. (…) no que se refere «à venda omitida da fracção D, destinada a comércio, do prédio urbano inscrito na matriz sob o n° 15…» relativamente ao qual «considerou a inspecção como valor de transmissão para efeitos de tributação, isto é, como valor real de transmissão, o valor de 26.000.000$00, o valor constante do contrato promessa de compra e venda.»

Mais alega que o impugnante pôs «em causa aquele valor de transmissão, quer na petição, quer através das testemunhas, sendo uma delas o comprador» que «a venda foi totalmente omitida, não tendo sido declarado sequer o valor da venda constante da escritura.»

Alega ainda que «quer a escritura, quer as testemunhas, vêm confessar ou confirmar que o valor de venda foi de pelo menos 6.500.000$00, pelo que necessariamente, não se aceitando o valor constante do contrato-promessa, sempre teria de ser aceite, reduzindo-a, a correcção no valor de 6 500 000$00, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva manifestada pelo impugnante (…)»

O recorrido contra-alega que o montante declarado como preço em escritura pública de compra e venda de Imóvel pode ser afastado pela AT no âmbito do seu poder de correcção das declarações dos contribuintes, desde que existam indícios certos e seguros que o mesmo não corresponde à realidade, o que considera não suceder no caso dos autos. Sustenta com a sentença, que a AT desconsiderou o valor da escritura pública tendo presente uma fotocópia do contrato-promessa, sem mais, concluindo que a sentença não merece qualquer censura.

Vejamos.

O recorrido efectuou a transmissão do direito de propriedade sobre a fracção autónoma destinada a comércio, identificada pela letra D, do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 15….. - Aguiar da Beira, sem que tenha procedido à contabilização do valor da venda, concluindo os serviços de inspecção que tal omissão resultou em omissão de proveitos para efeitos de determinação do resultado contabilístico, quer do lucro tributável do exercício.

O facto de o valor da transmissão constituir proveito, nos termos do disposto no artigo 20.º do CIRC, por remissão do artigo 31.º do CIRS, não constitui objecto de controvérsia. O valor da transmissão considerado pela AT com base na existência de um contrato-promessa de compra e venda (no montante de 26 000 000$00, correspondente a € 129 687,45) por divergir do valor declarado na escritura pública de compra e venda e na liquidação de SISA (no montante de 6 500 000$00, correspondente a € 32 421,86) foi impugnado pelo recorrido, tendo este logrado obter vencimento na acção de impugnação, entendimento com o qual a recorrente não se conforma.

A fundamentação da correcção em causa sustentou-se no facto de:

i) Não ter sido contabilizado e ter sido omitido o proveito relativo à venda;

ii) constar arquivado numa pasta da contabilidade um contrato de compra e venda relativo à venda da fracção em causa em eu figuram como partes o recorrido e o adquirente;

iii) o valor constante da declaração de liquidação de SISA e escritura de compra e venda ser inferior ao custo de construção apurado no montante de 11 084 717$00 a que correspondem € 55 290,34.

O recorrido impugnou a veracidade do documento invocando que o valor real é o que consta da escritura e que a fotocópia do contrato promessa jamais esteve anexo aos seus elementos de contabilidade.

A Fazenda Pública contestou a acção invocando que o impugnante, ora recorrido, não efectuou a prova de que não recebeu o valor constante do contrato promessa de compra e venda, não juntou prova dos meios de pagamento ou extratos bancários nem justificou a razão pela qual vendeu a fracção por um preço inferior ao custo.

Da prova testemunhal produzida nos autos, resulta um depoimento prestado pelo inspector que efectuou a acção inspectiva e que elaborou o relatório final, afirmando que o referido documento estava arquivado numa das pastas da contabilidade do ora recorrido, facto que fez constar do relatório de inspecção, mais declarando que tais pastas lhe foram entregues nas instalações do recorrido.

O adquirente da fracção confrontado com o documento aqui em causa, declarou não ter assinado o contrato promessa e que apenas assinou a escritura.

As restantes testemunhas, filhos do recorrido, negaram a existência do documento, contudo, não sabiam qual o valor da venda em causa.

O tribunal recorrido considerou que os elementos de prova carreados pela Fazenda Pública não se afiguravam suficientes para concluir que aquele concreto imóvel havia sido vendido pelo preço mencionado no contrato-promessa, e que da prova documental resultava o valor coincidente com a liquidação para efeitos de SISA, no montante de 6 500 000$00, corroborado pelos depoimentos das testemunhas arroladas pelo impugnante em contra ponto a uma fotocópia de um contrato-promessa no montante de 26 000 000$00 impugnado pelo ora recorrido que aforma nunca ter tido tal documento na sua contabilidade, corroborando o adquirente não ter assinado qualquer contrato-promessa.

O julgamento assim efectuado não merece a censura que lhe vem dirigida, tanto mais, que o tribunal recorrido considera que aqueles elementos desacompanhados de outros elementos de prova são insuficientes, tendo em conta que o ónus da prova incidia sobre a AT atenta a obrigação de provar os pressupostos que subjazem à liquidação adicional. Julgamento que decorre do disposto no n.º 1 do artigo 74.º da LGT, nos termos do qual, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recais sobre quem os invoque.

Como se deixou dito no Acórdão deste Tribunal, proferido no processo n.º 583/04.6BELSB, datado de 13/01/2022 em cujo colectivo a aqui relatora foi adjunta, «Com vista ao apuramento dos ganhos obtidos com a venda de imóveis, a Administração Tributária não pode desconsiderar o valor declarado nas escrituras de venda, sem alegar e comprovar a ocorrência de simulação.» Estando «em causa a determinação dos proveitos da sociedade obtidos com a venda dos terrenos em apreço, pelo que importa atender ao valor declarado nas escrituras de compra e venda, salvo demonstração de erro, vício ou simulação. Apenas com base em tal demonstração, poderia a recorrente rectificar o valor declarado pelo contribuinte. Sucede, porém, que tal demonstração não ocorreu no caso.»

Tal como no caso dos autos, não obstante a omissão da contabilização do proveito obtido com a venda da fracção autónoma em causa, na ausência de outros elementos de prova complementares ao contrato-promessa, designadamente meios de pagamento que comprovem que o valor da venda corresponde ao valor constante do contrato-promessa, a prova que resulta dos autos é a que resulta da celebração da escritura de compra e venda e da declaração para efeitos da liquidação de SISA.

A alegação de que «o valor da escritura é inferior ao valor da construção apurado para a referida fracção» não constitui fundamento para infirmar o que se deixou dito. Por um lado, porque o cálculo relativo ao custo da construção constituiu uma média a que chegou a AT com base nos elementos recolhidos na contabilidade do recorrido resultando da experiência da vida comum que existem factores exógenos que, em tese, concorrem para diferenciar o preço negocial dos imóveis ou suas fracções, como sucede com a sua localização relativa num mesmo prédio, sua acessibilidade e eventualmente o estado de acabamento da fracção, entre outros, pelo que não colhe este fundamento de recurso.

Alega, por fim, que, a manifestação da capacidade contributiva evidenciada no relatório de inspecção, confessada ou confirmada na escritura, e pelo depoimento das testemunhas, não se aceitando o valor do contrato-promessa, «sempre teria de ser aceite, reduzindo-a, a correcção no valor de 6 500 000$00, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva manifestada pelo impugnante.»

Efectivamente a correcção em causa decorreu da omissão da contabilização e declaração dos proveitos decorrentes da venda da fracção em causa, resultando do relatório de inspecção que o valor declarado na escritura pública de compra e venda foi de 6 500 000$00, a que correspondem € 32 421,86, valor esse declarado para efeitos de liquidação de SISA e confirmado pelo depoimento da testemunha adquirente do imóvel. Sendo esse o valor que resulta da prova produzida nos autos, na falta de outros elementos de prova, deve ser considerado como valor da transmissão. Assim sendo, assiste razão à recorrente, no que se refere à consequência a extrair do julgamento de facto.

A correcção em causa deve ser anulada parcialmente no montante que excede 6 500 000$00 (€ 32 421,86) com os devidos reflexos na correspondente anulação parcial da liquidação impugnada.

Sendo legalmente admissível a anulação parcial da liquidação, a anulação de uma das correcções efectuadas pela AT tem como consequência a correcção da liquidação na proporção do contributo dessa correcção na determinação da matéria tributável.

Assim se conclui que a sentença incorreu no apontado erro de julgamento, sendo de conceder parcial provimento ao recurso e de revogar a sentença na parte referida.

Quanto à responsabilidade relativa a custas, atento o princípio da causalidade, previsto no artigo 527.º, n.º 2, do CPC, considerando a procedência parcial do recurso, considera-se ambas as partes deram causa à acção, sendo-lhes assim imputável a responsabilidade tributária da causa na proporção do decaimento que se fixa em 25% para a recorrente e os restantes 75% a cargo do recorrido.


IV – CONCLUSÕES

I - A notificação com vista ao exercício do direito de audição prévia sobre as conclusões do relatório deve ser efectuada para o domicílio do inspeccionando através de carta registada, com a indicação clara do remetente.

II - A sua devolução ao remetente antecedida de aviso e acompanhada da indicação de não ter sido reclamada pelo destinatário, opera a presunção de notificação para o efeito da aludida audição prévia prevista no artigo 43.º n.º 1 do RCPIT.

III - Em causa a determinação dos proveitos da sociedade obtidos com a venda dos terrenos em apreço, pelo que importa atender ao valor declarado nas escrituras de compra e venda, salvo demonstração de erro, vício ou simulação.


V – DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes que integram a 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida e julgar parcialmente procedente a impugnação.

Custas em ambas as instâncias pelas partes na proporção do decaimento que se fica em 75% para a recorrida e 25% para a recorrente.


Lisboa, 28 de Abril de 2022.


Ana Cristina Carvalho – Relatora

Lurdes Toscano – 1ª Adjunta

Maria Cardoso – 2ª Adjunta