Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:239/10.0BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:06/26/2025
Relator:CRISTINA COELHO DA SILVA
Descritores:PROVA DO PREÇO EFETIVO DE VENDA – INIMPUGNABILIDADE DO ATO.
Sumário:I – O artigo 58º-A do CIRC (atual artigo 64º) estabelece, no seu nº 2, uma presunção de acordo com a qual o valor de transação dos imóveis relevante para efeitos de apuramento do lucro tributário dos sujeitos passivos deste imposto, terá de corresponder, no mínimo, ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação de IMT ou que serviria no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

II – Por força do disposto no artigo 73º da LGT, bem como do artigo 104º, nº 2 da CRP, as presunções em matéria de incidência tributária são presunções juris tantum.

III - A ilisão da presunção mencionada no nº 2 do artigo 58-Aº do CIRC, é efetuada através do mecanismo consagrado no artigo 129º do CIRC, na redação em vigor à data dos factos (atual artigo 139º).

IV – Não tendo o contribuinte lançado mão do mecanismo instituído no artigo 129º do CIRC, não pode pretender vir discutir a liquidação que foi efetuada com base na presunção consagrada no nº 2 do artigo 58º-A, uma vez que o ato de liquidação se torna inimpugnável, nessa parte por força do disposto no nº 7 do aludido artigo 129º do CIRC.

V – Não será em sede de pedido de segunda avaliação do imóvel para efeitos de IMI que se poderá ilidir a presunção a que nos temos vindo a reportar, desde logo, porque esse não é o meio processual adequado, bem como porque o VPT ainda não se encontrava definitivamente fixado.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: *
Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul



I – RELATÓRIO

A............................ PROMOÇÃO ...................... LDA., com demais sinais nos autos, deduziu impugnação judicial contra o ato de liquidação de IRC referente ao exercício de 2006, no montante de € 125.167,20.


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O Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, por decisão de 1/08/2018 julgou verificada a exceção dilatória inominada de não apresentação de pedido de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância.



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Inconformada com a decisão, a Impugnante veio interpor recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES:

Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou verificada a exceção dilatória inominada de não apresentação de pedido de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, no âmbito do processo de impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC n.º ……………..706, referente ao exercício de 2006.

No entender da Recorrente, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em matéria de facto e de direito, bem como, em omissão de pronúncia, na douta sentença ora recorrida, uma vez que:

a) ao decidir pela procedência da excepção invocada pela Fazenda Pública, o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questões que deveria ter apreciado com vista à boa decisão da causa;
b) o regime previsto no artigo 129.º (atual 139) do CIRC visa acima de tudo evitar a correção à matéria coletável a que se refere o artigo 58.º A (atual art. 64.º) do CIRC, quando o preço de venda dos imóveis é inferior ao valor patrimonial tributário fixado em sede de avaliação;
c) através dos requerimentos apresentados em 12/07/2006 e dos documentos juntos aos mesmos, a Recorrente logrou demonstrar cabalmente à Administração Fiscal os preços efetivamente praticados na transmissão das frações B, C, D, E, G, H, I, K, M, Q, R, W, X, e Y, cujas correções ascenderam ao montante total de € 339.180,00 (Fração B – docs. 7 e 8 da pi; Fração C – docs. 9 e 10 pi; Fração D – docs. 11 e 12 pi; Fração E – docs. 13 e 14 pi; Fração G – docs. 17 e 18 pi; Fração H – docs. 19 e 20 pi; Fração I – docs. 21 e 22 pi; Fração K – docs. 25 e 26 pi; Fração M – docs. 29 e 30 pi; Fração Q – docs. 35 e 36 pi; Fração R – docs. 37 e 38 pi; Fração W – docs. 45, 46 e 47 pi; Fração X – docs. 48 e 49 pi; Fração Y – docs. 50 e 51 pi);
d) pelo menos, em relação a estas 14 frações (B, C, D, E, G, H, I, K, M, Q, R, W, X, e Y), a Recorrente fez prova cabal e inequívoca dos preços efetivamente praticados nas respetivas vendas, dado que, na data em que a Recorrente apresentou os requerimentos com a respetiva prova, em 12/07/2006, esta já havia concluído a venda de todas essas frações, através de escrituras de compra e venda, todas elas outorgadas em 26/05/2006, e, como tal, já estava em condições de, em 12/07/2006, demonstrar os preços efetivamente praticados nessas 14 transmissões;
e) toda a documentação apresentada pela Recorrente refletia os termos e condições dos negócios, pelo menos, destas 14 frações, devidamente registadas contabilisticamente e objeto de escrituras públicas, documentos autênticos com força plena, nos termos do disposto nos artigos 369.º e 371.º do Código Civil, o que, admite-se, já não ter sucedido relativamente às frações A, F, J, L, N, O, T, U e V, cujas correções ascenderam a € 159.320,00;
f) através dos requerimentos apresentados em 12/07/2006, a Recorrente logrou afastar, pelo menos, parte (€ 339.180,00) do total das correções (€ 498.500,00) que lhe foram imputadas pela Administração Fiscal e objeto da liquidação de IRC ora impugnada;
g) ficou demonstrado que a Recorrente não se limitou a juntar os respetivos contratos promessa, escrituras e comprovativos de pagamento, tendo também apresentado voluntariamente à Administração Fiscal, ainda que mais tarde, uma autorização de levantamento de sigilo bancário, para verificação das suas contas, em sede de inspeção tributária e antes da Administração Fiscal emitir a liquidação de IRC sub judice, a fim de possibilitá-la confirmar todos os factos e dados carreados ao processo (Doc. 52 da PI);
h) o Tribunal a quo não podia ter considerado que a prova dos preços efetivamente praticados na venda daquelas 14 frações foi intempestiva, por ter sido apresentada antes do prazo legalmente fixado;
i) tal entendimento apenas seria admissível caso os requerimentos com a prova dos preços efetivamente praticados tivessem sido apresentados após o prazo legalmente fixado e nunca quando essa prova foi produzida antecipadamente;
j) admitir o contrário seria perverter o sistema fiscal vigente no nosso ordenamento jurídico e violar alguns dos princípios constitucionalmente consagrados, com consequências gravíssimas para a justiça e equidade do caso concreto;
k) a correção à matéria coletável de IRC imposta pela Administração Fiscal afecta a fiabilidade dos registos contabilísticos e o princípio estruturante da imagem verdadeira e apropriada que as contas devem transmitir da situação patrimonial e dos resultados das empresas;
l) das vendas realizadas no ano de 2006 não resultou para a Recorrente qualquer outro proveito para além dos declarados e refletidos nas suas contas, mediante a documentação aí inclusa;
g) qualquer correção à matéria coletável de IRC sem ter-se em atenção os rendimentos reais e efetivos da Recorrente, com base no mero argumento de que a prova efectiva dos preços de venda das 14 frações foi feita extemporaneamente e em sede de pedido de segunda avaliação, viola alguns dos mais elementares princípios constitucionais consagrados e estruturantes do sistema fiscal português, como são o caso do princípio da tributação de acordo com o rendimento real, o princípio da justiça material e o princípio da proporcionalidade;
h) a Administração Pública, para além de sujeita à lei e outros actos normativos (princípio da legalidade), tem de pautar a sua actividade por critérios de justiça; i) “O princípio da justiça não constitui mais que uma última ratio da subordinação da Administração ao Direito, permitindo apenas invalidar aqueles actos que, não cabendo em nenhuma das condicionantes jurídicas expressas da actividade administrativa, constituem, no entanto, uma afronta intolerável aos valores elementares da Ordem Jurídica, sobretudo os plasmados em normas respeitantes à integridade e dignidade das pessoas, à sua boa fé e à confiança no Direito.”;
j) este princípio da justiça no Direito Fiscal implica a ponderação do princípio constitucional da tributação segundo o rendimento real, previsto no artigo 104° nº 2 da CRP, o que seria desvirtuado no caso de não se atender à prova dos preços efetivamente praticados na venda das referidas 14 frações, feita em 12/07/2006, ainda que de forma antecipada;
k) as normas processuais não configuram mais que um caminho, ou um veículo, de realização do direito substantivo, com vista à boa descoberta da verdade material;
l) as operações devem ser contabilizadas atendendo à sua substância e à sua realidade financeira e não apenas à sua forma legal, pelo que a antecipação da prova dos preços efetivamente praticados nas transmissões das referidas 14 frações, não pode, por si só, precludir o direito da Recorrente impugnar as correções efetuadas pela Administração Fiscal ao abrigo do n.º 2 do artigo 59.º A (atual 64.º) do CIRC;
m) o Tribunal a quo errou no seu julgamento e não se pronunciou sobre questões que deveria ter apreciado com vista à boa decisão da causa, designadamente, quanto ao mérito, ainda que parcial da causa;
n) o respeito pelos princípios constitucionais vigentes no ordenamento jurídico português impõe que o disposto no n.º 2 do artigo 58.º A (atual 64.º) do CIRC ceda perante a prova dos preços efetivamente praticados na venda das referidas 14 frações, porquanto através dessa prova, a Recorrente conseguiu, ainda que forma antecipada e antes da avaliação se tornar definitiva, demonstrar os seus rendimentos reais e facultar à Administração Fiscal os elementos necessários para que esta tributasse o sujeito passivo de acordo com o seu lucro real e em consonância com os princípios a que está vinculada; o) a Administração Fiscal jamais colocou em causa os documentos apresentados pela Recorrente, quer em sede graciosa, quer em sede judicial; p) face à iniciativa da Recorrente, cabia à Administração Fiscal, ao abrigo dos princípios e valores a que está vinculada, averiguar e conferir a verdade material dos factos e, em concreto, aceitar e apreciar as provas dos preços efetivamente praticados na venda das referidas 14 frações, já escrituradas (26/05/2006) à data em que os requerimentos de prova foram apresentados (12/07/2006), cumprindo assim o dispositivo constitucional previsto no artigo 104.º da CRP;
q) o respeito pelos princípios e valores constitucionalmente consagrados teria inequivocamente que se sobrepor à mera antecipação do prazo de apresentação da prova a que se refere o artigo 129.º do CIRC e à forma em que a mesma teria que ser feita, sob pena da Administração Fiscal privilegiar o incumprimento de uma formalidade (prazo) em prol da substância e realidade da operação, tributando a Recorrente, de forma injusta, despropositada e desproporcionada com a realidade;
r) admitir que a condição de procedibilidade da impugnação não se encontra preenchida no presente caso, ainda que parcialmente, seria aceitar que a Administração Fiscal tributasse a Recorrente em sede de IRC, em violação clara aos princípios consagrados constitucionalmente, tratando este caso como se a situação de pré-contencioso jamais tivesse sido despoletada e a Recorrente jamais tivesse permitido que a Administração Fiscal apreciasse a legalidade da actuação da Recorrente e os rendimentos efectivamente auferidos por esta no exercício de 2006, pelo menos, no que respeita às 14 frações acima identificadas;
s) a intenção do legislador foi apenas e só a de não permitir aos sujeitos passivos impugnar directamente qualquer liquidação de imposto resultante das correcções efectuadas ao abrigo do artigo 58.º A do CIRC quando tal situação de pré-contencioso, não tenha pura e simplesmente sido despoletada ou caso a mesma tenha sido despoletada depois do prazo legalmente estipulado no artigo 129.º do CIRC, o que não aconteceu no presente caso;
t) a prova antecipada dos preços efetivamente praticados na venda das referidas 14 frações, jamais poderia ter tido como consequência a preclusão do direito da Recorrente vir impugnar a liquidação de IRC sub judice;
u) foi feita uma apreciação e valoração inapropriada e incorrecta dos factos e do direito aqui aplicáveis, valoração essa que, no entender da Recorrente, deveria ter conduzido a uma decisão diversa da encontrada, designadamente, à conclusão de que, face aos factos e princípios constitucionais em vigor, estava verificada a condição de procedibilidade da impugnação judicial, pelos menos, relativamente às frações B, C, D, E, G, H, I, K, M, Q, R, W, X, e Y, cujas correções ascenderam ao montante total de € 339.180,00, nos termos e com os fundamentos atrás invocados.
Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso e com o douto suprimento de V. Exas., deve a sentença ora recorrida ser revogada e, consequentemente, ser julgada parcialmente procedente a impugnação judicial, com todas as consequências legais, assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!

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A Fazenda Pública, devidamente notificada, não apresentou contra-alegações.

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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colheram-se os vistos dos Juízes Desembargadores adjuntos.

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DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, em consonância com o disposto no art. 635º do CPC e art. 282º do CPPT, são as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer, ficando, deste modo, delimitado o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem.

No caso que aqui nos ocupa, as questões a decidir consistem em saber:
- Se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto;
- Se a sentença é nula por omissão de pronúncia ao não ter conhecido do fundo da questão e ter julgado verificada a exceção dilatória inominada da inimpugnabilidade do ato;
- Se a sentença incorreu em erro de julgamento por erro de Direito ao entender que ao processo de prova do preço de venda efetivo, estabelecido no art. 129º do CIRC, pode ser efetuado durante o procedimento inspetivo e antes da liquidação adicional.


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II – FUNDAMENTAÇÃO

Não obstante na parte de Direito da decisão recorrida se faça menção aos factos nos quais se baseou a decisão, importa que os mesmos constem da decisão da matéria de facto.

Assim, por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 772.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

1) A sociedade A............................ PROMOÇÃO ...................... LDA. adquiriu em Agosto de 2006, 23 frações autónomas do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo P……..6144, da freguesia do C..................., concelho de …………, na Madeira (cfr. docs. de fls. 32 a 37, 53 a 59, 74 a 80 do doc. de fls. 212 do SITAF; 13 a 19, 34 a 37, 53 a 58, 72 a 77 do doc. de fls. 294 do SITAF; 12 a 18, 35 a 40, 57 a 62, 78 a 83 do doc. de fls. 373 do SITAF; 16 a 21, 35 a 41, 58 a 62, 76 a 81 do doc. de fls. 458 do SITAF; 14 a 20, 35 a 40, 61 a 66 do doc. de fls. 542 do SITAF; 13 a 17, 33 a 36, 52 a 57 do doc. de fls. 611 do SITAF;

2) Em 12/07/2006, a sociedade mencionada no ponto antecedente requereu a segunda avaliação das frações das frações B, C, D, E, G, H, I, K, M, Q, R, W, X, e Y do imóvel melhor identificado no ponto antecedente, com fundamento no seu desajustamento face ao preço de mercado e ao valor pelos mesmos paga, juntando cópias dos contratos promessa, documentos de pagamento e escritura pública dos mesmos (cfr. docs. de fls. 19, 39 e 63 do doc. de fls. 212 do SITAF; 2, 23, 40 e 61 do doc. de fls. 294 do SITAF; 2, 22, 44, 65, do doc. de fls. 373 do SITAF; 2, 24, 45, 64 e 84 do doc. de fls. 458 do SITAF; 24, 44 e 69 do doc. de fls. 542 do SITAF; 20 e 39, do doc. de fls. 611 do SITAF);

3) A sociedade A............................ PROMOÇÃO ...................... LDA. foi sujeita a uma ação inspectiva interna que teve por objecto o exercício de 2006 (facto que se retira do doc. de fls. 8 a 15 do doc. de fls. 212 do SITAF);

4) Em 15/04/2010, as gerentes da sociedade melhor identificada no ponto 1 deste probatório, assinaram uma autorização de levantamento do sigilo bancário indicando que o mesmo se destinava ao cumprimento do disposto no nº 6 do artigo 129º do CIRC para demonstração do preço efetivo de venda (facto que se retira do doc. de fls. 65 do doc. de fls. 670 do SITAF).

5) No âmbito da ação inspetiva foi elaborado em 23/04/2010, um relatório inspectivo do qual consta com interesse para a decisão o seguinte:

«Texto no original»

(…)

«Texto e quadros no original»

(…)”

(cfr. doc. de fls. 7 a 15 do doc. de fls. 212 do SITAF).”





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Factos não provados

a) Não ficou provado que a Impugnante tenha dirigido um pedido para prova do preço efetivo de venda.


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Motivação

Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo em apenso e nos factos alegados e não contestados, conforme indicado em cada uma das alíneas do probatório.



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III . Da Fundamentação De Direito

Na presente sede recursiva discute-se a conformidade da decisão recorrida com o regime legal decorrente da aplicação do disposto nos artigos 58º -A e 129º, ambos do CIRC (atuais artigo 64º e 139º do CIRC), quando considerou verificada a exceção dilatória inominada da inimpugnabilidade do ato de liquidação.
Defende a Recorrente que a decisão recorrida não se pronunciou sobre todas as questões que lhe foram colocadas em sede impugnatória, pelo que a decisão é nula por omissão de pronúncia, que errou no julgamento de facto que efetuou, bem como que erro no julgamento de Direito ao ter considerado que não ficou demonstrado o efetivo preço de aquisição das frações ou que o mesmo não foi efetuado dentro do prazo.
Comecemos pela questão do erro de julgamento de facto que a apelante assaca à decisão recorrida.
Ancora este seu entendimento na circunstância de resultar provado nos autos que ainda durante o exercício de 2006, apresentou prova do preço efetivo da venda, pelo que não se pode considerar que não o tenha demonstrado.
Apreciando.
Consagra o art. 607º, nº 5 do CPC que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, de forma consentânea com o disposto o determinado no Código Civil, mais concretamente nos seus preceitos 389º e seguintes. Não obstante, a livre apreciação da prova não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
Por outro lado, estabelece o artigo 662º do CPC, que o Tribunal da Relação (leia-se Tribunais Centrais) “deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, donde, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo.
Como nos ensina Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 225-227, “O atual art. 662º representa uma clara evolução [face ao art. 712º do anterior C.P.C.] no sentido que já antes se anunciava. Através dos nºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e fundar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.
(…) Afinal, nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua atuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos fatores de imediação e da oralidade. Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607º, nº 5) ou da aquisição processual (art. 413º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão,
decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão num sentido restritivo ou explicativo”.
Contudo, reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto, tal apenas poderá acontecer se o Recorrente cumprir os ónus que sobre si impendem e que decorrem do artigo 640º do CPC, delimitando, por um lado, o âmbito do recurso e, por outro lado, conferindo o verdadeiro e efetivo contraditório à parte contrária.
Vejamos, então, quais são os ónus que impendem sobre a apelante e que se encontram elencados no artigo 640º do CPC:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Quando em causa esteja a prova gravada “(…) incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº 2, al. a) do mencionado preceito).
Já quando o recorrido pretenda refutar o alegado pelo Recorrente, deve proceder de igual modo, mencionando os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. (al. b) do nº 2 do artigo 640º do CPC).
Decorre, assim, do preceito aludido que cabe ao apelante especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, os factos concretos que devem ser aditados ao probatório, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão diversa da adotada pela decisão recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnados, sendo que quando em causa esteja prova testemunhal produzida junto do Tribunal a quo, o Recorrente tem de indicar as passagens concretas das gravações das quais pretende retirar os factos por si pretendidos aditar ou que considera incorretamente julgados.
Significa isto que não basta ao Recorrente manifestar, de forma não concretizada, a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo-se-lhe os ónus supra mencionados.
Por outro lado, cumpre ainda referir que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de Direito.
Finalmente, importa distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.
Exposto o quadro jurídico em que se move a questão do erro de julgamento de facto, detenhamos-mos agora na questão de saber se, in casu, a Recorrente cumpriu os ónus que sobre si impendiam.
Como facilmente se retira das conclusões do recurso, bem como das alegações apresentadas, o recorrente não indica factos, mas apenas conclusões, que pretende ver retiradas dos documentos que identifica.
Ora, como bem sabemos, factos mais não são do que ocorrências da vida real e essas, por definição, não contemplam conclusões, motivo pelo qual se rejeita o recurso nesta parte.
Acresce que, este Tribunal ad quem, oficiosamente fixou os factos relevantes para a decisão que, aliás, já decorriam da apreciação de Direito efetuada pelo Tribunal a quo.
Avançando.
Argui ainda a apelante que a decisão recorrida enferma de nulidade por a mesma ter omitido pronúncia relativamente aos demais vícios imputados por si ao ato impugnado.
Concretiza arguindo que ao ter demonstrado aquele valor, nunca o Tribunal a quo poderia ter considerado verificada a exceção dilatória inominada e, em consequência, deixado de conhecer os demais vícios que havia arguido em sede de impugnação judicial.
Adensa esta sua alegação defendendo que sempre o Tribunal a quo deveria ter considerado que havia demonstrado o preço efetivo da venda e por isso anulado a liquidação.
Apreciando.
Dispõe o artigo 125º do CPPT, replicando o disposto no artigo 615º, nº 1 do CPC, que a sentença é nula quando lhe falta a assinatura do juiz, esta não especifique dos fundamentos de facto e de Direito da decisão, ocorra oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer:
As causas de nulidade da sentença que, como vimos, se encontram elencadas no artigo 125º mencionado, não incluem o erro de julgamento, seja ele de facto ou de Direito (neste sentido, entre muitos outros, o acórdão STJ, de 9.4.2019, Procº nº 4148/16.1T8BRG.G1.S1., in www.dgsi.pt). Deste modo, podemos afirmar que as nulidades das sentenças mais não são do que vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal. Estamos perante vícios de formação ou atividade que afetam a regularidade do silogismo judiciário da própria decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito. Já, pelo contrário, o erro de julgamento (error in judicando) que resulta duma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error júris), de forma que o decidido esteja em desconformidade com a lei.
Como ensinava o Prof. José Alberto Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, págs. 124, 125, embora no âmbito de outro compêndio, mas que é totalmente transponível para o Código de Procedimento e Processo Tributário, o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos. Já quando na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional comete um erro de atividade. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afetam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua atividade.
Podemos, deste modo, afirmar que as causas de nulidade da decisão elencadas no artigo 125º aludido visam o erro na construção do silogismo judiciário, nunca estando subjacente às mesmas quaisquer razões de fundo, essas sim, que conduziriam a erro de julgamento.
Concluindo, o erro de julgamento, a injustiça da decisão e a não conformidade da mesma com o Direito aplicável, não constituem nulidades da sentença, mas sim erros de julgamento (neste sentido podemos ver Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 686).
Em consequência, as nulidades das sentenças ditam a sua anulação, já as suas ilegalidades conduzem à revogação das mesmas (ex vi acórdão STJ de 17/10/2017, tirado no procº nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1.).
Para que possamos considerar que ocorre uma nulidade por omissão de pronúncia é necessário que o Tribunal a quo deixe de resolver um dos vícios que havia sido imputado ao ato, estando esta nulidade intimamente relacionada com o preceituado no artigo 124º do CPPT, que estabelece qual a ordem pela qual o Tribunal deve conhecer os vícios, bem como com o disposto no nº 2 do art. 608º do CPC, onde se dispõe que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo não se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Impõe-se, assim, um duplo ónus ao julgador. O primeiro encontra tradução no dever que se lhe impõe de resolver todas as questões que sejam submetidas à sua apreciação pelas partes, salvo aquelas cuja decisão vier a ficar prejudicada pela solução dada antes a outras e o segundo que se traduz no dever de não ir além do conhecimento dessas questões suscitadas pelas partes, salvo quando estejamos perante questões de conhecimento oficioso ou que a lei lhe permita.
Como tem vindo a ser entendimento dominante, o conceito de “questões”, a que se refere o legislador no artigo 608º, nº 2 do CPC, deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas que tenham a virtualidade de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos, os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes (neste sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. Ed., Almedina, págs. 713/714 e 737.” e Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processos Civil, 6ª. Ed. Atualizada, Almedina, pág.136.”).
Em face do aqui aduzido, é bom de ver que a decisão criticada não enferma da nulidade que lhe é assacada pela Recorrente.
Senão vejamos.
O Tribunal a quo considerando que a apelante não havia lançado mão do disposto no artigo 129º do CIRC e, consequentemente, estava-lhe vedada a possibilidade de vir discutir a correção efetuada cujo fundamento foi exatamente a circunstância da aqui Recorrente não ter considerado, para efeitos de apuramento do lucro tributável, o valor patrimonial dos imóveis fixado para efeitos de IMT.
Ao ter assim decidido, julgou verificada a exceção dilatória inominada e absolveu a Fazenda Pública da instância, amparando a sua decisão do seguinte modo:
Efetivamente, o art. 58.º-A do CIRC (a que corresponde o atual art. 64.º, após a republicação do Código operada pelo Decreto-lei n.º 159/2009, de 13 de julho), sob a epígrafe “Correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis”, estabelece que:
“1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.
(…)”
A transcrita norma prescreve, assim, como princípio base, que os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre imóveis devem adotar, nas suas transações, valores de mercado que não podem ser inferiores ao VPT que serviu de base à liquidação de IMT. Razão pela qual, sempre que se verifiquem desvios negativos entre o valor declarado pelas partes e o respetivo VPT definitivo, será este o valor relevante para efeitos de determinação do lucro tributável. Assim sendo, para determinação do lucro tributável referente às transações de imóveis em sede de IRC, prevalece o VPT fixado para efeitos de IMT sobre o preço declarado da transação, sempre que o primeiro seja superior ao segundo.
Tratando-se, todavia, de um preceito com natureza de norma especial anti-abuso, que visa corrigir, para efeitos de determinação do lucro tributável, os valores de venda/aquisição de imóveis, o mesmo apenas pode operar na sequência de um procedimento legal que possibilite a demostração, perante a Administração Tributária, que os valores das transmissões foram efetivamente inferiores aos respetivos VPT`s.
Daí que o art. 129.º do CPPT (a que corresponde o atual art. 139.º, após a republicação do Código operada pelo Decreto-lei n.º 159/2009, de 13 de julho), disponha no seu n.º 1 que: “O disposto no n.º 2 do artigo 58º-A não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.” Sendo que esta prova é efetuada “em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos” (cfr. n.º 3 do mesmo preceito).
A lei criou, deste modo, um procedimento tributário em ordem a permitir ao sujeito passivo de IRC demonstrar que o preço efetivamente praticado é inferior ao VPT fixado e, por essa via, afastar a presunção resultante do citado art. 58.º-A do CIRC.
Mais, naquele preceito consagrou-se (n.º 7) que: “A impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correções efetuadas por aplicação do disposto no nº 2 do artigo 58º-A, ou, se não houver lugar a liquidação, das correções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no nº 3, não havendo lugar a reclamação graciosa.”
A impugnação judicial da liquidação do imposto que resulte de correções efetuados nos termos do art. 58.º-A, n.º 2 do CIRC depende, assim, da prévia apresentação do pedido para desencadear o referido procedimento para demonstração do preço efetivo nas transmissões. Ou seja, o recurso a este procedimento é condição legal para que o sujeito passivo possa, posteriormente, aceder à via judicial para impugnar a respetiva liquidação de IRC efetuada com base no disposto no art. 58.º-A, n.º 2 do CIRC ou para impugnar as correções ao lucro tributável se não houver lugar a liquidação.
Em suma, trata-se de um procedimento tributário que, nos termos da lei, é condição de impugnabilidade do ato tributário.
(…)
Ora, conforme se viu, nos termos do art. 129.º do CIRC, a demonstração do preço efetivo na transmissão de imóveis é efetuado com abertura de procedimento próprio. Para abertura deste procedimento são condições essenciais que:
a) O sujeito passivo apresente requerimento dirigido ao diretor de finanças competente;
b) Seja apresentado em janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o VPT já se encontre definitivamente fixado, ou nos trinta dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos;
c) Seja anexado ao requerimento documento de autorização de levantamento do sigilo bancário, para que a Administração Tributária possa aceder à informação bancária caso julgue necessário.
Resulta, pois, claro que a Impugnante não apresentou qualquer pedido observando estas condições, não sendo viável, para tal, os requerimentos apresentados em 12 de julho de 2006 por cada transmissão, os quais nada mais são do que pedidos de segunda avaliação dos respetivos imóveis, formulados nos termos do art. 76.º do Código do IMI (vide documentos n.ºs 5, 7, 9, 11, 13, 15, 17, 19, 21, 23, 25, 27, 29, 31, 33, 35, 37, 39, 41, 43, 45, 48 e 50 juntos com a petição inicial). Por outro lado, os referidos pedidos mostram-se intempestivos, por terem sido apresentados em momento em que a avaliação dos imóveis ainda não era definitiva (daí os pedidos de segunda avaliação). Sendo certo que tal intempestividade sai realçada pelo facto da referida avaliação se ter tornado definitiva em novembro de 2006 (conforme se encontra consignado no relatório inspetivo), uma vez que, nesse caso, deveriam ter sido apresentados em janeiro de 2007.
(…)
Uma vez que a Impugnante não apresentou os pedidos de abertura de procedimentos nos termos do art. 129.º do CIRC, a fim de efetuar prova de que os preços efetivamente praticados nas transmissões das frações autónomas em causa, alienadas no exercício de 2006, foram inferiores ao respetivo VPT que serviu de base à liquidação de IMT, fica prejudicada a possibilidade de impugnar judicialmente, com base em tal fundamentação, a liquidação de IRC, por via da falta de condição legal, prévia e necessária de procedibilidade da impugnação judicial.
Atento o exposto, encontra-se verificada exceção por falta de pressuposto processual consubstanciado na não apresentação tempestiva dos pedidos de prova do preço efetivo nas transmissões de imóveis, a qual consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da Fazenda Pública da instância, conforme decorre dos artigos 278.º, n.º 1, alínea e) e 576.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis “ex vi” art. 2.º, alínea e) do CPPT.
Embora a decisão recorrida não o mencione expressamente, decorre do discurso fundamentador da mesma que julgando-se verificada a exceção dilatória inominada, não tem o Tribunal de conhecer os demais vícios que a apelante havia assacado ao ato impugnado, pelo que ao ter assim decidido não se verifica a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Prosseguindo.
Sustenta também a Recorrente que o Tribunal a quo errou no julgamento de Direito que efetuou, desde logo porque ficou provado que a apelante provou o preço efetivo da venda.
Mais advoga que o regime instituído nos artigos 58º-A e 129º do CIRC (atuais 64º e 139º do mesmo diploma) apenas visam evitar correções à matéria tributável quando o preço efetuado seja inferior ao valor patrimonial tributário e que essa prova foi feita tempestivamente.
Argui, também, que ficou amplamente demonstrada a veracidade dos preços de aquisição de, pelo menos, 14 frações.
Defende, ainda, que assim não se entender afeta a fiabilidade dos registos contabilísticos, bem como viola os princípios da tributação pelo lucro real, da justiça material e da proporcionalidade.
Adiantamos, desde já, que não assiste qualquer razão à Recorrente.
Comecemos por convocar o disposto nos artigos 58º-A e 129º do CIRC (atuais artigo 64º e 139º do CIRC), na redação em vigor à data dos factos, ou seja, 2006, na parte relevante para a decisão do presente pleito.
Preceituava o então artigo 58º-A do CIRC, sob a epígrafe “Correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis” que:
1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável. (…)”
Já o artigo 129º do CIRC, estabelecia, sob a epígrafe “Prova do preço efectivo na transmissão de imóveis”, o seguinte:
1 - O disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo pode, designadamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados na portaria a que se refere o n.º 3 do artigo 62.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, caso em que ao montante dos custos de construção deverão acrescer os demais indicadores objectivos previstos no referido Código para determinação do valor patrimonial tributário.
3 - A prova referida no n.º 1 deve ser efectuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.
4 - O pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação, na parte correspondente ao valor do ajustamento previsto no n.º 2 do artigo 58.º-A, a qual, no caso de indeferimento total ou parcial do pedido, será da competência da Direcção-Geral dos Impostos.
5 - O procedimento previsto no n.º 3 rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei.
6 - Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior.
7 - A impugnação judicial contra a liquidação do imposto relativo à transmissão de imóveis cujo lucro tributável tenha sido fixado nos termos do artigo 58.º-A, ou se não houver lugar a liquidação do lucro tributável previsto no mesmo preceito legal, depende de prévia apresentação do pedido previsto no presente artigo, não havendo lugar a reclamação graciosa.
8 - A impugnação do acto de fixação do valor patrimonial tributário, prevista no artigo 77.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e no artigo 134.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não tem efeito suspensivo quanto à liquidação do IRC nem suspende o prazo para dedução do pedido de demonstração previsto no presente artigo.”
Com a reforma da tributação do património ocorrida em 2004, foram introduzidos no Código do IRC os dois preceitos supra mencionados. Na verdade, existindo uma perceção generalizada da existência de fraude fiscal no que toca aos valores de compra dos imóveis para que os sujeitos passivos se furtassem ao pagamento da SISA, uma vez que se acreditava que os valores de avaliação dos imóveis decorrentes da aplicação das novas regras consagradas no Código do IMI, iriam refletir, de modo mais consentâneo com a realidade, o valor dos mesmos, entendeu o legislador que, para além de efetuar uma atualização de todo o regime de tributação do património imobiliário, deveriam também ser introduzidas alterações nos Códigos do IRS e do IRC que refletissem essas mudanças procurando, em ambas as sedes, evitar a fraude e evasão fiscais. Em conformidade, no artigo 71º da lei de autorização, foi concedida ao Governo a possibilidade de alterar o CIRC, de molde a serem estabelecidas normas no sentido de o valor dos imóveis transacionados pelos sujeitos passivos deste imposto passarem a refletir o valor de mercado dos imóveis que nunca poderia ser inferior ao Valor Patrimonial Tributário (doravante VPT) que serviu de base à liquidação de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (doravante IMT), sempre que o valor constante do contrato ou ato fosse inferior.
Assim, o Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de novembro, procedeu à necessária alteração do CIRC introduzindo o então artigo 58º-A (atual artigo 64º), bem como o artigo 129º (atual artigo 139º), introduzindo, nesta sede, uma norma anti-abuso, que tinha como objetivo mitigar os efeitos nefastos resultantes de eventuais simulações de preços acordadas entre os contratantes.
Assim sendo, o legislador institui uma presunção de acordo com a qual, no apuramento do lucro tributável, os sujeitos passivos de IRC devem considerar o valor normal de mercado dos imóveis sendo que este não pode ser inferior ao VPT que foi considerado para efeitos de liquidação do IMT ou o que seria se o mesmo fosse devido.
No entanto, e por forma a respeitar os Princípios Constitucionais da Tributação pelo Lucro Real dos sujeitos passivos de IRC (artigo 104º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, doravante CPR) e da Igualdade, na vertente da capacidade contributiva (artigo 13º da CRP), bem como o disposto no artigo 73º da LGT, preceito onde se consagra a impossibilidade de fixar presunções juris et de jure em normas de incidência fiscal, este regime admite a possibilidade de os sujeitos passivos afastarem a presunção que consta do artigo 58º-Aº do CIRC (hoje 64º), lançando mão do procedimento constante do artigo 129º (hoje 139º) do mesmo diploma, transformando, deste modo, a presunção constante deste normativo numa presunção juris tantum.
Não obstante o próprio Código de Procedimento e Processo Tributário (doravante CPPT), mais concretamente no seu artigo 64º, estabelecer a forma como se podem ilidir as presunções legais, não será esse o caminho a seguir no caso que aqui nos ocupa. Na verdade, no que respeita ao regime instituído no presente artigo 64º (antigo 58º-A), o procedimento a que se deve socorrer a entidade sujeita a IRC, não será o ali plasmado, mas aquele que vem consagrado no artigo 139º do CIRC (antigo 129º), cujo regime é distinto deste. Assim sendo, muito embora o artigo 58º-Aº do CIRC estabeleça uma presunção de que os imóveis adquiridos pelos sujeitos passivos de IRC o foram, pelo menos, pelo seu VPT relevante para efeitos de liquidação do IMT, esta pode ser ilidida através do mecanismo estabelecido no então artigo 129º do CIRC. Acresce ainda que por força do princípio expresso no brocardo latino lex specialis derogat legi generali, existindo lei especial a regular o regime, não será de aplicar o regime instituído no mencionado artigo 64º do CPPT.
A consequência da aplicação da presunção é a de que sempre que o valor do contrato seja inferior ao VPT do imóvel, o sujeito passivo que não ilida a presunção pelo meio instituído no aludido artigo 129º, terá de corrigir o apuramento do seu lucro tributável. Esta correção deverá ser efetuada na declaração modelo 22, mais concretamente no seu quadro 07. Esta nota será importante para dirimirmos uma das questões suscitadas pela Recorrente, no que toca a uma alegada afetação da fiabilidade dos registos contabilísticos. Efetivamente, na contabilidade das entidades sujeitas a IRC, os imóveis são registados de acordo com as regras contabilísticas onde o critério seguido não corresponde ao estabelecido neste preceito, mas aquando da entrega da declaração modelo 22 terão de efetuar as correções decorrentes da aplicação deste preceito.
Como decorre do acima brevemente explanado, não podendo existir presunções inilidíveis em sede de incidência tributária, impunha-se também legislador, não só para garantir a observância do Princípio da Tributação pelo Lucro Real, consagrado no nº 2 do artigo 104º da CRP, mas também do princípio da capacidade contributiva, como decorrência ou corolário do Princípio da Igualdade, criar um mecanismo através do qual fosse dada aos sujeitos passivos de imposto a possibilidade de ilidir a aludida presunção.
Neste mesmo sentido podemos ver o Acórdão do STA de 06/03/2024, prolatado no processo nº 0170/13.8BECBR, onde se sumariou o seguinte: “II - O artigo 139.º do Código do IRC é uma manifestação da prevalência da obrigação fundamental de tributar as empresas pelo respectivo rendimento real, presente no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição, e com prejuízo dos valores meramente presumidos.
O procedimento para ilidir, então, a presunção constante do, ao tempo, artigo 58º-A do CIRC, é o consagrado no seu artigo 129º. A instauração deste procedimento permitirá aos sujeitos passivos de IRC, ilidirem a presunção do artigo 58º-A e, desta forma, demonstrarem que o preço efetivo da venda dos imóveis corresponde àquele que se encontra expresso no respetivo ato ou contrato e, desta forma, passar a ser aquele o relevante para efeitos de apuramento do lucro tributável.
Assim sendo, e contrariamente ao que parece pretender a Recorrente, apenas lançando mão do procedimento constante deste artigo 129º do CIRC, é possível ilidir a presunção constante do nº 2 do artigo 58º-A do mesmo compêndio legal.
Na verdade, é neste preceito que se encontra determinada a forma como o procedimento deve decorrer encontra-se densificada neste artigo 129º, sendo também nele que se estabelecem os seus efeitos.
A vexata quaestio que aqui importa apreciar e decidir consiste em saber se o Tribunal a quo aquilatou corretamente a inexistência do procedimento aqui consagrado e as suas consequências em sede de impugnabilidade do ato de liquidação.
Advoga a Recorrente que havia ilidido a presunção quando procurou, em sede de pedido de segunda avaliação, demonstrar o preço efetivo da venda.
Sustentou o Tribunal a quo que tal não poderia ocorrer nessa fase.
Ora, para dirimir esta questão urge determinar o momento a partir do qual deve o procedimento ser iniciado, bem como dies ad quem da instauração do mesmo.
O dies a quo corresponderá ao dia em que se encontrar definitivamente fixado o Valor Patrimonial Tributário (doravante VPT) do imóvel, já o dies ad quem dependerá do momento em que tal fixação ocorrer, podendo ocorrer duas situações, a saber:
- O VPT foi determinado até 31/12 do ano em que ocorreram as transmissões, situação em que o prazo será até ao dia 31 de janeiro no ano subsequente;
- O VPT não foi definitivamente fixado até ao dia 31/12 do ano da transação, em que o prazo para apresentar o pedido será de 30 dias após o VPT se ter tornado definitivo. (nº 3 do artigo 129º).
Significa isto que apenas e só depois de fixado definitivamente o VPT dos imóveis, podem os sujeitos passivos lançar mão do procedimento aqui instituído.
Assim, contrariamente ao defendido pela Recorrente, a circunstância de em sede de pedido de segunda avaliação do imóvel ter procurado demonstrar a efetividade do valor que consta do contrato, tal não tem a virtualidade de afastar a presunção constante do artigo 58º-A do CIRC, uma vez que para se dar início ao procedimento a que temos vindo a fazer referência, é necessário que o VPT já se encontre definitivamente fixado.
Ora, encontrando-se ainda em discussão qual o VPT a atribuir aos imóveis, não se pode considerar que seja possível, no âmbito do mesmo procedimento, procurar ilidir a presunção do aludido preceito.
Como resulta de tudo o anteriormente exposto, o procedimento aqui contemplado tem regras especificas, quer quanto ao momento a partir do qual deve ser instaurado, quer quanto ao modo como o mesmo decorre e, finalmente, quanto aos seus efeitos.
A última questão a decidir prende-se com os efeitos preclusivos deste procedimento em sede de impugnabilidade do ato.
Decorre do nº 7 do preceito em análise que “A impugnação judicial contra a liquidação do imposto relativo à transmissão de imóveis cujo lucro tributável tenha sido fixado nos termos do artigo 58.º-A, ou se não houver lugar a liquidação do lucro tributável previsto no mesmo preceito legal, depende de prévia apresentação do pedido previsto no presente artigo, não havendo lugar a reclamação graciosa
Significa isto que este pedido é condição de impugnação da liquidação nesta parte, tal como acontece com o pedido para a Comissão de Revisão nos casos em que são aplicados métodos indiretos de tributação. Consequentemente, os sujeitos passivos que pretendam sindicar judicialmente a consideração do VPT do imóvel ou de outro que venha a resultar deste procedimento, para efeitos de determinação do lucro tributável, são obrigados a intentar o procedimento aqui contemplado, sendo que a sua falta conduz à inimpugnabilidade do ato de liquidação. (Neste sentido, podemos ver, entre outros, os Acórdãos do STA, de 4 de março de 2020, no âmbito do processo nº 01104/10.7BELRA; de 3/12/2014, no proc. nº 881/12; de 06/12/2013, no proc. nº 989/12; de 30/05/2018, nos procs. nºs 860/15 e 861/15; de 06/11/2019 no proc. nº 806/15, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 07/12/2021, no proc. 576/11.7BEALM e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 11/11/2021, no proc. 1157/11.0BEPRT, todos in www.dgsi.pt. ).
Como se sumariou no Aresto do STA de 09/03/2016, prolatado no processo nº 0820/15:
“IV – Este procedimento constitui condição necessária à abertura da via contenciosa, nº 7 do art. 139º do CIRC.”
Também no Acórdão do STA de 05/02/2020, no processo nº 0686/10.8BELRA, onde se doutrinou o seguinte: “I - De acordo com o disposto no n.º 7 do art. 129.º do CIRC (actual 139º), o procedimento de prova do preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre imóveis constitui condição de impugnabilidade da liquidação que resultar das correcções efectuadas ao abrigo do art. 58º-A do CIRC, hoje 64º (ou, se não houver lugar a liquidação, condição da impugnação das correcções ao lucro tributável).”.
Ora, existindo uma situação de inimpugnabilidade do ato de liquidação, está verificada uma exceção dilatória que, nos termos do disposto no artigo 89º, nº 4, alínea i) do CPTA, aplicável ex vi artigo 2º, alínea c) do CPPT, conduz à absolvição da instância.
Efetuado este enquadramento, cumpre baixar ao caso dos autos e verificar qual o quadro fáctico em que a situação em apreço se desenrolou.
A Recorrente, em Agosto de 2006, adquiriu 23 frações autónomas dum determinado edifício.
Em face duma primeira avaliação, requereu uma segunda avaliação das mencionadas frações autónomas com fundamento do desajustamento face ao preço de mercado e ao valor pelos mesmos paga, tendo junto ao processo cópias dos contratos promessa, documentos de pagamento e escritura pública dos mesmos.
Mais tarde, algures no ano de 2010, é sujeita a uma ação inspetiva que efetuou correções ao lucro tributável tendo por fundamento o disposto no artigo 58º-A do CIRC.
Na sequência da mencionada ação inspetiva foi efetuada uma liquidação adicional de IRC para o exercício de 2006 da qual foi apresentada a presente impugnação judicial.
Lidas as alegações e as conclusões apresentadas pela aqui apelante, este nunca menciona ter requerido a instauração do procedimento constante do artigo 129º do CIRC, mas apenas que em sede de pedido de segunda avaliação dos imóveis e, mais tarde, em sede de procedimento inspetivo, teria procurado provar a efetividade do preço pago e que consta das escrituras públicas.
Ora, como decorre de todo o regime jurídico aplicável supra exposto, nenhum daqueles meios é o adequado para afastar a presunção constante do nº 2 do artigo 58º-A do CIRC, fundamento das correções efetuadas e da liquidação impugnada.
Por um lado, como verificámos acima, o procedimento tem de ser efetuado após a fixação definitiva do VPT dos bens. Donde, qualquer apresentação de documentação tendente à prova do preço efetivo da venda no âmbito do pedido de segunda avaliação nenhuma relevância assume, para efeitos de ilisão da presunção em causa nos autos, desde logo porque o VPT ainda não se encontrava definitivamente fixado. Aliás, tais documentos foram apresentados no âmbito dum procedimento próprio – o pedido de segunda avaliação – e não num pedido de ilisão da mencionada presunção.
Por outro lado, e mesmo que por absurdo assim não se entendesse, também nunca poderia ser no âmbito do procedimento inspetivo que se poderia demonstrar o preço efetivo da venda, desde logo, porque como mencionámos acima, a ilisão da presunção se faz através dum processo próprio e nos prazos indicados no nº 3 do artigo 129º do CIRC.
Ora, do relatório inspetivo consta que a Recorrente foi notificada do VPT definitivo em 20/10/2006, pelo que o prazo indicado no aludido nº 3 do artigo 129º, há muito se encontrava expirado.
Assim sendo, e não tendo a apelante apresentado o procedimento de prova do preço efetivo de venda instituído no artigo 129º do CIRC, por força do seu nº 7 está-lhe vedada a possibilidade de impugnar o ato de liquidação decorrente de correções efetuadas ao abrigo da presunção constante do nº 2 do artigo 58º-A do mesmo diploma legal, estando verificada a exceção dilatória da inimpugnabilidade do ato de liquidação com o presente fundamento.
Nem se diga, como advoga a Recorrente, que a impossibilidade de demonstração do preço efetivo de venda afeta a fiabilidade dos registos contabilísticos.
Como também já tivemos oportunidade de explicar acima, os registos contabilísticos dos sujeitos passivos não são alterados. O que acontece, nos termos do disposto no artigo 58º-A, nº 3, os contribuintes aquando da entrega da declaração modelo 22 de IRC, fazem a correção correspondente no quadro 07, mais concretamente no seu campo 772, uma vez que se trata da adquirente.
Na contabilidade da apelante tudo continua intocado, devendo ser cumpridas as várias normas contabilísticas sobre a contabilização de imóveis.
Consequentemente, nenhuma censura merece a decisão recorrida que assim decidiu, pelo que a mesma se deve manter na ordem jurídica.
Avançando.
Mais sustenta a Recorrente que tal regime viola os princípios da tributação pelo lucro real, da justiça material e da proporcionalidade.
Também aqui nenhuma razão lhe assiste.
No que respeita à violação do Princípio da Tributação pelo Lucro real das entidades sujeitas a IRC, plasmado no artigo 104º, nº 2 da CRP, que está em consonância com os Princípios da igualdade fiscal, na sua vertente da capacidade contributiva, sempre se dirá, acompanhando aliás toda a jurisprudência do Tribunal Constitucional, designadamente os Acórdãos nºs 55/2022, 679/2022, 680/2022, 875/2022, 177/2023, 178/2023 e mais recentemente o 369/2024, de 08/05/2024, que a Constituição da República Portuguesa, embora assente no paradigma da tributação pelo lucro real, admite exceções ao mesmo, desde logo pela utilização por parte do legislador constitucional do advérbio de modo “fundamentalmente”, conferindo ao legislador ordinário amplitude para consagrar exceções a este princípio. Um dos exemplos de exceções a este Princípio é o apuramento do lucro tributável através de métodos indiretos de tributação, cuja constitucionalidade tem sempre vindo a ser confirmada pelo Tribunal Constitucional, o mesmo acontecendo com o regime instituído nos preceitos que aqui nos ocupam.
No caso do regime instituído pelo artigo 58º-A, designadamente pela presunção que consta do seu nº 2, conferindo-se ao sujeito passivo a possibilidade de ilidir esta presunção dali constante, não configura qualquer violação ao mencionado princípio. Neste mesmo sentido podemos ver o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 517/2015, de 14/10/2015, tirado no processo nº 418/2013, onde se doutrinou o seguinte:
9. A obrigação de pagar impostos corresponde a um dever fundamental dos cidadãos, plasmado no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa. Encontra assento fora do catálogo dos direitos e deveres fundamentais, inscrito na Parte I da Lei Fundamental, estando enquadrado na categoria dos deveres que surgem dispersamente consagrados no texto constitucional (Gomes Canotilho, J. J. e Moreira, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 320).
Na perspetiva do objeto e conteúdo, pode ser qualificado como um dever de conteúdo cívico-político, por apresentar a característica de se traduzir numa obrigação dos cidadãos para com o Estado, podendo afirmar-se que encontra o seu fundamento justificante na “própria existência e funcionamento da coletividade política organizada” (cfr. Idem, ibidem, p. 321).
Correspondendo a um dever constitucionalmente consagrado, encontra-se adstrito aos princípios da generalidade e da igualdade, plasmados nos artigos 12.º e 13.º da Constituição. Tais princípios concretizam-se, por um lado, na circunstância de, prima facie, todos os cidadãos se encontrarem obrigados ao cumprimento do dever de pagar impostos, e, por outro, no facto de tal dever ser aferido por um mesmo critério: o da capacidade contributiva, determinando que deve ser suportado igual imposto por aqueles que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto, em termos qualitativos ou quantitativos, por aqueles que dispõem de diferente capacidade contributiva, na proporção dessa diferença (igualdade vertical). (cfr. Nabais, J. Casalta, Direito Fiscal, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, pp. 153-154).
Ao dever fundamental de pagar impostos corresponde, como posição ativa, a atribuição ao Estado de um poder tributário, traduzido no poder-dever de criar impostos e determinar a forma da sua coleta.
Na verdade, como refere Casalta Nabais, “[o] Estado moderno apresenta-se por toda a parte como um “Estado fiscal”, ou seja, como um Estado que tem por suporte financeiro determinante ou típico a figura dos impostos”( Idem, ibidem, pp. 129, 130).
A coleta de impostos, porém, consubstancia um mero instrumento de realização de tarefas estaduais. De facto, “a tributação não constitui, em si mesma, um objetivo (isto é, um objetivo originário ou primário) do estado, mas sim o meio que possibilita a este cumprir os seus objetivos (originários ou primários), atualmente consubstanciados em tarefas de estado de direito e tarefas de estado social, ou seja, em tarefas do estado de direito social.” (Nabais, J. Casalta, O dever fundamental de pagar impostos, Almedina, Coimbra, 1998, p. 185).
A característica meramente instrumental dos impostos decorre, desde logo, do artigo 103.º, da Constituição da República Portuguesa, que afirma expressamente que o sistema fiscal tem como objetivos a “satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas” e “uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza”.
Assim, como escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira, a par de uma finalidade estritamente financeira do sistema fiscal - obtenção de receitas para financiamento das despesas públicas - subsiste uma finalidade social, que se traduz na vinculação à ideia de justiça social, refletida na atenuação da desigualdade da distribuição dos rendimentos e da riqueza (Gomes Canotilho, J. J. e Moreira, Vital, op. cit., p. 1088-1089).
10. No âmbito da tributação das pessoas coletivas, a Constituição optou claramente pela tributação dos lucros reais, ou seja, os lucros efetivamente auferidos pelas empresas, conforme resulta do n.º 2 do artigo 104.º, em detrimento de um outro modelo possível, assente na tributação dos lucros normais, que, partindo de uma pressuposição dos lucros auferíveis em determinadas condições normais, poderia corresponder a um cálculo por excesso ou por defeito dos lucros realmente obtidos em cada ano (Gomes Canotilho, J. J. e Moreira, Vital, op. cit., p. 1100).
Tal opção, porém, é assumida, pela Constituição, de uma forma tendencial, o que impressivamente resulta da utilização do advérbio fundamentalmente. Compreende-se esta consagração mitigada do princípio da tributação pelo rendimento real, uma vez que a prevalência absoluta deste princípio exigiria um sistema também absolutamente fiável de informação sobre os resultados das empresas. Pelo que, em alguns sectores, “acabam por ser tributados não os lucros efetivamente auferidos mas sim os presumivelmente realizados” (cfr. idem, ibidem, p. 1100).
Ainda assim, a prevalência do princípio da tributação das empresas segundo o seu lucro real acarreta um aumento da intensidade da cooperação exigida ao contribuinte, que se traduz numa acrescida exigência dos seus deveres declarativos. Esta exigência poderá, porém, determinar a restrição ou condicionamento de direitos, imposta pela necessidade de fiscalizar o cumprimento de tais deveres.
A este propósito, refere Saldanha Sanches que “os modernos sistemas fiscais em que a tributação (…) do rendimento é feita com base na cooperação do contribuinte têm uma condição de funcionamento eficaz e de distribuição equitativa da carga fiscal: o suporte de um sistema de controlo administrativo que permita tornar excecional o incumprimento da lei”. A exequibilidade prática de tal controlo passa, em grande parte, pelo acesso a informações de natureza financeira (Sanches, J. L.S., “A situação atual do sigilo bancário: a singularidade do regime português”, Estudos de Direito Contabilístico e Fiscal, Coimbra Editora, Coimbra, 2000, p. 85). (…)”
Assim sendo, não poderá proceder o presente recurso quanto a este erro de julgamento de Direito.
Também quanto à alegada violação do Princípio constitucional da justiça material, nenhuma razão assiste à Recorrente.
Para sustentar a sua alegação, advoga a Recorrente que tendo ficado demonstrado o efetivo preço de venda dos imóveis e nunca tendo a AT suscitado a falsidade dos documentos por si apresentados, deveria ter aceitado os mesmos e os valores dos mesmos constantes.
Como já tivemos oportunidade de constatar, a Recorrente não espoletou o procedimento adequado para afastar a presunção, limitou-se em sede de pedido de segunda avaliação de juntar um conjunto de documentos para sustentar, como a própria defende a desadequação do VPT fixado.
Acresce que, não obstante a AT estar obrigada ao cumprimento do princípio constitucional aludido, tal não invalida a necessidade de cumprimento, também por parte dos sujeitos passivos, do Princípio da Legalidade, designadamente no que toca ao cumprimento dos prazos para a interposição dos pedidos, bem como do modo como os mesmos devem ser exercidos.
Ainda que se entenda que sobre a AT impende o dever de convolar os requerimentos apresentados pelos contribuintes para a forma adequada, no caso concreto dos autos, tal nunca poderia sequer acontecer. Desde logo, porque os requerimentos aludidos pediam expressamente a segunda avaliação dos imóveis e, por outro lado, não se encontrando fixado o VPT de forma definitiva nunca se poderia entender que tal requerimento se dirigia a efetuar a prova do preço efetivo da venda.
Nestes termos, improcedente terá de ser julgado o presente recurso.
Finalmente, e no que tange à alegada violação do Princípio da Proporcionalidade, argui a apelante que a correção efetuada, sem atender aos rendimentos reais da apelante e com base apenas no argumento que não apresentou o pedido de prova do preço efetivo, ao abrigo do disposto no artigo 129º, violou o aludido princípio.
Também aqui não acompanhamos a arguição da apelante.
Na verdade, para que ocorra a violação do mencionado princípio que encontra consagração legal no artigo 18º, nº 2 da CRP, seria necessário que o regime instituído não fosse o adequado, necessário e, especificamente, de justa medida.
Tal e qual como afirmámos no início desta apreciação, a razão de ser do artigo 58º-A, nº 2 e do procedimento instituído para ilidir aquela presunção no seu artigo 129º, tem em vista proporcionar um controle por parte da AT sobre os valores efetivos das aquisições e alienações de imóveis, tendo como fito primordial alcançar a verdade fiscal e a tributação pelo lucro real dos sujeitos passivos de IRC. Não impondo este procedimento ónus excessivos, desadequados ou desnecessários para efetuar a prova necessária para ilidir a presunção, o mesmo não se pode considerar violador do aludido princípio constitucional.
Nem se diga, como parece pretender a apelante, que a circunstância de num âmbito completamente distinto e anterior à fixação definitiva do VPT deve ou pode ser aproveitado pela AT para ilidir a mencionada presunção.
Desde logo, porque no âmbito do pedido da segunda avaliação, o VPT ainda não se encontrava definitivamente fixado, como é bom de ver. Por outro lado, a própria entidade a quem os pedidos são dirigidos é distinta e possui competências próprias para cada uma das matérias.
Concluímos, deste modo, que improcedente tem de ser julgado o presente salvatério e, consequentemente, se deve manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

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CUSTAS
No que diz respeito à responsabilidade pelas custas do presente Recurso, atendendo ao seu total decaimento da recorrente, as custas são da sua responsabilidade. [cfr. art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].

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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.


Custas pela recorrente.

Lisboa, 26 de Junho de 2024

Cristina Coelho da Silva (Relatora)

Vital Lopes

Teresa Costa Alemão