Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
RECORRENTE: E.........., SA
RECORRIDA: Fazenda Pública
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pela MMª Juiz do TAF de Beja que julgou improcedente a impugnação deduzida por E.........., SA, contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada contra a liquidação de IRC referente ao exercício de 2009.
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES DA RECORRENTE, E....., S.A.:
«Pelo exposto, é possível concluir que:
• O Contrato de Concessão do EFMA entrou em vigor em 1 de novembro de 2007;
• A partir de 1 de Novembro de 2007, os bens afetos à concessão passaram a ser depreciados, para efeitos fiscais e contabilísticos, pelo método das quotas constantes, ao longo do período de concessão;
• O EFMA tem que ser considerado como um todo indivisível, o qual é composto por diversas componentes que não é possível desagregar para efeitos fiscais;
• Os terrenos submersos em questão estão incluídos no EFMA e são objeto dos Contratos de Concessão supra referidos;
• Nos termos dos Contratos de Concessão (artigo 28º), todos os bens incluídos no EFMA, incluindo os imóveis, reverterão para o Estado Português, no termo da Concessão;
• Como tal, o custo suportado pela E..... pela aquisição destes terrenos tem necessariamente que ser aceite como custo fiscal, porquanto o EFMA, enquanto um todo indivisível, é todo ele indispensável à manutenção da fonte produtora da E....., ao abrigo do disposto no artigo 23º do Código do IRC;
• De qualquer forma, a IFRIC 12, referente a Contratos de Concessão prevê que os bens objeto de Contrato de Concessão sejam depreciados pelo método das quotas constantes, ao longo do período da concessão. A IFRIC 12 é aplicável ao Contrato de Concessão da E..... conforme expressamente reconhecido pela Comissão de Normalização Contabilística em 20 de Janeiro de 2011;
• Fiscalmente também se aplica o mesmo critério, suportado no artigo 12º do Decreto-Regulamentar 25/2009, de 14 de setembro, que prevê que "Os elementos do ativo imobilizado adquiridos ou produzidos por entidades concessionárias e que nos termos das cláusulas do contrato de concessão sejam revertíveis no final desta podem ser reintegrados ou amortizados em função do número de anos que restem do período de concessão quando aquele for inferior ao seu período mínimo de vida útil";
• De acordo com este artigo, todos os bens que integram o Contrato de Concessão e que revertem para o Estado no termo da Concessão são depreciados pelo método das quotas constantes, independentemente da sua natureza, porque integrantes do todo que é a Concessão, aplicando-se neste caso o artigo 12º do Decreto-Regulamentar 25/2009, de 14 de setembro, que é o artigo referente ao tratamento fiscal das amortizações relativas a Contratos de Concessão e não qualquer outro.
Nestes termos, e nos demais de direito, requer-se a V. Exas. se dignem aceitar o presente Recurso e ordenar a anulação da decisão do Tribunal ad hoc e consequentemente ordenar a anulação da correção à matéria tributável da E......
CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu parecer no sentido da procedência do recurso e revogação da sentença recorrida.
II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se os terrenos submersos da barragem do Alqueva relevam, contabilística e fiscalmente, para a depreciação ou amortização de activos intangíveis. O que implica determinar, em primeiro lugar, o regime contabilístico a aplicar; e em segundo lugar, saber se esse regime contabilístico permite ou impõe essa depreciação ou amortização. Face à resposta obtida, apurar se em função do regime fiscal aplicável é ou não possível tal depreciação ou amortização.
III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
A) A Impugnante é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos apresentando-se como a entidade gestora do Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva;
B) Independentemente do objeto social da Impugnante, encontra-se a mesma com a atividade declarada em termos fiscais de engenharia hidráulica, esta com o CAE 42910;
C) Encontra-se, como tal, enquadrada como sujeito passivo de imposto;
D) Em 18/10/2012 a Impugnante deu entrada a requerimento, na Direcção de Finanças de Beja, anexando-lhe cópia da informação nº ...../2012 da DSIRC, relativa ao pedido de autorização de utilização de um método de depreciação diferente do estipulado no Decreto-Regulamentar nº 2/90, de 12/01 contendo a seguinte conclusão:
“Face ao exposto ao longo desta informação, somos de parecer que, ao abrigo, do nº 3 do art. 30º do CIRC conjugado com o nº 3 do art. 4º do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14 de setembro, poderá ser reconhecido, para efeitos fiscais, um método de reintegração que terá por base o perfil de geração de proveitos de acordo com o plano apresentado pela requerente.
No entanto há que considerar que nem todos os investimentos efectuados pela E..... são passíveis de amortização ao abrigo da lei fiscal pelo que se exclui desta autorização a amortização fiscal do valor dos terrenos submersos por se entender que os mesmos não sofrem qualquer deperecimento.”;
E) Na sequência das ordens de serviço nºs OI2012....., determinada por despacho do Chefe de Divisão de Inspecção Tributária datado de 05/11/2012, foi realizada acção de inspeção à Impugnante com o objectivo de observar a sua realidade tributária, incidindo em IRC sobre o ano de 2009;
F) Na sequência desta acção de inspecção interna foi elaborado relatório definitivo em 14/12/2012 concluindo da seguinte forma:
“(…) Da consulta aos elementos de contabilidade verificámos que a empresa depreciou e considerou como gasto do exercício do ano de 2009 relativamente aos terrenos submersos o montante de € 1.032.220,41 (…) Face ao exposto, a amortização dos terrenos submersos não tem relevância em termos fiscais e não há qualquer apoio na lei fiscal que permita o seu acolhimento. Os terrenos pela sua natureza não estão sujeitos a deperecimento salvo os terrenos de exploração e os destinados a entulheiras os quais perdem valor respectivamente em função do esgotamento ou em função da superfície degradada pelo que os terrenos em apreço (submersos) não configuram nenhuma daquelas excepções, ou seja, estas depreciações não são aceites como custos para efeitos fiscais por se entender que os mesmos não sofrem qualquer deperecimento nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 33º do CIRC. Deste modo, é devida uma correcção positiva ao lucro tributável da empresa no montante de € 1.032.220,41 (…)”;
G) Notificada que foi quanto ao projecto do relatório a Impugnante não exerceu o direito de audição;
H) Na sequência do relatório elaborado e conclusões descritas em F), em 21/12/2012 foi emitida a liquidação com o nº 2012.......... referente a IRC do exercício de 2009 apurando imposto a pagar pela Impugnante respetivamente no valor de 16.962,74 € sendo fixado o seu termo de pagamento em 30/01/2013;
I) Não se conformando com esta nota de liquidação apresentou, em 11/03/2013, reclamação graciosa contra a mesma;
J) Sobre esta recaiu a seguinte informação elaborada pela Divisão de Tributação e Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Beja:
“A sociedade acima identificada vem reclamar (…) da liquidação oficiosa oficiosa do IRC/2009 (…) alegando, em substância, que não se justifica nem tem fundamento o procedimento da inspecção tributária que concluiu pela correcção / expurgação do valor de € 1.032.220,41 respeitante a amortização de terrenos submersos.
(…)
4. No que respeita a estes argumentos e a toda a (extensa) exposição da reclamante (…) dir-se-á que toda a tese, que é coerente e congruente e que poderia ser suficiente se reportada a outros bens, carece no entanto e absolutamente de sentido porque enferma de um vício na sua base nuclear: o caso, o primeiro pressuposto errado é que os terrenos submersos de uma barragem não estão contemplados pelo art. 1º, nº 1 do DR nº 2/90 (vigente ao tempo), uma vez que não são elementos do activo imobilizado «sujeitos a deperecimento».
5. E foi exactamente isto que ficou perfeita e bastamente esclarecido na informação nº ...../12 da DIRC: «os terrenos submersos não têm relevância em termos fiscais» e «os terrenos pela sua natureza não estão sujeitos a deperecimento» e «os terrenos em apreço não configuram nenhuma daquelas excepções» (relativas a terrenos que perdem valor em função do esgotamento ou em função da superfície degradada como os destinados a entulheiras ou terrenos de exploração).
6. Ao contrário do afirmado pela reclamante, este entendimento é válido para o período ex ante e ex post a concessão porque é um entendimento aplicável (in abstracto) a toda e qualquer situação de terrenos submersos por barragens independentemente das circunstâncias de espaço e de tempo.
7. Como ali se diz, (porque) é um entendimento resultante da natureza das coisas: da submersão do terreno não resulta necessariamente o seu deperecimento; do mesmo modo, aliás, que a construção de um prédio de habitação não implica o deperecimento do terreno em que assenta.
8. Talvez seja conveniente esclarecer que, como ensina qualquer dicionário: DEPERECER, v. intr. Perecer pouco a pouco, definhar (De de+perder) e DEPERECIMENTO, s. m. ato ou efeito de deperecer; desfalecimento gradual; consumpção.
9. Será igualmente útil esclarecer que este conceito de deperecimento (que é definhar ou desfalecer gradualmente) não é confundível com aqueloutra situação em que é dada a uma coisa uma utilidade diferente da primitiva ou usual, que é exactamente o que se passa com os terrenos submersos: anteriormente, teriam finalidades agro-pecuárias, agora têm a finalidade de suportar/conter as águas aprisionadas (como já se disse, o mesmo que passa com um terreno que antes era uma horta e depois passa a sustentar um prédio de habitação: num caso e outro, o terreno não sofreu qualquer definhamento/degradação da sua natureza, simplesmente passou a ter uma utilidade bem diferente).
10. Segundo a ordem da natureza e como é facilmente perceptível, a água de uma barragem não produz aquele efeito de deperecimento/definhamento nos terrenos que alaga, não os vai degradando gradualmente, aliás, em circunstâncias normais, o efeito produzido é contrário: com a matéria orgânica, mineral e outra que arrasta e deposita, enriquece é esses terrenos (quando deixarem de estar submersos).
11. Assim sendo as coisas, como efetivamente são, deixa de fazer sentido discutir-se o método e o período de amortizações – o que, ao fim e ao cabo, é o tema da reclamação e o móbil da reclamante.
12. A finalizar, uma breve nota sobre outro equivoco da reclamante: o destino final dos bens em causa e o seu arrolamento expresso ou tácito em qualquer tipo de contrato bem como as regras de contabilização dos mesmos bens como activos não alteram, como não podem alterar, conforme a ordem natural das coisas, o facto (natural) de serem ou não sujeitos a deperecimento por qualquer agente exógeno.
13. Deste modo, e em conclusão, porque os terrenos submersos não estão abrangidos pelo art. 1º/1 do DR nº 2/90 vigente ao tempo, as amortizações consideradas eram indevidas pelo que se impunha a correcção técnica e subsequentes liquidações adicionais que ora se contestam devendo ser indeferida a presente reclamação. (…)”
L) Com fundamento nesta informação foi elaborado despacho em 28/03/2013, pelo Director de Finanças em regime de substituição, que projectava o indeferimento do reclamado;
M) Notificada a sociedade Impugnante para, querendo, exercer o direito de audição, por meio de ofício datado de 01/04/2013, silenciou;
N) Mediante despacho de 26/04/2013 foi convertido em definitivo aquele projectado despacho de indeferimento da reclamação graciosa formulada pela Impugnante;
O) Em 30/04/2013 recebeu o ofício que comunicava tal indeferimento;
P) Não se conformando com a mesma apresentou, em 16/05/2013, petição inicial que deu origem aos presentes autos;
Q) Contabilisticamente a Impugnante enquadrou a generalidade dos bens afetos ao Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva enquanto ativos fixos tangíveis até 01/01/2010;
R) Após essa data tais bens foram reclassificados como ativos intangíveis conforme previsto na IRFRIC (International Financial Reporting Interpretations Comittee).
7.1.
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos constantes dos autos, designadamente juntos com a petição inicial e constante do processo administrativo.
8.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não resultaram por provar quaisquer factos com relevo para a decisão a proferir.
ADITAMENTO OFICIOSO DE FACTOS:
Nos termos do art.º 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
S) Por contrato de concessão celebrado em 7 de Outubro de 2007 foi concessionada à recorrente, em regime de exclusivo, pelo prazo de 75 anos, a gestão do Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva (EFMA), bem como a utilização do domínio público hídrico afecto a tal empreendimento, para fins de rega e exploração hidroeléctrica (fls. 183).
T) Os imóveis integrantes da área geográfica do EFMA, que não integravam, na data referida na alínea anterior, o domínio público hídrico, foram expropriados, tendo a recorrente suportado os custos da expropriação;
U) Nos termos da cláusula 7.ª do contrato consideram-se afectos à concessão os imóveis adquiridos pela recorrente por via do direito privado ou mediante expropriação.
V) Nos termos da cláusula 8.ª a água das albufeiras, os seus leitos e margens, assim como as infra-estruturas que integram o sistema primário do empreendimento de fins múltiplos de Alqueva integram o domínio público do Estado.
X) Nos termos do n.º 2 da cláusula 9.ª, os bens que não pertençam ao Estado revertem para este no termo da concessão, sem qualquer indemnização e livres de quaisquer ónus ou encargos;
Y) Nos termos da cláusula 24.º, n.os 5, 6 e 9, as receitas da recorrente provêm da cobrança de taxas sobre a utilização privada dos recursos hídricos e das taxas administrativas devidas pela atribuição de títulos de utilização;
Z) A recorrente solicitou à DGCI “autorização para utilizar um método de amortização diferente do estipulado no Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro” (fls. 181 dos autos)
W) Em relação a esse pedido foi prestada informação, referida em D) dos factos provados.
AA) A referida informação mereceu despacho de concordância da Subdirectora Geral de 04-10-2012;
BB) Por carta de datada de 20-01-2011 a Comissão de Normalização Contabilística comunicou à recorrente que a IFRIC 12 é aplicável ao contrato de concessão (fls. 133).
IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A IMPUGNANTE foi submetida a fiscalização (interna) em sede de IRC, com incidência no exercício de 2009, no âmbito do qual se verificou a contabilização referente a depreciação de terrenos submersos. Custos que não foram aceites pela AT com fundamento em que a “... amortização dos terrenos submersos não têm relevância em termos fiscais e não há qualquer apoio na lei fiscal que permita o seu acolhimento. Os terrenos pela sua natureza não estão sujeitos a deperecimento, salvo os terrenos de exploração e os destinados a entulheiras os quais perdem valor, respetivamente, em função do esgotamento ou em função da superfície degradada, pelo que os terrenos em apreço (submersos) não configuram nenhuma daquelas exceções, ou seja, estas depreciações não são aceites como custo para efeitos fiscais por se entender que os mesmos não sofrem qualquer deperecimento, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 33º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ....”
Efetuadas as correções, a IMPUGNANTE deduziu reclamação graciosa que foi indeferida.
Impugnou judicialmente o indeferimento alegando, entre o mais, caraterizar-se como uma sociedade de anónima de capitais exclusivamente públicos criada pela Decreto-Lei n.º 32/95, de 11 de fevereiro, o qual define como a entidade gestora do empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva (EFMA) e que tem como objecto social a convecção, execução, construção e exploração daquele empreendimento, delimitando-se a área geográfica que seria objecto de expropriação para instalação da EFMA, que, posteriormente, o Decreto-Lei n.º 21-A/98 de 6 de fevereiro, declarou a utilidade pública, com caráter de urgência, das expropriações dos imóveis e direitos a eles relativos necessários à realização do EFMA
Os imóveis foram expropriados, tendo a E..... incorrido no correspondente custo mediante o pagamento das indemnizações devidas. Quanto ao tratamento contabilístico dos bens afetos ao EFMA, foi efetuada a respetiva transferência de “Investimentos em Curso” “Ativos Fixos Tangíveis” e iniciado o processo de depreciação dos investimentos, entre os quais se incluem os terrenos submersos, bem como o reconhecimento como proveitos (na mesma proporção em que são depreciados) dos subsídios que lhes estão associados.
Estes activos foram reclassificados para Ativos Fixos Intangíveis, conforme previsto na IFRIC 12 – Acordos de Concessão de Serviços aplicável ao Contrato de Concessão da E....., conforme expressamente reconhecido pela Comissão de Normalização Contabilística em 20 de Janeiro de 2011.
Os ativos encontram-se na maioria afetos à concessão estabelecida no Contrato de Concessão EFMA, o qual entrou em vigor em 1 de novembro de 2007, revertendo para o Estado no final do período da concessão- 75 anos. A depreciação dos bens afetos à concessão até 31 de outubro de 2007 e a partir de 1 de novembro de 2007 seguiram métodos diferentes. Até 31 de outubro, não se seguiu o método das quotas constantes mas sim um método mais ajustado à realidade económica do Impugnante, objecto do pedido de autorização à Autoridade Tributária. A partir de 1 de novembro de 2007, mercê da entrada em vigor dos contratos de “Concessão relativo à Utilização dos Recursos Hídricos para captação de água destinada a rega e à produção de energia elétrica no sistema primário do empreendimento de fins múltiplos do Alqueva” e do “Contrato de exploração das centrais hidroelétricas de Alqueva e de Pedrógão e de subconcessão do domínio Público Hídrico” celebrado em 24 de outubro de 2007 entre a E..... e a EDP, motivou o modelo de depreciação até aí adotado, pelo que os bens afetos à concessão que revertem para o Estado no final do período da concessão (75 anos) passaram a ser depreciados pelo método das quotas constantes ao longo do período da concessão. Os terrenos submersos estão incluídos no EFMA e são objecto dos contratos de concessão com a duração de 75 anos, os quais reverterão para o Estado no termo do contrato de concessão. Dado que as expropriações e o pagamento das indemnizações foram condições sine qua non para a execução do EFMA, o custo suportado pela aquisição dos terrenos tem de ser aceite como custo fiscal. O EFMA tem que ser entendido como um todo, fazendo os terrenos que foram submersos parte integrante indissociável desse todo, contribuindo para a manutenção da fonte produtora como qualquer equipamento afeto ao EFMA. E quanto à periodização do custo fiscal, ele deve ser feito de acordo com o disposto na IFRIC 12, de 30/3/2006, na qual se prevê que os bens objecto de contrato de concessão sejam depreciados pelo método das quotas constantes ao longo do período da concessão. Não faria sentido reconhecer o custo na totalidade no termo da Concessão, porque nesse momento já não existiriam proveitos aos quais os custos pudessem ser abatidos, violando-se assim o princípio do balanceamento dos custos e dos proveitos.
Termina pedindo a anulação da liquidação impugnada e a reposição dos prejuízos fiscais prejudicados com a correção efetuada.
O ERFP contestou, dizendo, no essencial, que o regime fiscal das depreciações e amortizações exigem duas condições para que sejam aceites as depreciações e amortizações dos elementos do activo: que esses elementos sejam sujeitos a deperecimento, isto é, que percam valor gradualmente e que essas perdas de valor resultem da sua utilização ou do decurso do tempo. E também que no caso dos imóveis, o valor a considerar para efeito do cálculo das amortizações, é o valor do imóvel, excluído do valor do terreno ou no caso de terrenos de exploração, a parte do respetivo valor não sujeita a deperecimento. A análise do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, bem como as tabelas anexas ao mesmo, com a indicação das taxas de amortização a praticar nos diversos tipos de bens, conclui-se que em parte alguma o legislador consagrou taxas a aplicar, para cálculo do deperecimento de terrenos, o que se deve ao facto de os terrenos não estarem sujeitos a deperecimento. É certo que esses terrenos perderam essa caraterística e são agora leito das barragens, mas não sofreram qualquer deperecimento.
Foi junto parecer técnico a fls. 111 e segs.
Proferida sentença, a MMª juiz julgou a ação improcedente basicamente com fundamento em que os terrenos submersos não sofrem deperecimento gradual ao longo do período da concessão e por isso julgou conforme às normas jurídicas aplicáveis o entendimento da Administração Tributária em razão do que se mantêm nos seus precisos ternos as liquidações aqui impugnadas.
A RECORRENTE discorda. Reitera que o EFMA, onde estão incluídos os terrenos submersos, tem de ser considerado como um todo indivisível. No fim do contrato de concessão todos os bens incluídos no EFMA, incluindo os imóveis, reverterão para o Estado. Como tal, o custo suportado pela E..... pela aquisição tem de ser aceite como custo fiscal.
A IFRIC 12 prevê que os bens objecto de contrato de concessão sejam depreciados pelo método das quotas constantes ao longo do período de concessão, o que também resulta do artigo 12º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14/9.
Antes de mais há que referir que quanto às questões suscitadas, já sobre elas se debruçou o acórdão deste TCA de 11/10//2018 proferido no processo n.º 268/15.8BEBJA que deu provimento ao recurso e revogou a sentença recorrida.
As questões jurídicas e fatuais são essencialmente idênticas, bem como as partes, pelo que com a devida vénia, remetemos para a argumentação jurídica aí expressa, por economia de meios e tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do CC). Não ocorrendo justificação para dessa jurisprudência nos afastarmos, passaremos a transcrever o aludido aresto, aderindo a todo o seu discurso fundamentador.
“O Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA), foi implementado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/96, de 23 de Janeiro, tendo em vista desenvolver sustentadamente o Alentejo, implicando a concepção, execução e construção, pela recorrente, de um vasto programa de investimentos, durante um período temporal alargado.
O regime jurídico do EFMA foi revisto pelo Decreto-Lei n.º 42/2007, de 22 de Fevereiro, diploma que revogou os anteriores diplomas sobre a matéria.
Nos termos do artigo 1.º, n.º 1, deste diploma, são consideradas infraestruturas do EFMA as seguintes componentes infraestruturais:
a) Barragem e central hidroeléctrica de Alqueva;
b) Barragem e central hidroeléctrica de Pedrógão;
c) Sistema de adução Alqueva-Álamos;
d) Rede primária, a qual integra as infraestruturas de captação, adução e distribuição de água cuja articulação com as componentes identificadas nas alíneas anteriores estabelece um sistema fisicamente integrado;
e) Rede secundária, a qual integra as infraestruturas de captação, adução e distribuição que se encontram posicionadas a jusante da rede primária e visam garantir o fornecimento de água à entrada das explorações agrícolas localizadas nos perímetros de rega do empreendimento ou beneficiadas por este;
f) Outras infraestruturas acessórias ou complementares das referidas nas alíneas anteriores e que visem a produção de energia.
Nos termos do n.º 2 deste artigo o conjunto das infraestruturas identificadas nas alíneas a) a d) e f) é considerado como sistema primário.
De harmonia com o artigo 2.º, n.º 1, a gestão, exploração, manutenção e conservação das infraestruturas integrantes do sistema primário do empreendimento foi concedida à recorrente, sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos. Tal outorga concretizou-se mediante contractos de concessão, de resto como expressamente é referido no art.º 3.º, n.º 1, al. a), do referido diploma, sendo que a exploração da componente hidroeléctrica das infraestruturas integrantes do sistema primário do empreendimento foi igualmente atribuída à recorrente (n.º 4 do art.º 3.º).
Nos termos do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 313/2007, de 17 de Setembro, de desenvolvimento daquele diploma:
1 - É atribuída à E.......... S. A. (E.....), nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei 311/2007, de 17 de Setembro, e da alínea a) do n.º 3 e do n.º 4 do artigo 68.º da Lei 58/2005, de 29 de Dezembro, respectivamente, a concessão da gestão e exploração do empreendimento de fins múltiplos de Alqueva (EFMA) e a concessão da utilização privativa do domínio público hídrico do EFMA.
2 - A concessão compreende a administração das infra-estruturas hidráulicas e de outros bens do domínio público hídrico afectos ao empreendimento, a administração e gestão das utilizações principais e secundárias dos recursos hídricos afectos ao empreendimento, as competências para a atribuição de títulos de utilização dos recursos hídricos e a fiscalização da utilização por terceiros de tais recursos hídricos públicos, bem como a utilização privativa do domínio público hídrico para os seguintes fins:
a) Captação de água para rega;
b) Captação de água para produção de energia;
c) Exploração das centrais hidroeléctricas de Alqueva e de Pedrógão;
d) Centrais mini-hídricas associadas ao EFMA;
e) Definição, construção e exploração dos reforços de potência de Alqueva e Pedrógão;
f) Implantação e exploração das infra-estruturas hidráulicas destinadas aos fins referidos nas alíneas anteriores.
As infraestruturas hidráulicas acima referidas, segundo a definição do art.º 41º do Decreto-Lei n.º 46/94, compreendem as obras ou o conjunto de obras que, com carácter fixo nos leitos e margens, permitem a utilização dos recursos hídricos afectos ao EFMA.
Mas a concessão não integra apenas essas infraestruturas. De facto, os imóveis integrantes da área geográfica do EFMA, que não integravam, na data em que foi outorgado o contrato, o domínio público hídrico, foram expropriados, tendo a recorrente suportado os custos da expropriação, passando a ser considerados afectos à concessão nos termos da clásula 7.ª do respectivo contrato, não obstante não deverem ser considerados como infraestruturas, na acepção acima referida.
Tais imóveis, nos quais se compreendem os terrenos que são objecto do litígio, além de integrarem a concessão, integram também o domínio público do Estado, revertendo para este no termo daquela.
2.2.4. - Coloca-se então a seguinte questão: que tipo de tratamento contabilístico e fiscal deve ser dado aos terrenos submersos pelas águas da barragem do Alqueva que constituem a base do respectivo reservatório de água?
Como decorre do anteriormente exposto, estamos perante uma concessão de serviço público, visando o desenvolvimento, financiamento, operação e manutenção das infraestruturas supra referidas, as quais revertem para o Estado no fim do período da concessão.
Em relação às infraestruturas do sistema primário do EFMA, não foi prevista no diploma qualquer retribuição específica por parte do Estado, sendo a recorrente remunerada através de receitas de exploração baseadas em modelo tarifário aprovado pelo Conselho de Ministros (art.º 11.º). Trata-se, pois, de uma concessão do tipo BOT (build-operate-transfer) ou ROT (rehabilitate-operate-transfer).
Dado que as IFRS (I.F.R.S) não se debruçavam sobre o tratamento contabilístico a dar às infraestruturas do tipo daquelas aqui em causa, inicialmente o IFRIC (I.F.R.I.Committee) publicou notas interpretativas sobre esse tratamento e, posteriormente, em 30-11-2006, emitiu a IFRIC 12 - Service Concession Arrangements, que a União Europeia adoptou através do Regulamento (CE) n.º 254/2009, de 25 de Março.
Conforme decorre do considerando 2 deste Regulamento a “IFRIC 12 é uma interpretação que esclarece a forma como devem ser aplicadas as disposições das Normas Internacionais de Relato Financeiro (IFRS) já aprovadas pela Comissão a acordos de concessão de serviços. A IFRIC 12 explica como deve ser reconhecida nas contas do concessionário a infra-estrutura subordinada ao acordo de concessão de serviços. Esclarece igualmente a distinção existente entre as diversas fases de um acordo de concessão de serviços (construção/ exploração) e a forma como o rédito e os gastos devem ser reconhecidos em cada caso. Distingue dois modos de reconhecer a infra-estrutura e o rédito e os gastos conexos («modelos» de activo financeiro e de activo intangível), em função do grau de incerteza a que se encontra exposto o rédito futuro do concessionário”.
A IFRIC 12 passou a ser obrigatoriamente aplicada pelas empresas, o mais tardar a partir da data de início do seu primeiro exercício financeiro que começou após a data de entrada em vigor do regulamento (art.º 2.º do Regulamento 254/2009), ou seja, a partir de 29 de Março de 2009(1).
A interpretação veiculada pela IFRIC 12 provocou emendas à Norma Internacional de Relato Financeiro n.º 1 (IFRS 1), Interpretação n.º 4 do IFRIC (IFRIC 4) e I.F.R.I. Committee n.º 29 (SIC 29).
Mas a IFRIC 12 não define o que seja um contrato de concessão de serviços públicos. Todavia, é possível do seu § 3 inferir as características típicas de tais contratos:
- Em primeiro lugar o contrato de concessão deve prever que a utilização da infraestrutura concessionada é destinada a fins de interesse geral.
- Depois, o contrato entre o concedente (grantor) e o concessionário (operator), deve prever as condições de remuneração deste, a sua própria duração e o tipo de serviços a prestar pelo concessionário, os fornecimentos a que este fica adstrito e prever o controlo residual da infraestrutura no final da concessão, usualmente através da sua devolução ao concedente a custo zero.
Em resumo, como referem Bruno Gonçalo Carvalho Gomes e Hélder Viegas da Silva(2), “[a] IFRIC 12 aplica-se aos acordos de concessão de serviços pelo sector público ao privado sempre que sejam cumpridos os requisitos do parágrafo 5 da interpretação:
a. A entidade concedente controla ou regulamenta os serviços que o concessionário deve prestar com as infra-estruturas, a quem os deve prestar e a que preço;
b. A entidade concedente controla – através da propriedade, de direitos de beneficiário ou de outro modo – qualquer interesse residual significativo nas infraestruturas no final da vigência do acordo”, ou como resumem, a aplicação da IFRIC 12 “depende de três pontos-chave, decorrentes da primeira alínea: controlo e regulamentação e a quem o serviço deve ser prestado e da segunda alínea: controlo através de interesse residual significativo”.
Portanto, o âmbito de aplicação da IFRIC 12 “é definido em função do controlo da infraestrutura concessionada por parte do concedente. Controlo de preços, controlo de serviços, controlo residual, constituem formas de controlo previstas pela IFRIC 12 e que servem para enquadrar, no âmbito da interpretação determinado contrato ou actividade”(3).
2.2.5. As características supra aludidas permitem dizer que a IFRIC 12 é aplicável ao caso presente,(4) em que existe um controlo ou regulamentação, pelo concedente, da forma de prestação dos serviços das infraestruturas concessionadas, que residualmente lhe serão atribuídas/devolvidas no final do contrato sem qualquer contrapartida, e em relação às quais a recorrente incorreu em despesas relacionadas com a sua aquisição, construção, modificação ou reabilitação, das quais é reembolsada a partir do momento em que estas ficaram disponíveis para serem utilizadas e através das receitas geradas com a aplicação do tarifário definido pelo concedente, que assim controla os preços dos serviços prestados.
Mas, tendo em conta a distinção operada pela cláusula 8.ª do contrato de concessão e atenta a definição legal de infraestrutura (art.º 41º do Decreto-Lei n.º 46/94), é evidente que os terrenos em causa não podem ser considerados como fazendo parte da infraestrutura “barragem” nem eles próprios podem ser classificados como tal.
Portanto, a pergunta que se coloca é a de saber se a IFRIC 12 deve ser aplicada ao tratamento contabilístico desses terrenos.
2.2.6. O reconhecimento do terrenos submersos
A IFRIC 12 “aplica-se aos acordos de concessão de serviços do sector público ao privado, se:
(a) A entidade concedente controla ou regulamenta os serviços que o concessionário deve prestar com as infraestruturas, a quem os deve prestar e a que preço;
(a) b) A entidade concedente controla — através da propriedade, de direitos de beneficiário ou de outro modo qualquer interesse residual significativo nas infra-estruturas no final da vigência do acordo (cfr. § 5).
No caso presente verificam-se estas duas condições: o Estado fixa as condições de exploração do EFMA e as tarifas a cobrar pela recorrente e, no final da concessão, recebe sem dar quaisquer contrapartidas, as infraestruturas e demais imóveis integrantes da concessão.
Portanto, e como de resto já se salientou, a conclusão óbvia a extrair é de que a IFRIC 12 é aplicável à concessão dos autos, como de resto foi reconhecido pela Comissão de Normalização Contabilística.
Sendo assim, como devem ser contabilisticamente reconhecidos os terrenos submersos, que como já se viu não podem nem devem ser considerados como infraestruturas nem integrando as mesmas?
Embora não integrando a infraestrutura “barragem”, tais imóveis são imprescindíveis ao funcionamento desta, dado que sendo terrenos submersos pelas águas das barragens, constituem o leito e as margens das respectivas albufeiras [cfr. supra, 2.1, al. q)].
Isto é, tais terrenos constituem o leito e as encostas do reservatório da barragem, onde se acumulam as massas de águas que são essenciais para fazer funcionar as turbinas da mesma e, portanto, para a produção de energia eléctrica, bem como para o aproveitamento da água para fins de rega.
Como tais terrenos integram o domínio público hídrico e como, no final da concessão, revertem para o Estado sem qualquer contrapartida da parte deste, então o reconhecimento contabilístico de tais terrenos deve ser feito nos mesmos termos das infraestruturas, as quais, que de harmonia com o § 11 da IFRIC 12, não devem ser reconhecidas pelo concessionário como seus activos fixos tangíveis “dado que o acordo de prestação contratual de serviços não confere ao concessionário o direito de controlar o uso das infraestruturas de serviço público. O concessionário tem [apenas] acesso às infra-estruturas, a fim de prestar o serviço público por conta da entidade concedente, de acordo com as condições especificadas no contrato”.
Ora, o § 12 da IFRIC 12 prevê:
“Nos termos dos acordos contratuais concluídos, abrangidos pela presente interpretação, o concessionário actua como um prestador de serviços. O concessionário constrói ou valoriza as infra-estruturas (serviços de construção ou de valorização) utilizadas para prestar um serviço público e opera e mantém essas infra-estruturas (serviços operacionais) durante um período especificado”
Por sua vez o § 13 da IFRIC 12 estipula:
“O concessionário deve reconhecer e mensurar o rédito, de acordo com as IAS 11 e 18, relativamente aos serviços que presta. Caso o concessionário preste mais do que um serviço (ou seja, serviços de construção ou de valorização e serviços operacionais) no quadro de um único contrato ou acordo, a retribuição recebida ou a receber deve ser imputada por referência aos justos valores relativos dos serviços prestados, quando as quantias forem identificáveis separadamente. A natureza da retribuição determina o seu tratamento contabilístico subsequente. A contabilização subsequente da retribuição recebida como um activo financeiro e como um activo intangível encontra-se descrita em pormenor nos parágrafos 23–26” (negrito nosso).
No caso em apreço a recorrente presta mais do que um serviço (ou seja, presta serviços de construção ou de valorização e serviços operacionais) no quadro de um único contrato ou acordo, recebendo réditos provenientes das taxas de recursos hídricos que cobra aos particulares.
Atendendo à sua própria natureza, tais réditos não podem ser imputados, separadamente, a cada um dos serviços acima referidos. Consequentemente o seu tratamento contabilístico deve ser unitário.
Dispõe quanto a este aspecto o § 15 da IFRIC 12:
“Caso o concessionário preste serviços de construção ou de valorização, a retribuição recebida ou a receber pelo concessionário deve ser reconhecida pelo seu justo valor. A retribuição pode corresponder a direitos sobre:
(a) Um activo financeiro;
(b) Um activo intangível”.
Corresponderá a um activo financeiro se o concessionário tiver “um direito contratual incondicional de receber dinheiro ou outro activo financeiro relativamente aos serviços de construção, da parte da entidade concedente, ou segundo as instruções desta” (§ 16).
Como decorre da matéria de facto a retribuição da concessionária, no caso presente, provém da cobrança de taxas a particulares, pelo que não tem qualquer direito contratual incondicional a receber dinheiro ou outro activo financeiro. Donde, o reconhecimento dos réditos como ativos financeiros não ser o adequado.
A retribuição corresponderá a um activo intangível se ao concessionário lhe for “conferido o direito (licença) de cobrar um preço aos utentes do serviço público. O direito de impor um pagamento aos utentes do serviço público não é um direito incondicional de receber dinheiro, dado que as quantias dependem da medida em que o público utiliza o serviço” (§ 17).
Ora, como já se salientou, a retribuição da concessionária provém da cobrança de taxas, cujo montante global pode ser variável em função do número de utentes, do grau de pluviosidade, etc.
Aplicando ao caso presente verifica-se que a retribuição deve ser reconhecida como um ativo fixo intangível, na medida em que a recorrente apenas tem o direito, contratual e legalmente reconhecido, de cobrar um preço aos utentes pelos serviços que presta, segundo as tarifas aprovadas pelo concedente.
Os réditos devem então ser reconhecida pelo justo valor. Contabilisticamente, o justo valor equivale à quantia pela qual um activo pode ser trocado ou um passivo liquidado, entre partes suficientemente informadas e independentes entre si, dispostas a efectuar a correspondente transacção, ou, como definido na Norma Contabilística e de Relato Financeiro 6 (NCFR 6), “a quantia pela qual um activo pode ser trocado ou um passivo liquidado, entre partes conhecedoras e dispostas a isso, numa transacção em que não exista relacionamento entre elas”.
2.2.7. A depreciação dos ativos fixos intangíveis numa perspectiva contabilística
Aqui chegados, a questão a que importa dar resposta é a seguinte: podem ou não tais activos intangíveis ser depreciados ao longo dos anos até que se esgote o seu valor no termo da concessão, quando as infraestruturas são devolvidas ao concedente, como pretende a recorrente?
Vejamos, primeiro, de um ponto de vista contabilístico.
De harmonia com o § 26 da IFRIC 12, “[a] IAS 38 aplica-se aos activos intangíveis reconhecidos de acordo com os parágrafos 17 e 18”.
Nos termos do § 8 da NCFR 6, relativa aos activos intangíveis e que tem por base a Norma Internacional de Contabilidade IAS 38 – Activos Intangíveis, adoptada pelo Regulamento (CE) n.º 2236/2004, da Comissão(5), de 29 de Dezembro, com as alterações dos Regulamentos (CE) n.º 211/2005, da Comissão, de 4 de Fevereiro e n.º 1910/2005, da Comissão, de 8 de Novembro, e a SIC 29 – Divulgações de Acordos de Concessão de Serviços, adoptada pelo Regulamento (CE) n.º 1725/2003, da Comissão, de 21 de Setembro, o activo é um recurso:
(a) controlado por uma entidade como resultado de acontecimentos passados; e
(b) do qual se espera que fluam benefícios económicos futuros para a entidade
Sendo que activo intangível é um activo não monetário identificável sem substância física.
A mesma NCFR 6 define amortização como “a imputação sistemática da quantia depreciável de um activo intangível durante a sua vida útil”. Significa, portanto, que um activo intangível é (pode) ser depreciado ao longo da sua vida útil. Com efeito, de harmonia com § 89 da NCFR 6 “[a] contabilização de um activo intangível baseia-se na sua vida útil. Um activo intangível com uma vida útil finita é amortizado (…), e um activo intangível com uma vida útil indefinida não o é”.
O termo da vida útil do ativo intangível coincide, no caso presente, com o termo da concessão, quando as infraestruturas são transferidas ao concedente e deixa de existir direito ao recebimento da remuneração (cobrança das tarifas) pelos serviços prestados. Valem neste caso as regras contidas nos §§ 97 a 99 da NCFR 6, ou seja, a quantia depreciável deve ser imputada numa base sistemática durante a vida útil, devendo a amortização começar quando o activo estiver disponível para uso, i.e. quando estiver na localização e condição necessárias para que seja capaz de operar da forma pretendida e deve cessar na data em que findar a concessão, devendo a amortização ser reconhecida nos resultados.
2.2.8. A depreciação dos terrenos submersos numa perspectiva fiscal
Para a recorrida Fazenda Pública não é possível que os terrenos submersos das barragens do Alqueva e Pedrógão sejam objecto de depreciação, porquanto o art.º 10.º do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009 estipula que “No caso de imóveis, do valor a considerar nos termos do artigo 2.º, para efeitos do cálculo das respectivas quotas de depreciação, é excluído o valor do terreno ou, tratando-se de terrenos de exploração, a parte do respectivo valor não sujeita a deperecimento”.
Esta argumentação parte de uma premissa que se nos afigura errada: a de que se trata de meros terrenos sem afectação quando, na verdade, se trata de terrenos afectos à exploração industrial de energia hidroeléctrica e ou de aproveitamento de água para rega.
Em regra, um imóvel deve ser classificado como um activo fixo tangível. No caso de um edifício, por exemplo, a contabilização deve ser feita de forma separada, visto que o valor do edifício propriamente dito está sujeito a depreciação (cfr. § 50 da NCRF 7), enquanto o respectivo terreno não, conforme aliás se prevê no § 58 da NCRF 7.
Mas, como já vimos, o caso dos autos é um caso particular, porque todas as infraestruturas e terrenos, designadamente os submersos, não podem ser abatidos (por natureza) nem alienados. Como revertem para o Estado no termo da concessão, sem que a concessionária tenha direito a receber qualquer contrapartida financeira ou avaliável em dinheiro, não é realizado qualquer valor nesse momento.
É por isso que a IFRIC 12 determina que as infraestruturas não devem ser reconhecidos como activos fixos tangíveis, visto que a concessionária não tem poder de disposição sobre eles nem os pode colocar no mercado no termo da concessão.
Donde, o reembolso do respectivo custo através da cobrança das tarifas pela concessionária corresponder a um activo intangível, na acepção do § 17 da IFRIC 12. E como tal, depreciável nos termos já explanados.
O artigo 13.º, n.º 1, do Decreto-Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro, prevê, sobre a epígrafe “Activos revertíveis” que:
Os elementos do activo imobilizado adquiridos ou produzidos por entidades concessionárias e que nos termos das cláusulas do contrato de concessão sejam revertíveis no final desta podem ser reintegrados ou amortizados em função do número de anos que restem do período de concessão quando aquele for inferior ao seu período mínimo de vida útil.
O art.º 12.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, que revogou e substituiu o anterior, prevê, sob a epígrafe “Activos revertíveis” que:
“Os elementos depreciáveis ou amortizáveis adquiridos ou produzidos por entidades concessionárias e que, nos termos das cláusulas do contrato de concessão, sejam revertíveis no final desta, podem ser depreciados ou amortizados em função do número de anos que restem do período de concessão, quando aquele for inferior ao seu período mínimo de vida útil”.
Quer o artigo 13.º do Dec.-Reg. n.º 2/90, quer o artigo 12.º do Dec.-Reg. n.º 25/2009, só se compreendem, quando comparados com o art.º 1.º do respectivo diploma, que tratam das “Condições gerais de aceitação das depreciações e amortizações”, numa relação de especialidade, introduzindo um desvio à regra de que só podem ser objecto de depreciação ou amortização os elementos do activo sujeitos a deperecimento em função da sua vida útil.
É que a aplicação, quer do primeiro quer do segundo não depende do deperecimento mas tão-somente da depreciação ou amortização dos elementos do activo. Como a depreciação significa o registo contabilístico da redução do valor dos bens pelo desgaste ou perda de utilidade por uso e a amortização o reconhecimento da perda do valor do ativo ao longo do tempo, não se confundem com deperecimento, cujo significado, para utilizar a argumentação da informação que precedeu o despacho que indeferiu a reclamação graciosa da recorrente, é o seguinte: “deperecer, v. intr. significa “Perecer pouco a pouco, definhar (De de+perder) e deperecimento, s.m. ato ou efeito de deperecer, desfalecimento gradual, consumpção”.
Portanto, não existindo equivalência entre deperecimento, por um lado, e depreciação ou amortização, por outro, para que o n.º 12.º, n.º 1, do Dec.-Reg. n.º 2/90(6)se aplique ao caso dos autos basta que os elementos do activo sejam depreciáveis ou amortizáveis, ainda que não sejam deperecíveis.
Por outro lado, o art.º 12.º, n.º 1, não faz depender a depreciação ou amortização da vida útil do elemento quando esta é mais longa que o prazo da concessão, mas sim deste prazo se os elementos do ativo da concessionária reverterem para o concedente no termo da concessão.
Cremos, por isso, que foi de caso pensado que o legislador do Decreto Regulamentar n.º 25/2009 editou esta norma, pois não podia desconhecer a realidade subjacente à maioria, senão mesmo à totalidade, das concessões, em que os bens que as integram revertem no seu termo para a entidade concedente sem quaisquer contrapartidas e livres de ónus ou encargos.
Aliás, não é irrelevante que a informação a que supra se aludiu nem sequer se refira à norma equivalente do Dec.-Reg. n.º 2/90, apesar de expressamente invocada pela recorrente na sua reclamação graciosa.
Donde, a depreciação ou amortização dos terrenos submersos em causa ser possível ao abrigo do disposto no art.º 12.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro.
De resto, como se acima se referiu, tais terrenos não podem ser encarados como meros terrenos sem afectação, mas antes como terrenos destinados a exploração, uma vez que são essenciais para o funcionamento das barragens e, consequentemente, à produção de energia eléctrica e ao aproveitamento de água.
Aliás, tal como foi reconhecido pela própria AT quanto à Aldeia da Luz: “Quanto à Aldeia da Luz(7)entendemos que o gasto incorrido com a sua construção foi necessário à execução do empreendimento, pelo que nos parece ser de aceitar a sua amortização”.
Parece evidente, como de resto se referiu no acórdão de 31-01-2012, deste tribunal(8), em que se afirma que «os custos com a submersão da “antiga” Aldeia da Luz, a reconstrução de uma “nova” Aldeia da Luz (…) fazem parte integrante do empreendimento do Alqueva», que há total semelhança (e no caso presente até por maioria de razão) entre os gastos incorridos pela recorrente com a “reconstrução” da Aldeia da Luz e os gastos em que incorreu com a aquisição dos terrenos submersos por via de direito privado e por expropriação, os quais não pode transaccionar no termo da concessão.
O que sempre imporia um tratamento fiscal diferente daquele que a AT adoptou. Nesta óptica, ao contrário do sustentado pela recorrida, não há qualquer contraditoriedade entre as normas contabilísticas e as normas fiscais, sendo a interpretação que se nos afigura correta plenamente compatível com o disposto no artigo 17.º do Código do IRC.
2.2.9. Em resumo, por todo o exposto o recurso merece provimento. O que implica revogar a sentença recorrida e, atento o disposto no art.º 665.º do CPC, julgar em substituição, concedendo procedência à impugnação e, em consequência, julgando ilegal o despacho que indeferiu a reclamação graciosa, anular a liquidação de IRC da recorrente relativa ao ano de 2013 n.º 2014 89100…-12-2014.
Quanto ao segundo segmento do pedido da recorrente, relativo aos prejuízos fiscais desconsiderados pela correcção que deu origem à Liquidação acima referida, não há necessidade de emitir um juízo de procedência sobre o mesmo, já que a sua integral satisfação é decorrência da anulação da Liquidação”.
V DECISÃO.
Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAS em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação.
Custas pela AT, dispensando-se o pagamento da taxa de justiça neste TCA por não ter contra alegado.
Lisboa, 18 de dezembro de 2019.
(Mário Rebelo)
(Patrícia Manuel Pires)
(José Vital Brito Lopes)
_____________________________________________
(1)Não obstante o § 29 da IFRIC 12 estipular que “Sem prejuízo do parágrafo 30, as alterações das políticas contabilísticas são contabilizadas em consonância com a IAS 8, ou seja, retrospectivamente”.
(2)CONTRATOS DE CONCESSÃO: OS EFEITOS CONTABILÍSTICOS DA ADOPÇÃO DA IFRIC 12, doc. disponível in http://www.aeca1.org/xvencuentroaeca/cd/10a.pdf
(3)Edgar Alberto Marques Torrão, Revisores Auditores, Revista dos Revisores Oficiais de Contas, Nº 48, JANEIRO_MARÇO 2010, p. 28.
(4)De resto como foi reconhecido pela Comissão de Normalização Contabilística no doc. de fls. 36 [al. q) dos factos provados].
(5)Não se consideram as alterações introduzidas na IAS 38 [Regulamento (UE) 2015/28 da Comissão de 17 de Dezembro de 2014, e Regulamento (UE) 2015/2231 da Comissão de 2 de Dezembro de 2015], dada a sua natureza prospectiva.
(6)A reclamação e a informação referidas em 2.1.i) , 2.1.bb) e 2.1.cc) invocam apenas o Dec.-Reg. n.º 2/90. Mas, tratando-se do exercício fiscal de 2013, o diploma aplicável é o Dec.-Reg. n.º 25/2009, como claramente impõe o seu artigo 24.º
(7)Cfr. supra 2.1.v).
(8)Rec. n.º 05144/11.
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