Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:21/04.4BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:11/11/2021
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IRS
CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO
ANULAÇÃO PARCIAL
Sumário:I. A tributação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares centra-se no conceito de residência: dividem-se os contribuintes entre residentes e não residentes, entendendo-se por residentes aqueles que permaneçam no território nacional mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, ou que disponham de habitação em condições que façam supor a intenção de manter e ocupar como residência habitual (artigo 16º CIRS).
II. Para considerar o contribuinte, como residente ou não em Portugal, importa o disposto no artigo 16º CIRS e nos artigos 4º e 15º da Convenção entre os Estados para evitar a dupla tributação.
III. O ato tributário de liquidação é por natureza um ato divisível e, consequentemente, é suscetível de anulação parcial, no respetivo processo de impugnação.
IV. O critério jurisprudencial para determinar se o ato deve ser total ou parcialmente anulado passa por determinar se a ilegalidade afeta o ato tributário no seu todo, caso em que o ato deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Fazenda Pública, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A. S. R., contra o ato de liquidação de IRS respeitante a 2001, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

a) Foram violados os artigos 78/2 do CIRS (actual artigo 76/4), 15/1 também do CIRS, artigos 4/4 e 15°) da Convenção celebrada entre Portugal e a Suíça, o artigo 4/1 da LGT e o artigo 609/1 do Código de Processo Civil (actual artigo 661/1 do CPC);
b) Foi confessado pelo impugnante a obtenção de rendimentos na Suíça, no ano 2001, no valor de 13.027,75 francos suíços, foi provado nos autos o recebimento efectivo deste valor pelo impugnante e evidenciado pela douta sentença que “o valor dos rendimentos auferidos pelo impugnante na Suíça no ano de 2001, que se encontra provado, é o de 13.027,75 francos”, não podendo, assim, a impugnação, quanto a este fundamento de ilegalidade invocado pelo impugnante - o rendimento efectivo obtido pelo impugnante na Suíça proceder na totalidade, uma vez que está provada a obtenção do rendimento na Suíça - declarado e aceite pelo impugnante/recorrido - no valor de 13.027,75 francos [(7.692,66€), sendo que o impugnante pagou inclusivamente o imposto respeitante a este rendimento, no valor de 2.342,20€], pelo que, não sendo o ora recorrido objecto de tributação em Portugal estará a ser violado o disposto no artigo 4/4 e 15° da Convenção entre Portugal e a Suíça para evitar a dupla tributação, o artigo 15/1 do CIRS (princípio da tributação universal) e também o princípio da capacidade contributiva, (actualmente previsto no artigo 4/1 da LGT), princípio transversal do direito fiscal, corolário do princípio da igualdade.
c) O Tribunal ao anular a liquidação, para além de fazer errada interpretação dos factos, e, por isso, errada aplicação da lei [artigo 78/2 (actual artigo 76/4) e artigo 15/1 ambos do CIRS, artigo 4/4 e 15° da Convenção celebrada entre Portugal e a Suíça e artigo 4/1 da LGT] vai além do pedido e excede as suas competências ofendendo, igualmente, o disposto no artigo 609/1 do CPC (anterior artigo 661/1 do CPC), em virtude do impugnante aceitar o rendimento em questão, defendendo depois a sua não tributação mas alegando agora estar o rendimento a ser objecto de dupla tributação, fundamento este que já não foi dirimido pela douta sentença, pelo que deve a sentença ser revogada e substituída por outra que determine a reformulação/correcção da liquidação de acordo com os factos dados como provados na douta sentença e nos autos.
d) O acto tributário de liquidação, saldando-se no apuramento do imposto devido pelo sujeito passivo, é divisível «tanto por natureza como na própria expressão legal, pelo que é sempre susceptível de anulação parcial» - cfr. Acórdão de 22 de Setembro de 1999 no recurso n.° 24.101.
e) Ou seja, se o juiz reconhecer que o acto tributário está inquinado de ilegalidade que só em parte o invalida, deve anulá-lo só nessa parte, deixando-o subsistente, no segmento em que nenhuma ilegalidade o fira. Veja-se que no argumento de invalidade - valor dos rendimentos obtidos na Suíça - que foi objecto de análise pela douta sentença está em causa apenas uma desconsideração/anulação parcial do rendimento obtido e não uma cisão do acto tributário. Ao anular o acto tributário “in totum” a douta sentença está a violar o princípio basilar que perpassa todo o direito fiscal - o princípio da capacidade contributiva, (actualmente previsto no artigo 4/1 da LGT) princípio transversal do direito fiscal, corolário do princípio da igualdade (que em nada se assemelha ao princípio subjacente ao direito administrativo “tout court”, o princípio da proporcionalidade, princípio pelo qual se deve pautar a administração pública em toda a sua actuação).
f) Por outro lado, quanto ao segundo fundamento de impugnação invocado - que o impugnante era não residente em território nacional no ano 2001 e por esse facto não era sujeito passivo de IRS em Portugal este argumento foi esgrimido em 8º das presentes alegações de recorrente, concluindo-se, quer pela confissão do impugnante, quer pelos documentos juntos aos autos, quer pelos argumentos enunciados ser o impugnante residente em território nacional no ano 2001, e tendo em conta o artigo 15° da Convenção entre Portugal e a Suíça para evitar a dupla tributação, no caso concreto, o ora impugnante. residente em Portugal no ano 2001, é sujeito passivo de IRS nesse ano, pelo que sempre seria tributado pelos valores declarados como auferidos na Suíça na declaração de substituição entregue - 7.692,66€.
g) E no que à primeira causa de pedir concerne - falta de fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação -, é de referir que, no seguimento da convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa, o chefe de finanças de Aguiar da Beira solicitou a intervenção da inspecção tributária da Direcção de Finanças da Guarda que, para além das diligências efectuadas em sede de acção de inspecçao externa, requereu a intervenção da Direcção dos Serviços dos Benefícios Fiscais para apreciação dos documentos apresentados pelo ora impugnante. Foi com base nas provas recolhidas, diligências e informações prestadas por estes dois organismos que a decisão de indeferimento foi fundamentada, sendo que o procedimento de reclamação cumpriu as formalidades exigidas, nomeadamente a notificação para exercício do direito de audição e decisão final tendo em conta a argumentação expendida em sede de direito de audição. Não há, pois, falta de fundamentação nem preterição de formalidades legais.
h) O tribunal “a quo” ao não decidir a reformulação/correcção da liquidação do IRS/2001 nos termos do artigo 78/2 do CIRS (actual artigo 76/4) violou também o princípio da capacidade contributiva.
i) Deverá, pois, a liquidação ser reformulada/corrigida nos termos do artigo 78/2 do CIRS (actual artigo 76/4).
j) No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, eles constam dos autos, tendo sido juntos quer pelo impugnante/recorrido, quer pela fazenda.

Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso e em consequência ser revogada a decisão recorrida.


O Recorrido, A. S. R., devidamente notificada para o efeito, apresentou contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:

1. As conclusões da recorrente são uma mera reprodução, cópia por decalque, ou transcrição do corpo das suas alegações, não cumprindo, deste modo, o disposto no art. 639°, n° 1 do CPC.
2. Acresce que, as conclusões b), c), e), f) e g) não são sintéticas, tal como impõe a referida normal processual, daí que, também por esta razão, as conclusões não cumprem o estabelecido nos arts. 639°, n° 1, do CPC e 282°, n°7, do CPPT.
3. Pelo que a recorrente deve ser notificada, salvo melhor opinião, para apresentar novas conclusões, sob pena de rejeição.
Sem prescindir
4. Das suas conclusões b), c) e f), resulta que a recorrente pretende impugnar a matéria de facto, porém, ao fazê-lo, inequivocamente, não cumpre o disposto no art. 640°, n° 1, do CPC, pelo que não poderão ser tidas em consideração, devendo ter lugar a respectiva rejeição.
Sem prescindir
5. Face aos factos provados nas alíneas a), g) e h) da sentença, que aqui se reproduzem, o Tribunal entendeu que se verifica erro nos pressupostos de facto, isto porque,
6. Considerou provado que o valor dos rendimentos auferidos pelo ora recorrido na Suíça, em 2001, ascendeu a 13.027,75 francos, pelo que é ilegal a liquidação que incida sobre um valor superior - 60.959,976, para efeito de rendimentos, e onde se apurou o valor do imposto a pagar de 14.605,336, sendo que aquele valor inclui € 47.108,476 de rendimentos obtidos no estrangeiro - como foi o caso.
7. E considerou ainda que resultando ilegal a liquidação por erro nos pressupostos de facto, consubstanciado na consideração de um rendimento que não corresponde ao real, impõe-se a anulação da mesma, não relevando assim se o impugnante era ou não residente em Portugal, pois que, num ou noutro caso a liquidação se tem por anulada in totum.
8. E ocorre erro sobre os pressupostos de facto quando houver uma divergência entre a realidade e matéria de facto utilizada como pressuposto na prática do acto, e por tal razão, se verifica preenchido o disposto no art. 90 do CPPT, pelo que a decisão recorrida considerou a procedente a impugnação e decidiu anular a liquidação em causa.
9. O Tribunal a quo entendeu que a liquidação tinha que ser anulada in totum, atendendo a que o acto de liquidação de IRS, por natureza complexo, não permite a anulação parcial. Isto porque,
10. Expurgar da liquidação o valor que inexistiu, sem esquecer que a liquidação inclui rendimentos auferidos em Portugal, compreende na verdade a emissão de uma nova liquidação.
11. E sendo o contencioso tributário um verdadeiro contencioso de anulação, não é possível condenar no que se traduziria na emissão de nova liquidação, uma vez que, o acto tributário é incíndível.
12. E não é possível proceder-se à anulação parcial do acto tributário em causa, a liquidação de IRS n°5112923700, a uma vez que este implica uma nova liquidação.
13. E não se diga, como o fez a recorrente que o acto tributário de liquidação é passível de reformulada/corrigida nos termos do actual art. 76°, n°4 do CIRS, uma vez que
14. Aquele n°4 dispõe que “em todos os casos previsto no n° 1, a liquidação pode ser corrigida (…)” e a situação em apreço não se enquadra em nenhuma das três alíneas desse n° 1.
15. Assim, tendo a decisão recorrida apreciado e julgado procedente uma questão - a do erro nos pressupostos de facto - não apreciou, nem tinha e nem devia apreciar as outras colocadas por estarem prejudicadas, nos termos do art. 608°, n°2, do CPC.
16. Em suma, todas conclusões da recorrente deverão improceder, não tendo a sentença recorrida violado qualquer norma processual ou substantiva, pelo que deverá ser negado provimento ao recurso.

Nestes termos e com o douto suprimento de V. Exa. se fará justiça.


O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso jurisdicional.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber: (i) se a sentença recorrida padece de nulidade por a Impugnada ter sido condenada em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido; (ii) se se verifica erro de julgamento de facto e na aplicação do direito; (iii) por fim, se a liquidação impugnada deveria ter sido apenas parcialmente anulada.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

a) Entre 01/01/2001 e 7/03/2001 o impugnante recebeu 13.027,75 francos suíços (cfr. documento a fls. 8 dos autos, e respectiva tradução, a fls. 9);
b) Lê-se do “Avi de Taxation”, emitido pelo Cantão de Friburgo, a 30/12/2003 (cfr. documento a fls. 8 dos autos, e respectiva tradução, a fls. 9):

“Para fins de tributação do período de 1 de Janeiro a 7 de Março de 2001, ou seja 67 dias, o rendimento efectivamente auferido (13.027,75 Francos) foi reportado para uma base de cálculo anual: 13.027,75 : 67 dias x 360 dias = 70.000,00.
O rendimento efectivamente auferido pelo Senhor A. R. S. durante o período de 01.01.01 a 07.03.2001 é de 13.027,75 Francos.”

c) Lê-se ainda do “Avi de Taxation”, a que se refere a alínea anterior (cfr. documento a fls. 8 dos autos, e respectiva tradução, a fls. 9):

Salário Principal (2001) 70.000
Total de impostos: (2001 - imposto cantonal) 988.70
(2001 - imposto federal) 153,15

d) Entre 27/09/1991 e 07/03/2001 o impugnante permaneceu na Suíça com uma autorização de residência (cfr. documento a fls. 57, e respectiva tradução, a fls. 66 dos autos);
e) O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras da Direcção de Segurança e Justiça Suíça tem registada como data definitiva de partida do impugnante para Portugal o dia 07/03/2001 (cfr. documento a fls. 57, e respectiva tradução, a fls. 66 dos autos);
f) O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras da Direcção de Segurança e Justiça Suíça tem registada como data definitiva de partida da mulher do impugnante para Portugal, o dia 30/11/2001 (cfr. documento a fls. 58, e respectiva tradução, a fls. 67 dos autos);
g) A 11/08/2002 foi emitida liquidação de IRS n.° 5112923700, ao ora impugnante, considerando o valor de 60.959,97€, para efeitos de rendimentos, e onde se apurou o valor de imposto a pagar de 14.605,33€ (cff. documento a fls. 90 dos autos);
h) O valor a que se refere a alínea anterior inclui €47.108,47 de rendimentos obtidos no estrangeiro (cfr. documento a fls. 95 dos autos);
i) A 22/04/200[2], foi preenchida Declaração de IRS “Modelo 3”, onde, o impugnante, enquanto sujeito passivo A, declarou € 47.108,47 de rendimento de trabalho dependente obtido no estrangeiro (cfr. Declaração “Modelo 3”, a fls. 2 e ss. do PAT, quadro 12, e anexo J, a fls 5);
j) Na declaração a que respeita a alínea anterior foram também declarados rendimentos “Profissionais, Comerciais e Industriais” do impugnante, correspondentes a um rendimento líquido de € 10.709,08 (cfr. Declaração “Modelo 3”, a fls. 2 e ss. do PAT, anexo B, quadro 4);
k) Na declaração a que respeitam as alíneas anteriores foram declarados rendimentos “Prediais”, no valor de € 3.142,42 (cfr. Declaração “Modelo 3”, a fls. 2 e ss. do PAT, anexo F, quadro 4);
l) A 22/06/2001 foi efectuado pelo impugnante Pedido de Certificação de Residência Fiscal, onde este declarou o montante de 11.500.000$00 de rendimento obtidos no estrangeiro, obtidos entre 1993 até 2001 (cfr. documento a fls. 9 do PAT);
m) A 03/09/2001 foi emitido Certificado de Residência Fiscal pelo Ministério das Finanças, atestando que o impugnante era, à data, residente em D., Portugal (cfr. documento a fls. 11 do PAT);
n) Com data de 27/06/2002 o impugnante remeteu ao Director dos Benefícios Fiscais carta onde informa que “tendo comunicado aquando do pedido de certificado de residência, para efeitos de não pagar imposto sobre as quantias que tivesse a receber na Suíça, onde declarou indevidamente 11.500.000$00 (...) quando na realidade recebi (...) a quantia bruta de 47.108,47€, aos quais foram abatidos 768,44€ de impostos (cfr. documento de fls. 7 do PAT);
o) A 05/09/2002 foi entregue declaração de substituição modelo 3 do IRS, onde o impugnante vem declarar como rendimento de trabalho o valor de 7.692,66€ (cfr. declaração modelo 3, quadro 12, a fls. 36 e seguintes do PAT)
p) A 05/09/2002 o impugnante dirigiu carta ao Director de Benefícios Fiscais, onde se lê, além do mais: “vem por este meio informar que tendo comunicado às finanças aquando do pedido de certificado de residência, para efeitos de não pagar imposto sobre as quantias que tivesse a receber na Suíça, onde declarei indevidamente 11.500.000$00, equivalente a 57.361,76 euros, quando o que na realidade foi a quantia bruta de 11.431,45 Francos, o qual corresponde em escudos a 1.542.239S00 e em euros a 7.692,66 euros, aos quais foram abatidos 768,44 euros de imposto, que corresponde a 67 dias de trabalho conforme documento do serviço cantonal das contribuições de Fribourg, Suíça (...). (cfr. documento a fls. 40 do PAT);
q) A Direcção de Finanças da Guarda elaborou resposta à Reclamação Graciosa, onde concluiu pelo seu indeferimento, com os seguintes fundamentos (cfr. fls. 29 e seguintes do PAT):

“Em 22/0412002, o sujeito passivo A. S. R. nif 11…, no Serviço de Finanças de Aguiar da Beira apresenta a Modelo 3 de IRS relativa ao exercício de 2001, com os Anexos B, F e 1. No anexo J, declara rendimentos da categoria A auferidos na Suíça no montante de €47.108,47.
Em 22/06/2002, também no Serviço de Finanças de Aguiar da Beira, apresenta um requerimento dirigido ao Director dos Benefícios Fiscais, onde explica " ... vem por este meio informar que tendo comunicado as finanças aquando do pedido de certificado de residência, para efeitos de não pagar imposto sobre as quantias que tivesse a receber na Suíça, onde declarei indevidamente 11.500.000$00, equivalente a 57.361,76 euros, quando o que na realidade recebi foi a quantia bruta de 47.108,47 euros aos quais foram abatidos 768,44 euros de imposto, não tendo qualquer outra importância a receber. Junto anexo documento das Finanças Locais, comprovando os rendimentos mencionados e respectivo imposto."
Nesta fase o sujeito passivo assume que auferiu (...) 47.108,47€.
Acontece que em 05/09/2002, o contribuinte apresenta uma declaração de substituição que foi convolada em processo de reclamação, onde no anexo J apenas declara € 7.692,66 de rendimentos da categoria A auferidos na Suíça e € 768,44 de imposto pago nesse país. De salientar que estes montantes foram inscritos indevidamente no campo 19 "Outros rendimentos" quando deveriam constar no campo 04 "trabalho dependente".
Junta a esta declaração, um requerimento dirigido ao Director de Benefícios Fiscais, onde explica " ... vem por este meio informar que tendo comunicado as finanças aquando do pedido de certificado de residência, para efeitos de não pagar imposto sobre as quantias que tivesse a receber na Suíça, onde declarei indevidamente 11.500 000$00, equivalente a 57.361,76 euros, quando o que na realidade foi a quantia bruta de 11.431,45 Francos Suíços, o qual correspondente em escudos a 1.542.239$00 e em euros a 7.692,66 euros, aos quais foram abatidos 768,44 euros de imposto, que corresponde a 67 dias de trabalho conforme documento do serviço cantonal das contribuições de Fribourg, Suíça, não tendo mais qualquer importância a receber. Junta em anexo documento das Finanças locais, comprovando os rendimentos mencionados e respectivo imposto."
Existe assim uma diferença substancial de rendimentos da categoria A declarados pelo contribuinte no anexo J, inicialmente € 47.108,47 e depois € 7.692,66, sendo que o documento de suporte e o emitido pelas autoridades Suíças "Kanton de Freiburg".
De referir que juntamente com a Mod. 3 de IRS de substituição, foi apresentada também uma declaração emitida pela L. M. A., que o s.p. identifica como entidade patronal, que efectuou o pagamento dos rendimentos da categoria A no montante de € 7.692,66.
Em auto de declarações redigido em 27/03/2003, o s.p. reitera o facto de ter auferido na Suíça apenas € 7.692,66 de rendimento de trabalho dependente.
2 - Apreciação
Face às dúvidas suscitadas pelos documentos apresentados pelo contribuinte, foram estes remetidos à Direcção dos Serviços dos Benefícios Fiscais para tradução e respectiva apreciação nos termos do n.º 3 do OFCD 020 022 de 19/05/2000, com vista à instrução do processo de reclamação.
Em 22/07/2003, a Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais, através do Ofício Circulado n.° 027425 de 15/07/2003, informa que da análise feita ao documento emitido pela Autoridade Fiscal da Suíça, se concluiu que o sujeito passivo auferiu rendimentos do trabalho dependente, sendo de considerar para efeitos de liquidação do IRS, os seguintes valores:


No quadro seguinte resumem-se as diferenças entre a declaração inicialmente presentada - a de substituição - os rendimentos comprovados pela Direcção dos Benefícios Fiscais: 


Entre a declaração de IRS apresentada em 22/04/2002 e os rendimentos comprovados pela Direção dos Benefícios Fiscais, existe uma diferença de € 96,33 (47.204,80-47.108,47), que se deve ao câmbio aplicado a 31/12/2001.
O imposto pago na Suíça no montante de 770,01, não foi considerado na declaração de IRS inicialmente apresentada.
3. Conclusões (...)
De salientar no entanto, que o imposto pago na Suíça - € 770,01, não foi considerado na declaração de IRS apresentada em 22/04/2002, pelo que a respectiva liquidação deverá ser corrigida com a inclusão desta importância.”

r) A 07/01/2004 foi proferido despacho de concordância com a proposta de decisão de indeferimento, salientando-se que o imposto pago pelo impugnante na Suíça não foi incluído na declaração de IRS de 22/04/2002, devendo corrigir-se a liquidação, de forma a incluir esse valor (cfr. despacho a fls. 50 do PAT, II volume)
s) A 07/01/2004 foi emitido ofício n.°10, dirigido ao impugnante, para exercer o direito de audição (cfr. documento de fls, 51 do PAT, volume II);
t) Em sede do direito de audição, o impugnante veio juntar documento que identificou como sendo proveniente do “Serviço das Contribuições” do Cantão de Friburgo (cfr. documento de fls. 51 do PAT, volume II);
u) A 22/03/2004 foi proferido o seguinte despacho (cfr. documento a fls. 54 do PAT, volume II): “O reclamante exerceu o direito de audição, por escrito, apresentado nestes Serviços em 16/01/2004, não suscitando novos elementos que possam alterar a fundamentação da decisão. Assim sendo a decisão de indeferimento da presente reclamação mantém-se. Atento o disposto no n.°2 do artigo 102.° do CPPT e no n.° 1 do art.° 76 do CPPT, notifique-se o reclamante (…)”;


Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

Não há factos não provados com interesse para a decisão da causa.

E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se:
Os factos provados resultam da análise crítica dos documentos juntos aos autos, não impugnados, não relevando o depoimento das testemunhas para a descoberta de verdade material, por não incidirem os seus depoimentos nos factos controvertidos.


II.2 Do Direito

No recurso coloca-se a questão de saber se na sentença recorrida se cometeu a nulidade de condenação em quantidade superior ao pedido, prevista no artigo 615/1.e) do Código de Processo Civil (CPC).

Embora esta causa de nulidade não se encontre expressamente elencada no artigo 125/1 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), nem vir explicitamente alegada, nas conclusões (a) e (c) a Recorrente, convoca violação do disposto no artigo 609/1 CPC e afirma que [a sentença] vai além do pedido e [o Tribunal] excede as suas competências.

O Mº Juiz a quo defendeu não se verificar qualquer nulidade e manteve a decisão recorrida nos seus precisos termos.

Vejamos:

Nos termos do artigo 125/1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

A falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou pronúncia que não deva conhecer encontra-se prevista no artigo 615/1.d) CPC que diz que é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

A sentença deve, pois, conhecer de todas as questões suscitadas pelas partes, seja como fundamento do pedido formulado pelo autor, seja como fundamento das exceções deduzidas, e bem assim das controvérsias que as partes sobre elas suscitem, ficando apenas excetuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.

Por questões submetidas à apreciação do Tribunal deve entender-se aqui as que se referem aos pedidos formulados, atinentes à causa de pedir ou às exceções alegadas, não se confundindo, pois, com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem verdadeiras questões para os efeitos preceituados na norma citada.

Nas palavras de Alberto dos Reis Aut Cit, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: anotado, Vol. V, pág. 143, são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.

É consabido que sentença não pode condenar em objeto diverso do pedido, nulidade que deriva da violação da regra do artigo 609/1 CPC, nulidade que só se pode verificar em relação a pedidos de condenação e a decisões condenatórias: haverá nulidade se a condenação exceder quantitativamente aquilo que havia sido pedido ou modificar a qualidade do pedido, condenando a parte vencida em objeto diferente do que foi pedido.

No presente recurso é impugnada a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou procedente a impugnação deduzida pelo ora Recorrido, contra o ato de liquidação de IRS do ano de 2001.

Na petição inicial o Impugnante, ora Recorrido, termina a peça processual pedindo:

a) Anular-se a decisão impugnada e, portanto, anular-se a totalidade do imposto de IRS de 2001 efetuada em relação ao impugnante, atentas as disposições citadas e
b) Ordenar-se a restituição ao impugnante da importância de € 2 342,20, indevidamente e ilegalmente cobrada, crédito a que tem direito…
Subsidiariamente
c) Decidir-se que o imposto IRS relativo ao ano de 2001 apenas deveria incidir sobre o rendimento líquido obtido pelo impugnante na Suíça, no valor de SF 11 885,90 francos suíços.

Cotejemos então este pedido de condenação com o segmento decisório. Diz a sentença recorrida no dispositivo:

IV. Dispositivo
Com fundamento no supra aduzido, anula-se a liquidação de IRS nº 5112923700, com as consequências legais.

O Impugnante pediu a anulação total do ato de liquidação de imposto sobre o rendimento respeitante ao ano de 2001, a restituição do imposto pago e subsidiariamente a anulação parcial da liquidação impugnada.

Ora, a condenação, com a qual não se conforma agora a Recorrente, foi precisamente no sentido da anulação da totalidade da liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares de 2001.

Não se verifica, pois, que tenha havido condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, na justa medida em que o tribunal se pronunciou sobre pedido que lhe foi dirigido pelo Autor, todavia, tal não significa que, no caso, se não se tenha verificado erro de julgamento. Questão diversa e que será apreciada infra.

Vejamos, agora, quanto ao alegado erro de julgamento de facto.

Alega a Recorrente que a sentença recorrida que julgou procedente a impugnação judicial, incorreu em erro de julgamento de facto, erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e de direito, errada valoração da prova documental produzida e consequentemente da factualidade considerada assente [cf. conclusões c) e j)].

Na verdade, quando impugna a matéria de facto, a Recorrente tem de cumprir os ónus que sobre si impendem, sob pena de rejeição do recurso [artigo 640º, n.º 1, alíneas a) a c) e n.º 2, alínea a) do CPC, aplicável ex vi artigo 281º CPPT], cabendo à Recorrente especificar:
a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas quanto aos indicados pontos da matéria de facto;

Nas alegações de recurso a Recorrente não indicou nas respetivas conclusões, nem nas alegações, os factos que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente, e a decisão que, no seu entender pretende aditar, pelo que não se considera minimamente cumprida esta obrigação que sobre si recaía.

Iniciando a apreciação por esta última, a Recorrente, insiste-se, não impugna a matéria de facto decorrente da prova documental, não requer qualquer aditamento por complementação ou substituição, apenas convoca um erro de julgamento no sentido de que deveria ter valorado de forma distinta a prova documental constante dos autos.

Com efeito, mesmo atendendo às considerações vertidas na conclusão j) das alegações de recurso, em que faz apelo aos documentos juntos ao processo, estas não são de molde a sustentar qualquer alteração à matéria de facto assente.

Ora, a singela afirmação de que o Tribunal a quo não considerou corretamente a prova documental produzida nos autos, assim como desconsiderou outra tanta, e não a tendo valorizado (pelo menos como o deveria, no entendimento da Recorrente), não cumpre o ónus que sobre si recaía de concretização dos segmentos que considera erradamente julgados quer de indicação dos meios de prova que determinam uma decisão diversa.

De resto, o Tribunal a quo valorou de forma fundamentada e devidamente pormenorizada as razões que lhe permitiram fixar a factualidade constante probatório, permitindo sindicar quais as razões que fundaram o iter cognoscitivo, relevando os aspetos basilares dos documentos em que alicerçou a decisão da matéria de facto.

Assim, e sem necessidade de mais fundamentar, improcede o alegado erro de julgamento da matéria de facto.

Vejamos agora:

Em bom rigor, tal como alega a Recorrente, é verdade que a sentença não decide explicitamente sobre se o Impugnante, ora Recorrido, deve ser considerado como residente em Portugal para efeitos de pagamento de imposto sobre o rendimento no ano de 2001 e sobre se os rendimentos obtidos na Suíça nesse ano estavam ou não sujeitos a tributação em Portugal, tendo o conhecimento desta questão sido considerado prejudicado, com a solução dada ao litígio.

Anote-se, contudo, que a sentença recorrida não omitiu pronúncia, porquanto nela se menciona expressamente: (…) não relevando assim se o impugnante era ou não residente em Portugal (…). Da sentença transcreve-se o excerto seguinte:
(…)
Em suma, a verificação do erro nos pressupostos de facto, tem, nos presentes autos, o mesmo efeito jurídico que a verificação da qualidade de residente do impugnante na Suíça, uma vez que a procedência de um e de outro fundamento da presente impugnação têm como resultado a anulação total da liquidação impugnada, sendo que no segundo caso, e a proceder a alegada qualidade, tal efeito se deve também à necessidade de expurgar da liquidação um valor de rendimentos que não devia, atento o disposto na Convenção para evitar a dupla tributação assinada entre Portugal e a Suíça, ser tributado em Portugal.
Pelo exposto e verificando-se o erro nos pressupostos de facto, relativos ao valor dos rendimentos auferidos na Suíça, em relação a 2001, procede totalmente a presente impugnação, decidindo-se, nos termos do artigo 135.° do CPA a anulação do acto ferido de ilegalidade, com todas as consequências legais, considerando-se prejudicadas as restantes questões.
(…)

A tributação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares centra-se no conceito de residência: não o conceito de domicílio que resulta da declaração dos contribuintes, e que consta do cadastro, mas o de residência. Dividem-se os contribuintes entre residentes e não residentes, entendendo-se por residentes aqueles que permaneçam no território nacional mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, ou que disponham de habitação em condições que façam supor a intenção de manter e ocupar como residência habitual (artigo 16º CIRS).

Além de os conceitos de domicílio e residência no plano fiscal não coincidirem inteiramente com a sua aceção civilista, para efeitos de delimitação da esfera de incidência das normas tributária de cada Estado é, também ela, distinta da noção de domicílio tributário de direito interno e que é um domicilio especial pelo qual a lei refere a um lugar bem determinado o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres estabelecidos pelas normas tributárias, localizando o sujeito passivo com vista a fixar a circunscrição territorial em cuja área se situem os serviços de administração competentes para a prática de atos relativos à situação fiscal do contribuinte

Para considerar o Impugnante, ora Recorrido, como residente em Portugal, ou na Suíça, importa o disposto no artigo 16º CIRS e nos artigos 4º e 15º da Convenção entre os Governos de Portugal e da Suíça para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital, bem como o respetivo Protocolo adicional, aprovada para ratificação pelo Decreto n.º 716/74, publicada no DR, I Série, n.º 289, de 12 de Dezembro de 1974 (CDT).

Diz o nº1 do artigo 4.º da CDT, sob a epígrafe Domicílio fiscal: para efeitos desta Convenção, a expressão «residente de um Estado Contratante» significa qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto devido ao seu domicílio, à sua residência, ao local de direção ou a qualquer outro critério de natureza similar. Relativamente à Suíça, a expressão «residente de um Estado Contratante» significa igualmente as sociedades em nome coletivo e em comandita simples constituídas ou organizadas segundo o direito suíço.

E o nº 1 do artigo 15.º (Profissões dependentes): com ressalva do disposto nos artigos 16.º, 18.º, 19.º e 20.º, os salários, ordenados e remunerações similares obtidos de um emprego por um residente de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que o emprego seja exercido no outro Estado Contratante. Se o emprego for aí exercido, as remunerações correspondentes podem ser tributadas nesse outro Estado.

Nos termos do nº 2 do mesmo artigo 15º: não obstante o disposto no n.º 1, as remunerações obtidas por um residente de um Estado Contratante de um emprego exercido no outro Estado Contratante só podem ser tributadas no Estado primeiramente mencionado se: (a) o beneficiário permanecer no outro Estado durante um período ou períodos que, no ano fiscal em causa, não excedam no total cento e oitenta e três dias; (…)

O Impugnante, ora Recorrido, em 7 de março de 2001, veio viver para Portugal mas o agregado familiar, constituído pela mulher e filhos, continuou a viver na Suíça até 30 de novembro desse ano [cf. alíneas e) e f) dos factos provados].

Nas palavras de Alberto Xavier Aut. Cit., DIREITO TRIBUTÁRIO, 2ª Ed., Almedina, setembro de 2011, pág. 291, nota 61., a análise da residência deve ser feita pessoa por pessoa, ainda que casadas, pelo que é frequente a existência de casais mistos, sendo um dos membros considerado residente num país e o outro, noutro (…). As convenções sobrepõem-se portanto aos regimes internos que eventualmente consagrem, por ficção, a residência por dependência de uma pessoa no país de residência de qualquer dos outros membros do agregado familiar.

Assim, atendendo à situação individual do Impugnante, ora Recorrido, abstraindo a situação familiar, no ano de 2001, tendo permanecido em Portugal por um período de tempo superior a 183 dias, este é havido como residente em Portugal.

A sentença recorrida fixou como rendimento obtido na Suíça entre 1 de janeiro e 7 de março de 2001, CHF 13.027,75 / € 7.692,66, montante esse que a Recorrente não contesta em sede de recurso, não se tratando, pois, de facto controvertido [cf. alínea b) das conclusões de recurso].

Este rendimento de trabalho dependente auferido pelo Impugnante, ora Recorrido, na Suíça, foi pago por uma entidade patronal também ela domiciliada na Suíça e tributado no Estado da fonte (Estado pagador).

Todavia, não foi este o montante considerado na liquidação impugnada, mas sim o de € 47.108,47 [cf. alínea h) dos factos provados]. E, anote-se, desde já, que também não foi deduzido o imposto suportado pelo Impugnante, ora Recorrido, na Suíça.

Com efeito, apesar de na informação que apreciou a reclamação graciosa apresentada pelo Contribuinte, elaborada pela Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças da Guarda, se concluir no sentido de que a liquidação deverá ser corrigida com a inclusão do imposto para na Suíça (…) [cf. alínea q) dos factos provados], a verdade é que a reclamação foi indeferida e não foi ordenado que se procedesse à emissão da liquidação corretiva.

Na verdade, se no despacho que ordenou a notificação do Contribuinte para exercício do direito de participação se refere que a liquidação deve ser corrigida por forma a incluir esse valor [cf. alínea r) dos factos provados], no despacho definitivo nada se refere nesse sentido [cf. alínea u) dos factos provados]

E, foi a constatação destes factos em que se baseou a sentença recorrida para concluir pela verificação do erro sobre os pressupostos de facto e pela ilegalidade da liquidação impugnada, sem necessidade de mais averiguar e discorrer sobre os demais argumentos esgrimidos pelas partes.

Assim, sendo o rendimento tributado no Estado da fonte e no da residência, recai sobre este último, o Estado da residência, a obrigação de atenuar ou eliminar a dupla tributação internacional do rendimento, por via do crédito do imposto.

Quanto ao método para eliminar a dupla tributação no artigo 23/1 da já supracitada Convenção, acolheu-se o chamado método da imputação limitada, porquanto nela se convencionou:

1. Quando um residente de Portugal obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam ser tributados na Suíça, Portugal deduzirá do imposto sobre os rendimentos desse residente uma importância igual ao imposto sobre o rendimento pago na Suíça. A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fração do imposto português, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos tributados na Suíça.

Ora, tendo resultado provado um montante diferente do considerado na liquidação, de rendimentos de trabalho dependente obtidos no estrangeiro pelo Contribuinte, onde foi pago imposto, tinha, necessariamente, de ser relevado o crédito de imposto por dupla tributação internacional, nos termos do disposto no citado artigo 23/1, da Convenção celebrada entre Portugal e a Suíça, que por se tratar de norma constante de convenção internacional regularmente ratificada ou aprovada prevalece sobre o direito interno nacional (artigo 8º da CRP).

A liquidação impugnada padece efetivamente de erro sobre os pressupostos de facto e de direito e deve ser anulada, não merecendo censura, nessa parte, a sentença que assim decidiu.

Vejamos agora se a sentença padece de erro de julgamento ao ter anulado a liquidação impugnada na totalidade e não apenas parcialmente, como defende a Recorrente [cf. conclusão e)].

Ponderemos, pois, a questão da cindibilidade do ato de liquidação, ou seja, sobre se a liquidação de IRS impugnada enquanto ato divisível, tanto por natureza como por definição legal, é suscetível de anulação parcial, se no caso se pode considerar que o ato tributário só em parte está inquinado de invalidade.

A questão da cindibilidade do ato tributário foi abordada do ponto de vista doutrinário por Saldanha Sanches Aut. cit., Anotação e Comentário ao Ac. STA, proferido em 2001.05.16, no Processo n.º 25.532, in Revista Fiscalidade: Revista de Direito e Gestão Fiscal, n.º 7/8, pág. 63 a 71.: ...o contencioso tributário, só pode conceder uma tutela efetiva ... aumentando a possibilidade das decisões de mérito e aproveitando, o que puder ser aproveitado, do trabalho administrativo.

Efetivamente, é ponto assente em termos doutrinários e jurisprudenciais (Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição, II volume, páginas 134, 342, 343, 524 e 525, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa – Acórdão do STA-SCT, de 10 de Janeiro de 2012, proferido no recurso n.º 0565/10 e do Pleno da SCT, de 10 de Abril de 2013, proferido no recurso n.º 0298/12, disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt.) que o ato de liquidação enquanto ato divisível é suscetível de anulação parcial.

O critério jurisprudencial para determinar se o ato deve ser total ou parcialmente anulado passa por determinar se a ilegalidade afeta o ato tributário no seu todo, caso em que o ato deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.

No caso em análise a liquidação impugnada refere-se aos rendimentos das categorias A, B e F de IRS, pelo que poderia ponderar-se, como defende a Fazenda Pública nas suas alegações, que para apurar a matéria tributável, bastaria uma corrigir o montante dos rendimentos tributados na categoria A, através de uma mera operação aritmética, e a possibilidade de anulação meramente parcial daquela liquidação.

Não basta, porém, a mera correção da quantificação dos rendimentos de trabalho dependente auferidos pelo Impugnante na Suíça, tem ainda que ser deduzida uma importância igual ao imposto pago na Suíça, importância essa que não poderá exceder a fração do imposto português, calculado antes da dedução.

No sentido, aliás, propugnado pela própria Autoridade Tributária e Aduaneira na informação que apreciou a reclamação graciosa apresentada pelo Impugnante, ora Recorrido.

Concluímos, assim, a que o ato tributário de liquidação deve ser corrigido no que se refere ao montante dos rendimentos obtidos no estrangeiro e imposto suportado, mas já não no seu todo, ou seja, no respeitante à tributação dos demais rendimentos obtido em território nacional, rendimentos esses que, aliás, não foram impugnados pelo contribuinte.

Deve, pois, ser anulada parcialmente a liquidação impugnada de IRS n° 5112923700, de modo a ser considerado o montante de rendimento obtido no estrangeiro pelo contribuinte de € 7.692,66, e deduzido o imposto sobre os rendimentos pago na Suíça de € 768,44.

Nesse sentido, da anulação parcial da liquidação, vai a mais recente jurisprudência do STA, posterior à citada na sentença recorrida, da qual citamos, a título meramente exemplificativo: Ac STA, 2ª Seção, de 2018.12.05, Proc nº 0888/05.9BEPRT, Ac. STA, Pleno da Seção do CT de 2019.01.30, Proc nº 0436/18.0BALSB, Ac. STA, 2ª Seção, de 2021.02.17, Proc nº 0710/11.7BELRS todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Em face do exposto procede, pois, parcialmente o recurso.


Sumário/Conclusões:

I. A tributação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares centra-se no conceito de residência: dividem-se os contribuintes entre residentes e não residentes, entendendo-se por residentes aqueles que permaneçam no território nacional mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, ou que disponham de habitação em condições que façam supor a intenção de manter e ocupar como residência habitual (artigo 16º CIRS).
II. Para considerar o contribuinte, como residente ou não em Portugal, importa o disposto no artigo 16º CIRS e nos artigos 4º e 15º da Convenção entre os Estados para evitar a dupla tributação.
III. O ato tributário de liquidação é por natureza um ato divisível e, consequentemente, é suscetível de anulação parcial, no respetivo processo de impugnação.
IV. O critério jurisprudencial para determinar se o ato deve ser total ou parcialmente anulado passa por determinar se a ilegalidade afeta o ato tributário no seu todo, caso em que o ato deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder parcial provimento ao recurso, revogar parcialmente a sentença recorrida e anular parcialmente a liquidação impugnada de IRS n° 5112923700, de modo a ser considerado o montante de rendimento obtido no estrangeiro pelo contribuinte de € 7.692,66, e deduzido o imposto sobre os rendimentos pago na Suíça de € 768,44.

Custas pelas partes, na proporção do decaimento, que fixo em 82% para a Recorrente e 18% para o Recorrido.

Lisboa, 11 de novembro de 2021


Susana Barreto

Tânia Meireles da Cunha

Cristina Flora