Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:400/22.5BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:02/23/2023
Relator:LINA COSTA
Descritores:PROVIDÊNCIA
PERICULUM IN MORA
CADUCIDADE CONTRATO DE TRABALHO A TERMO RESOLUTIVO CERTO
FUMUS BONI IURIS
Sumário:I - A interpretação que o juiz a quo deu aos factos indiciariamente provados, padece de erro de julgamento por determinar que, executado o acto suspendendo, a Requerente ficaria numa situação de desemprego parcial, quando dos mesmos resulta que apenas auferia rendimento de uma entidade na data da prática do referido acto;
II - A perda da remuneração total auferida, independentemente da falta alegação e prova dos concretos encargos mensais que a Recorrente tem, implica necessariamente, a afectação da sua capacidade para fazer face às suas necessidades básicas, para não falar do nível de vida a que está habituada em função da remuneração que aufere por força do contrato de trabalho que celebrou com Requerido;
III - O contrato de trabalho celebrado entre a Requerente e o Requerido foi outorgado a termo resolutivo certo, não sujeito a renovação automática, nos termos do artigo 61º, nº 1 da LTFP, com início em 1.9.2020 e termo a 31.8.2021, e não se converte em contrato por tempo indeterminado;
IV - A caducidade dos contratos de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, decorre da lei e da própria natureza desses contratos, não sendo possível, independentemente de as respectivas prestações, de trabalho e remuneratórias, serem mantidas entre a entidade empregadora e o trabalhador, após o respectivo termo, dar-se a conversão do contrato a termo em contrato a tempo indeterminado;
V - Inexistindo base legal para manter a Recorrente em funções como as que exerceu, ao abrigo do referido contrato de trabalho, para o Recorrido, não se verifica a aparência do bom direito, pelo que a providência requerida não pode ser decretada.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
M…, devidamente identificada como requerente nos autos de outros processos cautelares, instaurados contra o Município de Lisboa, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 19.4.2022 pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou improcedente, por não provado, o presente processo cautelar e consequentemente absolveu a Entidade Requerida dos pedidos [a suspensão da eficácia do acto administrativo, de 4.2.2022, da directora do departamento de gestão de recursos humanos, e a condenação do Requerido a mantê-la em funções até decisão final a proferir no processo principal, bem como a pagar-lhe a retribuição devida por todo esse período].
Nas respectivas alegações a Recorrente formula as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«1. O Tribunal a quo apreciou o preenchimento do requisito de “periculum in mora” partindo do pressuposto de que a Requerente encontra-se numa situação de desemprego meramente parcial e não total, o que não é verdade.
2. Efetivamente, no ano de 2020 (ano a que respeita a declaração de rendimentos apresentada pela Requerente), a Requerente auferiu rendimentos:
- de 01.01.2020 a 30.08.2020 – liquidados pela Escola Secundária Pedro Nunes (com o NIF ……….);
- de 01.09.2020 a 31.12.2020 – liquidados pelo Município de Lisboa (com o NIF …………).
3. Sendo estes os concretos NIF (número de identificação fiscal) que surgem identificados na declaração de rendimentos da Requerente.
4. Nesta conformidade, é manifesto o erro de julgamento de que padece a sentença recorrida ao ter declarado que a Requerente, mesmo não auferindo os rendimentos resultantes da vigência do contrato de trabalho celebrado com o Município de Lisboa (em virtude da caducidade do contrato de trabalho ilicitamente declarada), sempre continuaria a dispor de outra fonte de rendimentos!
5. Assim, e esclarecida definitivamente esta questão, dúvidas não subsistem de que a Requerente, aquando da comunicação de caducidade do seu contrato de trabalho, em fevereiro de 2022, prestava a suas funções exclusivamente para o Município de Lisboa, não auferindo rendimentos por via de qualquer outro contrato de trabalho nem prestando serviços para qualquer outra entidade que possa assegurar a capacidade da Requerente para fazer face ao pagamento de quaisquer despesas no seu dia-a-dia.
6. Por conseguinte, a apreciação do preenchimento do requisito de “periculum in mora” que foi realizada pelo Tribunal a quo encontra-se irremediavelmente ferida de erro de julgamento quanto à situação de desemprego da Requerente, que não se reconduz a uma situação de desemprego parcial (como incorretamente foi declarado), mas sim de desemprego total e absoluto,
7. Sendo, por isso, nessa perspetiva que importa proceder a uma reapreciação do preenchimento deste requisito de “periculum in mora”.
8. Efetivamente, com a cessação do contrato de trabalho que vigorava entre a Requerente e o Município de Portimão, a Requerente deixou de auferir quaisquer rendimentos.
9. Nas situações em que o trabalhador se vê privado da totalidade dos rendimentos que auferia por via da vigência do seu contrato de trabalho, tem sido entendimento do Supremo Tribunal Administrativo que se deverá considerar verificado o requisito de periculum in mora. (nesse sentido, o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 15 de novembro de 2018, no processo n.º 0229/17.2BELSB 0649/18).
10. Reportando-nos à situação da Requerente nos autos, é manifesto que, tal como o STA destacou no acórdão supra mencionado, a imediata execução do ato suspendendo (a comunicação de caducidade do contrato da Requerente) terá como consequência a perda da retribuição auferida pela Requerente, que também constitui a sua única fonte de rendimento!
11. De igual modo, perda total da sua fonte de rendimento acarreta imediatamente para a Requerente “necessárias e sérias dificuldades na difícil gestão e equilíbrio” da sua vivência.
12. Ainda a este respeito, continua o Supremo Tribunal Administrativo no referido acórdão afirmando que:
«46. Ora quando o ato gerador de tais consequências ainda não se mostra estabilizado como legal e legítimo não se mostra aceitável a sujeição do Requerente a tal quadro situacional e consequências negativas, impondo-se acautelar esse perigo.»
Destacando ainda, com grande relevância para a apreciação dos presentes autos, que:
«47. De notar que este Supremo Tribunal vem considerando que, por regra, a privação do vencimento de um funcionário, agente ou trabalhador do Estado, em consequência da imediata execução do ato punitivo que o afaste de funções, é causadora de prejuízos irreparáveis ou, pelo menos, de difícil reparação ao visado, mercê de tal privação envolver uma diminuição drástica do respetivo nível de vida ou dos seus dependentes quando existam, pondo em risco a satisfação das necessidades normais correspondentes àquilo que era o seu padrão de vida [vide, entre outros, os Acs. de 30.04.2015 - Proc. n.º 0404/15, de 04.05.2017 - Proc. n.º 0163/17, e de 30.11.2017 - Proc. n.º 01197/17].»
13. Ao arrepio do entendimento jurisprudencial defendido pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão supra invocado, o Tribunal a quo menosprezou por completo a gravidade das consequências que advêm para a Requerente da perda total de rendimentos e da privação de um vencimento mensal,
14. Limitando-se a “recordar” à Requerente que sempre teria a “possibilidade do recurso à atribuição de prestações sociais de desemprego através da Segurança Social, verificados os respetivos requisitos legais” e que, além disso, sempre teria ainda a “possibilidade de exercer outra atividade profissional que não só lhe proporcione rendimentos do trabalho, como lhe permita realizar-se de um ponto de vista pessoal e profissional”.
15. Ora, com o devido respeito que o douto Tribunal a quo nos merece, que é muito, jamais poderá aceitar-se tal argumentação de direito para justificar a recusa do decretamento da presente providência cautelar,
16. Não podendo aceitar-se a perspetiva defendida pelo Tribunal a quo de que a Requerente sempre poderá requerer a concessão de prestações sociais para compensar a sua situação de perda total e absoluta de rendimentos em consequência do despedimento ilícito de que foi alvo, bem sabendo o Tribunal a quo que o pedido de tais prestações sociais poderá até não ser deferido.
17. Ademais, não deixa de ser surpreendente que o Tribunal a quo tenha afirmado que, como o contrato da Requerente era um contrato de trabalho a termo, “não tinha a virtualidade de criar na R. qualquer confiança ou sequer a expetativa, de lhe conferir qualquer vínculo laboral menos precário e mais permanente”, quando é o próprio Município de Lisboa que, na sua contestação, até refere que “criou-se a expetativa da publicação de um novo diploma que permitisse mais uma prorrogação excecional dos contratos a termo celebrados com o pessoal não docente”!!!
18. Assim, a partir do momento em que o Município de Lisboa percebe que não iria ser publicado diploma para prorrogação dos contratos de trabalho dos assistentes técnicos (mas tão só dos assistentes operacionais) e, ainda assim, manteve a Requerente ao serviço e a prestar as mesmas funções sem a celebração de qualquer contrato escrito, criou, de facto, na Requerente a expetativa e a convicção legítimas de que o contrato de trabalho permanecia em vigor.
19. Por fim, o Tribunal a quo defendeu ainda que “da eficácia do ato suspendendo não resulta para a R. qualquer impedimento em continuar a exercer um trabalho remunerado que lhe permita assegurar a sua subsistência (cuja alteração através do ato suspendendo não vem sequer invocada)”,
20. Acontece que a questão que se discute e que se pretendia acautelar, porém, é que, como o próprio Supremo Tribunal Administrativo reconhece e refere no acórdão anteriormente invocado, “quando o ato gerador de tais consequências ainda não se mostra estabilizado como legal e legítimo não se mostra aceitável a sujeição do Requerente a tal quadro situacional e consequências negativas, impondo-se acautelar esse perigo”,.
21. Além de que, como é sabido, a principal consequência imediata da cessação do contrato é a perda súbita de rendimentos com os quais o trabalho contava para fazer face às despesas e encargos do seu dia-a-dia, as quais, independentemente de se quantificarem concretamente na ação, sempre terão de ser consideradas como uma consequência grave e inevitável que decorre da cessação do contrato – que se pretende que seja declarada ilícita – e que, como tal, não pode ser ignorada para efeitos do preenchimento do requisito de periculum in mora,
22. Motivo pelo qual o STA tem vindo a defender que, nestes casos, “por regra, a privação do vencimento de um funcionário, agente ou trabalhador do Estado, em consequência da imediata execução do ato punitivo que o afaste de funções, é causadora de prejuízos irreparáveis ou, pelo menos, de difícil reparação ao visado, mercê de tal privação envolver uma diminuição drástica do respetivo nível de vida ou dos seus dependentes quando existam, pondo em risco a satisfação das necessidades normais correspondentes àquilo que era o seu padrão de vida.”,
23. Sendo que também neste sentido se pronunciou este Supremo Tribunal nos acórdãos de de 30 de novembro de 2017, processo n.º 01197/17, de 04 de maio de 2017, no processo n.º 0163/17, de 30 de abril de 2015, no processo n.º 0404/15.
24. Assim, e considerando tudo quanto se deixou exposto, fica devidamente demonstrado que, com a produção de efeitos do ato suspendendo, a Requerente passará a estar numa situação de despedimento total com perda integral e súbita de rendimentos, com a consequente impossibilidade de prover ao sustento do seu agregado familiar e cumprir com o pontual pagamento de todas as despesas e encargos mensais desse mesmo agregado, o que, portanto, e conforme tem vindo a ser declarado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, preenche o requisito de periculum in mora.
25. Nesta conformidade, deverá a sentença proferida ser revogada na parte em que declarou que “não se encontra preenchido o requisito legal do periculum in mora” e que, “por se tratarem de requisitos cumulativos, fica prejudicada a apreciação do requisito de fumus boni iuris, assim como a verificação do preenchimento do requisito negativo a que se refere o n.º 2 do art.º 120.º do CPTA”,
26. Requerendo-se a V.Exas que seja declarado o preenchimento do requisito de periculum in mora no caso concreto e, consequentemente, seja determinada a apreciação por parte do Tribunal a quo do preenchimento dos demais requisitos para o decretamento da providência requerida.».

O Recorrido contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
«1. A Recorrente invoca o preenchimento necessário do «periculum in mora», considerado não preenchido pela douta Sentença de que recorre,
2. Com o entendimento de se verificar um erro na apreciação da prova, face à conclusão do Tribunal a quo, de não se verificar um impedimento para obter rendimentos, e bem assim, segundo alega, de ter considerado que a Recorrente, se encontrava numa situação de desemprego parcial.
3. A Recorrente clama pela correção, invocando uma apreciação corretiva na análise ao documento que contém os rendimentos auferidos por aquela, sem, contudo, ser expressamente afirmativa quanto ao estado em que se encontra à data.
4. Acresce, a douta Sentença considerou como não provado, um único facto, consubstanciado na alegação da necessidade da Recorrente em prover aos custos e encargos mensais, pessoais e profissionais, não tendo junto aos autos elementos demonstrativos e probatórios da natureza daqueles,
5. Pelo que, os autos, não contém prova relativa aos encargos mensais da Recorrente.
6. Assim sendo, face ao exposto, julga-se adequado o mérito da Sentença proferida pelo Tribunal a quo.».

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), o processo vem à Conferência para julgamento.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem em aferir se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento ao considerar não verificado o requisito do periculum in mora e, se assim for decidido, se, em substituição deve este Tribunal apreciar do preenchimento dos demais requisitos previstos no artigo 120º do CPTA para o decretamento da providência requerida.

Com interesse para a decisão o juiz a quo considerou, indiciariamente, provados os seguintes factos:

A) Em 22/02/2018, a R. celebrou com a Escola Secundária Pedro Nunes em Lisboa, contrato de trabalho em funções publicas a termo resolutivo certo, para o exercício das funções correspondentes às da carreira e categoria de Assistente Técnico, bem como a execução das tarefas descritas no Regulamento da Escola que caracterizam o posto de trabalho a ocupar, pela remuneração de € 683,13 acrescida de subsidio de refeição, com inicio em 01/02/2018 e termo em 31/08/2018 - cfr. documento 1 do RI cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

B) O contrato referido em A) foi objeto de dois Aditamentos, um em 01/09/2018, no sentido da sua renovação pelo período de um ano escolar até 31/08/2019; e outro em 01/09/2019, no sentido da sua renovação pelo período de um ano escolar até 31/08/2020 - cfr. documentos 2 e 3 do RI;

C) Em data não concretamente apurada, foi celebrada entre a R. e o Município de Lisboa uma Adenda ao contrato de trabalho renovado em 01/09/2019, no sentido de a clausula desse contrato respeitante à renovação do contrato passar a ter a seguinte redação: «Cláusula Primeira (Natureza e duração do contrato)


- cfr. documento 4 do RI;

D) A R. auferiu vencimento abonado pela ER nos meses de setembro de 2021 a janeiro de 2022 - cfr. respetivos recibos de vencimento juntos como documentos 5 a 9 do RI;
E) Através do oficio dos serviços da ER com a referência OF/256/DGRH/DMRH/CML/22, a R. foi notificada, para além do mais, do seguinte:

- cfr. documento 10 do RI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido:
F) Dá-se por reproduzido o teor da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2020, a fls. 118 a 124 dos autos.

*
Factos não provados:
Quais os encargos mensais da R. a que faz face através dos rendimentos do seu trabalho.
*
A convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou no teor dos documentos constantes dos autos, juntos pelas Partes, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos factos provados.
Quanto ao facto não provado, porquanto tais encargos na esfera pessoal e individual da R., não são um facto público e notório, e, portanto, careciam de alegação e prova, o que a R. não logrou fazer, pois nada de circunstanciado invoca.».

Alega a Recorrente, em síntese, que o tribunal recorrido errou ao considerar que se encontra numa situação parcial de desemprego e não total, por pressupor, face ao teor da declaração de IRS, de 2020, onde constam duas entidades pagadoras de rendimentos de trabalho dependente – o Ministério da Educação e o Município de Lisboa -, que, mesmo não auferindo rendimentos da vigência do contrato com o Requerido, continuaria a dispor de outra fonte de rendimento; caducando o contrato em referência fica numa situação total de desemprego, privada de rendimentos para fazer face às suas necessidades básicas, pelo que se deve dar por preenchido o periculum in mora, com tem vindo a entender o STA, na jurisprudência que invoca; não aceita o argumento do juiz a quo de que sempre poderá requerer a concessão de prestações sociais; surpreende a afirmação de que sendo o contrato de trabalho a termo, não tinha a virtualidade de criar em si qualquer confiança ou expectativa, quando é o próprio Requerido que no seu articulado afirma que criou-se a expectativa de publicação de um novo diploma que permitisse mais uma prorrogação excepcional dos contratos a termo celebrados com o pessoal não docente; tendo o Recorrido percebido que tal diploma não ia ser publicado, a sua manutenção ao seu serviço, a prestar as mesmas funções sem celebrar contrato escrito, criou-lhe, de facto, expectativa e convicção legitima de que o contrato de trabalho permanecia em vigor.

Na sentença recorrida extrai-se da respectiva fundamentação de direito o seguinte:
«Vem peticionado o decretamento da providência cautelar de suspensão da eficácia do ato administrativo comunicado à R. através do oficio OF/256/DGRH/DMRH/CML/22, datado de 4 de fevereiro de 2022 relativo à caducidade do contrato de trabalho celebrado entre a R. e a ER, com efeitos a 28/02/2022.
Segundo a R., a manifesta ilegalidade do ato administrativo praticado pelo Requerido, a 4 de fevereiro de 2022, servirá de fundamento à ação administrativa de impugnação a dar entrada como ação principal, na qual pretende que seja declarada pelo Tribunal a ilegalidade deste ato administrativo, mas também que seja declarada e reconhecida a existência de contrato de trabalho em vigor entre as partes.
Considerando, porém, que o ato administrativo comunicado destina-se a produzir os seus efeitos no próximo dia 28 de fevereiro de 2022, constitui uma certeza que a ação administrativa de impugnação deste ato administrativo não permite acautelar e impedir atempadamente que se verifique uma situação de facto consumado de cessação ilícita do seu contrato de trabalho (quer se considere que o mesmo consubstancia um contrato de trabalho em funções públicas objeto de nova renovação ou um contrato individual de trabalho por tempo indeterminado).
Com extinção do vínculo contratual existente com o Requerido, fica privada do pagamento da retribuição que sempre lhe seria devida pelo Requerido caso não tivesse sido praticado o ato administrativo ilegal em apreço.
Assim, além da necessidade de suspender imediatamente os efeitos do ato administrativo em apreço por forma a acautelar o seu direito à manutenção do seu contrato de trabalho, sob pena de, na data em que for proferida sentença na ação principal, já ter sido atingida a data da produção de efeitos deste ato administrativo (a 28 de fevereiro de 2022),
É também evidente o prejuízo que resultará para si da não suspensão dos efeitos deste ato, porquanto vive exclusivamente dos seus rendimentos de trabalho, deles carecendo na totalidade para fazer face aos seus encargos mensais, como é facto público e notório.
Além disso, o direito ao trabalho e à realização profissional e pessoal daí decorrente constitui um direito fundamental, constitucionalmente consagrada, ao ponto de vedar despedimentos sem justa causa.
A sua remessa para uma situação de desemprego irá priva-la de rendimentos de trabalho bem como da dignidade pressuposto para a sua sobrevivência,
Sendo, por isso, suscetível da constituição de uma situação de facto de difícil reparação.
Nesta conformidade, é manifesto o preenchimento do requisito de “periculum in mora”, mas também do requisito de “fumus boni iuris”, por lhe assistir total razão na sua pretensão de que seja declarada a anulabilidade do ato administrativo que declarou a caducidade do seu contrato de trabalho a 4 de fevereiro de 2022.
Vejamos se lhe assiste razão.
(…)
Comecemos pelo periculum in mora, isto é, se existe um fundado receio de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a R. visa assegurar no processo principal: a anulação do ato pelo qual foi declarada a caducidade do contrato de trabalho em funções publicas a termo resolutivo certo com efeitos a 28/02/2022, - e que a suspensão de efeitos peticionada possa evitar.
Da eficácia do ato suspendendo, resulta, portanto, a inexistência da relação laboral que a R. mantinha com a ER desde 01/02/2018, no âmbito da qual pela prestação do seu trabalho, a R. auferia a remuneração acordada.
É certo que tal remuneração, segundo a declaração de rendimentos apresentada à Administração fiscal, relativa ao ano de 2020, constituiu parte significativa dos rendimentos declarados pela R..
No entanto, nada mais invocou sobre a sua concreta situação familiar e financeira, designadamente, as concretas despesas a que terá que necessariamente fazer face através dos seus rendimentos.
Por outro lado, a situação de desemprego parcial - já que a R. declara rendimentos para efeitos de IRS pagos por outra entidade - que possa resultar da eficácia do ato suspendendo, não significa à partida e de um modo consumado e irreversível, a perda de todos e quaisquer rendimentos por parte da R.. Desde logo, pela possibilidade do recurso à atribuição de prestações sociais de desemprego através da Segurança Social, verificados os respetivos requisitos legais; mas sobretudo, pela possibilidade de exercer outra atividade profissional que não só lhe proporcione rendimentos do trabalho, como lhe permita realizar-se de um ponto de vista pessoal e profissional.
A R. exerceu funções para a ER ao abrigo de um contrato de trabalho a termo, que apesar das vicissitudes que sofreu, provadas nos autos, quanto à sua continuidade e sucessivas renovações, não tinha a virtualidade de criar na R. qualquer confiança ou sequer a expetativa, de lhe conferir qualquer vínculo laboral menos precário e permanente. Independentemente do momento e termos em que a cessação do contrato celebrado entre a R. e a ER possa ter lugar, o que cabe apreciar e decidir em sede de ação principal, é de um contrato a termo que se trata.
A R. não invoca quaisquer factos concretos que advenham ou possam advir da cessação do contrato de trabalho que virá a impugnar em sede de ação principal, e concretamente na sua esfera pessoal, que consubstanciem uma situação de facto consumado ou prejuízos de difícil reparação, perante o decurso da ação principal.
Acresce que a situação laboral da R. com a ER, é integralmente reintegrável quer no plano jurídico quer no plano financeiro, no caso de vir a ser procedente a ação principal a instaurar e reconhecida a ilegalidade da caducidade do contrato de trabalho, cuja suspensão de eficácia pede nos presentes autos.
É certo que por força da não suspensão do ato suspendendo, a R. deixará de exercer as funções na ER que vinha exercendo ao abrigo de contrato de trabalho em funções públicas a termo certo e por consequência, deixará de auferir a respetiva remuneração.
No entanto, da eficácia do ato suspendendo não resulta para a R. qualquer impedimento em continuar a exercer um trabalho remunerado que lhe permita assegurar a sua subsistência (cuja alteração através do ato suspendendo não vem sequer invocada).
Não invocando a R. prejuízos concretos e circunstanciados, que lhe advenham da eficácia do ato suspendendo, inviabilizando, portanto, a sua qualificação como de difícil reparação ou determinantes de uma situação de facto consumado, a decisão favorável à R. no processo principal, afigura-se apta a ressarci-lo dos danos, inclusive pecuniários, que possam resultar do decurso desse processo.
Termos em que, no caso em apreço, não se encontra preenchido o requisito legal do periculum in mora, para salvaguarda dos interesses que a R. visa acautelar no processo principal e, portanto, para efeitos do decretamento da providência requerida, ou quaisquer outras.».

Do requisito do periculum in mora

Não vem impugnada a decisão da matéria indiciariamente assente, mas a Recorrente imputa erro de julgamento à sentença recorrida na apreciação que foi feita daquela e que levou o juiz a quo, por um lado, a considerar que executado o acto suspendendo a Requerente não ficaria numa situação de desemprego total e, por outro, que não provou quais os encargos mensais a que faz face através dos rendimentos do seu trabalho.
Da factualidade indiciariamente assente resulta que:
– facto A) - o primeiro contrato de trabalho foi celebrado entre a Recorrente com a Escola Secundária Pedro Nunes, em Lisboacfr. doc. 1 cujo teor se dá por integralmente reproduzido”. Do teor deste documento consta que a Escola Secundária Pedro Nunes é “pessoa colectiva nº 600093896”;
- facto C) em data não concretamente apurada, foi celebrada entre a R. e o Município de Lisboa uma Adenda ao contrato de trabalho que antecede, renovado em 1.9.2019cfr. documento 4 do RI”. Do teor deste documento consta que o Município de Lisboa é “pessoa colectiva nº 500051070”;
- facto F) “[d]á-se por reproduzido o teor da declaração de rendimentos modelo 3 IRS relativa ao ano de 2020, a fls. 118 a 124 dos autos”. Do teor desta declaração resulta que a Requerente auferiu rendimentos de trabalho dependente pagos por duas entidades com os números de pessoa colectiva: “600093896” e “500051070”.
Donde, no ano de 2020 a Recorrente auferiu rendimentos de trabalho dependente no âmbito do contrato de trabalho celebrado com a Escola Secundária Pedro Nunes, “pessoa colectiva nº ………” e no da Adenda ao contrato de trabalho, renovado em 1.9.2019, celebrada com o Município de Lisboa, “pessoa colectiva nº 5……..”, pelo que a caducidade do contrato em vigor, que tem como outorgante o Requerido, implica uma situação de desemprego total para a Recorrente, e não parcial como entendeu o juiz a quo.
A perda da remuneração total auferida, independentemente da falta alegação e prova dos concretos encargos mensais que a Recorrente tem, implica necessariamente, a afectação da sua capacidade para fazer face às suas necessidades básicas, para não falar do nível de vida a que está habituada em função da remuneração que aufere por força do contrato de trabalho que celebrou com Requerido [v. a título de exemplo os acórdãos do STA, de 24.5.2018, proc. 0371/18 e do TCAS de 16.12.2015, proc. nº 12721/15, in www.dgsi.pt.]
Donde, procede este fundamento do recurso, considerando-se verificado o requisito do periculum in mora, o que determina a revogação da sentença recorrida e o conhecimento por este Tribunal, em substituição, dos restantes requisitos previstos nos artigos 120º do CPTA.

Do fumus boni iuris

Da mesma factualidade indiciariamente assente resulta, do referido facto C), que o contrato celebrado com o Requerido foi outorgado a termo resolutivo certo, não sujeito a renovação automática, nos termos do artigo 61º, nº 1 da LTFP e que tendo início em 1.9.2020 e termo a 31.8.2021, não se converte em contrato por tempo indeterminado.
Apesar do que, a Recorrente continuou a trabalhar e a auferir rendimentos de trabalho, até Janeiro de 2022, tendo sido notificada por ofício da caducidade do contrato com efeitos reportados a 28.2.2022 – factos D) e E).
Alega a Recorrente que a actuação do Recorrido, mantendo-a no exercício das suas funções e pagando-lhe a respectiva remuneração, lhe criou a confiança e expectativa de que o contrato de trabalho se mantinha em vigor, ainda que não escrito.
Expectativa que o próprio Requerido admite ter sido criada também para si através da publicação prevista de novo diploma que permitisse a prorrogação dos contratos de trabalhadores não docentes, como o da Recorrente.
Mas, tendo aquele constatado que tal diploma não seria publicado, outra alternativa não teve que notificar a Recorrente da caducidade do contrato.
O que fez ao abrigo e nos termos da lei [o período de trabalho prestado e remunerado que excedeu a data limite prevista contrato de 31.8.2021, é que carece de suporte legal, sendo nula a “renovação por o contrato não redigido a escrito”, ainda que se aproveitem os efeitos que da mesma decorreram].
Com efeito, a caducidade dos contratos de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, decorre da lei e da própria natureza desses contratos, não sendo possível, independentemente de as respectivas prestações, de trabalho e remuneratórias, serem mantidas entre a entidade empregadora e o trabalhador, dar-se a conversão do contrato a termo em contrato a tempo indeterminado.
Significando que inexiste base legal para manter a Recorrente em funções como as que exerceu, ao abrigo do referido contrato de trabalho, para o Recorrido.
Ou dito de outro modo, não se verifica o requisito da aparência do bom direito, não se antevendo como provável que a Requerente venha a obter sentença de procedência na acção principal impugnatória que se propõe instaurar.
Até porque a caducidade do contrato não se confunde com o acto da sua comunicação, que a Recorrente identificou no processo cautelar como o suspendendo. Reitera-se, a caducidade resulta da lei e do termo inicial da mesma aposta no contrato celebrado. A notificação efectuada apenas dá expressão aos efeitos que a lei determina – ocorrido o termo legal, o contrato caduca -, indicando a data em que opera a caducidade.

Não se verificando um dos pressupostos de que depende a concessão da providência, fica prejudicado o conhecimento do critério da ponderação dos interesses em presença.

Não podendo ser decretada a providência o presente recurso procede apenas parcialmente.

A Recorrente beneficia de isenção legal de custas, ao abrigo do disposto no artigo 4º, nº 1, alínea h) do RCP.
O Recorrido por ter contra-alegado no recurso e defendido a não verificação do pressuposto do periculum in mora, é responsável pelo pagamento de custas na proporção do seu decaimento que se fixa em ¼.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida por se verificar o requisito do periculum in mora, e, em substituição, julgar improcedente a providência, por não verificação do requisito do fumus bomi iuris.

A Recorrente está isenta de custas.

Custas no recurso pelo Recorrido, na proporção de ¼.

Registe e Notifique.

Lisboa, 23 de Fevereiro de 2023.

(Lina Costa – relatora)

(Catarina Vasconcelos)

(Rui Pereira)