Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:831/16.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/26/2022
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA
NÃO ADMISSÃO
Sumário:I - O recurso de revisão é um recurso extraordinário que visa combater um vício ou anomalia processual de especial gravidade, de entre um elenco taxativamente previsto, renovando a instância extinta pelo trânsito em julgado da sentença.
II - Os pressupostos para a admissibilidade do requerimento de recurso de revisão são aferidos no despacho liminar, que vem previsto no art.º 699/1 CPC;
III - No âmbito deste despacho liminar, comete ao juiz aferir da legitimidade ativa do apresentante do recurso, o respeito pelos prazos de interposição do recurso e da correta instrução do mesmo. Neste despacho liminar cumpre, também, aferir acerca dos fundamentos invocados no recurso e da sua efetiva verificação.
IV - Quanto a estes fundamentos, são apenas os taxativamente indicados no art.º 696.º do CPC.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

J…, com os sinais dos autos, não se conformando com a decisão da Mma. Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de indeferimento liminar do recurso extraordinário de revisão da sentença proferida em 2020.01.10, por falta de fundamento, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, o Recorrente formula as seguintes conclusões:

A) A Sentença de que se recorre andou mal ao não admitir o recurso de revisão

B) Tanto para mais que o documento primeiramente junto, no caso da excepção de caducidade levantada, encontra-se infirmada pela constatação da pendência do pedido de protecção jurídica junta pelo Autor na resposta ao procedimento fiscal.

C) Estoicamente ignorada pela AT e até omissa no processo instrutor presente nos autos

D) Quando a consequência lógica seria a suspensão dos prazos até ao conhecimento do deferimento ou indeferimento do pedido de protecção jurídica

E) Passando ao lado de uma defesa, um exercício de contraditório e direito de audição em acção.

F) Não merecendo qualquer pronuncia da A.T.

G) Mas que certamente postergaria para momento posterior o prazo de reacção ao acto de cancelamento de beneficio fiscal

H) A ser apreciado requereria julgamento diverso da excepção de caducidade.

I) Ao que acresce a inexistência de litispendência por referencia ao Processo 2202/15.6BELSB

J) Cuja decisão final é anterior à dos presentes autos pelo que até por essa via se contraria a existência de tal excepção.

K) Além do mais, recentemente recebeu nova missiva da AT, em sede de execução fiscal, para planos em prestações.

L) O que faz pressupor a existência desta pendência, pois que nenhuma outra tem o Recorrente

M) Tratando-se uma vez mais de documento novo a que só agora se teve acesso

N) No fundo, não tendo a decisão aqui recorrida reconhecido ao recorrente o seu direito a opor-se à execução, no exercício do chamado direito à ação

O) Acabando a violar os artigos 18.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1 e n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada e proclamada pela Assembleia Geral da Nações Unidas através da Resolução 217A (III), de 10 de Dezembro de 1948, 6.º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, assinada em Roma a 4 de Novembro de 1950, e 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Anexa ao Tratado de Lisboa, mas que também o está pelo art.º 2.º n.º 2 do CPC 2013

P) Os documentos juntos, se analisados, conduzirão necessariamente à revogação e revisão da sentença nos presentes autos

Deste modo a, apesar de tudo, Douta Sentença deverá ser revogada e substituída por despacho que admitindo o recurso de revisão ordene a prossecução dos autos com os seus ulteriores tramites, só assim se fazendo a Costumada Justiça!



A Entidade Recorrida não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Os autos foram com vista ao Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Questão a decidir: o objeto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas é a de saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento ao ter indeferimento liminarmente o recurso extraordinário de revisão da sentença formulado pelo Autor e ora Recorrente.

Esta é a única questão que cumpre apreciar.


II. 1 - CONTEÚDO DA DECISÃO RECORRIDA

É o seguinte o teor da decisão recorrida:

Recurso (págs. 186 do SITAF): O Autor apresentou, ao abrigo do disposto nos artigos 293º, n,º 1 e n.º 3, do CPPT e 696º, c), do CPC, recurso de revisão da sentença proferida nos presentes autos invocando para o efeito que:
i. recentemente constatou que a Administração Tributária não juntou aos autos a resposta de 27/08/2015 ao oficio n.º 00603401 o qual também não referiu na petição inicial e não juntou por lado e que faz infirmar a caducidade do direito de acção;
ii. a abordagem jurídica e contextualização é distinta da efectuada no processo n.º 2202/15.6BELRS, não se verificando a excepção de litispendência;
iii. recentemente recebeu o ofício que junta como documento n.º 2 para pagamento em prestações de dívida fiscal, ressuscitando uma dívida fiscal inexistente.
Vejamos.
O artigo 279º n.º 1, a), do CPPT consagra que o presente título (Título V) aplica-se aos recursos dos actos jurisdicionais praticados no processo judicial tributário regulado pelo presente Código.
Por sua vez o artigo 97º, n.º 2, do CPPT determina que a ação administrativa é regulada pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos.
Ora, o artigo 293º, n.º 1, do CPPT, insere-se no Título V do CPPT e, nessa medida, não se aplica à presente acção administrativa, estando o recurso de revisão de sentença consagrado no artigo 154º do CPTA que estipula no n.º 1 que a revisão de sentença transitada em julgado pode ser pedida ao tribunal que a tenha proferido, sendo subsidiariamente aplicável o disposto no Código de Processo Civil, no que não colida com o que se estabelece nos artigos seguintes.
O artigo 155º, n.º 1, do CPTA dispõe que têm legitimidade para requerer a revisão, com qualquer dos fundamentos previstos no Código de Processo Civil, o Ministério Público e as partes no processo.
Nos termos do disposto no artigo 696º do CPC a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando: a) Outra sentença transitada em julgado tenha dado como provado que a decisão resulta de crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções; b) Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida; c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida; d) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou; e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que: i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita; ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável; iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior; f) Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português; g) O litígio assente sobre ato simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 612.º, por se não ter apercebido da fraude. h) Seja suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, verificando-se o disposto no artigo seguinte.
O Recorrente alegou em sede do presente recurso de revisão, ao abrigo do disposto no artigo 696º, c), do CPC, que:
i. recentemente constatou que a Administração Tributária não juntou aos autos a resposta de 27/08/2015 ao oficio n.º 00603401 o qual também não referiu na petição inicial e não juntou por lado e que faz infirmar a caducidade do direito de acção;
ii. a abordagem jurídica e contextualização é distinta da efectuada no processo n.º 2202/15.6BELRS, não se verificando a excepção de litispendência;
iii. recentemente recebeu o ofício que junta como documento n.º 2 para pagamento em prestações de dívida fiscal, ressuscitando uma dívida fiscal inexistente.
Estabelece a alínea c) do artigo 696º do CPC que a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida
No que se refere ao documento n.º 1 junto com o presente recurso, o mesmo constitui uma resposta elaborada pelo Recorrente ao ofício 000603401 dirigida ao chefe do serviço de finanças de Sintra 4 datada de 27/08/2015, comunicando que havia requerido protecção jurídica com nomeação de defensor oficioso.
Resulta da sentença proferida nos presentes autos que foi julgada procedente a excepção de caducidade do direito de acção nos seguintes termos: «Decorre dos pontos 1. e. 2. dos factos provados que a decisão ora impugnada foi remetida ao Autor por carta registada em 17/08/2015, presumindo-se notificado no dia 20/08/2015. Consagrava o artigo 58º, n.º 2, do CPTA, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 214-G/2015 e em vigor a 20/08/2015, que: «Salvo disposição em contrário, a impugnação de actos anuláveis tem lugar no prazo de: a) Um ano, se promovida pelo Ministério Público; b) Três meses, nos restantes casos». O n.º 3 do artigo 58º do CPTA, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 214-G/2015, determinava que a contagem dos prazos referidos no número anterior obedece ao regime aplicável aos prazos para a propositura de acções que se encontram previstos no Código de Processo Civil. O artigo 138º, n.º 1, do CPC estabelece que o prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes. O n.º 2 do artigo 138º do CPC prevê que, quando o prazo para a prática do ato processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte. O n.º 4 do referido artigo 138º consagra que os prazos para a propositura de acções previstos neste Código seguem o regime dos números anteriores. O prazo de três meses para apresentar a presente acção administrativa começou a contar no dia 01/09/2015, em virtude da sua suspensão no período de férias judiciais, e terminaria no dia 01/12/2015, que, por ser feriado, o seu termo se transferiria para o dia 02/12/2015, conforme resulta do disposto no artigo 279º, alíneas b), c) e e), do Código Civil e do artigo 138º, n.º 1, n.º 2 e n.º 4, do CPC. Acresce que, o artigo 33º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho estabelece que a acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono. (…). Conforme resulta dos pontos 3. e 5. dos factos provados, em 25/08/2015, o Autor requereu protecção jurídica na modalidade de nomeação e pagamento de compensação de patrono com vista a propor acção administrativa especial, tendo, em 07/10/2015, sido comunicado ao mandatário signatário da presente acção que foi nomeado patrono do Autor. Do ponto 9. dos factos provados resulta que, em 03/02/2016, o Autor apresentou a presente acção administrativa. Face ao supra exposto e considerando que o prazo de três meses de que o Autor dispunha para apresentar a presente acção administrativa terminava em 02/12/2015 e que requereu protecção jurídica na modalidade de nomeação e pagamento de compensação de patrono em 25/08/2015, e aderindo à fundamentação vertida no Acórdão acima citado, verifica-se que o prazo de três meses se tem por interrompido em 25/08/2015 e que o mesmo iniciou a sua contagem em 08/10/2015, tendo terminado em 07/01/2016, pelo que se verifica a excepção de caducidade do direito de acção invocada pela Entidade Demandada.
Considerando que o documento n.º 1 juntou aos autos é datado de 27/08/2015 e que o mesmo não produz qualquer efeito interruptivo ou suspensivo do prazo para apresentação da acção administrativa aqui em causa, atento o facto de o mesmo se ter interrompido em 25/08/2015, a sua contagem se ter iniciado apenas em 08/10/2015 e ter terminado em 07/01/2016, e que se está perante documento de que o Recorrente já tinha conhecimento e de que podia fazer uso nestes autos, não alterando a decisão de procedência da excepção de caducidade do direito de acção, a sua junção aos autos e os factos que dele resultam não constituem fundamento de revisão de sentença nos termos do disposto no artigo 696º, c), do CPC.
O Recorrente invocou, ainda, que, recentemente, recebeu o ofício que junta como documento n.º 2 para pagamento em prestações de dívida fiscal, ressuscitando uma dívida fiscal inexistente.
O documento n.º 2 constitui um ofício remetido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, datado de 01/04/2021, através do qual se informa que foi determinado pelo despacho n.º 1090-C/2021, de 26 de Janeiro do Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais, que a AT disponibilizará a possibilidade de pagamento em prestações das dívidas em execução fiscal.
Ora, o referido documento não pode constituir fundamento de revisão da sentença proferida nos presentes autos, porquanto não é susceptível de alterar as decisões de procedência das excepções de caducidade do direito de acção e de litispendência por não se referir a nenhuma dos factos provados que estão na origem das referidas decisões.
Por último, o Recorrente alegou, também, que a abordagem jurídica e a contextualização aduzidas na petição inicial dos presentes autos é distinta da efectuada no processo n.º 2202/15.6BELRS, não se verificando a excepção de litispendência, o que constituiria fundamento de recurso ordinário da sentença, não constituindo fundamento de revisão de sentença à luz do disposto no artigo 696º do CPC.
Face ao supra exposto, não se admite a apresentação do recurso de revisão de sentença por falta de fundamento (cf. artigos 154º, n.º 1, e 156º, n.º 1, 1ª parte, do CPTA e 696º do CPC).
Custas do incidente pelo Recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido (1UC – Tabela II-A Outros incidentes do RCP).
Notifique.
Lisboa, 02/08/2021.


II.2 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

O Autor e ora Recorrente intentou ação administrativa especial contra a decisão de cessação de benefícios fiscais da Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, na qual foi proferido o saneador-sentença revidendo, decisão na qual foram julgadas procedentes as alegadas exceções dilatórias de caducidade do direito de ação e de litispendência e se absolveu a Entidade Demandada da instância, a qual transitou em julgado.

Em 2021.05.12, no Tribunal Tributário de Lisboa, deu entrada recurso de revisão da sentença de 2020.01.10, no qual peticiona a alteração da sentença proferida, concluindo:

A) A Sentença de que se recorre andou mal ao absolver a A.T. da instância a pretexto da excepção de caducidade do direito de acção e litispendência
B) No caso da caducidade tal torna-se tão mais evidente se atentarmos em comunicação expedida pelo Recorrente em 27/08/2015
C) Estoicamente ignorada pela AT e até omissa no processo instrutor presente nos autos
D) E que o próprio Recorrente por lapso manifesto não juntou na pendência destes Autos
E) Mas que consubstanciam uma defesa, um exercício de contraditório e direito de audição em acção.
F) Não merecendo qualquer pronuncia da A.T.
G) Mas que certamente postergaria para momento posterior o prazo de reacção ao acto de cancelamento de beneficio fiscal
H) Tratando-se de documento existente à data da prolacção da sentença mas que pelas razões expostas não foi utilizado
I) E a sê-lo requereria julgamento diverso da excepção de caducidade.
J) Além do mais, recentemente recebeu nova missiva da AT, em sede de execução fiscal, para planos em prestações.
K) O que faz pressupor a existência desta pendência, pois que nenhuma outra tem o Recorrente
L) Tratando-se uma vez mais de documento novo a que só agora se teve acesso
M) No fundo, não tendo a decisão aqui recorrida reconhecido ao recorrente o seu direito a opor-se à execução, no exercício do chamado direito à ação
N) Acabando a violar os artigos 18.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1 e n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada e proclamada pela Assembleia Geral da Nações Unidas através da Resolução 217A (III), de 10 de Dezembro de 1948, 6.º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, assinada em Roma a 4 de Novembro de 1950, e 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Anexa ao Tratado de Lisboa, mas que também o está pelo art.º 2.º n.º 2 do CPC 2013
O) Ora, esgotado o prazo de recurso ordinário, restará ao Autor/Recorrente lançar mão de um recurso de revisão
P) Nos termos da alínea c) de tal preceito, a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida
Q) Os documentos juntos, se analisados, conduzirão necessariamente à revogação e revisão da sentença nos presentes autos

Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o douto suprimento de V. Exa., autuado por apenso, requer-se seja admitido e julgado procedente o presente recurso de revisão, devendo ser revogada a sentença só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

E, em 2021.08.02, foi proferida a decisão de indeferimento liminar do recurso extraordinário de revisão supratranscrita e ora recorrida.

Como já referimos supra o objeto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas consiste, pois, em saber se a decisão recorrida errou ao considerar que não estavam reunidos os requisitos de admissão do recurso de revisão, ou seja, que não havia motivo para a revisão, porquanto os documentos agora apresentados não se mostram aptos a eliminar da ordem jurídica o julgamento efetuado no âmbito da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa.

Para fundamentar o pedido, nas alegações de recurso apresentadas o Recorrente convoca o disposto no artigo 193º CPPT. No entanto, este regime não é aplicável aos recursos de ações administrativas que são regulados pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos (artigo 279/2 CPPT).

Assim o considerou a decisão recorrida, apreciando se estavam ou não reunidos os fundamentos de revisão extraordinária peticionada à luz do disposto nos artigos 154º a 156º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicando-se supletivamente o regime previsto nos artigos 696.º a 701º do Código de Processo Civil (CPC).

Apresentado o recurso compete ao juiz aferir da legitimidade ativa do apresentante do recurso, o respeito pelos prazos de interposição do recurso e da correta instrução do mesmo, mas também, aferir acerca dos fundamentos invocados no recurso e da sua efetiva verificação.

Nos termos do artigo 699/1 CPC, aplicável ex vi artigo 154/1 do CPTA, o requerimento de interposição do recurso é indeferido liminarmente quando haja reconhecimento imediato que não há motivo para revisão.

Alega o Recorrente que os dois documentos juntos com o pedido de revisão da sentença eram suficientes para modificar em sentido mais favorável a sentença a rever que julgou verificadas as exceções de caducidade do direito de ação e de litispendência e absolveu o Réu da instância, mal andando a decisão recorrida que assim não entendeu [cf. conclusões A) a D) das alegações de recurso].

Dos dois documentos a que se refere o primeiro é um documento elaborado pelo próprio e enviado por carta registada em 2015.08.27 ao Chefe de Finanças, a informar ter requerido proteção jurídica com nomeação de patrono e o segundo relativo a ofício datado de 2021.04.01 de notificação intitulado planos em prestações oficiosos – execução fiscal.

Vejamos, então, se estes dois documentos preenchem os requisitos necessários para fundamentarem um pedido de revisão.

Diz a alínea c) do artigo 696°, aplicável ex vi artigo 154/1 CPTA:

A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:
(…)
c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;
(…)

Este motivo de revisão está dependente da verificação - cumulativa - dos seguintes requisitos: (i) que o documento seja novo; (ii) que a parte não dispusesse nem tivesse conhecimento dele; (iii) que por si só implique uma modificação da decisão em sentido mais favorável à parte vencida 1.

Ora, relativamente ao primeiro daqueles documentos, além de não preencher o requisito da novidade, foi produzido pelo próprio Recorrente, pelo que dele tinha conhecimento e a não justifica a não junção atempada, em motivo que não lhe seja imputável. Ora o Recorrente conhecia o documento e não alega ou apresenta justificação para a não apresentação atempada.

Além do requisito da novidade, necessário se tornava ainda que preenchesse o requisito da suficiência (e ao contrário do que alega, consta do processo administrativo enviado com a contestação requerimento do ora Recorrente, com data de envio anterior e com idêntico teor, i. é, em que informa ter requerido proteção jurídica com nomeação de defensor). Ora, tal como decidido, o documento ora apresentado, em que informa ter requerido proteção jurídica, não tem a virtualidade de interromper o decurso do prazo, que já se encontrava interrompido, por esse mesmo motivo.

Ora, os referidos requisitos são cumulativos e o documento não é superveniente nem foi justificada a não junção oportuna. Tanto basta para se concluir que não pode fundamentar o pedido de revisão apresentado, tal como se decidiu na decisão recorrida.

Relativamente ao segundo documento, respeitante a ofício informativo de que poderá requerer o pagamento da dívida exequenda em prestações, mal se compreende, sem maior densificação, em medida é que a decisão proferida na ação deduzida contra o cancelamento dos benefícios fiscais impede o exercício do direito a opor-se à execução [cf. conclusão N) das alegações de recurso].

Com efeito, o ofício em causa, relativo à possibilidade de requerer o pagamento em prestações da dívida que está a ser exigida em processo de execução fiscal, em nada afasta o juízo de não exercício atempado do direito de ação pelo ora Recorrente, nem pode fundamentar o pedido de revisão apresentado: não tem a virtualidade de destruir a prova em que a decisão revidenda se fundou.

A sentença a rever considerou procedente a alegada exceção de caducidade do direito de ação e nenhum dos documentos apresentados implica de por si mesmo a alteração aquela decisão. O primeiro não é novo e poderia ter sido junto pelo ora Recorrente, caso tivesse atuado com a diligência devida e o segundo não tem a virtualidade de colocar em causa os factos-base da decisão.

A sentença revidenda, além de julgar procedente a exceção da caducidade do direito de ação julgou ainda verificada a exceção de litispendência, contra a qual o ora Recorrente vem apresentar argumentos de discordância com o decidido.

A revisão de sentença prevista nos artigos 696º a 702º CPC, é um expediente processual que faculta a quem tenha ficado vencido num processo anteriormente terminado a sua reabertura, mediante a invocação de certas causas taxativamente indicadas na lei 2.

Enquanto que com a interposição de qualquer recurso ordinário se pretende evitar o trânsito em julgado de uma decisão desfavorável, através do recurso extraordinário de revisão visa-se a rescisão duma decisão transitada 3..

O recurso extraordinário de revisão, à primeira vista, apresentava "o aspeto duma aberração judicial: o aspeto de atentado contra a autoridade de caso julgado". O recurso extraordinário de revisão encontra fundamento na consideração de que, bem vistas as coisas, se estava “perante uma das revelações do conflito entre as exigências da justiça e a necessidade de segurança ou da certeza”; embora, por regra, o valor de caso julgado implicasse a impossibilidade de reabertura do processo, segundo o velho aforismo, res iudicata pro veritate habetur. Podia haver circunstâncias suscetíveis de “quebrar a rigidez do princípio”, na medida em que a sentença podia ter sido "consequência de vícios de tal modo corrosivos" que se impusesse “a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio 4 .

Ora, os argumentos do ora Recorrente além de não se inserirem em nenhuma das causas taxativamente previstas na Lei, não são de molde a justificar o afastamento do princípio da segurança em nome do princípio da justiça.

Com efeito, e tal como decidido o argumento respeitante à não verificação da exceção de litispendência, além de poder ter sido apreciado em sede de recurso ordinário, sempre esbarraria com o anterior julgamento da caducidade do direito de ação, que logicamente o precede, não sendo, pois, eficaz, por si mesmo, para justificar a revisão da sentença.

Nem vislumbramos, sem maior assertividade e densificação, em que medida é que a decisão recorrida ofende os princípios de acesso aos tribunais e o direito a um julgamento justo e equitativo.

A decisão recorrida que assim decidiu não merece a censura que lhe foi feita e é de confirmar.


Sumário/Conclusões:

I. O recurso de revisão é um recurso extraordinário que visa combater um vício ou anomalia processual de especial gravidade, de entre um elenco taxativamente previsto, renovando a instância extinta pelo trânsito em julgado da sentença.
II. Os pressupostos para a admissibilidade do requerimento de recurso de revisão são aferidos no despacho liminar, que vem previsto no art.º 699/1 CPC;
III. No âmbito deste despacho liminar, comete ao juiz aferir da legitimidade ativa do apresentante do recurso, o respeito pelos prazos de interposição do recurso e da correta instrução do mesmo. Neste despacho liminar cumpre, também, aferir acerca dos fundamentos invocados no recurso e da sua efetiva verificação.
IV. Quanto a estes fundamentos, são apenas os taxativamente indicados no art.º 696.º do CPC.


III - DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida

Custas pela Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.

Lisboa, 26 de maio de 2022

Susana Barreto

Tânia Meireles da Cunha

Cristina Flora




1 Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Volume VI, 1953, pág. 353
2 FERREIRA, Fernando Amâncio, MANUAL DOS RECURSOS EM PROCESSO CIVIL, Almedina, 6ª Ed., pág. 355 e 356.
3 Id.
4 FREITAS, José Lebre de, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: Anotado, III vol., Coimbra Editora, 2003, pág. 194 e 195.