Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 1583/08.2BELRS |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 06/19/2024 |
| Relator: | TERESA COSTA ALEMÃO |
| Sumário: | I - Prescrevendo o artigo 3.º n.º 3 alínea f) do Código do IVA que não constituem transmissões sujeitas a IVA as «ofertas de pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais», não é legal o critério da Administração Tributária segundo o qual só serão como tal consideradas as ofertas que, individualmente, não excedam determinado valor e, globalmente, não ultrapassem certa percentagem do volume anual de negócios do ofertante. II – Há lugar a pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos n.º 1 e 2 do art. 43.º da LGT, no caso de ser judicialmente anulada autoliquidação efectuada de acordo com instruções genéricas da administração tributária, publicadas em circular. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO A Fazenda Pública veio interpor recurso da sentença proferida em 25 de junho de 2021 pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a Impugnação deduzida contra o indeferimento tácito dos pedidos de Revisão Oficiosa das autoliquidações de IVA dos exercícios de 2003 e 2004 e, em consequência, (I) anulou parcialmente os actos de autoliquidação de IVA, correspondentes aos meses de 2003/11 a 2004/12, na parte em que consideraram os limites propugnados pela Circular 19/89, de 18.12 e (II) ordenou a restituição à Impugnante do montante de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios. A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes: «I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por P… – C… PORTUGAL, LDA, e em consequência, anulou parcialmente os atos de autoliquidação de IVA, correspondentes aos meses de 2003/11 a 2004/12, na parte em que consideraram os limites propugnados pela Circular 19/89, de 18.12; e ordenou a restituição à Impugnante do montante de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios. II. O Douto Tribunal a quo postulou pela procedência parcial dos presentes autos de impugnação judicial por entender, em suma que “(…)as autoliquidações de IVA em apreciação reflectem o entendimento plasmado Circular nº 19/89 – tal como enunciado pela Perita nomeada e como consta das alíneas C), I) e J) do probatório –, e porque esse entendimento vai para além da densificação interpretativa do conceito indeterminado de “ofertas de pequeno valor” – consubstanciando uma regulamentação desse conceito não coberta pelas normas legais – as autoliquidações enfermam de ilegalidade, na parte em que consideraram os limites ali propugnados, o que tem como consequência a anulação parcial das mesmas e a correspondente restituição à Impugnante do montante de imposto pago em excesso (…)”. III. Ora, com o devido respeito que é muito, não pode a Recorrente conformar-se com o teor da Sentença proferida por considerar que a mesma incorreu em erro de julgamento, ao não manter, na ordem jurídica os atos de autoliquidações de IVA, ora em crise, com os fundamentos que infra se aduzem. IV. Num ambiente cada vez mais concorrencial, é legítimo que as sociedades comerciais adotem estratégias que lhe possibilitem chegar mais rápida e eficazmente ao mercado, adotando soluções a nível de marketing e de publicidade em ordem a atingir tal desiderato, de onde brotam, entre outras, a disponibilização de amostras e ofertas de pequeno valor. V. Por tais amostras e ofertas as sociedades deduzem o IVA correspondente à aquisição de tais produtos, mas não o liquidam aquando da transmissão aos beneficiários de tais amostras e ofertas, o que constitui, como sabemos, excepção à tributação em sede de IVA, por força do preceituado na alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA ( na redação à data dos factos). VI. Contudo, na solução legislativa constante da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA foram utilizados conceitos indeterminados, com vista à sua flexibilização e aplicação às necessidades dos casos concretos, o que importou o nascimento da circular n.º 19/89, de 18 de dezembro, no sentido de uniformizar a solução legal e de conferir um tratamento igualitário no interesse dos próprios operadores económicos, de forma a evitar abusos que fossem suscetíveis de conduzir à fraude e à evasão fiscal. VII. Tal instrução administrativa veio definir o conceito de pequeno valor e de limite máximo a considerar, para efeitos de tributação: “3. Para a conceituação do “pequeno valor” a aplicar às ofertas, que não às amostras, considerar-se-á tal valor como não podendo ultrapassar unitariamente o montante de 3 000$00 (IVA incluído), considerando-se ainda em termos globais, que o valor anual de tais ofertas não poderá exceder 5%0 (cinco por mil) do volume de negócios, com referência ao ano anterior, sem qualquer limite em termos de valores absolutos. No caso de início de atividade, a permilagem referida aplicar-se-á aos valores esperados, sem prejuízo de retificação a efetuar na última declaração periódica a apresentar no ano de início, se os valores definitivamente forem inferiores aos valores esperados”. VIII. Nos pontos 5 e 6 da referida Circular é ainda previsto, respetivamente que: a. “Nestes termos, as transmissões gratuitas de amostras, qualquer que seja o seu valor, e as ofertas, nos limites estabelecidos nos números anteriores, não serão tributáveis, ainda que se tenha procedido à dedução do respetivo imposto suportado a montante. b. “No caso de a oferta, em termos unitários, ultrapassar os 3 000$00 ou quando, em termos globais, foi ultrapassado o limite referido em 3, haverá obrigatoriedade de liquidação de imposto que recairá sobre o valor atribuído à oferta, salvo naturalmente, se não tiver sido exercido o direito à dedução do correspondente imposto suportado a montante”. IX. Assim, tal instrução passou a considerar que se consideram ofertas e amostras de pequeno valor as que, unitariamente, não ultrapassem o montante de € 14,96, e cujo valor anual não exceda 5%0 (5/1000), do volume de negócios do exercício anterior e teve como finalidade imanente a harmonização desta disposição legal com o Plano Oficial de Contas e a nova terminologia da tributação do rendimento, decorrente da reforma fiscal que institui os atuais códigos do IRS e do IRC. X. E contrariamente ao que postulou o Douto Tribunal a quo, o critério fixado pela AT, na circular n.º 19/89, de 18 de dezembro, afigura-se o mais objectivo e funda-se na lei por apelo às normas constantes do POC, cfr. acórdão do TCA Sul de 30-03-2004, rec. n.º 00444/03. XI. Ou seja, no âmbito das regras contabilísticas, a lei confere à AT, a competência para determinar o conceito das amostras e ofertas, e acordo com determinados critérios e segundo parâmetros de razoabilidade, sendo que na fixação de tais critérios, o objectivo sufragado pela administração tributária é fazer variar a matéria tributável em função do volume de negócios, o que foi trazido em função da larga experiência da administração acumulada na análise e cruzamentos de elementos em vários sectores económicos. XII. No fundo, o que a AT pretendeu com a emanação de tal instrução administrativa foi o de dar cumprimento do princípio da tributação do rendimento real, enquanto princípio estruturante do ordenamento jurídico tributário (cfr. artigo 103.º da CRP), porquanto, no que concerne às sociedades comerciais, a sua capacidade contributiva é revelada fundamentalmente pelo seu lucro real, por opção legal e constitucional (cfr. n.º 2 do artigo 104.º da CRP). XIII. E ainda se deve fazer notar que a implementação da circular n.º 19/89, de 18 de dezembro, teve como escopo a obtenção da igualdade de tratamento a todos os operadores económicos, através da aplicação uniforme da mesma regra jurídica, cfr. acórdão do TCA Sul de 30-03-2004, rec. n.º 00444/03. XIV. Portanto, o critério que foi utilizado na circular n.º 19/89, de 18 de dezembro mostra-se perfeitamente objectivo e conforme à lei, fazendo variar a matéria tributável em função do volume de negócios (5/1000) e respeitando integralmente o princípio da igualdade, o que não deixou de ser evidenciado pela jurisprudência, designadamente pelos acórdãos do TCA Sul de 30-03-2004 e de 25-05-2004, recs. n.ºs 00444/03 e 01330/03, respetivamente. XV. O que equivale a dizer que a interpretação da administração tributária, realizada na circular n.º 19/89, de 18 de dezembro, respeita em absoluto a lei e o princípio da igualdade, através da aplicação do princípio da tributação efetiva do rendimento real, nos termos do disposto no artigo 103.º da CRP, pelo que as liquidações emanadas sob a sua égide, e aqui controvertidas, devem ser mantidas. XVI. Até porque, convém não olvidar que a partir de 01-01-2008, com redação trazida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, o CIVA veio a transformar em texto legal, sem reservas, o entendimento anteriormente postulado nesta instrução administrativa. XVII. Por fim, cumpre dizer que os atos tributários impugnados foram produzidos de forma correta e legalmente vinculada, não se verificando qualquer erro imputável aos serviços, pelo que não se mostram reunidos os pressupostos legais previstos no artigo 43.º da LGT. XVIII. O Douto Tribunal a quo, ao decidir como efetivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria jurídica relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais. Ø Do pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça XIX. No âmbito da sentença proferida foi fixado pelo Tribunal a quo, à causa, o valor de € 502.603,34, para efeito de apuramento de taxa de justiça (cfr. art.º 11 e 6.º n.º 1 do RCP). XX. E para efeitos do artigo 15.º, n.º 2 do RCP, a FP já procedeu ao pagamento da taxa de Justiça no valor de € 1632,00, conforme decorre das fls. 465 do SITAF. XXI. Deste modo, considerando a eventualidade de ser entendido que, no caso em apreço, se verificam os pressupostos suscetíveis de fundamentar a aplicação da faculdade prevista na norma supra transcrita, requer-se a V. Exas, se tal for considerado oportuno, se dignem a aferir da suscetibilidade de dispensar o pagamento da taxa de justiça correspondente ao valor que extravasa o montante de €275.000,00. Valor: € 502.603,34 Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença na parte recorrida, como é de Direito e Justiça.» **** A Recorrida, P… - C… PORTUGAL, LDA, notificada para o efeito, apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
«A. Está em causa nos presentes autos aferir se os limites impostos pela Administração Tributária – através da Circular n.º 19/89, emitida pela Direcção-Geral dos Impostos, em 18 de Dezembro - ao conceito de “oferta” de “pequeno valor” com base nos quais a Recorrida autoliquidou IVA (em excesso) eram, ou não, admissíveis à luz da Ordem Jurídica Portuguesa. B. A resposta, como se demonstrou nos presentes autos e decidiu Tribunal recorrido, é negativa. C. À semelhança do que sucede com a legislação Europeia, o legislador nacional não definiu o conceito de “oferta de pequeno valor” mantendo-o, assim, como um conceito indeterminado. D. À data, a concretização do referido conceito foi levada a efeito, entre nós, pela citada Circular e devidamente publicitada a qual, administrativamente, definiu o limite quantitativo das “ofertas de pequeno valor”, fixando-o em 14,96 Euros (IVA excluído) por unidade, tendo fixado ainda um limite global de 5‰ do volume de negócios do ano anterior. E. Esta Doutrina Administrativa vigorou desde 1989, não sendo alvo de qualquer alteração ou actualização, condicionando, assim, ao longo de mais de 18 anos, o enquadramento em IVA que os sujeitos passivos, entre os quais a Recorrida, conferiam às ofertas de bens realizadas. F. Os sujeitos passivos que não agiram em conformidade com esse entendimento foram objecto de liquidações adicionais de imposto, conforme se poderá comprovar pelos inúmeros processos relacionados com a temática do IVA das ofertas que se encontram em litígio, quer no âmbito de processos graciosos, quer judiciais. G. As dúvidas existentes sobre a legalidade da referida Circular n.º 19/89, seja na Doutrina, seja na Jurisprudência ficaram definitivamente esclarecidas com os desenvolvimentos jurisprudenciais ocorridos em 2007, ano em que o Supremo Tribunal Administrativo foi chamado a pronunciar-se sobre a validade do limite de ofertas de pequeno valor fixado em função do volume de negócios, consagrado na antedita Circular n.º 19/89, de 18 de Dezembro, decidindo, invariavelmente, pela respectiva inconstitucionalidade. H. A título de exemplo, o Acórdão desse Supremo Tribunal proferido em 21 de Março de 2007, no âmbito do processo n.º 1180/06 (JORGE DE SOUSA), onde se refere “ipsis verbis” que: “a referida Circular n.º 19/89, no ponto em apreço, é material e organicamente inconstitucional, pois contém uma regra de incidência objectiva de IVA que não foi criada por diploma emanado da Assembleia da República, em matéria que se insere na reserva relativa de competência legislativa desta (arts. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP, na redacção vigente (…)”. I. No mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 11 de Abril de 2007 e proferido no âmbito do processo n.º 035/07, (BAETA DE QUEIRÓS) onde se refere: “não é conforme à lei um critério que ignore as diferenças dos usos comerciais de acordo com o ramo de actividade e o valor do negócio com que a oferta se relaciona. Como é o caso de um critério que exclua da excepção da parte final da alínea f) citada todas as ofertas que, globalmente, e independentemente do valor de cada uma delas e dos usos comerciais próprios da actividade comercial em que se insiram, excedam uma determinada percentagem do volume de negócios do ofertante.”. J. Tal entendimento constitui, desde então, Jurisprudência pacífica e aceite, de tal modo que foi reiterado em diversos acórdãos posteriores, de que são exemplo os proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo no âmbito dos processos n.ºs. 36/07 (ANTÓNIO CALHAU), 53/07 (BAETA DE QUEIROZ) e 54/07 (ANTÓNIO CALHAU), todos de 26 de Abril de 2007, 106/07, de 2 de Maio de 2007 (BAETA DE QUEIROZ), 1167/06, de 16 de Maio de 2007 (BAETA DE QUEIROZ) e 52/07, de 23 de Maio de 2007 (LÚCIO BARBOSA) ou, mais recentemente, o Acórdão do STA datado de 30/10/2019, proferido no âmbito do processo 0216/10.1BESNT (ARAGÃO SEIA). K. Subsumindo a Jurisprudência acima invocada ao caso em apreço, resulta evidente que as autoliquidações efectuadas pela Recorrida nos anos de 2003 e 2004, continham imposto liquidado em excesso. L. Ao decidir com base nesta Jurisprudência – pacífica – nenhuma censura merece a decisão do Tribunal Recorrido que, assim, se deve manter na Ordem Jurídica. NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO AO CASO APLICÁVEIS QUE V.EXAS, VENERANDOS DESEMBARGADORES DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE POR NÃO PROVADO CONFIRMANDO-SE, EM CONSEQUÊNCIA, A SENTENÇA RECORRIDA. Só assim se fazendo a costumada, Justiça!» **** **** Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, a questão fundamental a decidir é a de saber se a sentença recorrida errou no seu julgamento de direito quando concluiu pela anulação parcial das autoliquidações de IVA e, caso se conclua que não, se estão reunidos os requisitos para a dispensa do remanescente da taxa de justiça. **** Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta. **** II. FUNDAMENTAÇÃOII.1. De facto A decisão recorrida julgou demonstrada a seguinte factualidade: «Com relevo para a decisão da causa, dão-se por provados os factos a seguir indicados: A) A Impugnante é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à actividade de comércio por grosso de perfumes e produtos de higiene (CAE 46450), estando enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal de periodicidade mensal (cfr. artigo 8º da contestação, não controvertido); B) No âmbito da sua actividade, a Impugnante procedeu à aquisição de artigos destinados a oferta aos clientes, quer bens do mesmo tipo dos que comercializava, quer bens de natureza diversa, como bonés, t-shirts, malas, sacos solares, raquetes de praia, chapéus de chuva (cfr. relatório pericial, págs. 4 e 5 e depoimento das testemunhas); C) Nos exercícios de 2003 e 2004, e com reflexo nas autoliquidações de IVA apresentadas, a Impugnante concedeu o seguinte tratamento fiscal aos artigos para oferta a clientes: > Bens do mesmo tipo dos comercializados pela Impugnante A empresa adquiria os bens de dermocosmética (cremes, loções de tratamento, shampoos, etc.) ao mercado comunitário e procedia à autoliquidação e simultânea dedução do IVA. Ao exercer a dedução, os bens da empresa ficavam desonerados do imposto, inexistindo, neste momento, qualquer impacto a considerar. A maior parte dos bens adquiridos eram, depois, comercializados/vendidos pela empresa aos clientes. Apenas uma parcela residual era oferecida a clientes actuais e potenciais. Quando ocorria a referida oferta de bens aos clientes, caso o valor total das ofertas efectuadas no ano civil, até esse momento, excedesse 0,5% do volume de vendas da empresa registado no ano anterior, procedia-se à liquidação do IVA, à taxa de 19%, sobre o custo de aquisição dos bens ofertados. Os referidos bens, nos anos 2003 e 2004, nunca tiveram valor unitário superior a € 14,96. Assim, sempre que ultrapassado o limite de 0,5% do volume de negócios do ano anterior, a oferta de bens aos clientes dava lugar ao encargo adicional do IVA liquidado sobre o valor (de custo) dos bens oferecidos. Este IVA adicional era reportado no Quadro 06, campo 4 da declaração periódica de IVA. A respectiva base era reportada no Quadro 06, campo 3. > Bens de natureza diversa dos comercializados pela Impugnante Tratava-se de brindes publicitários - bonés, t-shirts, malas, bolsas de cinto, etc. - especificamente adquiridos para serem oferecidos aos clientes. Os bens eram adquiridos no mercado português a fornecedores nacionais, que liquidavam IVA nas facturas de venda à empresa. Quando da recepção das facturas a empresa apenas deduzia/recuperava o IVA que lhe havido sido facturado pelos fornecedores quando o valor dos bens (IVA excluído) era igual ou inferior a € 14,96 e, cumulativamente, se não tivesse ainda sido excedido o limite percentual de ofertas acima referido, de 0,5% do volume de negócios da empresa do ano civil anterior. A importância do IVA deduzido/recuperado - referente a ofertas de valor igual ou inferior a € 14,96 e cujo valor global ainda não tivesse excedido 0,5% do volume de negócios do ano anterior - foi declarada no Quadro 06, campo 24 da declaração periódica de IVA. O IVA que não foi deduzido não foi objecto de reporte na declaração de IVA, uma vez que esta não dispõe de campo para tal. (Cfr. Relatório pericial a fls.193 e seguintes dos autos, que se dá por integralmente reproduzido); D) Nos exercícios de 2003 e 2004, a Impugnante apresentou as seguintes declarações periódicas de IVA, correspondentes à autoliquidação de imposto: E) Em 28.12.2007, a Impugnante apresentou, junto da Direcção de Finanças de Lisboa, pedido de revisão oficiosa das autoliquidações de IVA realizadas no ano de 2003, invocando, designadamente, jurisprudência nacional que considerou inconstitucional o limite abstracto de 50/00 do volume de negócios do ano anterior, por violação do princípio da legalidade tributária, peticionando, a final, “A revisão do IVA autoliquidado em excesso pela Requerente nas ofertas efectuadas em 2003 e, bem assim, do IVA não deduzido na aquisição de artigos para ofertas no valor global de € 261.940,68, procedendo-se ao reembolso do respectivo montante, com as legais consequências” (cfr. Doc. 4 junto com a p.i. e fls. 8 a 56 do PA apenso, que se dá aqui por integralmente reproduzido); F) Em 31.01.2008, a Impugnante apresentou, junto da Direcção de Finanças de Lisboa, nos mesmos termos a que se refere a alínea anterior, pedido de revisão oficiosa das autoliquidações de IVA realizadas no exercício de 2004 (cfr. Doc. 4 junto com a p.i. e fls. 68 a 116 do PA apenso, que se dá aqui por integralmente reproduzido); G) Por despacho do substituto legal do Director-Geral, datado de 21.01.2009, foi indeferido o pedido de revisão oficiosa antecedente (respeitante a IVA de 2004), com base na informação nº 1027 de 12.01.2009, elaborada pela Direcção de Serviços de IVA, que parcialmente se transcreve: “(…) III – ENQUADRAMENTO DAS OFERTAS PARA EFEITOS DE IVA (…) 19. Porém, é certo que dúvidas se colocaram na interpretação do disposto na alínea f) do n° 3 do art° 3º do CIVA, nomeadamente no alcance das expressões "amostras" e "ofertas de pequeno valor", umas e outras acompanhadas da qualificação de estarem "em conformidade com os usos comerciais", razão pela qual se regulamentou de forma adequada (circular 3/87 de 87.02,09), definindo tais conceitos por forma a que as empresas conhecessem as orientações da Administração Fiscal, ficando deste modo, cientes dos limites que foram estabelecidos e imunes a interpretações casuísticas dependentes da apreciação mais ou menos pessoal dos agentes fiscalizadores. 20. Assim, a doutrina administrativa sobre o assunto foi fixada, inicialmente peia circular n° 3/87, de 9 de Fevereiro, posteriormente alterada pela circular n° 19/89 de 18 de Dezembro, referindo-se que as ofertas podem ser constituídas por bens comercializados ou produzidos pela própria empresa ou por bens adquiridos a terceiros. 21. Segundo a Circular n° 19, de 18.12.1989 da Direcção de Serviços do IVA, para aplicar a partir de 1 de Janeiro de 1990, foi definido o conceito de pequeno valor e de limite máximo a considerar, para efeitos de tributação; «3. Para a conceituação do ''pequeno valor” a aplicar às ofertas, que não às amostras, considerar-se-á tal valor como não podendo ultrapassar unitariamente o montante de 3.000$00 (IVA excluído), considerando-se ainda, em termos globais, que o valor anual de tais ofertas não poderá exceder 5%o (cinco por mil) do volume de negócios, com referência ao ano anterior, sem qualquer limite em termos de valores absolutos. (…). (…) 23. Está ainda previsto nos pontos 5 e 6 da referida Circular, respectivamente, que: "Nestes termos, as transmissões gratuitas de amostras, qualquer que seja o seu valor, e as ofertas, nos limites estabelecidos nos números anteriores, não serão tributáveis, ainda que se tenha procedido à dedução do respectivo imposto suportado a montante." "No caso de a oferta, em termos unitários, ultrapassar os 3.000$00 ou quando, em termos globais, for ultrapassado o limite referido em 3, haverá obrigatoriedade de liquidação de imposto que recairá sobre o valor atribuído à oferta, salvo, naturalmente, se não tiver sido exercido o direito à dedução do correspondente imposto suportado a montante.” (…) IV - GARANTIAS DO CONTRIBUINTE / TEMPESTIVIDADE DO PEDIDO 30. Os contribuintes podem pedir a revisão oficiosa de acto tributário, tal como resulta da letra da lei - art° 78º, nº 1 da LGT e art° 86º, nº 4 alínea a) do CPPT - bem como do princípio da legalidade da Administração - art° 266º, n° 2 da CRP e do correlativo poder/dever de decisão ou pronuncia - art° 9º do CPA. 31. De harmonia com o preceituado no art° 78° da LGT, o prazo de revisão varia, conforme o fundamento daquela, sendo que, no caso em apreço, não se poderá falar de erro imputável aos serviços, pelo que os mecanismos legais ao dispor do contribuinte se encontram ultrapassados, pelo facto dos prazos se encontrarem excedidos. 32. Também, o referido artigo 78º, n° 2 da LGT, que equipara o erro na autoliquidação a erro imputável aos serviços, não é aplicável a esta situação em concreto, na medida em que se deve considerar que a expressão “erro na autoliquidação” não engloba a regularização de imposto contido em documentos que se apresentam já registados na contabilidade e, no caso, em conformidade com a doutrina administrativa vigente, constante da circular n° 19/89. (…) 35. O requerente entende que o pedido foi entregue atempadamente tendo em conta a jurisprudência constante do acórdão do STA, de 11.05.2005 (Proc. 0319/05) que refere, quanto à tempestividade do pedido de revisão; " O art° 78° da LGT prevê a revisão do acto tributário «por iniciativa do sujeito passivo» ou «da administração tributária», aquela «no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade», e esta «no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços». Todavia, tal não significa que o contribuinte não possa, no prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão”. (…) VI-CONCLUSÕES 38. Em face do exposto nos pontos anteriores e considerando que o pedido de revisão apresentado é merecedor de análise, concluiremos o seguinte, relativamente ao pretendido e evocado pelo requerente: - A assimilação a operações onerosas de determinadas operações gratuitas, sejam elas transmissões de bens ou prestações de serviços, resultou da preocupação de que todo o consumo seja tributado. Não sendo assim e tendo as empresas cedentes dos bens ou serviços direito a dedução do IVA suportado nas aquisições, as operações que realizassem gratuitamente seriam totalmente desoneradas de qualquer imposto, logo uma porta aberta à evasão e fraude fiscais, pelo que foram criadas orientações administrativas nesta matéria, às quais as empresas deveriam submeter-se. - Sempre a Administração esteve vinculada às várias instruções administrativas, emanadas superiormente e, em matéria de ofertas, às constantes da referida circular n° 19/89, pelo que a legislação e a doutrina aduzidas na presente informação constituem a base legal à data da ocorrência dos factos até à recente alteração, introduzida à alínea f) do art° 3º do CIVA (Lei n° 67-A/2007, de 31/12) e ao aditamento do nº 7 do mesmo artigo (Regulamentado peja Portaria n° 497/2007 de 24 de Junho). - Verifica-se que com esta alteração ao art° 3º do CIVA, o entendimento que vinha sendo seguido nesta matéria, acabou por ser vertido na lei, tendo sido apenas introduzido um novo valor unitário, de € 50,00, mantendo-se, no entanto, o referido limite anual de 5%o (cinco por mil). - O exponente diz ter dado cumprimento à doutrina veiculada pela referida circular n° 19/89, relativamente às operações que são objecto de análise na presente informação, pretendendo agora, ver efectuada a revisão da autoliquidação de IVA, com base na decisão proferida no acórdão do STA de 26 de Abril de 2007, que, numa situação concreta, veio a considerar inconstitucional o limite de 5%o (cinco por mil) do volume de negócios do ano anterior, estabelecido na circular em causa. - No entanto, o erro na autoliquidação, previsto no n°2 do art° 78° da LGT, que o equipara a erro imputável aos serviços e que permitiria a revisão no prazo de quatro anos, em nosso entender não se aplica a esta situação em concreto, tal como referimos no ponto 32 da presente informação, por não englobar a regularização de imposto contido em documentos já contabilizados. - Ainda, relativamente ao facto do sujeito passivo referir que não foi exercido o direito à dedução na aquisição de artigos para oferta a fornecedores nacionais, poderia, em tempo, ter solicitado autorização para efectuar essa regularização relativamente ao ano de 2004, nos termos do n° 7 do art° 71º do CIVA, então em vigor. Não o tendo feito e com as alterações posteriormente introduzidas pelo art° 12° da Lei n° 39-A/2005, de 29 de Julho, cuja entrada em vigor se verificou no dia 3 de Agosto de 2005, que vieram alterar a redacção do nº 6 do art° 71° do CIVA e revogar o n° 7 do mesmo artigo (àquela data em vigor) e tendo, somente, solicitado essa regularização, no presente pedido de revisão, em 2008.01.02, data em que, também já se encontra ultrapassado o prazo de dois anos previsto no n° 6 do art° 78° do CIVA (anterior n° 6 do art° 71°), o pedido não poderá merecer deferimento por falta de apoio legal. 39. Assim sendo, por tudo o que se disse, a posição sustentada pelo recorrente, no presente pedido de revisão, não poderá merecer acolhimento em relação às suas pretensões, ou seja, ser reembolsado do imposto que entregou em excesso, ao Estado, referente ao ano de 2004, por ter dado cumprimento à referida circular n° 19/89, a cuja disciplina estava obrigada, à data da ocorrência dos factos.” (Cfr. fls. 58 a 67do PA apenso, que se dá aqui por integralmente reproduzido); H) A presente acção foi remetida a este tribunal por correio registado, expedido em 26.09.2009 (cfr. fls. 79 dos autos). Mais se provou que: I) No ano de 2003, a empresa entregou uma prestação tributária de IVA ao Estado referente às ofertas aos seus clientes assente na: (a) Não dedução de IVA, à taxa de 5% e de 19%, relativa a bens adquiridos para oferta cujo valor unitário (excluindo o IVA) excedesse € 14,96 ou, independentemente desse valor, se o valor global das ofertas (excluindo o IVA) já tivesse atingido 0,5% do volume de negócios registado no ano 2002; O valor total do IVA incorrido com a aquisição de bens (para oferta) a fornecedores nacionais cifrou-se, no ano 2003, em € 210.537,66. (b) Autoliquidação de IVA referente a ofertas de bens adquiridos ao mercado comunitário, à taxa de 19%, no momento de concretização dessas ofertas, sempre que as mesmas ultrapassassem, no seu valor global, o limite percentual de 0,5% do volume de negócios registado no ano 2002. No ano 2003, o IVA autoliquidado pela Empresa nas ofertas de bens adquiridos ao mercado comunitário ascendeu a € 107.771,84. Por conseguinte, perfaz o total de € 318.309,50. Durante o exercício de 2004, a empresa entregou uma prestação tributária de IVA ao Estado referente às ofertas aos seus clientes assente na: (c) Não dedução de IVA, à taxa de 19%, relativo a bens adquiridos para oferta cujo valor unitário (excluindo o IVA) excedesse € 14,96 ou, independentemente desse valor, se o valor global das ofertas (excluindo o IVA) já tivesse atingido 0,5% do volume de negócios registado no ano 2003; O valor total do IVA incorrido com a aquisição de bens (para oferta) a fornecedores nacionais cifrou-se, no ano 2004, em € 148.964,57. (d) Autoliquidação de IVA referente a ofertas de bens adquiridos ao mercado comunitário, à taxa de 19%, no momento de concretização dessas ofertas, sempre que as mesmas ultrapassassem, no seu valor global, o limite percentual de 0,5% do volume de negócios registado no ano 2003. No ano 2004, o IVA autoliquidado pela Empresa nas ofertas de bens adquiridos ao mercado comunitário ascendeu a € 127.642,21 Nestes termos, perfaz o total de € 276.606,78. (Cfr. Relatório pericial a fls. 191 a 288 dos autos); J) A observância dos limites da Circular nº 19/89, de 18.12, pela Impugnante, deu origem a uma prestação tributária adicional de IVA no montante total de € 594.916,28, ou seja, superior a € 502.603,34 (se mantido o limite unitário de € 14,96 e apenas não respeitando o limite global de 0,5% do volume de negócios). O montante de € 502.603,34 decompõe-se nos seguintes moldes: Ano 2003 i. IVA não deduzido - quando da aquisição = € 154.168, 84 3 ii. IVA autoliquidado - com a oferta dos bens = € 107.771,84 Ano 2004 i. IVA não deduzido - quando da aquisição = € 113.020,45 ii. IVA autoliquidado - com a oferta dos bens = € 127.642,21 [Se não tivesse sido aplicado qualquer limite, unitário ou global, o valor da prestação de IVA em excesso equivale a € 594.916,28]. (Cfr. Relatório pericial a fls. 191 a 288 dos autos).» **** «-Não se provou que o despacho e informação a que alude a alínea G) supra tenham sido notificados à Impugnante; - Não se provou que tenha recaído sobre o pedido de revisão oficiosa respeitante a 2003 alguma informação ou decisão por parte da AT.» **** «Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental constante dos autos e processo administrativo apenso, bem como no relatório pericial, não impugnados, conforme especificado em cada uma das alíneas supra. A prova testemunhal produzida, embora não essencial para a fixação dos factos – porquanto o acervo documental carreado para os autos, e o relatório pericial, se revelaram suficientes para traçar a factualidade a considerar –, as testemunhas M…, H… e H…, respectivamente, directora financeira, directora de operações e aprovisionamento e director comercial e de marketing da Impugnante, corroboraram que a Impugnante faz regularmente ofertas aos clientes, dando disso diversos exemplos, como sacos solares de praia, raquetes de praia, escovas de cabelo, chapéus de chuva, etc., com custo unitário reduzido (rondando € 2/€ 3), em linha com o que fazem todos os seus concorrentes, coincidindo todos eles em que o mercado dermo-cosmético é “altamente promocional”, e que a inexistência dessas ofertas penaliza o volume de vendas. A testemunha M…, directora financeira, explicitou ainda o tratamento fiscal que era dado em sede de IVA às ofertas a clientes, o que corresponde ao descrito no relatório pericial. Relativamente aos factos não provados, nenhuma prova consta dos autos a respeito, tendo o Impugnante alegado que apenas tomou conhecimento do despacho e informação descritos na alínea G) do probatório aquando da junção aos autos do processo administrativo tributário. O referido processo administrativo, em apenso, não contém nem prova da remessa/notificação dos mencionados actos à Impugnante, nem tão pouco qualquer acto/informação/decisão atinente ao pedido de revisão oficiosa das liquidações de IVA de 2003.» ***** Na sequência do indeferimento de um pedido de revisão oficiosa das autoliquidações de IVA dos anos de 2003 e 2004, a ora Recorrida impugnou tais autoliquidações, pedindo a restituição do montante pago em excesso, insurgindo-se contra a aplicação dos limites estabelecidos na Circular n.º 19/89, de 18-12, no que se refere às ofertas de pequeno valor, e que teve em consideração nas autoliquidações de IVA que efectuou durante os anos de 2003 e 2004, invocando, para tanto, a existência de jurisprudência consolidada que considerou a referida Circular ilegal e inconstitucional. Para o que importa para o presente recurso, a sentença recorrida entendeu que “porque as autoliquidações de IVA em apreciação reflectem o entendimento plasmado Circular nº 19/89 – tal como enunciado pela Perita nomeada e como consta das alíneas C), I) e J) do probatório –, e porque esse entendimento vai para além da densificação interpretativa do conceito indeterminado de “ofertas de pequeno valor” – consubstanciando uma regulamentação desse conceito não coberta pelas normas legais – as autoliquidações enfermam de ilegalidade, na parte em que consideraram os limites ali propugnados, o que tem como consequência a anulação parcial das mesmas e a correspondente restituição à Impugnante do montante de imposto pago em excesso.” Não concordando com tal entendimento, vem a FP recorrer para este Tribunal, concluindo, em suma, que “no âmbito das regras contabilísticas, a lei confere à AT, a competência para determinar o conceito das amostras e ofertas, e acordo com determinados critérios e segundo parâmetros de razoabilidade, sendo que na fixação de tais critérios, o objectivo sufragado pela administração tributária é fazer variar a matéria tributável em função do volume de negócios, o que foi trazido em função da larga experiência da administração acumulada na análise e cruzamentos de elementos em vários sectores económicos.”; que “No fundo, o que a AT pretendeu com a emanação de tal instrução administrativa foi o de dar cumprimento do princípio da tributação do rendimento real, enquanto princípio estruturante do ordenamento jurídico tributário (cfr. artigo 103.º da CRP), porquanto, no que concerne às sociedades comerciais, a sua capacidade contributiva é revelada fundamentalmente pelo seu lucro real, por opção legal e constitucional (cfr. n.º 2 do artigo 104.º da CRP).”; que “a implementação da circular n.º 19/89, de 18 de dezembro, teve como escopo a obtenção da igualdade de tratamento a todos os operadores económicos, através da aplicação uniforme da mesma regra jurídica, cfr. acórdão do TCA Sul de 30-03-2004, rec. n.º 00444/03.”, “Portanto, o critério que foi utilizado na circular n.º 19/89, de 18 de dezembro mostra-se perfeitamente objectivo e conforme à lei, fazendo variar a matéria tributável em função do volume de negócios (5/1000) e respeitando integralmente o princípio da igualdade, o que não deixou de ser evidenciado pela jurisprudência, designadamente pelos acórdãos do TCA Sul de 30-03-2004 e de 25-05-2004, recs. n.ºs 00444/03 e 01330/03, respetivamente.”, “O que equivale a dizer que a interpretação da administração tributária, realizada na circular n.º 19/89, de 18 de dezembro, respeita em absoluto a lei e o princípio da igualdade, através da aplicação do princípio da tributação efetiva do rendimento real, nos termos do disposto no artigo 103.º da CRP, pelo que as liquidações emanadas sob a sua égide, e aqui controvertidas, devem ser mantidas.” Como se viu, a discordância da Recorrente com a decisão do tribunal a quo, não acompanhada pela Recorrida, prende-se apenas com a questão de saber se os limites impostos pela Administração Tributária – através da Circular n.º 19/89, de 18 de Dezembro - ao conceito de “oferta de pequeno valor” eram, ou não, admissíveis à luz da Ordem Jurídica Portuguesa. Ora, quanto a tal questão a jurisprudência dos tribunais superiores tem sido constante nesta matéria, nomeadamente, a do STA, pelo que, por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica aduzida no mais recente acórdão do STA nesta matéria, de 30-10-2019, proferido no processo n.º 0216/10.1BESNT: “(…) A questão que vem colocada pela recorrente foi decidida na sentença recorrida segundo a jurisprudência uniforme que este Supremo Tribunal tem assumido nos vários acórdãos aí citados. Não se vêem razões de facto ou de direito para que agora se possa decidir de modo diferente, face às normas legais que então se encontravam vigentes (dispunha o art. 3º, n.º 3, alínea f), do C.I.V.A., que consideram-se ainda transmissões de bens sujeitas a imposto, a transmissão gratuita de bens da empresa, ressalvados os casos das “amostras e as ofertas de pequeno valor, em conformidade com os usos comerciais). Como bem refere o Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu bem elaborado parecer, e em jeito de conclusão, podemos dizer que, como ...se alcança da jurisprudência do STA sobre esta matéria e supra assinalada, este tribunal tem considerado que: «Tudo o que a lei permite e impõe à Administração é que preencha os conceitos de «pequeno valor» e de «usos comerciais»; já lhe não consente que acresça uma exigência não atinente a nenhum daqueles conceitos, consubstanciada num limite total de valor por referência ao volume dos negócios efectuados, sem qualquer relação com o valor da oferta e os usos comerciais em vigor na actividade do ofertante» (acórdão do STA de 21/11/2007, proc. 0709/07). E na verdade, na apreciação que os Serviços de Inspeção Tributária fizeram sobre a situação, os mesmos limitaram-se a constatar que o valor das ofertas excedia o valor de 5 por mil do volume de negócios e a excluir o valor excedente das ofertas da previsão da norma, sem que seja adiantada qualquer justificação plausível para tal asserção, a não ser a invocação da circular nº 19/89. Ora, se é certo que na redação do nº 7 do artigo 3º do CIVA, na redação introduzida pela Lei nº 67-A/2007, o legislador previu dois limites quantitativos na concretização do conceito “ofertas de pequeno valor”, tal como decorria da circular nº 19/89, o mesmo não é dizer que estamos perante uma norma interpretativa daquele conceito, mas tão só uma sua concretização, que antes não havia sido feita. Com efeito, se é possível estabelecer tais limitações, sem pôr em causa o espírito da Diretiva IVA, também é certo que a limitação global anual do valor das ofertas não resulta de uma operação interpretativa do referido conceito legal. Antes se trata de uma regulamentação efetuada pela Administração Tributária que, ainda que com o fim de obstar a fraudes ou abusos, não era comportada pela letra da lei. E nessa medida a densificação do conceito legal tendo por base tais parâmetros implica a violação do disposto no artigo 3º, nº 3, alínea f) do CIVA, cuja ilegalidade inquina os atos tributários que lhe estão adjacentes, como se entendeu na sentença recorrida. Não há dúvida, assim, que no caso concreto dos autos a aplicação da doutrina da circular nº 19/89 de 18 de dezembro configura uma operação que vai para além da densificação interpretativa do conceito indeterminado de “ofertas de pequeno valor”, e antes consubstancia uma regulamentação desse conceito não coberta pelas regras interpretativas, o que inquina a validade do acto de liquidação que nela suportou, tendo como consequência a sua anulação.” No mesmo sentido, e para além do citado na sentença recorrida, veja-se, por exemplo, também os Acórdãos do STA de 21-11-2007, proc. n.º 6709/07, de 15-10-2008, proc. n.º 0470/08, de 14-07-2008, proc. n.º 0204/08, de 18-09-2008, proc. 0202/08, de 14-07-2008, proc. n.º 0203/08, de 12-06-2007, proc. n.º 0339/07 e de 26-04-2007, proc. 07/07. Não sofre, pois, qualquer dúvida que a decisão recorrida, que acompanhou a jurisprudência citada, não merece qualquer censura, devendo, pois, manter-se, improcedendo o recurso nesta parte. Depois, quanto aos juros indemnizatórios, dispõe o artigo 100.º da LGT que, perante decisão favorável ao sujeito passivo, há lugar ao seu pagamento, se os mesmos forem devidos. As condições de atribuição de juros indemnizatórios encontram-se previstas no artigo 43.º do CPPT, cujo n.º 1 prevê que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” Ora, o circunstancialismo que se deixou acima exposto determina a imputação à Administração Tributária do erro pela prática de acto tributário em resultado da aplicação de circular administrativa ilegal, “por exorbitância da sua competência legal na fixação inovatória de uma componente da norma de incidência objectiva constante do art.3º nº3 al.f) CIVA;” (cfr. Acórdão do STA, de 06-05-2020, proc. n.º 0928/10.0BESNT), pelo que, em consequência, são devidos juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito (art.43.º n.ºs 1 e 2 LGT e art.61.º n.º 5 CPPT), improcedendo o recurso, também, quanto a este fundamento. Impõe-se, ainda, analisar o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, considerando que o valor da causa é de € 502.603,34. Tal pedido já havia sido feito no tribunal recorrido, tendo o mesmo sido concedido. Ora, não vê este Tribunal razões para divergir do ali, então, decidido, considerando “que as questões submetidas a julgamento não envolveram especial complexidade técnica, estando, aliás, a questão de fundo resolvida pela jurisprudência dos tribunais superiores”. Deste modo, deve concluir-se que se justifica esta intervenção moderadora, assim devendo aplicar-se a dispensa de pagamento prevista no artigo 6.º, nº 7, do RCP, o que seguidamente se determinará. ***** III. DECISÃO Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos vistos.
Lisboa, 19-04-2024
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