| PROCESSO |
| ||
| DATA DO ACÓRDÃO | 07/12/2011 | ||
| SECÇÃO | 1ª SECÇÃO |
| RE | |
| MEIO PROCESSUAL | REVISTA |
| DECISÃO | CONCEDIDA PARCIALMENTE |
| VOTAÇÃO | UNANIMIDADE |
| RELATOR | PAULO SÁ |
| DESCRITORES | SOCIEDADE POR QUOTAS CESSÃO DE QUOTA QUOTA SOCIAL CAPITAL SOCIAL VALOR REAL CUMPRIMENTO DEFEITUOSO ÓNUS DA PROVA JUROS DE MORA |
| ÁREA TEMÁTICA | DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES |
| LEGISLAÇÃO NACIONAL | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 406.º, N.º1, 762.º, 798.º, 799.º, N.º1. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 264.º, 664.º. |
| SUMÁRIO | I - Entre as faltas de cumprimento do contrato alinha-se o cumprimento defeituoso, mau cumprimento ou cumprimento imperfeito, que se traduz num defeito ou vício da prestação efectuada, numa desconformidade entre a prestação devida e a prestação realizada. II - O aspecto patológico de tais situações de facto não consiste numa violação negativa do dever de prestar, está antes num defeito da prestação realizada, numa violação positiva da lex contratus por que ela se regulava e nos danos provenientes dessa irregularidade. III - Essa desconformidade entre a prestação devida e a realizada tem de tratar-se de um defeito importante, de uma divergência relevante, a apreciar no âmbito de cada situação concreta, segundo critérios objectivos e à luz do princípio da boa fé. IV - Em concreto, se os autores adquiriram as quotas de uma sociedade comercial no pressuposto de que as mesmas correspondiam a um valor total de € 300 000 e receberam umas quotas que só nominalmente tinham tal valor, trata-se, manifestamente, de um defeito importante, tendo direito a haver dos réus aquilo que tinham previsto adquirir e que estes se comprometeram a ceder-lhes. V - Cabia aos cedentes o ónus de provar que a falta de correspondência entre o valor declarado e o valor real das quotas (que foi considerado provado) não se devia a culpa sua, por sobre eles impender a presunção de culpa estabelecida no art. 799.º, n.º 1, do CC. VI - Estando em falta o aumento de capital de € 200 000, os réus deverão ser condenados a pagar tal quantia, por forma a integrar o capital social da sociedade comercial, sendo ainda devidos juros de mora desde a data da cessão de quotas. |
| DECISÃO TEXTO INTEGRAL | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. AA, L.da, BB e CC vieram intentar contra DD, EE e FF, acção de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, pedindo que, na procedência da mesma, sejam os Réus condenados a entregar aos Autores a quantia de 300.000,00 €, correspondente ao capital social, bem como a quantia de 179.250,81 €, existente na caixa e contas bancárias da sociedade, à data da cessão de quotas, tudo acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, contados à taxa máxima em vigor, desde o dia da cessão de quotas, isto é, desde 27 de Janeiro de 2005 até efectiva entrega do dinheiro correspondente ao capital social e caixa, perfazendo, nesta data, a quantia de 26.838,05 €. Para tanto alegam, em síntese: A primeira co-Autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à actividade de exploração hoteleira de bares e discotecas; No dia 15 de Julho de 2004, os Réus prometeram vender aos segundos co-Autores, que prometeram adquirir, as quotas que aqueles detinham na primeira co-Autora, acordando que a respectiva escritura de cessão de quotas, poderia realizar-se ou em 8 de Janeiro de 2005 ou em 30 de Junho de 2006; Antes da celebração da prometida cessão, por escritura pública realizada no dia 14 de Setembro de 2004, os Réus aumentaram o capital social da co--Autora AA de cem mil para trezentos mil euros, sendo a importância do aumento de duzentos mil euros, subscrita e realizada em dinheiro; Tomando por verdadeiras as declarações dos Réus, perante oficial público, aceitaram os Autores celebrar a escritura de cessão de quotas, entretanto marcada para 27 de Janeiro de 2005, tendo as partes acordado em manter o preço de venda de 350 000,00 €. Contudo, o valor declarado na escritura veio a ser de 300.000,00 €, correspondente ao valor nominal das acções. Assim, no dia 27 de Janeiro de 2005, por escritura pública, os Réus cederam aos segundos co-Autores, pelo preço igual ao seu valor nominal, a totalidade das quotas que detinham na primeira co-Autora. Declararam então os Réus serem os únicos sócios da sociedade comercial com a firma AA, L.da e novamente que o capital social da referida sociedade se encontrava “integralmente realizado em dinheiro de trezentos mil euros”.Nesse mesmo acto os Réus renunciaram aos poderes de gerência em que estavam investidos, tendo-se então nomeado como gerente da sociedade o sócio e aqui co-Autor BB. Apesar da aludida cedência de quotas e renúncia à gerência, os Réus não entregaram, de imediato, toda a documentação contabilística da primeira co--Autora, o que, em parte, fizeram já durante o mês de Fevereiro de 2006. Acresce, ainda, que, à data da cessão de quotas, apresentava a AA na sua contabilidade um saldo de caixa no valor de 179.250,81 €, cujo paradeiro também se desconhece. Os Autores apenas celebraram a escritura de cessão de quotas, porque nunca pensaram estar a ser enganados pelos Réus, nomeadamente, sempre estiveram convencidos que o capital social estava integralmente realizado em dinheiro e que a sociedade tinha em caixa o dinheiro declarado. O capital social é intangível e abaixo do mesmo não pode descer o património da empresa. Ao vender a sociedade aos Autores desprovida do seu capital social, coloca a AA, mercê do seu giro comercial, numa situação de não estar em condições de ter património social concretizado, capaz de responder pelo pagamento de dívidas aos credores, correndo o risco destes fazerem uso das disposições previstas nos artigos 3.º e 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Regularmente citados, contestaram os RR. DD e FF, terminando por pedir que a Ré EE seja absolvida da instância, por manifesta falta de legitimidade passiva e que se julguem procedentes, por provados, os pedidos reconvencionais, devendo, em consequência, os Autores BB e mulher CC ser condenados a pagar aos reconvintes DD e FF, na proporção da percentagem do capital que adquiriram, a quantia de 225.000,00 €, acrescida de juros de mora vincendos, desde a data da notificação/citação do pedido reconvencional até efectivo pagamento. Alegaram para tanto que, a Ré EE nada tem que ver com o contrato-promessa indicado no artigo 2.º da petição inicial, nem qualquer acto seu pode ser considerado como integrante de causa de pedir na presente acção, já que a nada se obrigou, nenhum acordo ou contrato assinou, nem é sócia ou gerente da AA, L.da. No contrato-promessa de cessão de quotas de 15 de Julho de 2004, os outorgantes DD e FF, únicos sócios da AA, L.da, prometeram ceder as suas quotas sociais a BB e mulher CC, pelo valor de 375.000,00 € ou 350.000,00 €, consoante a escritura notarial de cessão fosse outorgada até 30/06/2006 ou até 08/01/2005, quotas sociais essas, no valor total de 100.000,00 €, como se escreveu na cláusula 1.ª do acordo. Os promitentes-vendedores ou cedentes prometeram vender o capital de 100.000,00 €, correspondente às duas quotas de 65.000,00 € e 35.000,00 €, de que eram titulares na altura da assinatura do contrato e foi este capital que os ora Autores BB e mulher prometeram adquirir, pelo total de 375.000,00 € ou 350.000,00 €, consoante a escritura notarial de cessão fosse outorgada até 30/06/2006 ou até 08/01/2005. Como outorgaram a escritura notarial de cessão das quotas em 20/01/2005 pagaram o montante de 350.000,00 €, embora, em bom rigor, devessem ter pago 375.000,00 €, porque a escritura foi celebrada depois de 08/01/2005. A razão de ser do escriturado aumento do capital social ficou a dever-se a constantes insistências do técnico oficial de contas da AA, L.da, Senhor GG, que há muito tempo, mesmo antes da promessa de cessão das quotas, vinha afirmando ao Réu DD a necessidade desse aumento, pelo facto da sociedade se encontrar em situação de falência técnica, se o capital não fosse actualizado para aquele valor. Dessa necessidade de aumento foi dado a conhecer ao Autor BB pelo Réu DD, que, na altura, eram amigos e estavam de boas relações, tendo o BB concordado expressamente com o aumento, até porque, como afirmou, assim já não necessitava de ser ele a fazê-lo. O DD informou o BB que, como é usual nestas condições, se declara na escritura notarial que o dinheiro já entrou na sociedade sem entrar, mas que depois tudo se resolve através de lançamentos contabilísticos, que os sócios regularizam no futuro. Se o A. não concordasse, haveria que pagar também o valor do aumento de 200.000,00 €, que acrescia ao capital de 100.000,00 € que prometera comprar com a esposa, como facilmente se compreende, ou então o aumento de capital social não seria efectuado, com o prejuízo dos promitentes cedentes, que receberiam o mesmo pelas suas quotas sem ele, nos termos do que haviam acordado através do contrato-promessa de cessão de quotas. O BB e mulher CC apenas haviam prometido comprar o valor do capital de 100.000,00 €, pelos montantes indicados no contrato-promessa de cessão de quotas e não o capital de 300.000,00 €. Mas efectiva e formalmente foram-lhe vendidos na escritura notarial de cessão de quotas 300.000,00 €, e não os 100.000,00 € prometidos, pelo que, a vingar as teses dos cessionários nesta acção, devem ainda aos cedentes o valor de 200.000,00 €, em cujo montante se pedirá a sua condenação reconvencional. Com efeito, ao contrário do que se pretende fazer crer na petição inicial, a promessa de cessão de quotas resultou duma habilidade comercial do Autor BB, que pretendia adquirir a discoteca explorada pela AA, L.da, sociedade que era, na prática, gerida apenas pelo Réu DD. Negócio que o BB só fez porque sabia que a ........... – ....................., L.da tinha um contrato de cessão de exploração com a AA, L.da, através do qual a primeira estava a explorar a discoteca da segunda sociedade, por dois anos, cujo negócio lhe iria por esta via «parar às mãos», contrato que está expressamente referido na cláusula 3.ª do contrato-promessa de cessão de quotas de 15 de Julho de 2004. Assim, o BB sabia que o contrato de cessão de exploração entre a AA, L.da e a ........... – ....................., L.da, tinha integrado um contrato-promessa de cessão de quotas que dava à ........... o direito potestativo de comprar o capital da AA e, por essa via, a discoteca indicada na cláusula 2.ª do contrato-promessa de cessão de quotas de 15 de Julho de 2004. O que interessava ao BB era adquirir a discoteca. As sociedades eram secundárias e foram mero instrumento do negócio que perseguia e por que porfiava. Por estes motivos se outorgou o contrato-promessa de cessão de quotas de 15 de Julho de 2004, a que os promitentes-cedentes não podiam fugir, porque era um direito potestativo da ........... – ....................., L.da, consignado no contrato de cessão de exploração vigente à data da outorga daquela promessa, referido na sua cláusula 3.ª. Se a tese dos Autores vingasse e os Réus DD e irmã FF tivessem que lhe pagar o valor de 200.000,00 € – embora peticionem anacronicamente 300.000,00 € – correspondente ao aumento do capital social e o alegado saldo de caixa em falta, ficariam com a discoteca e a sociedade AA, L.da de graça! Ou melhor, ainda ganhavam muito dinheiro. Após a cedência das quotas sociais, o réu DD, logo que foi possível, através do seu técnico oficial de contas, procedeu à entrega da documentação contabilística da autora AA, L.da, o que ocorreu em 2 de Fevereiro de 2006. O montante em causa (179.250,81 €) de saldo de caixa resulta dos lançamentos efectuados na contabilidade para regularizar o aumento de 200.000,00 € de capital, cuja classificação se encontra na primeira folha do documento n.º 3 junto pelos Autores com a petição inicial. O indicado documento n.º 3, que os Autores juntaram com a petição inicial, notificado aos Réus, tem inserto na primeira folha o lançamento contabilístico 111 (aumento de capital) 200.000,00 € e 511 (aumento de capital) 130.000,00 € e 512 (aumento de capital) 70.000,00 €. De acordo com o disposto no Plano Oficial de Contabilidade vigente, a conta 111 caixa recebeu o valor que os sócios subscreveram de capital. As contas 511 e 512, que representam o capital entrado dos sócios que o subscreveram, são creditadas pelo mesmo valor. O caixa teoricamente recebeu os 200.000 euros de aumento de capital social subscrito pelos sócios DD e irmã FF, pelo que foi debitado. Estes foram creditados em contrapartida nas suas contas de capital 511 e 512. O dinheiro do aumento de capital não entrou efectivamente em caixa, mas foi lançado a débito desta e a crédito das contas 511 e 512 de capital. É por essa razão que a conta de caixa aparece com saldo negativo no balanço, que era suposto possuir. Mas seria um duplo artifício pretender, como fazem os AA., que é devido à AA, L.da o aumento de capital de 200.000 € (falam em 300.000 €) e ainda o saldo de caixa negativo resultante do lançamento da contrapartida deste valor. Se assim fosse este negócio era realmente um verdadeiro «negócio da China» para os AA. BB e mulher CC. Com efeito, conseguiam ficar com 300.000 € de capital com a compra de 100.000 € e ainda eram indemnizados não do aumento dos 200.000 € mas do total de 300.000 €, a que ainda acrescem os 200.000 € não entrados no caixa. A escritura de cessão de quotas foi celebrada em 27 de Janeiro de 2005, tendo, através dela, os cedentes declarado receber 300.000,00 €, mas efectivamente foram pagos pelos cessionários 350.000,00 €. Deste modo, houve incumprimento do primeiro prazo, 08 de Janeiro de 2005, pelo que são devidos pelos cessionários, ora Autores BB e mulher CC, 25.000,00 €, visto que, nos termos do contrato-promessa de cessão de quotas, o valor da venda das quotas sociais seria no caso de 375.000,00 €, tendo os Réus cedentes recebido apenas 350.000,00 €. Acresce que os Autores BB e mulher CC prometeram comprar 100.000,00 € de quotas sociais e foram-lhe vendidos 300.000,00 €, pelo que devem aos cedentes a quantia de 200.000,00 €, correspondente à diferença. Contestou igualmente a R. EE, pedindo que a acção seja julgada improcedente em relação a si, absolvendo-se a mesma do pedido. Aduziu, em suma, que a R. nunca foi gerente da «AA». A pedido do R. DD, limitou-se a outorgar procuração para que aquele pudesse celebrar um contrato de cessão de quotas. Os RR. EE e DD estão divorciados desde 24 de Janeiro de 2005, enquanto que a escritura de cessão de quotas teve lugar em 27 desses mesmos mês e ano. Numa tentativa de partilha amigável, o R. DD emitiu um cheque a favor da R. ora contestante, no valor de € 74.000,00, referente a metade do valor da quota que ia ceder a BB; cheque esse que, apresentado, mais tarde, a pagamento, veio a ser devolvido, por haver sido revogado. Replicaram os AA: Quanto à excepção de ilegitimidade, em 27 de Janeiro de 2005, no dia em que foi celebrada a escritura pública de cessão de quotas da também Autora AA, L.DA, a Ré EE era casada com o Réu DD, no regime de comunhão de adquiridos. É também certo que a mesma Ré não outorgou directamente na referida escritura, pois havia outorgado uma procuração ao seu marido, para que este interviesse por ela na cessão de quotas. Aliás, a sua participação na referida cessão de quotas era indispensável para que a mesma se pudesse realizar, pois, a Ré EE era casada com o Réu DD no regime de comunhão de adquiridos, sendo certo que as quotas em causa foram adquiridas por este último na pendência do casamento com a Ré. Também não restam dúvidas que a mesma beneficiou de referida venda, pois recebeu do Réu DD, como a mesma admite, a quantia de 74.000,00 €. Deverá, pois, a Ré EE ser condenada, civilmente, nos mesmos termos dos restantes Réus. Quanto à resposta à reconvenção, é certo que, nos termos da cláusula 5.ª do Contrato Promessa de Cessão de Quotas, os Réus DD e FF prometeram vender aos Autores BB e mulher CCs as respectivas quotas por 350.000,00 € até 8 de Janeiro de 2005 ou por 375.000,00 € depois dessa data até 30 Junho de 2006, contudo, apesar de se ter ultrapassado, a data de 8 de Janeiro de 2005, as partes acordaram em manter o preço de venda de 350.000,00 €, por sua livre e espontânea vontade, ao abrigo da sua liberdade contratual; tanto que acordaram que os Réus DD e FF assinaram a respectiva escritura, mediante o pagamento daquele preço e nunca mais exigiram o quer que fosse, senão agora. Nunca a ........... – ....................., L.DA teve qualquer direito potestativo de comprar o capital da AA. Nos termos da cláusula 12.ª do referido contrato de cessão de exploração, “conjuntamente com o presente contrato de cessão de exploração é celebrado um contrato promessa de cessão de quotas entre os sócios da primeira e da segunda outorgante”. Quanto ao pedido de 200.000,00 €, os Autores nunca pediram que os Réus fizessem qualquer aumento de capital, antes foram os Réus que informaram os Autores BB e mulher CC que iriam proceder ao aumento de capital em causa. Ao ser informado da intenção dos Réus de aumentar o capital social, imediatamente os Autores BB e mulher CC os informaram também que não estavam dispostos a alterar os preços acordados, tendo as partes acordado em manter os preços da cessão de quotas, pois, o capital social, mesmo com este aumento era inferior ao valor pelo qual as partes iriam realizar a cessão. Sempre se diga ainda que os Autores BB e mulher CC prometeram comprar aos Réus as quotas da AA pelos valores convencionados no contrato promessa e não pelo seu valor nominal. Concluem: a) Deve a excepção de legitimidade da Ré EE ser julgada improcedente por não provada; b) Deve o pedido reconvencional dos Réus DD e FF ser julgado não provado e improcedente absolvendo-se os Autores Reconvindos do pedido; c) No mais, como na petição inicial. No saneador conheceu-se da validade e regularidade da instância e foi julgada improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade, concluindo-se pela legitimidade processual passiva da R. EE; foi admitida a reconvenção e foram seleccionadas as matérias assente e controvertida. Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e foi proferida decisão da matéria de facto, sem reclamações. Foram apresentadas alegações de direito. Foi proferida sentença que julgou a acção e a reconvenção improcedentes, absolvendo-se os RR. Inconformados com tal decisão dela vieram apelar os AA, tendo a Relação, julgado procedente o recurso e revogado a sentença apelada, dando a acção como procedente por provada e assim condenando os RR. DD e FF no pagamento (após rectificação) da importância global de € 399.250,81, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da cessão de quotas, i.e. 27 de Janeiro de 2005, até integral pagamento. É a vez de os RR. DD e FF se não conformarem, vindo interpor recurso de revista, recurso que foi admitido. Os recorrentes apresentaram as suas alegações, formulando as seguintes conclusões: I. A douta sentença da 1.ª instância havia julgado a acção totalmente improcedente, com o argumento de que «Portanto a conclusão é inevitável: os autores pessoas singulares teriam contratado de qualquer forma, para além de não haverem alegado ter a não realização efectiva de entradas no valor de € 200.000,00 lhes causado qualquer prejuízo» e que «Provou-se a existência de causa justificativa da transferência patrimonial dos 350.000,00 € para os réus DD e FF, pois que se tratou do preço previsto no contrato-promessa, tanto mais que este foi celebrado numa altura em que ainda não havia sido escriturado o aumento do capital em 200.000,00 €. Aliás, pelo assente em PP), resulta precisamente que os autores nem sequer estavam a contar com tal aumento de capital social». 2. Ou seja, a 1.ª instância entende que nos termos do disposto no artigo 79.º do Código das Sociedades Comerciais, os gerentes respondem nos termos gerais para com os sócios e terceiros, pelos danos que directamente lhes causarem no exercício das suas funções, na qualidade de representantes da sociedade, de acordo com o disposto nos artigos 252.º, n.º 1 daquele código, mas como aquela responsabilidade depende da demonstração dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, conclui que não só não existe, como os autores não lograram demonstrar qualquer prejuízo, culpa ou nexo de causalidade, para efeitos dos artigos 71.º e 78.º do indicado Código das Sociedades e 483.º, 342.º e 487.º do Código Civil Português. III. Todavia, por douto acórdão de 23/11/2010 (rectificado por acórdão de 15/02/2011), foi a sentença revogada e julgada procedente a acção, condenando-se os réus, ora recorrentes, DD e FF, a pagarem aos autores, AA, Lda. e Outros, a quantia de 379.250,81 Euros, correspondentes ao somatório das parcelas de 200.000,00 € e 179.250,81 €. IV. O acórdão recorrido incorre em erro de interpretação e aplicação dos artigos indicados na conclusão II e nos artigos 89.º, n.º 1, 202.º, n.º 4, 277.º, n.º 4 e 542.º do Código das Sociedades Comerciais, visto que qualquer prejuízo dos recorridos terá de assentar nas regras gerais da responsabilidade civil, previstas nos artigos 483.º e seguintes do Código Civil, que não lograram provar, ou em parte sequer alegar. V. Desde logo a questão da condenação, por via do acórdão rectificativo de 15/02/2011, não assenta nos factos provados. Provou-se inequivocamente que o saldo de caixa de 179.250,81 € correspondente ao lançamento do aumento do capital social, que se encontra debitado à conta caixa 111 (aumento de capital), em 200.000,00 € e creditado às contas de capital 511 e 512 os contravalores de 130.000,00 € e 70.000,00 € (Respostas aos pontos 54, 55 e 56 da Base Instrutória). VI. Ainda que os ora recorrentes tivessem que pagar o valor do aumento de capital, de 14/09/2004, de 200.000,00 €, nunca teriam que reembolsar o saldo de caixa indicado na conclusão V, porque resulta provado, para ambas as instâncias, que esse saldo é produto do lançamento desse aumento, cujo fluxo monetário não entrou efectivamente no caixa. VII. Com o aumento do capital, o sócio DD ficou com uma quota de 195.000,00 € e a sócia FF com uma de 105.000,00 €, que resultam do lançamento indicado na conclusão V, no total de 300.000,00 €, que transmitiram aos recorridos, que apenas prometeram comprar o capital de 100.000,00 €, pelo valor do contrato-promessa. VIII. Se tivessem que pagar os 200.000,00 € de aumento do capital, seria um ilogicismo total, para não dizer monstruosidade, acrescer a este montante o saldo de caixa, comprovadamente resultante do lançamento deste aumento. Ou uma coisa ou outra, se algo fosse devido. lX. Daí que o saldo de caixa de 179.250,81 € não seja devido (que poderia ir até ao valor do aumento do capital), devendo o douto acórdão ser revogado nesta parte. X. Mas os recorridos BB e esposa CC, apenas se comprometeram, em 15/07/2004, a adquirir, o capital de 100.000,00 €, que os recorrentes detinham na AA, pelo montante de 350.000,00 € ou 375.000,00 €, consoante a escritura notarial de cessão de quotas fosse celebrada até 08/01/2005 ou 30/06/2006, como veio a suceder, através da escritura notarial de 27/01/2005. XI. Pelo que o aumento de 200.000,00 € de capital, em 14/09/2004, não lhes causou qualquer prejuízo, porque lhes foi vendido, em 27/01/2005, pelo mesmo preço de 350.000,00 €, tal como constava do contrato-promessa de cessão de quotas, que pagaram, sem colocar na altura em dúvida, apondo, todos de comum acordo, na escritura notarial o valor de 300.000,00 €, que coincidia não com o que pagaram (350.000,00 €), mas com o capital social do mesmo valor, que formalmente adquiriram. XII. Não houve má fé ou omissão dos recorrentes, que transmitiram, através do DD ao BB (respostas aos pontos 39, 40, 44 e 59 da Base Instrutória), o conselho do técnico oficial de contas em proceder ao aumento do capital social, o que levou a douta sentença da 1.ª instância a asseverar que «Portanto a conclusão é inevitável. Os autores pessoas singulares teriam contratado de qualquer forma, para além de não haverem alegado ter a não realização efectiva de entradas no valor de € 200.000,00 lhes causado qualquer prejuízo». XIII. O contrato-promessa de cessão de quotas foi assinado em 15/07/2004. Por conselho do técnico oficial de contas o capital social foi aumentado em 14/09/2004, em 200.000,00 €, passando para o total de 300.000,00 €. Em 27/01/2005 foi cedido na totalidade aos promitentes cessionários, pelo valor do contrato-promessa (350.000,00), mas só ficaram a constar da escritura notarial os 300.000,00 € do novo capital, pelo que se cumpriu rigorosamente com o contrato-promessa de 15/07/2004, sem qualquer prejuízo para os compradores das quotas sociais, da firma AA, ou algum beneficio ilegítimo para os vendedores/cedentes. XIV. Daí que se tenha de concluir que o douto acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por douta decisão que absolva os recorrentes na totalidade, porque os adquirentes das quotas sociais não sofreram qualquer dano com o aumento do capital, cujo valor não deu entrada no caixa, nem os cedentes obtiveram qualquer vantagem com esse aumento, porque receberiam o mesmo valor, pelo capital de 100.000,00 €, indicado no contrato-promessa, se não tivessem seguido o conselho do técnico oficial de contas, procedendo ao indicado aumento. XV. Sem dano – pressuposto essencial da obrigação de indemnizar – não há lugar a indemnização de quem quer que seja, porque se não verificam os requisitos da responsabilidade civil, previstos nos artigos 483.° e seguintes do Código Civil Português, aplicáveis ao caso. Terminam, peticionando o provimento do recurso, com revogação do acórdão recorrido e manutenção da decisão da 1.ª instância. Houve contralegações, sustentando a bondade do decidido. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentação II.A. De Facto Resultaram provados os seguintes factos, com relevo para o conhecimento do recurso: 1. A primeira co-Autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à actividade de exploração hoteleira de bares e discotecas. 2. A Ré EE nunca foi gerente da empresa “AA”, nunca apôs a sua assinatura em qualquer documento, nem participou em qualquer tipo de negociação. 3. Os Réus EE e DD casaram, entre si, em 12 de Dezembro de 1979, e divorciaram-se em 24 de Janeiro de 2005, mediante decisão imediatamente transitada em julgado. 4. Em 15 de Julho de 2004, foi celebrado um contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento Comercial, tendo como outorgantes a ora Autora «AA L.da», «........... – ....................., L.da», e os então sócios de ambas as sociedades, os ora Réus DD, FF e ainda HH e II. 5. Por esse contrato a «AA» cedeu a «...........» a exploração do estabelecimento comercial. 6. No dia 15 de Julho de 2004, os Réus prometeram vender aos segundos co-Autores, que prometeram adquirir, as quotas que aqueles detinham na primeira co-Autora, acordando que a respectiva escritura de cessão de quotas, cuja marcação incumbia aos segundos co--Autores, poderia realizar-se ou em 8 de Janeiro de 2005 ou em 30 de Junho de 2006. 7. No contrato-promessa de 15 de Julho de 2004, os outorgantes DD e FF, únicos sócios da «AA, L.da», prometem ceder as suas quotas sociais de 65.000,00 € e 35.000,00 € a BB e mulher CC e foi este capital que os Autores prometeram adquirir, pelo valor de 375.000,00 € ou 350.000,00 €, consoante a escritura notarial de cessão fosse outorgada até 30/06/2006 ou até 08/01/2005. 8. Antes da celebração da prometida cessão, por escritura pública realizada no dia 14 de Setembro de 2004, os RR. DD e FF declararam aumentar o capital social da co-Autora “AA”, de cem mil para trezentos mil euros, bem como que a importância do aumento de duzentos mil euros é subscrita e realizada em dinheiro. 9. Nos termos do artigo 3.º, da dita escritura de «aumento de capital», de 14 de Setembro de 2004, foi declarado o seguinte: “O capital social, integralmente realizado em dinheiro, é de trezentos mil euros e correspondente à soma das seguintes quotas: – Uma no valor nominal de cento e noventa e cinco mil euros, pertencente ao sócio DD. – Uma no valor nominal de cento e cinco mil euros, pertencente à sócia FF”. 10. Os Autores BB e mulher CC adquiriram em 16 de Julho de 2004 todo o capital social da «........... – ....................., L.da»; capital que antes pertencia a HH e II, sendo que este recentemente o havia cedido à esposa do HH, JJ. 11. O contrato de cessão de exploração entre a “AA, L.da” e a “........... – ....................., L.da” está expressamente referido na cláusula 3ª do contrato-promessa de cessão de quotas de 15 de Julho de 2004. 12. BB sabia que o contrato de cessão de exploração entre a “AA, L.da” e a “........... – ....................., L.da”, tinha integrado um contrato-promessa de cessão de quotas que dava à ........... o direito potestativo de comprar o capital da “AA” e por essa via a discoteca indicada na cláusula 2.ª do contrato-promessa de cessão de quotas de 15 de Julho de 2004. 13. Por estes motivos se outorgou o contrato-promessa de cessão de quotas de 15 de Julho de 2004, a que os promitentes-cedentes não podiam fugir, porque era um direito da ........... – ....................., L.da, consignado no contrato de cessão de exploração vigente à data da outorga daquela promessa, referido na sua cláusula 3ª. 14. No dia 27 de Janeiro de 2005, por escritura pública, os RR. DD, por si e na qualidade de procurador da R., então sua mulher, EE, casados sob o regime de comunhão de adquiridos, e FF, cederam aos AA. BB e mulher CC, pelo preço igual ao seu valor nominal, as quotas que detinham na A. «AA, L.da». 15. Mais declararam na dita escritura de aumento de capital que a importância do aumento já tinha dado "entrada na caixa social não sendo exigível nem pela Lei, nem pelo contrato a realização de outras entradas”. 16. Declararam os Réus DD e FF, ser os únicos sócios da sociedade comercial com a firma «AA, L.da» e que o capital social da referida sociedade se encontrava "integralmente realizado em dinheiro de trezentos mil euros ". 17. Nesse mesmo acto os Réus DD e FF renunciaram aos poderes de gerência em que estavam investidos. 18. Apesar da aludida cedência de quotas e renúncia à gerência, os Réus DD e FF não entregaram de imediato toda a documentação contabilística da primeira co-Autora. 19. Tendo os Autores intentado a respectiva acção para entrega de documentos que corre termos no 3.º Juízo deste Tribunal (Castelo Branco) com o n.º 855/06.5 TBCTB. 20. Os RR. DD e FF, através do contabilista GG, a solicitação do A. BB, entregaram-lhe os documentos contabilísticos da “AA”, em Fevereiro de 2006. 21. No balanço sintético referente ao exercício de 2004, no balancete razão e declaração anual de IRC, referentes a 2005, respeitantes à A. “AA”, foi contabilizado o referido aumento de capital. 22. O dinheiro correspondente ao capital social não se encontra em nenhum cofre da co--Autora «AA», nem na caixa social, conta bancária ou outro. 23. Tal dinheiro não foi entregue, por qualquer forma, pelos Réus aos Autores. 24. À data da escritura de aumento do capital e cessão de quotas, a co-Autora «AA» tinha conta aberta no Millenium BCP, com o n.º0000000. 25. Tal conta sempre foi movimentada pelos Réus enquanto gerentes da «AA». 26. O dinheiro não foi depositado nessa conta. 27. À data da cessão de quotas a «AA» apresentava na sua contabilidade um saldo de caixa no valor de 169.743,26 €. 28. Na identificada conta bancária, em Dezembro de 2004, havia um saldo a favor da Autora de 9 507,55 €, o que levou o então contabilista da Autora a declarar para efeitos de IRC que a sociedade tinha em depósitos bancários e caixa a quantia global de 179. 250,81 € (169 743,26 € + 9 507,55 €). 29. O montante de 179.250,81 € de saldo de caixa resulta dos lançamentos efectuados na contabilidade para regularizar o aumento de 200.000,00 € de capital. 30. O caixa teoricamente recebeu os 200.000 € de aumento de capital social subscrito pelos sócios DD e irmã FF, pelo que foi debitado, o que foi creditado em contrapartida nas suas contas de capital 511 e 512. 31. A quantia de € 169.743,26 não deu entrada na caixa da A. «AA». 32. No dia 27 de Janeiro de 2005, foi nomeado gerente da sociedade Autora o sócio e aqui co-Autor BB. 33. Para o dia 27 de Janeiro de 2005, os Autores muniram-se de dois cheques visados, sendo um no valor de 122.500,00 €, a entregar à Ré FF e outro no valor de 227.500.00 € para entregar ao Réu DD, o que veio a acontecer no momento da celebração da escritura. 34. A pedido do Réu marido DD, a Ré EE outorgou uma procuração para que o mesmo pudesse celebrar o dito contrato de cessão de quotas, realizado em 27 de Janeiro de 2005. 35. A 20 de Janeiro de 2005, o R. emitiu o cheque sobre o Millenium BCP, n.º 0000000, a favor da R. EE, no valor de € 74.000,00, solicitando que o cheque não fosse apresentado a desconto sem a sua autorização, visto que nessa data não existia tal quantia na sua conta bancária. 36. Ao ter tido conhecimento da realização da cessão de quotas sociais da «AA», e não tendo qualquer informação por parte do R, a R. EE apresentou o cheque a pagamento. 37. O cheque foi devolvido pela entidade bancária com a informação de que o mesmo tinha sido revogado. 38. Nunca, posteriormente, tal quantia foi paga à Ré EE. 39. Na altura da celebração da escritura de cessão de quotas o capital da «AA, L.da» já não era de 100.000,00 €, mas de 300.000,00 €, porque havia sido aumentado através de escritura notarial de 14 de Setembro de 2004, outorgada pelos sócios DD e FF. 40. A razão de ser do aumento do capital social ficou a dever-se a insistências do técnico oficial de contas da «AA, Lda.» – GG – que mesmo antes da promessa de cessão das quotas, vinha afirmando ao Réu DD a necessidade desse aumento, pelo facto da sociedade se encontrar em situação de falência técnica, se o capital não fosse actualizado para aquele valor. 41. Essa necessidade de aumento foi dada a conhecer ao Autor BB pelo Réu DD, que na altura eram amigos e estavam de boas relações. 42. Ao serem informados da intenção dos Réus de proceder ao aumento de capital, imediatamente os Autores BB e mulher CCs os informaram que não estavam dispostos a alterar os preços acordados, tendo as partes acordado em manter os preços da cessão de quotas. 43. Todo o negócio foi sempre tratado exclusivamente por BB, sem qualquer intervenção da mulher, em nome de quem sempre falou e negociou. 44. Pelo menos em 8 de Setembro de 2006, estava a correr termos uma acção para partilha de bens na sequência de divórcio no Tribunal de Família e Menores de Lisboa, com o processo n.º 748/05.3 TMLSB. II.B. De Direito II.B.1. Como se sabe, o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.º 684.º, n.º 3, e 690.º, n.os 1 e 3, do CPC), importando ainda decidir as questões nela colocadas e bem assim, as que forem de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – art.º 660.º, n.º 2, também do CPC. Assim, as questões a abordar são as seguintes: a) se existe fundamento para a condenação dos RR. no saldo de caixa; b) se existe fundamento para a indemnização dos AA. no aumento do capital social. II.B.2. Disse-se no acórdão recorrido: “Como resulta dos factos provados o contrato-promessa de cessão de quotas encontra-se já ultrapassado pela realização do contrato prometido; e não tendo sido invocados vícios que o pudessem invalidar, a questão traduz-se em apurar eventuais prejuízos da consignação em escritura do aumento do capital social da sociedade por quotas sem substrato real. Como flui da alínea H) dos factos provados os RR. DD e FF, na qualidade de gerentes da AA e mediante escritura pública de cessão de quotas declararam ter realizado em dinheiro o aumento do capital social de cem mil para trezentos mil euros. Todavia não é menos certo, já que resulta do conjugado nas alíneas V), W) e Z), que o valor do aumento escriturado não correspondeu a qualquer entrada de dinheiro para a AA. Assim o aumento do capital por entradas em dinheiro teria que traduzir-se num acréscimo positivo da cifra de capital na medida dos bens que a sociedade iria receber. Exige-se portanto que haja capital efectivamente realizado, assim se dando corpo ao estatuído no artigo 25º do Código das Sociedades Comercial de harmonia com o qual o capital social deverá ser uma cifra representativa da soma dos valores nominais das participações sociais fundadas em dinheiro superior ao valor atribuído àquelas participações. E daí que de harmonia com as disposições combinadas dos artigos 89º nº 1, 202º nº 4 e 277º nº 4 e 542º do Código das Sociedades Comerciais, caso não sejam realizadas as entradas em dinheiro, a responsabilidade é dos sócios, enquanto que, se não for realizado o aumento contratado, a responsabilidade caberá aos gerentes e administradores. Tal implica à partida a responsabilização dos gerentes DD e FF, dado serem eles os gerentes da AA, como se vê da Alínea Q) dos factos provados. A este título os Apelantes AA. pretendem que a importância que os RR. se comprometeram entregar e não o fizeram constitui só por si um dano para a Autora AA, consubstanciado em € 200.000,00. E assim nos parece, já que a prova produzida contém factualidade capaz de sustentar tal conclusão. Trata-se na verdade de uma quantia que correspondendo a um aumento de capital não foi, tal como era devido, traduzida no numerário, pelo que os RR. terão que o fazer. De igual forma deveria constatar-se à data da cessão de quotas a existência em caixa da importância de € 179.250,81, sendo certo que os RR. eram os únicos sócios da AA e não justificaram convincentemente tal falta. Nesta conformidade a sentença terá que ser revogada para dar lugar a este aresto que concederá procedência do pedido, mas apenas quanto aos RR. DD e FF, tendo em linha da conta os factos provados que a estes responsabilizam. Aliás tão pouco os AA. colocam em crise via de recurso. a absolvição da Ré EE. Sobre as importâncias em causa incidem juros de mora à taxa legal desde a data da cessão de quotas i.e. 27 de Janeiro de 2005 até integral pagamento.” Diremos que aparenta ser pouco consistente a fundamentação jurídica do acórdão recorrido. Afigura-se-nos, com efeito, ser de difícil sustentação a tese da condenação dos RR. à luz da responsabilidade civil e da configuração de um dano, pelo não aumento do capital social, dano esse verificado na esfera da sociedade Autora. Mas, em contrapartida afigura-se-nos correcta a condenação dos RR, a esse título, mas com diverso fundamento. Importa realçar que decorre do artigo 664.º do CPC que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, apenas podendo servir-se em contraposição dos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do art.º 264.º do mesmo diploma legal. Ora, não temos dúvidas de que se está perante uma factualidade que permite a subsunção ao cumprimento defeituoso de um contrato: o contrato de cessão de quotas. Importa não perder de vista que se está perante um contrato de natureza sinalagmática. Como contrato deve ser pontualmente cumprido, nos termos do artigo 406.º, n.º 1 do CC. Por outro lado, decorre do artigo 762.º, n.º 1, que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, impondo o seu n.º 2 que, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa-fé. Resulta, por outro lado, do artigo 798.º que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor. Entre as faltas de cumprimento do contrato se alinha o cumprimento defeituoso. O cumprimento defeituoso, mau cumprimento ou cumprimento imperfeito traduz-se num defeito ou vício da prestação efectuada; numa desconformidade entre a prestação devida e a que foi realizada (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, II Vol. (reimpressão), 8.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2004, pp. 126-127; ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 9.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2006, pp. 986 e ss; PEDRO ROMANO MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Colecção Teses, Almedina, Coimbra, 1994, pp. 143 e ss). O aspecto patológico de tais situações de facto não consiste numa violação negativa do dever de prestar. Estará antes num defeito da prestação realizada, numa violação positiva da “lex contratus” por que ela se regulava e nos danos provenientes dessa irregularidade” (ANTUNES VARELA, obra citada, p.127). Mas não é qualquer desconformidade entre a prestação devida e a realizada que consubstancia um cumprimento defeituoso, antes tem de tratar-se de um defeito importante, de uma divergência relevante. Importância esta que tem de ser apreciada no âmbito de cada situação concreta, segundo critérios objectivos e à luz do princípio da boa fé. O que a individualiza, em relação ao não cumprimento definitivo e à mora, em relação às quais se apresenta como um conceito residual, é o facto de o dano, nas situações por ele abrangidas, não provir da falta da prestação nem do seu atraso (mora), mas dos vícios, defeitos ou irregularidades da prestação efectuada. Ora, os AA. adquiriram as quotas da AA, no pressuposto de que as mesmas correspondiam a um total de 300.000 euros e receberam umas quotas que só nominalmente tinham tal valor. Trata-se, manifestamente, de um defeito importante. Os AA. têm, pois, o direito a haver dos RR. aquilo que tinham previsto adquirir e que os RR. se comprometeram a ceder-lhes. E a situação é de mora, porquanto o defeito, podendo ser reparado e cabendo esta actuação reparadora ao devedor, não ocorreu até agora. No cumprimento defeituoso é aplicável a presunção de culpa do artigo 799.º, n.º 1 do CC. Partindo deste pressuposto, cabia aos cedentes, o ónus de provar que a falta de correspondência entre o valor declarado e o valor real das quotas que foi considerada provada, não se deviam a culpa sua, por repete-se, sobre si impender a presunção de culpa estabelecida no art. 799.º – que consigna: “1. Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua. 2. A culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil”. PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA (Código Civil Anotado, citado, II Volume, p. 55), a propósito, afirmam: “…Em matéria de responsabilidade civil, cabe à vítima (autor, queixoso) provar a culpa do agente, salvos os casos excepcionais em que exista presunção legal de culpa (art. 487.º). Seguiu-se solução contrária no domínio da responsabilidade contratual; neste caso, é ao devedor que compete provar que o não cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua (n.º 1). É esta a solução adoptada na generalidade dos códigos. Só o devedor está, por via de regra, em condições de fazer a prova das razões do seu comportamento em face do credor, bem como dos motivos que o levaram a não efectuar a prestação a que estava vinculado”. Concluindo: Estando em falta o aumento de capital de 200.000 euros, os RR. deverão ser condenados a pagar tal quantia, por forma a integrar o capital social da AA, sendo ainda devidos juros de mora desde a data da cessão de quotas. Quanto ao saldo de caixa. Esta condenação corresponde a um excesso de pronúncia, porquanto os AA, ao apelarem, não controverteram a bondade do decidido na 1.ª instância quanto à correspondente absolvição dos RR. Não deveria, pois, a Relação ter conhecido desta parte do pedido. Porém, também os RR. não suscitaram, neste recurso, esta nulidade, pelo que dela não podemos conhecer enquanto tal. Mas, teremos de reconhecer que o referido saldo de caixa é um saldo contabilístico, sem correspondência com a realidade, porquanto resulta de uma igualmente falsa contabilização de um aumento de 200.000 euros de capital. Sendo o referido “saldo” de caixa inferior a 200.000 euros, teremos que concluir, face à prova de que o capital social não foi efectivamente aumentado, que eram, realmente negativas as disponibilidades monetárias da AA. Não há, assim, face à factualidade dada por provada, evidência de que tivesse existido um saldo de caixa positivo que teria sido descaminhado pelos RR. Também não pode configurar-se, entre os pressupostos de boa-fé do contrato de cessão de quotas, uma convicção de uma determinada situação patrimonial que não se veio a verificar. Nem há elementos para concluir ter ocorrido um acto delitual e danoso para a sociedade ou os seus adquirentes, traduzido num desaparecimento de bens existentes à data da cessão de quotas. Nesta parte têm, pois, os RR. razão, não havendo fundamento para os condenar no pagamento do “saldo contabilístico”. III. Termos em que se acorda em conceder parcialmente a revista, revogando o acórdão recorrido na parte em que condenou os RR. no pagamento da quantia de € 179.250,81 de saldo de caixa e nos respectivos juros, mantendo-se, no mais, o acórdão recorrido. Custas pelos recorrentes e recorridos, aqui e nas instâncias, na proporção de 3/5 e 2/5, respectivamente. Lisboa, 12 de Julho de 2011 Paulo Sá (Relator) Garcia Calejo Helder Roque |