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PROCESSO |
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DATA DO ACÓRDÃO | 05/24/2011 | ||
SECÇÃO | 7ª SECÇÃO |
RE | ![]() |
MEIO PROCESSUAL | REVISTA |
DECISÃO | NEGADA |
VOTAÇÃO | UNANIMIDADE |
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RELATOR | SILVA GONÇALVES |
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DESCRITORES | MANDATO JUDICIAL |
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ÁREA TEMÁTICA | DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES |
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LEGISLAÇÃO NACIONAL | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 563.º, 905.º, 907.º, 908.º, 909.º, 1157.º, 1158.º, 1178.º DL N.º 84/84, DE 16.03 (ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS): - ARTIGO 83.º, N.º1, ALÍNEAS C) E D). LEI Nº 52/2008, DE 28 DE AGOSTO (LOFTJ): - ARTIGO 7.º, N.º 2. |
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SUMÁRIO | 1. O mandato conferido ao advogado pode também consistir numa obrigação de resultado, isto é, é susceptível de consubstanciar um particularizado dever de concretizar um identificado objectivo especificadamente descrito pelo mandante; neste caso a obrigação do mandatário só fica cumprida com a materialização da tarefa que nos termos pactuados lhe foi acreditada; 2. Se o mandatário judicial sabia ser essencial para os mandantes que a fracção comprada, objecto da escritura de compra e venda, estivesse livre de quaisquer ónus, hipotecas ou encargos, condição sem a qual não celebrariam a escritura de compra e venda e, por maioria de razão, não pagariam o preço à sociedade vendedora, àquele compete indemnizar os compradores pelos prejuízos que a estes advieram em consequência deste seu desleixo. 3. Não poderemos confundir a faculdade que o comprador tem de anular o contrato nos termos do art.º 905° Código Civil e, se por esta via optar, sujeitar-se ao que está proposto nos artigos seguintes - 907°, 908° e 909° do C. Civil, - um direito que lhe assiste - com a suposta imposição de ter de proceder à sua invalidação (anulabilidade), obrigação esta que a lei, impreterivelmente, não pode exigir ao comprador. |
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DECISÃO TEXTO INTEGRAL | “AA”e mulher “BB”, intentaram acção de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra “CC” e contra “DD” Ltd., representada pela sua sucursal em Espanha, D... I..., S. A., pedindo a condenação dos réus, solidariamente, a pagarem-lhes a quantia global de € 95.900,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e compensação pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal, computados desde a citação e até integral e efectivo pagamento.
Em síntese, para fundamentaram o pedido, alegaram que emitiram procuração ao 1.º réu para este os representar numa escritura de compra e venda de uma fracção de um imóvel que pretendiam adquirir livre de quaisquer ónus, hipotecas ou encargos, conforme constava do contrato-promessa anteriormente celebrado, que subscreveram após terem solicitado aconselhamento jurídico ao 1.º réu. Porém, o 1.º réu, violando a diligência que lhe era devida e de que era capaz enquanto Advogado, antes de outorgar a escritura em representação dos autores, não se certificou que tinha sido cancelada a hipoteca que onerava a fracção. Por essa razão, posteriormente à realização da escritura, tiveram de proceder, a expensas suas, ao cancelamento da hipoteca, o que lhe causou prejuízo no montante de € 85.000,00, para além de angústias e sofrimentos, para cuja compensação peticionam o montante de € 5.000,00 para cada um. Mais invocam que a 2.ª ré aceitou por contrato de seguro a transferência da responsabilidade civil profissional derivada de erro, omissão, negligência ou falta profissional cometida por qualquer Advogado no desempenho da sua actividade profissional e com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, abrangendo, assim, à data dos factos, a actuação profissional do 1.º réu, respondendo assim ambos os réus solidariamente pelos prejuízos causados. Contestou a 2.ª ré, defendendo-se por excepção, invocando que a responsabilidade civil coberta pelo contrato de seguro está limitada a € 125.000,00 por sinistro, sujeito a uma franquia de €1.500,00, a cargo de segurado, e por impugnação, concluindo pela improcedência da acção. Contestou o 1.º réu, defendendo-se por excepção, invocando a prescrição do direito reclamado, e por impugnação, defendendo a sua absolvição do pedido, e a litigância de má fé dos autores. Replicaram os autores, concluindo pela improcedência das excepções, pugnando, ainda, pela condenação do 1.º réu como litigante má fé. No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção peremptória de prescrição, fixada a matéria de facto e elaborada a base instrutória. Foi proferida sentença que julgou “…totalmente procedente, por provada, a apresente acção e, em consequência, condenou a Ré C.ª de Seguros a pagar aos AA a quantia de 85.900 euros (oitenta e cinco mil e novecentos euros) a título de danos patrimoniais e de 5.000 mil euros (cinco mil) por danos não patrimoniais, valor este que se considera actualizado à data da sentença. O montante dos danos patrimoniais vence juros à taxa legal desde a citação e valor dos danos não patrimoniais vence juros a partir do trânsito em julgado desta decisão.” Inconformados, apelaram tanto a ré seguradora como os autores. A Relação do Porto, por Acórdão datado de 29.11.2010 (cfr. fls. 504 a 535), revogou a sentença recorrida e, em consequência, decidiu: - Condenar os réus Dr. “CC” e “DD” Ltd., solidariamente, a pagarem aos autores “AA”e “BB”, a indemnização de € 95,900,00 (noventa e cinco mil e novecentos euros), sendo, porém, da exclusiva responsabilidade do 1.º réu, Dr. “CC”, o pagamento de € 1,500,00 (mil e quinhentos euros), correspondente à franquia prevista no contrato de seguro; - Condenar os réus no pagamento de juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias devidas, desde a citação até efectivo e integral pagamento; - Julgar prejudicado o conhecimento do recurso de agravo interposto pelos autores; - Condenar a 2.ª ré/apelante o 1.º réu/apelado nas custas devidas, nos termos sobreditos. Inconformada, recorreu para este Supremo Tribunal a interveniente “DD” Ltd, apresentando as seguintes conclusões: a) Não pode a Recorrente conformar-se com toda a restante decisão que confirma a Sentença proferida em primeira instância, descurando a aplicação e interpretação correcta das normas constantes dos artigos 905°, 907°, 908° e 909° do Código Civil; b) E aqui reside a questão de Direito que foi incorrectamente interpretada; c) Vejamos, o alegado dano patrimonial provocado na esfera dos recorridos, não se deveu a acções praticadas pelo Réu mas sim pelos próprios, correndo estes o risco que assumiram ao não exigir a expurgação da hipoteca pelos vendedores; d) Resultou provado que os demandantes prometeram comprar a fracção livre de quaisquer ónus ou encargos, que nessa situação jurídica lhes foi prometida vender, e) Os recorridos deveriam ter feito uso do disposto nos artigos 905° e seguintes do Código Civil; f) Diz-nos o artigo 907° do Código Civil que o vendedor é obrigado a sanar a anulabilidade do contrato, mediante expurgação dos ónus ou limitações existentes (...) deve ainda promover, á sua custa, o cancelamento de qualquer ónus ou limitação que conste do registo, (sublinhado nosso); g) No mesmo sentido nos ensina o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25,05.2004: necessário que o comprador peça num primeiro momento, que se fixe ao vendedor um prazo para realizar a libertação desse ónus; h) Do mesmo Douto Tribunal, resulta de Acórdão proferido a 29.03.1993, tendo o vendedor de uma fracção autónoma omitido que incidiam sobre todo o prédio duas hipotecas, constitui-se nas obrigações de expurgar essas hipotecas e de indemnizar o comprador pelos lucros que a venda da fracção a terceiro lhe permita auferir; i) A expurgação é imposta como uma obrigação ao vendedor (In Batista Lopes, Compra e Venda, 164 e AA); j) Nada impede que persistindo o vício para além da realização do negócio, a lei considere o vendedor obrigado, por força do acordo negocial (subentendendo que o vendedor quis alienar e o comprador quis adquirir o direito, isento dos ónus ou limitações anormais que sobre ele recaíam) a expurgar os ónus ou limitações existentes. In Antunes Varela, RLJ, 119.º-341, nota 2) (sublinhado nosso); k) Pelo exposto, torna-se claro a quem é que os recorridos deveriam ter ido assacar responsabilidades: ao vendedor "“EE”, Construções, L.da" e nunca ao Réu, e, por conseguinte, à Recorrente; l) É unânime, e resulta directamente da lei, que não deveriam ter sido os recorridos a proceder ao cancelamento da hipoteca e ao seu pagamento, mas sim o vendedor. Mas, na falta de estipulação da transmissão das dívidas, o comprador, compelido a pagá-las por força dos ónus, tem depois direito de regresso contra o devedor, de quem pode exigir o reembolso dos créditos pagos, em que ficou sub-rogado nos termos gerias do direito (Galvão Telles, BMJ, 83°. 130, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado 2°-149). m) E se o fizeram, fizeram-no por sua conta e risco arcando com os custos do cancelamento da hipoteca, têm direito de regresso contra os vendedores; n) Com o devido e máximo respeito, erra o Douto Tribunal em interpretação do disposto nos artigos 906°, n. °2, 908° e 909° do CC quando afirma e nada havendo na lei que imponha ao comprador a obrigação de desencadear o meio de tutela conferido pelo n.°2 do artigo 906° e o pedido de indemnização correspondente previsto nos artigos 908° e 909°, conforme os casos, não compete à 2a Ré censurar os autores pela opção que tomaram, nem daí retirar qualquer consequência jurídica quanto à exoneração da eventual responsabilidade do 1° Réu; o) O disposto nos artigos 908° e 909° do CC é claro. O vendedor é obrigado a indemnizar o comprador. No caso em apreço, apesar de os danos ocorridos terem sido perpetrados pelo vendedor os recorridos optaram por intentar uma acção contra o advogado e a sua seguradora; p) Ora nem a recorrente, nem o Réu Dr. “CC” são os responsáveis, nos termos dos artigos 905°, 907°, 908° e 909° do Código Civil, os pêlos valores que houvesse a pagar aos recorridos; q) O Venerando Tribunal fez errada avaliação, com todo o devido respeito, do disposto nos artigos supra referidos fazendo crer que os recorridos têm toda a legitimidade para optar a quem podem exigir a indemnização, apesar de a lei estabelecer expressamente que a vendedora "“EE”, Construções, L.da" é obrigada a indemnizar! r) Ora na pior das hipóteses, que não se concede, o Dr. “CC” e a Recorrente nunca poderiam ser condenados da totalidade do pedido pelo facto de a vendedora "“EE”, Construções, L.da" ser obrigada a indemnizar e ser responsável pelo dano que os recorridos alegam, por força da interpretação dos artigos 905° do CC e seguintes; s) Pelo que se impõe, a revogação do Douto Acórdão, por outro que absolva a ora recorrente do pedido formulado. Contra-alegaram os recorridos “AA”e mulher, “BB” pedindo a improcedência do recurso. Corridos os vistos legais cumpre decidir.
A) Os demandantes casaram um com o outro em 23.12.1990, sob o regime da comunhão de adquiridos. B) O primeiro demandado exerce a profissão liberal de advogado há mais de quinze anos, estando inscrito no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, e sendo titular da cédula profissional nº XXX-Porto. C) Actualmente, o primeiro demandado mantém a sua inscrição em vigor na Ordem dos Advogados e exerce a sua profissão de advogado, com escritório na Rua de D. A… H…, nº …, .., Sala .., …-… R.. T…, comarca de G…. D) No dia 25.07.1997, cada um dos demandantes outorgou procuração a favor do primeiro demandado, cuja letra e assinaturas foram reconhecidas nesse mesmo dia no Cartório Notarial de Amares, nos termos dos docs. nºs … e … da P1 (juntos à réplica), com o seguinte teor: «…constitui seu bastante procurador “CC”, casado, advogado, residente na Rua de A… E…, nº …, rés-chão em R.. T…, G…, a quem confere os poderes necessários para pelo preço de 10.500 000$00 (dez milhões e quinhentos mil escudos) comprar á sociedade comercial por quotas “FF” Construções, L.da, com sede na Rua A…, nº …, Xºandar direito, S. C…., G… pessoa colectiva nº 000 000 000, registada na conservatória do registo comercial sob o numero 0000000000 o apartamento T2+1 em fase de construção situado ao nível do 1º andar designado por esquerdo, traseiro correspondente ao nº 1, fazendo ainda parte deste, uma garagem individual sita na cave do prédio que se encontra em construção no lote de terreno destinado a construção urbana sito na Rua G…. M…, da M…, P…, concelho da M..., descrito na conservatória do registo predial da Maia, sob o nº …/…, podendo celebrar a respectiva escritura de compra e venda e pagar o respectivo preço e aceitar a respectiva quitação bem como proceder a quaisquer actos de registo predial provisório, como assinar tudo quanto necessário se tornar aos fins indicados» E) Em 30.09.1997, na Secretaria Notarial de Matosinhos, o primeiro demandado, no uso dos poderes que lhe foram conferidos pela procuração outorgada e subscrita pela demandante mulher, declarou, em nome e representação da demandante, “BB”, casada com o autor marido na comunhão de adquiridos, comprar à sociedade comercial por quotas ““EE”, Construções, Lda”, representada no acto pelos seus sócios-gerentes, livre de quaisquer ónus ou encargos, a Fracção Autónoma designada pela letra “M”, correspondente a uma habitação no primeiro andar, designado por apartamento número “um”, com entrada pelo n0000 do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua G… M… de M…, nº.s … a …, freguesia de P…, concelho da M…, nos termos do doc. nº … da P1 (junto à réplica), cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido. F) À data da celebração da supra referida escritura pública, a fracção autónoma vendida aos demandantes encontrava-se onerada com uma hipoteca voluntária prestada pela sociedade ““EE”, Construções, Lda” a favor do Banco Nacional Ultramarino, S. A., Lisboa, para garantia do empréstimo de 202.625.000$00. G) Tal como resulta da certidão da Conservatória do Registo Predial, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, tal hipoteca fora registada pela apresentação n…, no dia 14.06.1996, sob a descrição nº…/…, nos termos do doc. nº.. da P1 (junto à réplica), cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. G) A ré ““DD”” segura, nos termos das Condições Particulares, Gerais e Especiais do Seguro de Responsabilidade Civil Profissional celebrado com a Ordem dos Advogados (tomador do seguro) e designado Apólice n. XX/…/../Y (Doc. fls 1 junto à respectiva contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido), o risco decorrente de acção ou omissão não dolosa, dos Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão. H) A Apólice de Seguro de Responsabilidade Civil (RC) profissional em questão foi celebrada pela Ordem dos Advogados, na qualidade de Tomador do Seguro, tendo como beneficiários todos os Advogados com inscrição em vigor na mesma. I) A Apólice em vigor no ano de 2007 é a n.2 XX/…/../Y J) A referida apólice teve o seu início de vigência em 01.01.2007, e dura 12 meses, renováveis, retroagindo os seus efeitos de cobertura, ilimitadamente, a “sinistros” ocorridos antes dessa data, e que se não devam considerar excluídos da mesma nos termos do Art. 4.º das Condições Especiais. K) Tem como limite de indemnização o capital de € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros), por sinistro e agregado anual de sinistros por segurado. L) Descontada a franquia geral no montante de €1.500 euros a cargo do Segurado.
Da Base Instrutória: 1- Os demandantes são, desde 1990, emigrantes em França, onde mantêm o seu local de trabalho e a sua residência permanente. 2- O demandante marido exerceu a profissão de pintor. 3- A demandante mulher exerce a profissão de guardiã de condomínio. 4- Os demandantes têm como habilitações literárias, ambos, a 4ª classe. 5- No final de 1996, início de 1997, os demandantes mostraram-se interessados na compra de um apartamento (fracção “M”, correspondente a uma habitação no primeiro andar, designado por apartamento número “um”, com entrada pelo n… do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua G… M… de M…, n.s … a …, freguesia de P…, concelho da M…), cuja construção estava a ser levada a cabo pela sociedade comercial por quotas ““EE”, Construções, Lda” 8- Os demandantes consultaram o primeiro demandado, que a pedido daqueles, aceitou acompanhá-los, assisti-los e prestar-lhes aconselhamento jurídico na celebração do contrato-promessa de compra e venda, verificando da regularidade do contrato. 9- No dia combinado, 02.01.1997, os demandantes, acompanhados do primeiro demandado, deslocaram-se ao stand de vendas da sociedade vendedora e, depois de o primeiro demandado analisar o conteúdo da minuta do contrato-promessa de compra e venda e dar a sua anuência à assinatura do contrato, os demandantes outorgaram o referido contrato, com os seguintes termos: «contrato promessa de compra e venda 1°-Outorgante “EE” Construções Lda, com sede na rua A…, n° … -0° dt°, freguesia de S. C… concelho de G…, pessoa colectiva n° 00000000, registada na conservatória do registo comercial sob o n° 0000000000 representada pelos sócios gerentes os Snrs. “GG” e “HH”, na qualidade de promitentes vendedores: 2°-Outorgante “AA”, casado no regime de comunhão de adquiridos com “BB”, portadores dos bilhetes de identidade n°. 000000 emitido em 11/07/91 , pelo centro de identificação civil e criminal de Lisboa e n° 0000000 emitido em 11 / 07191 pelo centro de identificação civil e criminal de Lisboa e contribuintes n°s. 000000000 e respectivamente, residentes na 40 rue M… 0000 –S…- O… - França na qualidade de promitentes compradores. Cláusula primeira E pelos primeiros outorgantes, foi dito que são donos e legítimos proprietários de um lote de terreno destinado a construção urbana, sito na rua G… M… da m…, freguesia de P… concelho da m…, freguesia de P…, concelho da m… descrito na conservatória do registo predial da maia sob o n° 000/00000 – P… no qual se encontra em construção um prédio que se irá compor de sub-cave, cave rés-do-chão destinado a comercio e quatro andares, destinados a habitação. Cláusula segunda E pelos primeiros foi ainda dito o que prometem vender ao segundo, e este por sua vez promete comprar livre de quaisquer ónus, hipotecas ou encargos, um apartamento do tipo T2+1, situado ao nível do 1° andar, designado por esquerdo traseiras, correspondendo ao n°1, fazendo ainda parte deste uma garagem individual, sita na cave do prédio supra indicado, pelo valor global de esc. 17.500.000$00 (dezassete milhões e quinhentos mil escudos). Cláusula terceira Como sinal e principio de pagamento, nesta data, os primeiros outorgantes declaram receber do segundo outorgante um cheque de esc: 9.000.000$00 (nove milhões de escudos), de que os primeiros dão plena quitação. Cláusula quarta O restante do valor em divida, ou seja a quantia de esc. 8.500.000$00 (oito milhões e quinhentos mil escudos) será liquidado no acto da realização da escritura definitiva de compra e venda. Cláusula quinta A escritura notarial de compra e venda deverá ser outorgada até finais de Julho de 1997, com licença de obras, estando o apartamento devidamente acabado, devendo ser marcada pela primeira outorgante, que por sua vez informará a segunda e com antecedência de oito dias da sua data caso a segunda não compareça será responsável pelos custos. Cláusula sexta As despesas rela1ivas à escritura, registos e pagamentos de sisa, se houver lugar a ela, bem como requisição de contadores de água e electricidade, são a cargo do segundo outorgante. Cláusula sétima A cedência de posição só pode ser efectuada com autorização prévia dos primeiros outorgantes. Cláusula sétima Fica a fazer parte integrante deste contrato uma planta do apartamento da garagem individual e a descrição dos acabamentos. O presente contrato foi lido em voz alta e explicado quanto ao seu conteúdo aos outorgantes na presença simultânea de ambos, e que o mesmo exprime as suas vontades, pelo que o vão assinar o presente contrato foi feito em duplicado sendo um exemplar para cada um dos outorgantes.». 10- Em contrapartida do serviço prestado pelo primeiro demandado, os demandantes pagaram-lhe honorários, em montante que não foi possível determinar. 11- Em finais de Julho de 1997, data prevista para a celebração do contrato prometido, os demandantes recusaram-se a outorgar a escritura pública de compra e venda, na medida em que as obras do apartamento não tinham sido concluídas pela sociedade vendedora. 12- Como tinham que regressar a França, país onde trabalham e residem habitualmente, decidiram consultar, mais uma vez, o primeiro demandado, pedindo-lhe se os podia representar na escritura de compra e venda, pois, além de não conhecerem as leis portuguesas, não sabiam se podiam vir a Portugal na data em que viesse a ser celebrada. 13- O primeiro demandado aceitou representar os demandantes na escritura pública de compra e venda, obrigando-se a diligenciar pelos interesses dos demandantes e pela regularidade da escritura e sua conformidade com a vontade e interesse dos demandantes. 14- Para tanto, o primeiro demandado aconselhou os demandantes a outorgarem procuração a seu favor com poderes para aquele fim, fornecendo-lhes uma minuta e dando-lhes informação sobre o seu nome, morada e demais elementos de identificação necessários à outorga da procuração. 15- No acto da escritura estiveram presentes os pais da demandante mulher, que levaram o cheque para pagamento do preço final da compra. 16- Depois de o primeiro demandado lhes dizer que estava tudo em conformidade, ordenou à mãe da demandante mulher que assinasse o cheque, que aquele acabou de preencher quanto à quantia em numerário e por extenso, local da emissão, data e destinatário do cheque, cheque esse no montante de 8.530.000$00 que entregou em mãos aos sócios-gerentes da sociedade vendedora. 17- Em contrapartida dos serviços prestados pelo primeiro demandado, os demandantes pagaram-lhe, a título de honorários, a quantia de 30.000$00. 18- Em data que não foi possível determinar, mas posterior à escritura referida em E), os demandantes tomaram conhecimento de que a fracção por eles adquirida estava onerada com uma hipoteca a favor de um banco; 19- Em consequência da referida hipoteca, os demandantes foram obrigados a pagar ao credor hipotecário pelo distrate (cancelamento) da hipoteca já referida a quantia de 85.900,00 euros. 20- O primeiro demandado sabia ser essencial para os demandantes que a fracção comprada, objecto da escritura de compra e venda acima referida, estivesse livre de quaisquer ónus, hipotecas ou encargos, condição sem a qual não celebrariam a escritura de compra e venda e, por maioria de razão, não pagariam o preço à sociedade vendedora. 21- Tendo assistido à leitura e outorga do contrato-promessa de compra e venda, ficou a saber que os demandantes prometeram comparar a acima referida fracção livre de quaisquer ónus, hipotecas ou encargos, que nessa situação jurídica lhes foi prometida vender. 22- Antes de outorgar e assinar a acima referida escritura pública, o primeiro demandado não consultou cuidadosamente a certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial referente àquela fracção, documento que instruiu e serviu de base à celebração da escritura, o que poderia ter feito no acto da escritura. 23- O primeiro demandado celebrou a acima referida escritura pública sem ter exigido da sociedade vendedora a prova ou título de cancelamento da hipoteca. 24- No acto da escritura pública ou antes da sua celebração, os demandantes não foram informados, nem pelo primeiro demandado, nem por terceiros, da existência da referida hipoteca a onerar aquela fracção. 25- O primeiro demandado não pediu autorização aos demandantes para celebrar a referida escritura pública com aquele encargo (hipoteca). 26- Ainda em consequência da descrita conduta do primeiro demandado, os demandantes ficaram em estado de choque quando, com absoluta surpresa, tomaram conhecimento de que a fracção comprada estava onerada com uma hipoteca, cujo distrate custava aos demandantes a quantia de 85.900,00 euros. 27- Os demandantes sentiram enorme agonia, amargura e angústia. 28- Ficaram muito aborrecidos e humilhados por terem sido aproveitados na sua inexperiência, ligeireza, falta de conhecimentos técnicos, ingenuidade e humildade e por não terem sido bem representados por um profissional com conhecimentos técnico-jurídicos. 29- Desde o dia em souberam da hipoteca, os demandantes têm andado nervosos e preocupados. 30- Muitas das vezes, porque os factos lhes atordoam permanentemente a mente, os demandados passam noites sem dormir. 31- A Autora chora com revolta. 32- É que o referido imóvel foi adquirido pelos demandantes com o valor das economias e poupanças que ambos amealharam ao longo de muitos anos de trabalho no estrangeiro, suportando os sacrifícios de estarem num país diferente daquele em que nasceram, com língua, costumes e tradições diferentes, longe da família. 33- Para pagamento do distrate da hipoteca, os demandantes gastaram todas as economias amealhadas durante uma vida de árduo trabalho. 34- E não tendo capacidade económica suficiente para suportar o valor do distrate, os demandantes passaram pela vergonha, pelo vexame, de pedirem dinheiro a pessoas amigas e familiares. 35- Em consequência, do dispêndio não previsto, os demandantes sofreram privações, renunciando à satisfação de necessidades também elementares, designadamente, gozo de férias, oferta de prendas aos filhos e familiares. 36- Em consequência disto, os demandantes perderam o dinamismo, a boa disposição e a alegria que caracterizavam as suas vidas. 37- A demandante é hoje pessoa desgostosa, triste e amargurada, nervosa, depressiva e angustiada. 51- Finda a leitura da escritura pública foi a expresso pedido do réu que o sr. Notário aditou, por entrelinhamento, a declaração de a venda ser “livre de quaisquer ónus e encargos”.
A questão posta pela Seguradora/recorrente ““DD” Ltd” é a de saber se deve ela ficar isenta da condenação que a Relação lhe impôs em virtude de, como argúi, o dano patrimonial em que incorreram os recorridos se deveu, exclusivamente, a acções deles próprios.
Argumenta a recorrente ““DD” Ltd” que o demandado Dr. “CC” foi erradamente responsabilizado pelos danos em que se envolveram os recorridos, tudo porque não existe nexo de causalidade entre o acto do réu Dr. “CC”, porquanto este dano resultou de conduta exclusivamente imputável aos autores - era da responsabilidade dos vendedores o cancelamento da hipoteca e, por isso, incumbia aos autores terem responsabilizado os alienantes com a oportunidade conferida pelos artigos 905.º, 907.º, 908.º e 909.º do Código Civil.
O mandato - contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra (art.º 1157.º do C.C.) - é mandato com representação quando o mandatário tiver recebido poderes para agir em nome do mandante (art.º 1178.º do C.C.). Se o mandatário realiza o negócio em nome do mandante e com os necessários poderes de representação para tanto, o mandatário actua como representante do mandante, isto é, subroga-se ao mandante; e isto significa que juridicamente tudo se passa como se tivesse sido o próprio mandante a praticar o acto: é ele o sujeito da eficácia deste, em cuja esfera jurídica se vão inserir directamente os referidos efeitos, que em momento algum pertencem ao representante (Pessoa Jorge; mandato sem representação; pág. 22/23). A responsabilidade civil do réu Dr. “CC”, advogado no exercício do mandato judicial, insere-se no enquadramento legal de um mandato oneroso representativo (cfr. art.s 1157º, 1158º e 1178º do Código Civil).
Neste acordo contratual celebrado em regra o mandatário forense obriga-se a utilizar diligentemente os seus conhecimentos técnico-jurídicos de forma a, ponderando todas as vicissitudes conhecidas da acção e ainda as funestas e imprevisíveis eventualidades susceptíveis de surgirem, contorná-las de modo satisfazer o interesse do seu cliente. Quem não tem capacidade para entender os meandros da justiça dos nossos tribunais - ou quem não quiser ou não tiver ensejo para isso - comete essa tarefa ao advogado, pagando-lhe, para fazer tudo o que é preciso com vista à concretização das suas conveniências. Não está na disposição do cliente indicar ao advogado como é que ele há-de agir. É o Advogado que toma sobre si a diligência destinada a obter o resultado denunciado pelo mandante, mas não se torna obrigado a obter o resultado que o seu constituinte lhe aponta. Sobre as obrigações que impendem ao Advogado rege o seu estatuto pronunciado no Dec. Lei n.º 84/84, de 16.03 (Estatuto da Ordem dos Advogados), do qual salientamos estas obrigações por demais evidentes e do conhecimento geral: 1. Dar ao cliente a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que este invoca, assim como prestar, sempre que lhe for pedido, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas e 2. Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando, para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade (art.º 83.º, n.º1, alínea c) e d). Lembramos ainda o que a este propósito está estatuído no n.º 2 do artigo 7.º da LOFTJ (Lei nº 52/2008 de 28 de Agosto): - no exercício da sua actividade, os advogados gozam de discricionariedade técnica e encontram-se apenas vinculados a critérios de legalidade e às regras deontológicas próprias da profissão. Salientemos, porém, que o mandato conferido ao advogado pode também consistir numa obrigação de resultado, isto é, é susceptível de consubstanciar um particularizado dever de concretizar um identificado objectivo especificadamente descrito pelo mandante. Neste caso a obrigação do mandatário só fica cumprida com a materialização da tarefa que nos termos pactuados lhe foi acreditada.
Em 25.09.1997 os autores “AA”e mulher “BB” subscreveram procuração a favor do demandado Ex.mo Dr. “CC”, Advogado, conferindo-lhe poderes para, em sua representação, celebrar a escritura pública de compra e venda da fracção identificada nos autos, livre de quaisquer ónus ou encargos, na qual os autores outorgavam como compradores. Esta escritura veio a realizar-se, em 30/09/1997, com a presença do Dr. “CC” que nela interveio em nome e em representação dos adquirentes - os autores “AA”e mulher “BB”.
O Ex.mo Advogado Dr. “CC”, sabia ser essencial para os recorridos que a fracção comprada, objecto da escritura de compra e venda acima referida, estivesse livre de quaisquer ónus, hipotecas ou encargos, condição sem a qual não celebrariam a escritura de compra e venda e, por maioria de razão, não pagariam o preço à sociedade vendedora.
Antes de outorgar e assinar a acima referida escritura pública, o Ex.mo Dr. Dr. “CC” não consultou cuidadosamente a certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial referente àquela fracção, documento que instruiu e serviu de base à celebração da escritura, o que poderia ter feito no acto da escritura, nem exigiu da sociedade vendedora a prova ou título de cancelamento da hipoteca. Deste circunstanciado envolvimento factual retirado da conduta do Ex.mo Advogado e daquilo que foi acordado pelas partes contraentes - a responsabilidade é contratual - resulta o incumprimento do mandato a imputar ao Dr. “CC” nos termos descritos no Acórdão da Relação do Porto e que a recorrente Seguradora terá de assegurar. Ora, se é assim, ao incumpridor do mandato judicial cabe responder pelas perdas a que deu causa.
Queixa-se a ““DD” Ltd” de que, face ao disposto nos artigos 905°, 907°, 908° e 909° do Código Civil, o comprovado dano patrimonial advindo aos recorridos só a eles próprios se devem, isto é, não se verifica nexo de causalidade entre o facto praticado pelo Ex.mo Advogado e o dano provindo aos recorridos.
Não lhes assiste, porém, razão. Como procurámos demonstrar foi devido à negligente conduta do seu mandatário que aos recorridos sobrevieram os males relativamente aos quais rogam agora a atinente indemnização. A anulabilidade da venda preconizada pelo regime jurídico avançado por aqueles substantivos normativos não é o único meio oferecido ao comprador surpreendido com essa limitação no seu direito. Pretender que os autores tivessem de lançar mão da acção de anulação como única forma de defender os seus interesses parece-nos incorrecto, porquanto isso redundaria numa protecção infundada e descabida ao incumpridor do contrato. O comprador prejudicado com a oneração do bem vendido poderá, mesmo assim, ter todo o interesse em manter a efectivação da venda; se optar por este caminho não deixará de ser credor do montante despendido no expurgo da hipoteca; e se os compradores não tiverem a oportunidade de, face a indisponibilidade da sociedade vendedora, serem ressarcidos deste prejuízo, terá que por eles responder o Ex.mo Advogado dele causador.
Não poderemos confundir a faculdade que o comprador tem de anular o contrato nos termos do art.º 905° Código Civil e, se por esta via optar, sujeitar-se ao que está proposto nos artigos seguintes - 907°, 908° e 909° do C. Civil, - um direito que lhe assiste - com a suposta imposição de proceder à sua invalidação (anulabilidade), obrigação esta que a lei, impreterivelmente, não pode exigir ao adquirente.
Nos termos do disposto no art.º 563.º, do C. Civil - que consagra a doutrina da causalidade adequada - só os danos que o facto provocou mercê de circunstâncias extraordinárias, não previsíveis de modo nenhum por um observador experiente na altura em que o facto se verificou, é que serão suportados pela pessoa lesada (Prof. A. Varela; Obrigações; Vol. I, pág. 861, 863, 869 e 871 e Vol. II, pág. 97). Os danos sofridos pelos autores, ponderadamente pontificados pela Relação, resultaram efectivamente do já especificado desleixo do Ex.mo Advogado encarregado da realização da escritura pública da venda. É neste contexto circunstancial que ele é responsável pelos prejuízos detetados aos compradores/autores - em consequência da referida hipoteca, os demandantes foram obrigados a pagar ao credor hipotecário pelo distrate (cancelamento) da hipoteca já referida a quantia de 85.900,00 euros - e é, igualmente, neste encadeamento de critérios que a Seguradora recorrente terá que satisfazer estes danos aos recorridos/autores. A recorrente saberá da oportunidade de accionar os meios técnico-jurídicos destinados a impedir que a vendedora sociedade ““FF” Construções, L.da” se não locuplete à sua custa.
Concluindo: 1. O mandato conferido ao advogado pode também consistir numa obrigação de resultado, isto é, é susceptível de consubstanciar um particularizado dever de concretizar um identificado objectivo especificadamente descrito pelo mandante; neste caso a obrigação do mandatário só fica cumprida com a materialização da tarefa que nos termos pactuados lhe foi acreditada; 2. Se o mandatário judicial sabia ser essencial para os mandantes que a fracção comprada, objecto da escritura de compra e venda, estivesse livre de quaisquer ónus, hipotecas ou encargos, condição sem a qual não celebrariam a escritura de compra e venda e, por maioria de razão, não pagariam o preço à sociedade vendedora, àquele compete indemnizar os compradores pelos prejuízos que a estes advieram em consequência deste seu desleixo. 3. Não poderemos confundir a faculdade que o comprador tem de anular o contrato nos termos do art.º 905° Código Civil e, se por esta via optar, sujeitar-se ao que está proposto nos artigos seguintes - 907°, 908° e 909° do C. Civil, - um direito que lhe assiste - com a suposta imposição de ter de proceder à sua invalidação (anulabilidade), obrigação esta que a lei, impreterivelmente, não pode exigir ao comprador. Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.
Silva Gonçalves (Relator) Pires da Rosa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza |