DECISÃO TEXTO INTEGRAL |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I. A autora AA intentou, em 8 de Novembro de 2006, a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra a ré BB – ... Portugal, S.A.”, pedindo que seja declarada a ilicitude do seu despedimento e, por isso, a R. condenada a:
a) Reintegrá-la ou, caso esta venha a optar pela indemnização, pagar-lhe quantia não inferior a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade;
b) Pagar-lhe, a título de danos morais, a quantia de € 10.000,00;
c) Pagar-lhe o montante de € 6.008,48, referente ao trabalho suplementar prestado em dia de descanso complementar, no ano de 2003;
d) Pagar-lhe o montante de € 2.173,28, pelo trabalho prestado aos Domingos nos anos de 2003 e 2004;
e) Pagar-lhe o montante de € 2.556,80, referente ao trabalho suplementar prestado em dia de descanso complementar no ano de 2004;
f) Pagar-lhe o montante de € 42.642,83, referente ao trabalho suplementar prestado diariamente nos anos de 2003 e 2004;
g) Pagar-lhe todas as prestações salariais que se vençam desde os 30 dias anteriores à data da propositura da acção, estando vencida a importância de € 1.385,00;
h) Pagar-lhe juros sobre todas as quantias em dívida, desde a citação;
i) Pagar custas, procuradoria e demais de lei;
j) A título de sanção pecuniária compulsória, e para a hipótese de a autora optar pela reintegração, pagar-lhe a quantia de € 500,00 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de reintegrar.
Para tanto, alegou, em síntese, que:
- Sendo empregada da R. desde 1992, ultimamente com as funções de Chefe de Serviço Administrativo no estabelecimento de Leiria, recebeu uma primeira nota de culpa em que era acusada de colaborar com a troca de numerário das caixas por cheques pessoais do seu Director de Loja, de ter continuado tal prática mesmo depois da saída do mesmo Director e de manter na sua secretária um cheque de cliente que, entretanto, já havia pago o respectivo montante;
- A A. respondeu a tal nota de culpa, adiantando, fundamentalmente, ter obedecido às ordens do seu superior hierárquico, não ter existido prejuízo patrimonial para a ré e estar o cheque da cliente a aguardar que a mesma passasse pela loja para que lhe fosse entregue;
- A R. veio a fazer um aditamento à nota de culpa, em que acusou a A. de dar ordens às supervisoras de caixa para não depositarem o dinheiro existente no cofre da empresa de transporte de valores, enquanto não fosse feita a troca do numerário pelo cheque do Director de Loja, bem como de ter promovido as referidas supervisoras a essas funções sem a necessária formação;
- A A. respondeu invocando a caducidade do procedimento por estes novos factos, a sua conclusividade, a inexistência, à data, das normas internas que se dizem violadas e a actuação (sempre) em obediência ao seu superior hierárquico;
- A decisão de despedimento, a final do processo disciplinar, foi ilegal, injusta e infamante e causou à A. danos não patrimoniais passíveis de indemnização não inferior a 10.000,00 euros, bem como danos patrimoniais;
- Prestou trabalho suplementar à R. que esta não pagou, ficando a dever-lhe um total de € 42.642,83.
A R. contestou, pedindo a improcedência da acção, por não provada, considerando-se lícito o despedimento da A., porque com justa causa, devendo a R. ser absolvida dos pedidos, alegando para tanto, em síntese, que:
- O aditamento à nota de culpa, porque incide sobre factos cujo conhecimento pela R. foi superveniente (só durante as diligências instrutórias), não se mostra ferido de caducidade;
- A demora na notificação à A. do aditamento à nota de culpa é imputável a ela própria, por ter mudado de residência sem comunicação, não podendo a mesma prevalecer-se de tal situação que criou, sob pena de abuso de direito;
- Os comportamentos da A. foram de tal modo graves, que esta não se pode escudar na falta de consciência de tal gravidade nem na obediência devida ao seu superior hierárquico;
- Além disso, a A. continuou a fazer a troca de cheques do referido Director de Loja, mesmo quando este deixou de ser seu superior hierárquico, quando foi chefiar outra loja da R.;
- A A. violou também, de forma grosseira, os procedimentos determinados pela R., ao manter na sua secretária o cheque da cliente cuja quantia já havia sido paga por outros meios;
- Os comportamentos da A. consubstanciam, assim, a violação dos deveres profissionais de zelo, lealdade e custódia, de forma reiterada, de tal forma que se tornou impossível a subsistência da relação de trabalho, por quebra irremediável da confiança nela depositada, estando, assim, configurada uma situação de justa causa de despedimento;
- A A. não tem direito ao pagamento de qualquer trabalho suplementar, designadamente porque a mesma anuiu prestar o seu trabalho no regime de isenção de horário de trabalho.
Realizada a audiência de julgamento, com gravação da prova produzida, foi proferida sentença, que, julgando parcialmente procedente a acção e ilícito o despedimento da A., decidiu condenar a R. a:
“a) reintegrar a autora no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria ou antiguidade;
b) pagar à autora, a título de danos morais, a quantia de 5.000,00 euros;
c) pagar à autora o montante de 6.008,48 euros, referente ao trabalho suplementar prestado em dias de descanso complementar, no ano de 2003;
d) pagar à autora o montante de 2.556,80 euros, referente ao trabalho suplementar prestado em dia de descanso complementar no ano de 2004;
e) pagar à autora todas as prestações salariais vencidas e vincendas desde os 30 dias anteriores à data da propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, estando vencida a importância de 28.295,55 euros;
f) pagar à autora juros moratórios (à taxa supletiva estabelecida ao abrigo do nº 1 do artigo 559º do Código Civil para as obrigações meramente civis) desde a citação, sobre as quantias em dívida à data da citação, e desde o seu vencimento, sobre as quantias vencidas posteriormente;
g) a título de sanção pecuniária compulsória, pagar a quantia diária de 120,00 euros por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de reintegrar”.
Inconformada, a R. arguiu nulidades da sentença e interpôs recurso de apelação da mesma, pedindo a sua revogação.
A A. interpôs recurso subordinado, impugnando a decisão da matéria de facto e pedindo a alteração da sentença na parte referente ao trabalho suplementar.
Contra-alegou, defendendo a manutenção do julgado, no restante.
Por seu douto acórdão, o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu não se verificarem as invocadas nulidades da sentença; julgou procedente a apelação da R., considerando haver justa causa de despedimento e, revogando a sentença na parte por ela impugnada, absolveu-a dos pedidos correspondentes (als. a), b), e) e g) do dispositivo da sentença de 1ª instância) e julgou improcedente o recurso subordinado da A., confirmando a sentença nessa parte.II. Do acórdão interpôs a A. a presente revista, em que formulou as seguintes conclusões:
1ª. O recurso interposto pela R. não põe em causa a matéria de facto dada como provada, circunscrevendo-se apenas à matéria de direito
2ª. Assim o primeiro argumento utilizado refere, "não é facilmente compreensível (...e aceitável) que a A. se predispusesse, sem mais, de forma continuada e ao longo de mais de quatro meses...".
3ª. Desde logo, "Sem mais", inclui um juízo de valor, este sim não aceitável numa segunda instância atentas as dificuldades inerentes a uma segunda apreciação. Induz aqui a uma conclusão de aproveitamento que a Recorrente nunca teve.
4ª. Efectivamente a recorrente não se predispôs, sem mais, fê-lo dando cumprimento a uma ordem do seu superior hierárquico máximo, autoridade suprema na loja, com absoluto poder decisório.
5ª. Também o temperamento e carácter deste director (não que os outros actuem de forma diferente) foram determinantes na obtenção por parte da recorrente da tal actuação colaborante. Carácter, este, que pôde ser aferido com base no princípio da imediação, até porque, se tratou de uma testemunha que a recorrente levou a depor.
6ª. Ora, até o crime continuado goza de uma especial atenuação na medida em que se compreende que o comportamento adoptado é facilitado pelo ofendido. Efectivamente o facto da prática se ter prolongado durante 4 meses apenas atesta que a recorrente viu esta prática não ser sancionada pela R., o que lhe permitiu confiar ainda mais na licitude do comportamento do seu director de loja e não o contrário.
7ª. Também aqui carece de fundamento a tese do douto acórdão, na realidade a A. não se predispôs a viabilizar a prática. A recorrente continuou a obedecer a ordens e ao fazê-lo era necessário que os relatórios do caixa traduzissem a realidade.
8ª. Como aferir esta realidade? Apenas com o recurso à prova gravada.
9ª. Consequentemente estamos perante novos juízos de valor que apenas o imediatismo do julgamento em primeira instância permitiria e não foi conseguido pela R, ou pedido por esta em sede de recurso.
10ª. A Relação ao decidir conforme acórdão de que se recorre cometeu, com o devido respeito e na óptica da Recorrente um clamoroso Erro de Julgamento. Nada nos factos provados permite falar que a Recorrente, viabilizou a prática das infracções.
11ª. "O recurso em matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo Tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida."
12ª. No mesmo sentido a doutrina aponta claramente para a impossibilidade de se alterar o juízo de valor em termos de convicção formada em 1ª instância e muito menos quando esta alteração resulta da convicção que se forma sem qualquer juízo crítico sobre a prova produzida no Tribunal "a quo".
13ª. Suposto que foi ultrapassada essa primeira barreira, depara-se uma segunda:"a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, não pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas" e não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador "entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação de prova" e factores que não são "racionalmente demonstráveis", de tal modo que a função do tribunal de 2ª instância deverá circunscrever-se a "apurar da razoabilidade da convicção probatória do primeiro grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos”.
14ª. No caso sub-judice verifica-se que na realidade a Relação foi à procura de uma nova convicção seguindo, de resto e integralmente, a tese defendida pela Apelante, alterando a construção da factologia assente permitindo verter aquela que foi a defesa da R.
15ª. A conduta da A./Recorrente foi explicada e justificada ao longo de inúmeras sessões de julgamento onde o depoimento testemunhal levou à convicção do julgador que se encontra explanada da sua douta sentença.
16ª. Não há qualquer falta de explicação ou justificação, o que há é uma explicação/justificação não aceite pela Relação de Coimbra que aqui mais não faz do que se substituir ao julgador produzindo uma decisão absolutamente antagónica da primeira com base nos mesmos factos provados e sem uma segunda apreciação da prova.
17ª. De notar que as pequenas alterações produzidas alteram substancialmente o facto provado e conduzem de resto a interpretações absolutamente díspares.
18ª. O tratamento da Recorrente em relação ao seu director de loja é o Senhor, logo não é um qualquer colega seu. Daí que a referência de tratamento respeitosa e de hierarquia tenha ficado no facto provado e desapareça agora na fundamentação do acórdão visando dar corpo à teoria do colega.
19ª. Na "tradução" vertida no douto acórdão passamos a uma realidade diferente colocamos toda a ênfase no termo pessoalmente tornamos ainda mais excepcional a sua substituição por outrem de forma a traduzir uma diferente convicção, a saber, o do conhecimento prévio do comportamento ilícito.
20ª. Refere o douto acórdão sob censura que a recorrente deveria ter avaliado de forma diferente os riscos, sendo estes:
21ª. Guardar os valores no cofre da loja. Ora a guarda dos valores no cofre da loja por detrimento do cofre da “E...” não se revela enquanto risco superior, nem isso é dito ou provado, na realidade nenhuma prova foi feita que revelasse uma maior segurança de um ou outro cofre.
22ª. Boa cobrança dos cheques - no caso vertente é evidente que a prática continuada longe de aumentar o risco o diminuiu com a boa cobrança dos mesmos.
23ª. Numa reiteração que faria suspeitar - A pessoa em causa era o seu Director de loja e uma vez mais se afirma que a reiteração longe de constituir motivo de suspeita constituiu antes o seu oposto.
24ª. Da matéria de facto provada resulta claro que a A. tinha como seu superior hierárquico o Director de Loja, única entidade de quem dependia e a quem respondia hierárquica e directamente.
25ª. Também resultou provado que a colaboração da A. se devia a "exigência" do seu superior hierárquico e não a uma determinação da própria.
26ª. Não só a A/Recorrente trocou cheques como o fizeram outros supervisores.
27ª. As ordens dadas às supervisoras resultavam de instruções do Director de Loja. Resultou ainda provado que apenas no dia seguinte se procedia à elaboração da versão final dos relatórios do caixa.
28ª. A irregularidade de uma conduta não conduz necessariamente à ilicitude da mesma; o facto ilícito é proibido, o facto irregular é desconforme com os procedimentos habitualmente adoptados.
29ª. Também resultou provado que, após a saída do Director de Loja, com evidente promoção deste para uma outra loja da R./Apelante de maiores dimensões, o seu carácter de pessoa de confiança da R/Recorrida não foi posto em causa.
30ª. E dos factos provados resulta não só a troca de cheques após a saída como também, "tarefa que este a tinha antecipadamente encarregado".
31ª. Nem a apelante sancionou disciplinarmente qualquer uma das supervisoras que cumpriam com a ordem da A./Apelada pois também estas actuavam contrariamente aos procedimentos estabelecidos.
32ª. Da referida fundamentação sobre a matéria de facto é visível que o comportamento da A./Apelada é seguido por todos quantos com a mesma trabalhavam na Loja de Leiria e que nenhum dos trabalhadores à loja afectos tem dúvida que a A./Recorrente obedecia a ordens do Director de Loja.
33ª. Resulta da fundamentação da sentença de 1ª instância que as normas e procedimentos internos foram entretanto alterados.
34ª. É absolutamente tendencioso e inverídico a afirmação de que a A./Recorrente tenha agido em "obediência ao seu amigo/colega CC". É falso e resulta da necessidade da R./Recorrida e do douto Acórdão da Relação em criar a suposta ilicitude da conduta da A./Recorrente.
35ª. Também é falso que a questão do prejuízo patrimonial não estivesse em causa ou não tivesse a R/Recorrida alegado levantamentos na ordem dos € 168.000,00 querendo, naturalmente, com tal quantia levar à convicção de subtracções desse montante. "... ao velar pela conservação e boa utilização dos bens ... (alínea f) do n° 1 do art. 121°) a R./Recorrida referia-se naturalmente a uma subtracção de valores.
36ª. Por outro lado, «a gravidade do comportamento deve ser apreciada em termos objectivos e concretos, relativamente à empresa, e não com base naquilo que o empresário subjectivamente considere como tal. Assim, a gravidade deve ser apreciada em face das circunstâncias que rodeiam a conduta do trabalhador, dentro do ambiente próprio da empresa»
37ª. Finalmente, a impossibilidade, tomado este termo no sentido de inexigibilidade, e não a simples dificuldade, de subsistência da relação laboral deve também ser valorada perante o condicionalismo da empresa, e ter em vista o critério, acima referido, de não ser objectivamente possível aplicar à conduta do trabalhador sanção menos grave."
38ª. Consequentemente e atenta a fundamentação da douta sentença de 1ª instância a ponderação foi-o de acordo com a melhor doutrina e jurisprudência, protegendo o trabalhador que se vê acossado entre o cumprimento de ordens e a ilegitimidade do seu incumprimento.
39ª. "Como a relação de trabalho tem vocação de perenidade, apenas se justifica o recurso à sanção expulsiva ou rescisória do contrato de trabalho, que o despedimento representa, quando se revelarem inadequadas para o caso as medidas conservatórias ou correctivas, à luz do principio da proporcionalidade (Ac. STJ, de 22.9.1989, Rec. n.° 2167:AJ, 171-16, e BTE, 2a série, n.° 4-5-6/92, pág. 774)."
40ª. "Para considerar o comportamento do trabalhador tão grave que implique imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, exige a lei que sejam sérios e vultosos os interesses patrimoniais da entidade patronal por ele lesados. Não basta, na verdade, um ligeiro prejuízo ou possibilidade de haver lesão para conduzir a consequência tão grave como a ruptura do vínculo laboral. A lesão tem na realidade que ser séria e efectiva para que a justifique e determine (Ac. da RP, de 15.3.1982)
Do Recurso Subordinado
41ª. A douta sentença, de acordo com o depoimento do Senhor Director de Loja gravado no lado B da Cassete 2, cassete 3 e cassete 4 lado A. da rotação 0008 à 2052, deveria ter dado como provado que este, enquanto superior hierárquico da Recorrente lhe determinava a prestação de trabalho para além das 8 horas diárias e para além dos 5 dias por semana. (2ª a 6ª feira).
42ª. A Testemunha DD afirmou claramente que o horário da abertura de Loja iniciava-se às 6h.30m, saindo a Recorrente, quando fazia este horário pelas 19 horas, e que o fecho era pelas 22h30m, horário em que a Recorrente entrava pelas horas 8 horas.
43ª. Já o director de Loja, testemunha CC, claramente afirma que a A. entrava às 5h.30m da manhã e saía 23/23.30 de segunda a sábado.
44ª. Face a estes testemunhos sempre deveria ter dado como provados os factos alegados nos art. 53°, 54°, 59°, 60°, e 61° da PI.
45ª. Também deveria o tribunal "a quo" ter condenado a Apelada no subsídio de isenção de horário de trabalho desde Janeiro de 2003.
46ª. Pois dos documentos juntos pela Apelada se vê que de Janeiro a Julho de 2003 no recibo constava um salário base de € 832,00 a que acrescia um complemento de estágio de € 468,00 e que a partir de Agosto de 2003 a composição salarial dos € 1.350,00 era referente a € 1080,00 de salário base e € 270,00 de isenção de horário, sendo que na verdade eram os iniciais € 1.300.,00 acrescidos do aumento salarial havido em Maio de 2003.
47ª. À relação jurídica subjacente, e no que concerne ao pagamento do trabalho suplementar deveriam ter sido aplicados os princípios dos art° 13°, 14° e 15° do Dec. Lei 409/71 e não no dos art. 177° e 178° do CT por força do art. 8º n.° 1 do Dec. Lei Preambular deste CT dado o pseudo acordo de isenção era anterior a Dezembro 2003.
48ª. Razões porque será devido o pagamento do trabalho suplementar prestado até Setembro de 2003 e o subsídio de isenção a partir deste mês, e ainda o trabalho suplementar prestado aos sábados e domingos.
49ª. A Recorrente enquanto chefe dos serviços Administrativos trabalhava aos sábados e domingos, dias em que por força do clª da 10ª a), alª d) do CCT aplicável eram o dia de descanso complementar e obrigatório, respectivamente.
50ª. Não pertencia a Apelante a um grupo profissional que incluisse esses dias no seu horário semanal de trabalho.
51ª. Por tal sorte em vez do pagamento destes dias em singelo por via do subsídio de domingo deveria, o seu trabalho ser considerado como trabalho suplementar, logo remunerado pelo dobro.
52ª. Ao não decidir assim, errou a douta sentença e acórdão em crise, que deve ser revogado.
Termina a A. pedindo a revogação do acórdão da Relação, na parte recorrida, com a confirmando-se da sentença de 1ª instância no tocante à ilicitude do despedimento e consequências inerentes ao mesmo, nomeadamente no que toca a danos morais, e com a condenação da Recorrida no trabalho suplementar reclamado aos dias de semana e de descanso complementar e obrigatório.
A R. contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
A Exmª Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal emitiu parecer, não objecto de resposta das partes, no sentido de ser negada a revista.
III. Colhidos os vistos, cumpre decidir.
As instâncias deram como provados os seguintes factos:
1. A autora foi admitida pela ré em Abril de 1992, com a categoria profissional de chefe de frente de loja.
2. Na data do despedimento, por força da evolução contratual e competente desempenho da autora, desempenhava, desde Janeiro de 2001, as funções de Chefe de Serviço Administrativo.
3. Funções, uma e outra, que sempre desempenhou sob as ordens, direcção e fiscalização da ré.
4. A 23 de Maio de 2005, foi enviada à autora Nota de Culpa com intenção de despedimento.
5. Em resumo, acusa a referida Nota de Culpa:
a) nos dias 22 e 23 de Março de 2005 é realizada uma Auditoria à Loja de Leiria.
b) na sequência da qual apurou que o director de Loja “imediato superior hierárquico da arguida, levantava diversos montantes em dinheiro, junto da “frente loja”, emitindo cheques à ordem da BB, da sua conta pessoal.”
c) a autora trocava os cheques por dinheiro directamente nas caixas.
d) depositava o cheque na caixa.
e) quando o valor não podia ser retirado de uma única caixa, depositava o cheque na tesouraria.
f) por vezes, o fecho das caixas era apenas realizado no dia seguinte, ao invés de no final do dia, para possibilitar o apuramento de dinheiro suficiente, face ao valor do cheque.
g) noutras ocasiões, o dinheiro saía directamente do cofre, sendo tais montantes restituídos apenas no final do dia.
h) a quantia era entregue ao Director de Loja ou a outros funcionários que aquele encarregava de proceder ao depósito.
i) a conduta da autora prolonga-se após a saída do Director de Loja, a 10 de Março de 2005, pelo menos em 7 ocasiões.
j) a 22 de Abril de 2005 foi encontrado na secretária da autora um cheque de cliente devolvido por duas vezes, com data de Setembro de 2004, com a indicação de roubo.
k) o valor do cheque foi pago a 20 de Outubro de 2004 e a acusação cifra-se no facto da autora dever ter adoptado uma de duas atitudes:
a) devolver o cheque à cliente;
b) arquivá-lo.
A especial censurabilidade da conduta da autora, (ver artigo 20 da Nota de Culpa) reside no facto de manter a mesma conduta depois do director haver cessado funções.
6. Foram ouvidos os seguintes trabalhadores da ré: EE (assistente de direcção), FF (promotor comercial), DD (operadora de caixa), GG (operadora de caixa) e HH (director de loja).
7. A trabalhadora DD foi ouvida informalmente pelos auditores II e JJ, em data anterior a 23/5/2005.
8. A autora respondeu à Nota de Culpa, negando as acusações que lhe foram formuladas e fundamentando o seu comportamento, em súmula, pela normalidade que o Director punha nas ordens dadas, que, de resto, não o eram apenas à autora e ainda pela obrigação que sobre a mesma pendia de obediência ao seu superior hierárquico.
9. A autora actuou em obediência às ordens do seu superior hierárquico, o então chefe de loja CC, e referiu estar convicta de que as transacções efectuadas seriam do conhecimento superior.
10. Aquando da auditoria realizada e na sequência do processo disciplinar movido contra o Director de Loja à data, CC, a autora colaborou e prestou todas as informações que lhe foram solicitadas e esclareceu factos de que detinha conhecimento sem nada escamotear.
11. Com data de 04 de Agosto de 2005, a autora recebe um denominado aditamento à Nota de Culpa.
12. Considerou a ré que, no desenvolvimento do procedimento disciplinar em curso, havia apurado novos factos que constituíam, de per si, novas violações de deveres laborais.
13. Factos esses, a saber:
a) Deu ordens às supervisoras DD e GG, em mais de uma ocasião, no sentido de não depositarem o dinheiro existente nas caixas no final do dia no cofre da E... e o guardassem em cofre normal até ao dia seguinte.
b) Dava ordens às mesmas supervisoras para que apenas no dia seguinte ao fecho de caixa procedessem ao relatório manual do fecho de caixa, com data do dia anterior.
c) Dava ordens às supervisoras para que só após a troca do cheque por numerário efectuassem o depósito de valores no cofre da E....
Afirma que o levantamento dos depósitos do dia anterior só seria efectuado pela E... na tarde do dia seguinte.
d) Deu ordem às referidas supervisoras para não constar dos relatórios destas as trocas de numerário em cheque.
e) A autora e o Director promoveram as supervisoras a estas funções sem formação de fecho de caixa; estas desconheciam a existência de normas e procedimentos de fecho de caixa.
14. A autora rebateu novamente as acusações de que foi alvo, conforme resposta à nota de culpa adicional.
15. A autora recebeu uma ordem do seu director de loja, à data CC, para que trocasse, designadamente, os cheques pessoais deste com data posterior a 10/3/2005, que este lhe confiou.
16. O CC foi colocado, a partir de 10/3/2005, como director da loja de Palmela da ré.
17. A directora de recursos humanos da ré solicitou o cancelamento de contas bancárias onde a autora era co-titular, agindo em representação e movimentando dinheiros da ré.
18. Cancelou e retirou ao Director de Loja todas as contas da titularidade da ré e onde este agia em representação desta.
19. A autora sentiu-se e sente-se extremamente vexada e humilhada com os factos que lhe foram imputados sob a forma de uma conduta desonesta.
20. Foram, de resto, a vergonha e a humilhação sofridas que levaram a autora a refugiar-se em Coimbra, deixando Leiria, com evidente prejuízo, pois foi forçada a assegurar duas casas.
21. Ainda hoje, a autora não consegue deslocar-se a Leiria, nem aí se deslocou para receber os créditos salariais em virtude do despedimento, tal vergonha sentia.
22. A honra, o bom-nome e a reputação da autora foram postos em causa, levando esta a uma profunda depressão da qual continua a padecer.
23. A autora detinha total confiança da ré, possuindo cartão multibanco para movimentar as contas da empresa, de que era titular juntamente com o director de loja.
24. Por força da deslocação da autora para Leiria com a abertura da Loja, deslocação que ocorreu em Janeiro de 2003, a autora viria a comprar, em Abril de 2004, casa. Atente-se que a autora residia em Coimbra e aí trabalhava para a ré em data anterior a Janeiro de 2003.
25. Por força desta nova aquisição, passaria a pagar – aquisição com mútuo contraído a instituição bancária – € 421, 28 de prestação mensal. O número de horas de trabalho também não lhe permitia regressar diariamente a Coimbra.
26. Ao ser-lhe instaurado o processo disciplinar com os fundamentos aí vertidos, atentatórios da sua honestidade e carácter, a autora voltou a Coimbra para junto dos seus.
27. Desde Agosto de 2005, a autora continuou a suportar a prestação da casa de Leiria, que, desde aí, não habita.
28. No momento do despedimento, a autora auferia a retribuição de € 1.385,00 (mil trezentos e oitenta e cinco euros).
29. Durante o período que passou na loja de Leiria, a autora, primeiro em função da necessidade de proceder à sua abertura (1 de Janeiro a Maio de 2003) e depois devido à acumulação de funções que lhe foi exigida, entrava, por vezes, na loja de Leiria pelas 6.30 horas e, muitas vezes, saía cerca das 23/23.30 horas.
30. Durante todo este período de tempo, apenas faltou uma semana em consequência da morte de uma colega, KK, que também se deslocava de Coimbra para Leiria e, como a autora, fazia o mesmo horário.
31. A colega em questão haveria de ver a morte quando, numa madrugada em que se dirigia para a empresa, terá certamente adormecido ao volante e morreu. Deixou um filho pequeno e na autora uma grande mágoa e forte depressão.
32. A autora entrou para a loja de Leiria a 21 de Janeiro de 2003.
33. A autora trabalhava, em regra, de segunda a sábado e tinha o domingo livre.
34. Em Dezembro, por ser época natalícia, a autora trabalhava também aos domingos.
35. Em 2004, a autora gozava uma folga quinzenal, à 2ª feira.
36. Durante este período, a autora acumulava as suas funções com o trabalho na frente-loja, por escassez de pessoal. Também desempenhou funções de promoção comercial, venda de cabazes de Natal, etc.
37. Em Janeiro de 2003, a autora assinou um acordo de isenção de horário de trabalho.
38. Entre Janeiro de 2003 e Dezembro de 2003, a autora não gozou qualquer dia de descanso complementar, o que totaliza trabalho num total de 47 dias x 8 horas.
39. No ano de 2004, a autora gozou apenas uma folga de 15 em 15 dias, o que totaliza, de Janeiro a Outubro, 20 dias x 8 horas – folga que gozava à segunda-feira, apesar do seu dia de descanso complementar ser o Sábado.
40. À data da nota de culpa, a autora prestava a sua actividade – como Chefe dos Serviços Administrativos – na Loja da entidade empregadora, sita em Leiria.
41. Nos dias 22 e 23 de Março de 2005 foi realizada uma auditoria de rotina pelo departamento de auditoria interna da BB à loja de Leiria, com a colaboração da arguida, no âmbito do desempenho das suas funções.
42. Durante tal auditoria, foi apurado que o Senhor CC, Director da Loja de Leiria e imediato superior hierárquico da arguida, levantava diversos montantes, em dinheiro, junto da “Frente de Loja”, emitindo, em contrapartida, cheques à ordem da BB, da sua conta pessoal.
43. Confrontada com tal facto, a autora confirmou que o Sr. CC, com alguma frequência, trocava cheques pessoais nas caixas da loja em apreço, para o que exigia a colaboração da autora.
44. A arguida referiu que trocava os cheques, que lhe eram entregues pelo Senhor CC, por dinheiro, para o que se dirigia directamente às caixas, e que, nas situações em que isso não era possível por se encontrar demasiado ocupada, encarregava um supervisor de o fazer.
45. Ao proceder ao levantamento do dinheiro correspondente ao valor dos cheques, estes eram colocados na caixa.
46. Uma vez que se tratava de valores entre os 2.000,00 e os 7.000,00 euros, era necessário, por vezes, o recurso a mais do que uma caixa, sendo, nestes casos, o cheque depositado junto da tesouraria.
47. Neste âmbito, foi, igualmente, apurado que, em determinadas situações, o fecho das caixas era apenas realizado no dia seguinte, ao invés de no final de cada dia, como era o procedimento prescrito, de modo a que existisse dinheiro suficiente para fazer face aos montantes inscritos nos cheques.
48. Noutras ocasiões, o dinheiro era retirado directamente do cofre, sendo tais montantes apenas restituídos no final do dia.
49. Os montantes assim disponibilizados eram devidamente entregues pela arguida ao Sr. CC, ou, por vezes, a outros funcionários que aquele encarregava de os depositarem na sua conta bancária.
50. Mediante o procedimento acima referido, entre 23 de Novembro de 2004 e 19 de Março de 2005, foram trocadas, na frente de loja, diversas quantias em dinheiro, totalizando 168.000,00 euros, por cheques de igual montante da conta pessoal do chefe de loja, CC.
51. Quando interpelada sobre os motivos que haviam determinado a sua conduta, a arguida referiu que apenas cumpria as ordens que lhe eram dadas pelo seu superior hierárquico, Snr. CC.
52. Tendo o Sr. CC cessado as suas funções na loja de Leiria em 10 de Março de 2005 (para ir desempenhar idênticas funções na loja de Palmela), sendo substituído pelo Sr. HH, a autora ainda trocou, até 19 de Março, mais sete cheques pessoais do referido CC por dinheiro, tarefa de que este a tinha antecipadamente encarregado.
53. Em 22 de Abril de 2005, foi encontrado na secretária da arguida um cheque emitido pela cliente LL, com data de 25 de Setembro de 2004, o qual havia sido devolvido pelo Banco de Portugal, por duas vezes, supostamente por motivos de roubo.
54. Tal cheque havia sido pago pela referida cliente no dia 20 de Outubro de 2004.
55. No seguimento das ordens que lhe eram dadas pelo CC, a autora ordenou, por diversas vezes, às supervisoras de caixa DD e GG, que não depositassem o dinheiro existente nas caixas, no final do dia, no cofre da E... existente na loja de Leiria – para ser depois recolhido por esta empresa – e o guardassem, ao invés, no cofre normal da loja até ao dia seguinte.
56. Este procedimento visava garantir que, no dia seguinte, estivessem, logo de manhã, disponíveis quantias elevadas em numerário, o que não se verificaria se o produto das vendas do dia anterior tivesse sido depositado no cofre da E..., de onde apenas podem ser retirados valores pelos funcionários desta empresa, para serem transportados.
57. Esta necessidade de ter disponíveis elevados montantes em numerário logo de manhã prendia-se com as trocas de numerário existente na loja por cheques pessoais do Sr. CC, manifestando este à arguida, nos dias em que este procedimento se verificou, que no dia seguinte pretenderia efectuar uma destas trocas de manhã, pelo que seria necessário que existisse dinheiro nas caixas.
58. A arguida ordenava às supervisoras DDe GG que apenas na manhã seguinte, após a troca de numerário pelo cheque do Sr. CC, se elaborasse a versão final do relatório manual do fecho de caixa, com data do dia anterior.
59. A arguida ordenava ainda às supervisoras que, apenas então, efectuada a troca de numerário pelos referidos cheques, efectuassem o depósito dos valores no cofre da E..., uma vez que, como a recolha do mesmo apenas ocorria a meio da tarde, tudo se passava como se os depósitos tivessem sido efectuados no dia anterior, não sendo descobertas por pessoas estranhas ao procedimento estas irregularidades.
60. A arguida ordenou, também, às referidas supervisoras, em mais de uma ocasião, que não fizessem constar dos seus relatórios manuais de fecho de caixa – onde se discriminam os montantes recebidos em numerário e em cheque – as trocas de numerário por cheque do Sr. CC, não constando estes cheques dos referidos relatórios e sendo aí contabilizados como numerário.
61. O motivo destas instruções era evitar a desconformidade entre os relatórios informáticos de fecho de caixa – onde está discriminada a forma de recebimento (cheque ou numerário) de todas as quantias recebidas, sem que o operador de caixa possa alterar esse registo – e os relatórios manuais de fecho de caixa, os quais, ao reflectirem mais recebimentos em cheques, em virtude das trocas de numerário por cheques do Sr. CC, poderiam chamar a atenção para a existência de irregularidades.
62. Às referidas supervisoras, promovidas a essas funções enquanto o Sr. CC era director da loja de Leiria, foi dada uma insuficiente formação de fecho de caixa, com lacunas sobre as normas internas que contemplavam tal tarefa.
63. A ré remeteu, em 16 de Setembro de 2003, um pedido de autorização de isenção de horário de trabalho, ao Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho (I.D.I.C.T.), juntamente com uma Declaração de aceitação de tal isenção assinada pela autora.
64. O referido pedido de isenção foi deferido pelo I.D.I.C.T., por um período de quatro anos, conforme carimbo aposto no referido pedido.
65. O trabalho realizado aos feriados e domingos foi remunerado pela ré como trabalho suplementar, no mês seguinte àquele em que ocorreu.
IV. Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, o objecto dos recursos é delimitado pelas respectivas conclusões (art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1 do CPC, na redacção em vigor à data da propositura da acção), as questões em apreço na revista interposta pela A. traduzem-se em:
- saber se existe, ou não, justa causa para o seu despedimento;
- saber se a A. tem direito a receber os montantes que reclama a título de trabalho suplementar e isenção de horário de trabalho.
Da justa causa do despedimento
Defende a A. que, ao contrário do afirmado na decisão recorrida, não existe fundamento para afirmar a justa causa do despedimento de que foi alvo por parte da R.
Refira-se, antes de mais, que nas conclusões 1ª a 19ª, ao alegar a existência de um pretenso erro de julgamento, a A. insurge-se contra a possibilidade da Relação formar um juízo de valor diferente do efectuado pela 1ª instância sobre os mesmos factos considerados provados nos autos.
Mas sem razão.
É sabido que o Tribunal não está vinculado à qualificação jurídica dos factos realizada pelas partes e, ainda, que o Tribunal de recurso não fica vinculado à apreciação jurídica dos factos realizada pelos tribunais de jurisdição inferior.
Como a própria A. afirma, o Tribunal da Relação não alterou os factos dados como provados pela 1ª instância.
E o acórdão recorrido, na parte referente à apreciação da justa causa de despedimento, mais não fez do que apreciar esses mesmos factos, conformando-os com a solução jurídica que entendeu ser a adequada e, explicitando o raciocínio lógico que seguiu, concluiu de forma a não corroborar a decisão alcançada pela 1ª instância.
Ou seja, a Relação apreciou e valorou juridicamente os factos provados nos termos legalmente consentidos.
Não se está, pois, perante uma situação de indevida alteração, pela Relação, dos factos dados como provados na 1ª instância, mas de eventual erro de julgamento de direito, que analisaremos a seguir.
Sobre a justa causa de despedimento.
Dispõe o n.º 1 do art. 396.º do CT: “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral constitui justa causa de despedimento.”
É entendimento reiterado desta Secção que a noção de justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa de dois requisitos:
- um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências;
- que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
E existe a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar, no espírito da primeira, a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.
Nas palavras de Monteiro Fernandes- (1) , “não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença - fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (...). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante a realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo”.
Ou, como refere noutro passo- (2) , “a cessação do contrato, imputada a falta disciplinar, só é legítima quando tal falta gere uma situação de impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória”.
E, na apreciação da gravidade da culpa e das suas consequências, deve recorrer-se ao entendimento do “bom pai de família”, de um “empregador razoável”, segundo critérios objectivos e razoáveis, em face do circunstancialismo concreto, devendo atender-se, “no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes”, como estabelece o n.º 2 do art.º 396º.
Sendo certo que cabe ao empregador a imputação dos factos integrantes da justa causa de despedimento, a descrever na nota de culpa e a dar como assentes na decisão final do processo disciplinar (art.ºs 411º, n.º 1 e 415º, n.ºs 2 e 3 do CT).
Os factos integradores da justa causa são constitutivos do direito do empregador ao despedimento do trabalhador ou, na perspectiva processual da dita acção de impugnação, impeditivos do direito à reintegração ou ao direito indemnizatório que o trabalhador nela acciona, com base numa alegada ilicitude do despedimento, e como tal a provar por ele empregador (art.º 342º, n.º 1 do CC).
Face a estas considerações genéricas, vejamos o caso dos autos.
A R. assentou a justa causa de despedimento, essencialmente, na circunstância de a A., a pedido do seu superior hierárquico, Director de Loja, trocar valores da caixa em numerário por cheques da conta bancária daquele; tendo ainda, para o efeito, dado instruções às supervisoras, suas subordinadas, para procederem ao fecho de caixa no dia seguinte, comportamento que manteve, em relação a 7 cheques, após a data de saída do referido Director de Loja do estabelecimento onde a A. desenvolvia as suas funções.
Analisando a actuação da A., o acórdão recorrido discorreu assim, no que aqui interessa:
«No caso presente a ênfase coloca-se em torno da noção de inexigibilidade enquanto suporte psicológico do vínculo.
A A. não era uma trabalhadora qualquer.
Detinha na estrutura organizativa da empresa R., concretamente na loja onde exercia a sua actividade, e enquanto ‘Chefe de Serviço Administrativo’, (categoria a que ascendeu, por força da evolução contratual e do competente desempenho, depois de ter sido admitida para as funções de ‘Chefe de frente de Loja’), uma posição de evidente responsabilidade e de acrescida confiança do empregador.
O cumprimento dos deveres funcionais gerais postulados, (v.g. os alinhados no n.º 1 do art. 121.º, c), d), e) e f) do Cód. do Trabalho), exigia-lhe, por isso, uma particular atenção, empenho, discernimento e escrúpulo.
Importa assim ponderar acerca da sua culpa na adopção do sindicado comportamento, e da sua gravidade e consequências, em termos do juízo de prognose sobre a viabilidade da relação.
A sua conduta está longe de se mostrar explicada/justificada, antes de mais.
Não é facilmente compreensível (…e aceitável) que a A. se predispusesse, sem mais, de forma continuada e ao longo de cerca de quatro meses, (de 23 de Novembro de 2004 a 19 de Março de 2005), a viabilizar a denunciada prática, em si nada normal e por isso estranha, que implicava, além dos descritos desvios procedimentais internamente vigentes, o envolvimento de outros operadores – …só por obediência a ordens do superior hierárquico, CC, Director de Loja.
A arguida trocava cheques, que lhe eram entregues pelo CC, por dinheiro, para o que se dirigia directamente às caixas, e quando não o podia fazer pessoalmente, (nas situações em que isso não era possível por se encontrar demasiado ocupada), encarregava um supervisor de o fazer.
Ao proceder ao levantamento do dinheiro correspondente ao valor dos cheques, estes eram colocados na caixa.
Uma vez que se tratava de valores entre os 2.000,00 e os € 7.000,00, era necessário, por vezes, o recurso a mais do que uma caixa, sendo nestes casos o cheque depositado junto da tesouraria.
Apurou-se ainda, neste âmbito, que, em determinadas situações, o fecho das caixas era apenas realizado no dia seguinte, ao invés de no final de cada dia, como era o procedimento prescrito, de modo a que existisse dinheiro suficiente para fazer face aos montantes inscritos nos cheques.
Noutras ocasiões o dinheiro era retirado directamente do cofre, sendo tais montantes apenas restituídos no final do dia.
Os montantes assim disponibilizados eram entregues pela arguida ao CC ou, por vezes, a outros funcionários que aquele encarregava de os depositar na sua conta bancária.
E assim se foi procedendo, sendo trocadas, na frente de loja, diversas quantias em dinheiro que totalizaram, no referido período, € 168.000,00, por cheques de igual montante da conta pessoal do chefe de loja, CC.
Na implementação desta prática, a A. ordenava por diversas vezes às supervisoras de caixa, DD e GG, que não depositassem o dinheiro existente nas caixas, no final do dia, no cofre da ‘E...’, existente na loja de Leiria (para depois ser recolhido por esta empresa) e o guardassem, ao invés, no cofre normal da loja, até ao dia seguinte.
Para quê? Para que assim se garantisse que, no dia seguinte, estivessem logo de manhã disponíveis quantias elevadas em numerário, o que não se verificaria se o produto das vendas do dia anterior tivesse sido depositado no cofre da ‘E...’, de onde apenas podem ser retirados valores pelos funcionários desta empresa, para serem transportados.
Essa necessidade de ter disponíveis elevados montantes em numerário logo de manhã prendia-se com as trocas de numerário existente na loja por cheques pessoais do Sr. CC…
A arguida ordenava às supervisoras DDe GG que apenas na manhã seguinte, após a troca de numerário pelo cheque do Sr. CC, se elaborasse a versão final do relatório manual do fecho de caixa, com data do dia anterior.
A arguida ordenava ainda às supervisoras que, apenas então, efectuada a troca de numerário pelos referidos cheques, efectuassem o depósito dos valores no cofre da ‘E...’, uma vez que, como a recolha do mesmo apenas ocorria a meio da tarde, tudo se passava como se os depósitos tivessem sido efectuados no dia anterior, não sendo estas irregularidades descobertas por pessoas estranhas ao procedimento.
A arguida ordenou também às referidas supervisoras, em mais de uma ocasião, que não fizessem constar dos seus relatórios manuais de fecho de caixa – onde se discriminam os montantes recebidos em numerário e em cheque – as trocas de numerário por cheques do Sr. CC, não constando estes cheques dos referidos relatórios e sendo aí contabilizados como numerário.
O motivo destas instruções era evitar a desconformidade entre os relatórios informáticos de fecho de caixa – onde está discriminada a forma de recebimento, (cheque ou numerário), de todas as quantias recebidas, sem que o operador de caixa possa alterar esse registo – e os relatórios manuais de fecho de caixa, os quais, ao reflectirem mais recebimentos em cheques, em virtude das trocas de numerário por cheques do Sr. CC, poderiam chamar a atenção para a existência de irregularidades.
Quando interpelada sobre os motivos que haviam determinado a sua conduta, a arguida referiu que apenas cumpria as ordens que lhe eram dadas pelo seu superior hierárquico.
Este cessou funções na loja de Leiria em 10 de Março de 2005, mas a A. ainda trocou mais sete cheques pessoais daquele por dinheiro, até 19 de Março…tarefa de que este a tinha antecipadamente encarregado.
Estes são os pontos de facto que descrevem, no essencial, os passos mais significativos da actuação da A./arguida disciplinar.
Estranho comportamento, este, durante tanto tempo, envolvendo riscos evidentes, que vão desde a guarda de valores no cofre da loja, (à revelia do normal procedimento de os fazer depositar no cofre da ‘E...’), até à hipótese, sempre equacionável, de os cheques, envolvendo montantes consideráveis, relativamente elevados até, poderem não obter pronta e boa cobrança, numa reiteração que faria suspeitar, a qualquer pessoa minimamente avisada, da regularidade e transparência daquelas operações e da sua motivação …
Culposo? Fora de dúvida.
Se, num primeiro momento, ainda se aceita que a A. não questionasse imediatamente a obediência a tais ordens do seu superior hierárquico, (…embora sem esquecer que as ordens e instruções a que está obrigado um qualquer trabalhador por conta de outrem, numa estrutura empresarial hierarquizada, com relações de supra-infra-ordenação, são apenas as que respeitem à execução e disciplina do trabalho, com a ressalva prevista – ‘ut’ alínea d) do n.º1 do art. 121.º do Cód. do Trabalho), impunha-se-lhe que, em termos de prudência e normalidade, ponderasse a seguir e acautelasse, responsavelmente, as suas obrigações e o seu competente desempenho, recusando cumpri-las e/ou denunciando a situação às instâncias superiores do seu empregador...
…Pois facilmente se perceberia, logo a seguir – e essa percepção é elementar e óbvia, nomeadamente por contraponto ao dever de lealdade ao empregador e à obrigação de realizar o trabalho com zelo e diligência, ‘ut’ alíneas c) e e) da mesma norma, deveres a que a A. tinha que ser particularmente sensível, atenta a sua qualificação e responsabilidades funcionais – que tal determinação não era legítima, exorbitava a interacção e âmbito profissionais, visava apenas uma vantagem ou interesse pessoal, sem qualquer relação com a execução e disciplina do trabalho.
…Não tendo, além disso, qualquer fundamento desculpável a opção de – em vez de tomar posição consentânea, como se disse – prolongar a referida prática para além do momento em que o director da loja deixou de ser seu superior hierárquico, trocando ainda mais sete cheques por ele deixados, correspondentes a uma verba ainda assim bastante avultada!
Consciente de que a conduta assumida era manifestamente desviante, irregular e arriscada, não poderia a A. deixar de estar, atestando-o a circunstância de ter dado instruções às supervisoras, suas subordinadas, para não fazerem constar a discriminação dos valores (numerário/cheque) nos relatórios manuais, conforme acima factualizado.
Tudo isto se percepcionou perfeitamente na decisão ora sob censura – cfr. fls. 735v.º.
Simplesmente não se foi consequente, não se ousou retirar daí as respectivas consequências, antes se desvalorizando a repercussão deste tipo de conduta na relação fiduciária que o vínculo juslaboral pressupõe, em geral, e que exigia, no caso, atentas as funções desempenhadas pela A. na empresa, de elevado nível, um desempenho sóbrio, seguro e responsável…
…Que não se compadeceria com uma obediência acrítica, (…’obediência colaborante’, como se diz a fls. 736…), de resultados imprevisíveis, a uma qualquer determinação do superior hierárquico, aliás injustificada, no caso, e de recorte pouco transparente, com evidentes riscos patrimoniais potencialmente sérios.
Grave, também.
E, por isso, manifestamente reprovável.
Esta actuação da A. não pode, pois, justificar-se, como se justificou, tão-somente na obediência às ordens do referido director da loja.
(O seu empregador, a quem devia lealdade funcional, não era este seu colega … igualmente despedido, aliás, e parte num idêntico processo de impugnação de despedimento, a avaliar pelo que se diz a fls. 877).
As qualificadas funções da A., com a confiança postulada e a correspondente responsabilidade, (a A. era até co-titular de contas bancárias, agindo em representação e movimentando dinheiros da R., tendo a directora de recursos humanos desta solicitado o respectivo cancelamento, depois disto – cfr. ponto 17 dos factos provados), impunham-lhe outra discernida reacção, nada justificando que devesse cumprir, sem mais, a pretensão/ordens do colega de trabalho, de feição e no interesse exclusivamente pessoal deste, com manifesto desrespeito das suas obrigações contratuais.
A mal explicada conduta da A., longe de constituir um qualquer erro desculpável – pese embora, por sorte, as coisas até nem tenham acabado tão mal quanto poderiam, em termos de riscos/prejuízos patrimoniais – afecta irreparavelmente a pressuposta relação de confiança que nela depositava o empregador, deixando justificadas reservas, em termos de juízo de prognose, sobre a sobriedade e competência do seu desempenho futuro.
Determinar a manutenção do vínculo, nestas condições – quando na verdade se perderam, com bem se diz algures, as condições mínimas de confiança e convivência ética pressupostas – seria impor uma injusta solução, violentando a sensibilidade que um qualquer empregador médio, colocado na posição da R.
Não vemos que qualquer outra sanção disciplinar conservatória se compaginasse com a descrita conduta da A.
O despedimento, com justa causa, foi licitamente cominado.
Não podemos, por isso, ratificar o juízo alcançado.” (Fim de transcrição).
Concordamos, no essencial, com as considerações e juízos tecidos na fundamentação acima transcrita.
Como se consignou no aresto desta Secção, referenciado pela E.xma Sra. Procuradora-Geral Adjunta, de 22.04.2009, tirado na Revista n.º 153/09, o dever de lealdade tem um alcance normativo que supera os limites do sigilo e da não concorrência, impondo ao trabalhador que aja, nas relações com o empregador, com franqueza, honestidade e probidade, em consonância, aliás, com a boa fé que deve presidir à execução do contrato, nomeadamente, vedando-lhe comportamentos que determinem situações de perigo para o empregador ou para a organização da empresa, por um lado, e, por outro, impondo-lhe que tome as atitudes necessárias quando constate uma ameaça de prejuízo.
Ora, no caso dos autos, independentemente de o comportamento da A. não ter causado prejuízos económicos à R., o certo é que o mesmo não corresponde àquilo que seria o comportamento devido (por estar de acordo com as regras e determinações da R.) e que lhe seria exigível, enquanto trabalhadora inserida numa organização hierárquica que, dentro da loja onde exercia funções, correspondia ao segundo lugar de topo. Tanto mais que a A. deu indicações a outras trabalhadoras da R., suas subalternas, para adoptarem procedimentos de fecho de caixa que não estavam em consonância com as determinações da R..
E não pode proceder o argumento da A. ao pretender justificar o seu comportamento com o cumprimento de “ordens” emanadas pelo Director de Loja (entenda-se este como seu “colega”, ou “chefe”), desde logo porque a mesma bem sabia que essas “ordens” não correspondiam às determinações da R..
Por outro lado, como a troca dos valores em numerário por cheques da conta pessoal daquele Director em nada se relacionava com o exercício das suas funções ou com qualquer situação que se tenha revelado do interesse da R., a A., em vez de colaborar com tal comportamento – executando, e/ou mandando executar os actos necessários para a efectiva concretização dessa troca com procedimentos contrários aos determinados pela R. –, no mínimo, deveria ter colocado à consideração superior essa situação, comunicando-a.
Este comportamento, por si só, defrauda a confiança que a R. depositava na A., a qual está bem patenteada no facto demonstrado de a A. ser co-titular de contas bancárias da R., no âmbito das quais a A. agia em representação da R., movimentando dinheiros desta (facto provado sob o n.º 23).
Ou seja, o suporte base necessário ao vínculo laboral, atenta a amplitude de poderes que à A. estavam atribuídos, ficou, necessariamente, quebrado quando a A. permitiu (e até determinou) que se procedesse à troca dos dinheiros efectivamente recebidos na loja no âmbito das transacções comerciais aí realizadas por cheques que nada tinham a ver com essas transacções (apresentando uma realidade contabilística não condizente com a realidade de maneio das caixas), alterando, inclusivamente, a altura determinada pela R. para o fecho das caixas da loja (em vez do próprio dia, seriam fechadas no dia seguinte).
Como poderia a R., em termos de prognose, confiar que a A. não voltaria a alterar os procedimentos determinados na movimentação de dinheiros das caixas da loja, ou nas próprias contas bancárias?
O comportamento da A. consubstancia uma actuação desleal e desonesta, em si mesma, que se impõe, independentemente de saber se a R. sofreu efectivos e concretos prejuízos ou se a A. obteve benefícios pessoais.
É de salientar que a jurisprudência desta Secção do Supremo Tribunal tem sido particularmente exigente quanto à observância do dever de lealdade pelo trabalhador, acentuando a gravidade da violação desse dever e sua relevância como justa causa de despedimento.
Nesse âmbito, tem repetidamente defendido que a diminuição da confiança do empregador resultante dessa violação não está dependente da efectiva verificação de prejuízos para o empregador, emergentes da actuação do trabalhador, nem da existência de culpa grave do trabalhador- (3).
Atento o exposto, concluímos que a A. incorreu em infracção disciplinar por violação do dever de lealdade e que essa infracção assume, no quadro que acima foi referenciado, gravidade suficiente para justificar o despedimento da A..
No caso, mostra-se razoável e justificada a perda objectiva de confiança da R. no comportamento futuro da A., que tornou inexigível que a R. a mantivesse ao seu serviço, por ser de afirmar que a relação contratual não mantém aptidão e idoneidade para prosseguir a função típica que lhe está cometida. Como tal, a continuidade do vínculo representaria, objectivamente, uma insuportável imposição à R..
Ou seja, a actuação ilícita e culposa da A. tornou prática e imediatamente impossível a manutenção da relação laboral, pelo que se preenche a justa causa de despedimento invocada pela R.
Desta forma, improcede, neste âmbito, a revista.
Do trabalho suplementar
A este respeito, a A. formulou conclusões de revista rigorosamente iguais às que apresentou na apelação, sem indicação de qualquer norma que, no seu entendimento, tenha sido violada pela decisão recorrida, pretendendo que sejam alteradas várias respostas aos factos.
Em apreciação dessa questão, a Relação decidiu não ser de alterar a factualidade determinada pela 1ª instância, com os termos que expressamente fundamentou.
Este Supremo Tribunal, funcionando estruturalmente como um tribunal de revista, só aprecia, em princípio, matéria de direito, cabendo-lhe aplicar definitivamente à factualidade fixada nas instâncias o regime jurídico que entenda adequado (arts. 209.º da CRP, 26.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (LOTJ), 87.º, n.º 2, do CPT e 721.º 722.º e 729.º do CPC).
Nos termos do disposto nos art.s 722.º, n.º 2 e 729.º do CPC (com a redacção anterior à operada pelo DL n.º 303/2007, de 27 de Agosto, a aplicável ao caso), só é permitido o controlo em matéria de facto pelo Supremo quando a censura produzida se circunscreve ao direito probatório material, e ainda, agora com reenvio do processo ao tribunal «a quo», sempre que o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou quando entenda que ocorrem contradições na referida decisão, que inviabilizam a solução jurídica do pleito.
Ou seja, o poder censório consentido ao Supremo em sede de matéria de facto não abrange o de sindicar a factualidade que as instâncias consideraram assente com base em prova testemunhal ou em prova documental sem força probatória plena, uma vez que tal questão se situa apenas no domínio da relevância concedida pelas instâncias a um meio probatório que se enquadra no princípio da livre apreciação da prova- (4).
Não é o caso dos presentes autos, pois a A. não alega a violação de qualquer norma de direito material e, analisada a factualidade consignada como provada pelas instâncias, não se verifica contradição insanável entre ela.
Os factos constantes dos pontos que a A. pretende ver alterados foram julgados provados com base na convicção formada pelo tribunal da 1ª instância, ponderados que foram os elementos probatórios que aí foram directamente produzidos, na sua plenitude. A formação de tal convicção foi ainda apreciada pela Relação que, fundamentadamente, concluiu não haver elementos que determinassem a pretendida alteração dessa factualidade.
Assim, não se vislumbrando a violação do disposto nos art.s 690.º-A e 712.º, n.º 1 e 2 do CPC – que nem sequer se encontram invocados pela A. – está fora do âmbito dos poderes deste Supremo censurar o que, a esse propósito, decidiu a Relação.
E não se verificando a alteração da matéria de facto, com base na qual a A. fundamentou a sua revista, na parte ora em apreço, é de manter o decidido pela Relação. V. Pelo exposto, acorda-se em negar a revista e confirmar a decisão recorrida.
Custas da revista a cargo da A..
Lisboa, 29 de Setembro de 2010
Mário Pereira ( Relator)
Sousa Peixoto
Sousa Grandão
_____________________
1)- Manual do Direito do Trabalho, Almedina, 12.ª edição, pág. 557.
2)- Obr. cit., pág. 575.
3)- Entre outros, Arestos desta Secção de 27.05.2010, Revista n.º 1334/07; de 22.04.2009, Revista n.º 3083/07; de 09.092009, Revista n.º 226/09; de 30.09.2009, Revista n.º 623/09; e de 23.04.2008, Revista n.º 4483/07.
4)- Vejam-se no sentido apontado, os recentes acórdãos desta Secção de 20.01.2010, revista 8/06; de 20.01.2010, revista 8/06; de 03.02.2010, revista 387/09; de 03.03.2010, revista 1712/06; de 17.03.2010, revista 436/09; de 17.03.2010, revista 250/04 e de 05.05.2010, revista 119/07. |