ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
56/1999.P1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 07/13/2010
SECÇÃO 7ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA

DESCRITORES INVERSÃO DA POSSE
USUCAPIÃO
ACESSÃO INDUSTRIAL IMOBILIÁRIA
BENFEITORIAS
DOCUMENTO AUTÊNTICO
FORÇA PROBATÓRIA
LEGISLAÇÃO NACIONAL CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 371º, 1046º, 1074º, 1138º, 1253º, 1265º, 1290º, 1296º, 1340º

SUMÁRIO


1. Para se concluir que houve inversão da posse, em caso de arrendamento, é necessário que estejam provados factos que permitam sustentar ter ocorrido a oposição do arrendatário contra o proprietário.
2. Só a partir daí é que poderá começar a correr o prazo para a aquisição do direito de propriedade por usucapião.
3. As obras feitas pelo arrendatário devem ser consideradas benfeitorias, não podendo conduzir à aquisição do direito de propriedade por acessão.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL


Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:
1. Em 6 de Dezembro de 1993, AA (entretanto falecido, sendo habilitados em seu lugar BB e CC) instaurou uma acção contra DD e mulher EE, e FF (falecida, sendo habilitados GG e HH e os co-réus DD e EE; GG veio também a falecer, e HH foi habilitada como sua herdeira) pedindo a sua condenação no reconhecimento de que é proprietário de um terreno, que identifica, no qual construiu “um prédio urbano composto de morada de casas de r/c, com quintal”, e de que “nenhum título têm para se arrogarem donos e senhores do prédio”.
Para o efeito, alegou ter comprado o terreno, em 19 de Junho de 1949, a vendedores que “sempre [o] possuíram como coisa sua”, “por si e antepossuidores legítimos”; ter iniciado em 1957 a referida construção, que posteriormente foi remodelada na sequência de um incêndio, dela tendo sempre usufruído (conjuntamente com o dito terreno) pública e pacificamente; ter celebrado em 1960 um arrendamento para o exercício do comércio com AA, seu cunhado, casado com FF, arrendamento veio a ser adjudicado a esta última por morte do marido, por escritura de 11 de Março de 1980; que apenas em 1991 soube da adjudicação, e que desde esta data tomou conhecimento de que o prédio, por título que ignora, “passou a ser ocupado por terceiros”, cuja identidade desconhece; que desde então a mesma ré deixou de lhe pagar as rendas “referentes ao prédio, apear de dizer fazê-lo”; que todos os réus “se intitularam perante tais ocupantes, como donos e senhores do prédio” e o impedem de nele entrar.
Os réus contestaram. Em resumo, alegaram que o arrendamento fora celebrado com o primeiro réu; que em 1973 o autor lho tinha vendido, recebendo o preço correspondente; que o mesmo réu demoliu parte do prédio e construiu um novo edifício, pagando todas as despesas correspondentes; que portanto extinguiram o arrendamento, por acordo; que a escritura de compra e venda não chegou a ser realizada; que por volta de 1980 o mesmo primeiro réu construiu novo edifício; que em 1982, na sequência de um incêndio, reconstruiu parte do que existia e ligou os dois edifícios, sempre com conhecimento e o apoio do autor; que partes desses edifícios foram arrendadas a terceiros pelo mesmo réu; que implantou um pomar e pagou impostos correspondentes ao prédio; que o autor tinha conhecimento da escritura de 1980, e que sabia que o estabelecimento ali referido já então não existia.
Em reconvenção, pediram a condenação do autor “a reconhecer que o contestante DD é o dono e legítimo proprietário do prédio sub iudice que adquiriu por usucapião ou, caso assim não se entenda, por acessão, prontificando-se, neste a caso e se se entender necessário, a pagar o que for devido”.
AA replicou, contestando a reconvenção.
Pela sentença de fls. 570, decidiu-se julgar procedente a acção e improcedente a reconvenção. Os réus foram condenados “I. (…). 1) a reconhecerem o autor, na pessoa dos seus sucessores habilitados, como legítimo titular do prédio descrito nas alíneas a) a g) dos factos provados; 2) a reconhecerem que nenhum título têm para se arrogarem donos e senhores do prédio referido em I-1)”; e o autor foi absolvido do pedido.
Em síntese, o tribunal julgou provada a aquisição, pelo autor, do direito de propriedade sobre o prédio, quer por usucapião (artigos 1251º, 1258º, 1260º, nº 1, 1261º, 1263º, al. a), 1287º e 1296º do Código Civil), quer por efeito da presunção de titularidade resultante de posse superior a 20 anos (nº 1 do artigo 1268º do Código Civil), e de o mesmo “se encontrar registado em seu nome” (artigo 7º do Código do Registo Predial).
Julgou igualmente não haver qualquer prova da “existência na titularidade dos réus de qualquer título que legitime a sua actuação”, não tendo ficado provado “qualquer dos factos em que faziam assentar o pedido de reconhecimento de aquisição originária do direito de propriedade sobre o edifício”, nem estando reunidos os pressupostos para a aquisição por acessão.

2. Esta sentença foi confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 718.
DD e EE recorreram para o Supremo Tribunal da Justiça; o recurso foi recebido como revista, com efeito meramente devolutivo.
Nas alegações que apresentaram, os recorrentes formularam as seguintes conclusões:

“1ª) Os recorrentes sempre pagaram do seu bolso a todos os trabalhadores que efectuaram as obras;
2ª) Sempre celebraram todos os arrendamentos existentes no prédio sub iudice, recebendo todas as rendas dos vários arrendamentos;
3ª) O que começaram a fazer em Agosto de 1973;
4ª) Por isso, lhes deve ser conferido o direito que invocam, de acordo com os artigos 1287º e seguintes do Cód. Civil;
5ª) A não se entender assim, os recorrentes efectuaram e realizaram várias obras e melhoramentos, muito mais valiosos que o prédio que anteriormente aí existia;
6ª) Pelo que, nesta sede, lhes deve ser atribuído o direito que invocam, de acordo com o art. 1340-1 do Cód. Civil;
7ª) As doutas decisões recorridas violaram, entre outras, as disposições dos artigos 1258, 1261, 1287, 1288 e 1340-1 do Cód. Civil”.

BB e CC contra-alegaram, concluindo nestes termos:

A) Restou provado em sede de julgamento que autores/recorridos são os donos do prédio em litígio nos Autos, propriedade essa baseada na escritura de compra e venda celebrada em 29/ 07/1949 com os então legítimos proprietários do mesmo.
B) Aquisição essa inscrita na Conservatória do Registo Predial a favor dos Autores.
C) Presumindo-se, por isso, que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
D) Como tal, é inquestionável que os Autores adquiriram a propriedade do prédio em causa, onde posteriormente construíram e alteraram um edifício, presumindo-se assim que o imóvel lhes pertence.
E) Os réus/recorrentes passaram a ocupar e a usufruir o mesmo prédio, na qualidade de arrendatários, por força de um contrato de arrendamento celebrado em 16 de Dezembro de 1960; com o provado.
F) E, por via de tal contrato o auto 1"/ recorrido cedeu temporariamente o uso do prédio, para o exercício da comércio a AA, mediante o pagamento de uma retribuição em dinheiro, arrendamento esse que, posteriormente e por óbito deste, se transferiu para a Ré, Arlinda cônjuge daquele, com quem viviam os demais réus.
G) O referido AA, bem como os Réus/recorrentes que com ele viviam, passaram a exercer um poder de facto sobre o imóvel, mas na qualidade de arrendatários, pois pagavam renda ao Recorrido na qualidade de senhorio.
H) Não podendo assim, o que nos parece obvio, os réus/recorrentes adquirirem a propriedade do referido prédio por usucapião.
I) Já quanto às obras edificadas e ao pomar implantado pelos réus/ recorrentes, factos estes invocados, com o intuito de lhe ver atribuído o direito concedido pelo art 1340° n° 1 CC, a saber: a acessão industrial, constata-se que o mesmo também não pode colher.
J) Uma vez que apesar das obras serem construídas em terreno alheio, não restou provado que essa obra tenha sido por eles, réus/recorrentes, feita e suportada.
K) A doutrina tem tido o entendimento em considerar que se está perante benfeitorias, quando, quem realiza obras em coisa alheia tem uma ligação Jurídica à coisa (v.g. obras feitas pelo locatário, comodatário, arrendatário) e perante acessão, se tais obras são feitas por um terceiro, sem que entre ele e o dono da coisa exista uma relação jurídica, cfr Ac. Tribunal da Relação do Porto de 9/ 1/2006.
L) Ora, no caso sub jdice, os recorrentes são arrendatários, logo, as obras edificadas são consideradas benfeitorias, e não uma acessão, podendo aí aplicar-se as regras da acessão industrial.
M) Ademais entendemos que não assiste qualquer direito aos réus/recorrentes que lhes permita a interposição de novo recurso, uma vez que apenas o fazem sobre a matéria de facto e tal não é possível em recurso de Revista utilizando os presentes argumentos.”

3. Vem definitivamente provada a seguinte matéria de facto (transcreve-se da sentença):

“a) Por escritura lavrada em 29 de Julho de 1949 no Cartório Notarial de Penafiel, constante do Livro 33-B, II e mulher, JJ declararam vender ao primitivo réu, AA, um bocado de terreno para o lado sul, conforme está demarcado e vedado por parede, para construção urbana, do seu prédio denominado Surriba do Calvário, sito no lugar de Calvário, freguesia de Boelhe, descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o n.º50478, de que é parte e inscrito na respectiva matriz sob o art. 13º, tendo este declarado aceitar a venda (A).
b) II e mulher, por si e através dos seus pais, de quem receberam tal prédio, sempre possuíram o mesmo como coisa sua (B).
c) Pagando impostos e recebendo rendas, o que faziam à vista de todos, sem interrupções e sem oposição de ninguém, durante 20. 30 e 50 e mais anos (C).
d) Após a data referida em a) essa fracção de terreno recebeu a seguinte descrição: bocado de terreno para o lado sul, conforme está demarcado e vedado por parede para construção urbana, a confrontar do lado nascente com II e esposa e caminho, poente e sul com estrada, norte com II e esposa, inscrito na matriz sob o artigo 13º (um trinta avos) e descrito na Conservatória sob o n.º55135, Livro B-155, fls. 31 e constituído por desanexação da descrição n.º50478 (D).
e) Esta fracção foi inscrita em nome do primitivo autor em 27.10.1949 (E).
f) O primitivo autor edificou no terreno referido em a) um prédio composto de morada de casas de rés-do-chão, com quintal junto a confrontar de Poente com a estrada e de Nascente, Norte e Sul consigo próprio (F).
g) Sob o artigo 315º da matriz predial urbana de Penafiel, freguesia de Boelhe, encontra-se inscrito um prédio como sendo composto de dois pavimentos com a área coberta de 83m2 e quintal com a superfície de 2.075m2, confrontando de todos os lados com o proprietário (G).
h) Por escritura pública lavrada em 11 de Março de 1980 no Cartório Notarial de Castelo de Paiva em que foram intervenientes FF, GG e mulher, HH e EE e marido, DD, na qualidade de herdeiros habilitados de AA, procederam estes à partilha dos bens imóveis e do estabelecimento comercial pertença de AA (H).
i) Aí declararam os referidos herdeiros que o estabelecimento comercial de mercearia, vinhos e similares, instalado no prédio urbano pertencente ao aqui primitivo autor, descrito na Conservatória de Registo Predial de Penafiel sob o n.º55.135 a fls. 31, do Livro B-155 e inscrito na matriz urbana sob o artigo 315º, por empréstimo, seria adjudicado à aqui primitiva ré, FF (I).
j) À data do fim da construção do prédio referido em f) e instalação neste de um estabelecimento os réus DD, EE e FF, viviam todos na mesma casa juntamente com AA, respectivamente seu sogro, pai e marido (J).
k) A construção referida em f) foi iniciada em 1957 (1º).
l) Desde 19 de Junho de 1949 o primitivo autor passou a usufruir da fracção de terreno descrita em a) e das construções nela efectuadas (3º).
m) Recebendo rendas e pagando impostos (4º e 5º).
n) O que fez durante mais de 30 anos, à vista de todos, sem oposição de ninguém, sem nenhuma interrupção e sem consciência de ofender qualquer direito de outrem (6º a 10º).
o) O prédio referido em f) foi destinado ao comércio (11º).
p) Em 16 de Dezembro de 1960 o primitivo autor cedeu temporariamente o uso do prédio referido em a) e f) para o exercício do comércio de mercearia, vinho e análogos, a AA, mediante o pagamento de uma retribuição em dinheiro (12º).
q) Este AA era casado com a primitiva ré FF, irmã do primitivo autor (13º)
r) Este AA faleceu em 1 de Janeiro de 1978 (14º).
s) Os réus DD e mulher, EE passaram a actuar como se fossem donos do prédio referido em a) e f) (19º).
t) Numa parte desse prédio estava instalado um negócio de taberna (23º).
u) E na outra parte uma mercearia (24º).
v) Ao longo do ano o primitivo autor visitava com frequência o prédio referido em a) e f), encontrando-se com os réus e, por vezes, permanecendo em casa destes (28º).
x) Tomando assim conhecimento do modo como se processavam os negócios de taberna e mercearia (29º).
z) O primitivo autor concordou em que o réu DD efectuasse obras no prédio, eliminando a parte destinada a taberna e aí criando um estabelecimento de café (34º).
aa) O edifício é composto de rés-do-chão, cave e sub-cave (36º).
ab) O edifício tem as dimensões de 12mx10m, com a área coberta de 120m2 (37º).
ac) Aquando da realização das obras foi ocupada uma área de 84m2 do quintal do prédio (38º).
ad) E retirada ao mesmo quintal uma área de 24m2 para construção de uma varanda com 2m de largura (39º).
ae) Era o réu DD quem efectuava os pagamentos aos trabalhadores que executaram as obras (40º).
af) Após a realização das obras, em Agosto de 1973, o réu DD, juntamente com o seu cunhado LL, abriu no rés-do-chão do edifício um café (43º).
ag) E a cave do edifício ficou afecta a armazém do café e, actualmente, também a salão de jogos (44º).
ah) Ficando o piso inferior, de sub-cave, afecto a habitação (45º).
ai) O primitivo autor, nesta altura, visitava amiúde os réus (49º).
aj) Por volta do ano de 1980, foi efectuada a ampliação do prédio, edificando-se uma nova construção para além da afecta a mercearia (50º).
ak) Tal ampliação foi feita com conhecimento do primitivo autor (51º).
al) Foi construída uma edificação adjacente com rés-do-chão, cave e sub-cave (52º).
am) Ficando esse edifício com 12mx14m, a ocupar uma área de 169m2, que antes pertencia inteiramente ao quintal do prédio (53º).
an) Destinado o rés-do-chão a comércio, a cave a armazém e a sub-cave a habitação (54º).
ao) Era o réu DD quem efectuava os pagamentos aos trabalhadores que executaram as obras (55º).
ap) Em 1982 a parte do edifício afecta a mercearia ardeu e foi totalmente consumida pelo incêndio (57º).
aq) Na sequência do incêndio foi necessário demolir a parte do prédio afectada (58º).
ar) E substituir toda a sua estrutura (59º).
as) Ficando a parte do rés-do-chão totalmente reconstruída e refeita em novos materiais (62º).
at) Foi efectuada a ligação da cave ao armazém (63º).
au) Todo o edifício se encontra coberto com telha (64º).
av) As obras efectuadas após o incêndio foram realizadas com conhecimento do primitivo autor (66º).
ax) Actualmente, para além do café, do armazém, do salão de jogos e das duas habitações, uma parte do prédio encontra-se cedida a terceiros que exploram um pronto-a-vestir e um outro estabelecimento e que pagam renda ao réu DD (67º).
az) Existe na cave um armazém e na sub-cave existem mais duas habitações cujo uso se encontra cedido a terceiros que pagam renda ao réu DD (68º).
aaa) E ao réu DD são pagas todas as rendas relativas ao uso do prédio referido em a) e f) (69º).
aab) O réu DD implantou no quintal um pomar com cerca de 70 diospireiros (70º).
aac) Para o que retirou e derrubou as ramadas com videiras que aí existiam (71º).

4. Conforme resulta das conclusões das alegações de recurso, os recorrentes apenas questionam a improcedência da reconvenção, pretendendo que se declare que adquiriram o direito de propriedade do prédio em discussão por usucapião e, subsidiariamente, por acessão industrial.
Está pois assente que o autor adquiriu o direito de propriedade do prédio por usucapião, e que, para além disso, beneficia da presunção de titularidade, nos termos já indicados – o que, repete-se, os recorrentes não põem em causa neste recurso.
Cumpre começar por analisar a invocação, pelos recorrentes, de usucapião a seu favor.
Para o efeito, interessa ter especialmente em conta que ficou provado que, em 16 de Dezembro de 1960, o primitivo autor “cedeu temporariamente o uso” do terreno identificado em a) da lista de factos provados e do prédio descrito em f) da mesma lista “para o exercício do comércio de mercearia, vinhos e análogos, a AA”, casado com a sua irmã FF, “mediante o pagamento de uma retribuição em dinheiro” (pontos p) e q)); ou seja, que lhe arrendou o terreno e o edifício.
E que, segundo consta da escritura de 11 de Março de 1980, na qual intervieram FF, GG e mulher, HH e DD e mulher, EE – os réus desta acção –, para procederem à partilha dos bens imóveis e do estabelecimento comercial de AA, na qualidade de seus herdeiros habilitados, os mesmos réus declararam que o referido estabelecimento, “que seria adjudicado à (…) primitiva ré, FF”, se encontrava “instalado no prédio urbano pertencente ao aqui primitivo autor (…), por empréstimo” (pontos h) e i)).
Na escritura atesta-se, textualmente, que os intervenientes declararam “que o local onde se encontra instalado o estabelecimento foi emprestado, para este fim, ao falecido AA, pelo seu proprietário, pelo que, por ele nenhuma renda é paga” (fls. 19), após terem afirmado que o referido estabelecimento estava “instalado no prédio urbano, pertencente a AA (…)”.
Naturalmente que esta escritura de partilhas apenas prova que tais declarações foram emitidas pelos declarantes (artigo 371º, nº 1 do Código Civil); mas a verdade é que, em si mesmas, as declarações envolvem o reconhecimento de que o referido estabelecimento se encontrava instalado num edifício e num terreno de que não eram proprietários, e que reconheciam ser da propriedade do autor.
Tanto basta para que não possa proceder o pedido de condenação do autor no reconhecimento de que DD adquiriu, por usucapião, o direito de propriedade sobre o prédio (terreno e edifício) onde o estabelecimento se situava.
Com efeito, sendo certo que aquelas declarações implicam a afirmação de que, em 11 de Março de 1980, o (ou os) titulares do estabelecimento eram mero detentores do terreno e do edifício, seja como arrendatários (o que corresponde ao que ficou provado, como se viu), seja como comodatários (como afirmaram na escritura) – al. c) do artigo 1253º do Código Civil –, nunca teria decorrido até à data da contestação (21 de Fevereiro de 1994) o tempo suficiente para que uma posse dos recorrentes pudesse fundamentar a aquisição do direito de propriedade correspondente, por usucapião.
Na verdade, e ainda que se pudesse ter como demonstrado que posteriormente ocorreu a inversão da posse, como seria imprescindível para que os réus pudessem ter adquirido por usucapião (artigo 1290º do Código Civil), sempre sucederia que não teria decorrido “o tempo necessário para a usucapião”, que “só começa a correr desde a inversão do título” (mesmo artigo 1290º): no mínimo, quinze anos, se pudesse entender-se tratar-se de posse de boa fé (artigo 1296º do Código Civil).
Mas o certo é que não há prova que possa fundamentar tal inversão e, por essa via, a aquisição da posse a favor dos réus (artigos 1263º, d) e 1265º do Código Civil), por não estarem assentes factos que permitam sustentar ter ocorrido a necessária ”oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía”.
Vem provado que “os réus DD e mulher, EE, passaram a actuar como se fosse donos do prédio referido em a) e f)”, embora não se saiba desde quando (a 1ª Instância situou tal atitude entre 1982 e 1986). Claro que esta afirmação tem de ser entendida no plano naturalístico, e não dispensa, de qualquer forma, a “oposição” ao proprietário, que não está provada.
Neste enquadramento, não é decisivo que os recorrentes sempre tenham pago “do seu bolso a todos os trabalhadores que efectuaram as obras”, como os recorrentes afirmam (mas não ficou provado), nem que tenham celebrado os contratos de arrendamento existentes no prédio, recebendo as rendas respectivas.
Poder-se-ia valorizar, neste contexto, a afirmação do autor (artigo 22º da petição inicial) de que, a partir de 1991 (artigo 18º e segs.), os réus o impediram de entrar no prédio. Mas tal facto foi impugnado pelos réus (artigo 73º da contestação) e foi considerado não provado (cfr. julgamento da matéria de facto referente ao quesito 20, fls. 205 e 561); de qualquer modo, apenas foi referido pelo autor a 1991.

5. Os recorrentes sustentam ainda, a título subsidiário, que sempre teriam adquirido o direito de propriedade por acessão industrial imobiliária (artigo 1340º do Código Civil), por terem construído em terreno alheio.
No entanto, e ainda que estivessem preenchidos todos os demais requisitos para o efeito – em particular, se estivesse provado que os recorrentes suportaram o custo respectivo, que não está – as obras realizadas deveriam ser consideradas como benfeitorias (do arrendatário, segundo a prova feita, artigos 1046º e 1074º do Código Civil, ou do comodatário, 1138º, nº 1, do Código Civil, se relevasse a afirmação constante da escritura de partilhas), não conduzindo em caso algum à aquisição do direito de propriedade do prédio.
O mesmo se diga, naturalmente, quanto ao pomar que o réu DD plantou, desconhecendo-se se o fez com ou sem autorização do autor.

6. Resta, pois, negar provimento ao recurso, frisando de novo que os resultados da prova não permitem solução diversa.

Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes.

Supremo Tribunal de Justiça, 13 de Julho de 2010

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relator)
Lopes do Rego
Barreto Nunes