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PROCESSO |
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DATA DO ACÓRDÃO | 02/22/2011 | ||
SECÇÃO | 6ª SECÇÃO |
RE | ![]() |
MEIO PROCESSUAL | REVISTA |
DECISÃO | NEGADA A REVISTA |
VOTAÇÃO | UNANIMIDADE |
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RELATOR | FONSECA RAMOS |
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DESCRITORES | NEGÓCIO JURÍDICO SIMULAÇÃO REQUISITOS NEGÓCIO DISSIMULADO VALIDADE PRESUNÇÕES |
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ÁREA TEMÁTICA | DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS |
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LEGISLAÇÃO NACIONAL | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 240.º, 241.º, 243.º, Nº1, 342.º, Nº1, 349.º CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 722.º, Nº2 |
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JURISPRUDÊNCIA NACIONAL | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 19.10.1994, BMJ 440 – 361; -DE 30.5.1995, CJSTJ, 1995, II.118. |
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SUMÁRIO | I) - A simulação negocial constitui uma divergência intencional entre o sentido da declaração das partes e os efeitos que elas visam prosseguir com a celebração do negócio jurídico. II) – A determinação da intenção dos contraentes, designadamente o intuito de enganar terceiros, é matéria de facto, cujo apuramento é da exclusiva competência das instâncias que podem utilizar prova por presunções, e não do Supremo Tribunal de Justiça, constituindo ónus de prova do demandante. III) -Sendo a simulação um fingimento que visa criar a aparência de um negócio que não foi querido pelas partes (simulação absoluta), ou que foi celebrado para esconder um outro, que pode ter sido querido pelas partes (negócio dissimulado), a prova do requisito “intuito de enganar terceiros” pode ser feita de forma directa – quando, por exemplo, foi formulado um quesito a indagar sobre a intenção que é matéria de facto – ou de forma menos ostensiva, quando as instâncias recorrem a presunções. IV) Não se tendo provado que houve simulação de contrato de compra e venda, não se pode concluir que existiu um negócio (não querido) que encobrisse um outro, o negócio dissimulado, in casu, um contrato de doação, porque, para que se pudesse considerar a validade do negócio dissimulado, teria que haver um outro declarado nulo, aqui o contrato de compra e venda, celebrado com os três requisitos do art. 240º, nº1, do Código Civil, e ainda que tivesse existido vontade de celebrar o negócio dissimulado. V) - Não estando em causa a possibilidade deste Supremo Tribunal de Justiça, excepcionalmente, poder interferir no julgamento da matéria de facto, não tendo sido feita a prova da existência de um negócio simulado/nulo (de compra e venda), não pode, por isso, sob ele surpreender-se um outro que pudesse ser considerado dissimulado (doação) para poder ser aproveitado. |
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DECISÃO TEXTO INTEGRAL | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA e mulher BB, intentaram, pelo Tribunal Judicial da Comarca da Marinha Grande, em 27.9.2006, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra: 1º Réu – CC 2ºs Réus – DDe mulher EE. Pedindo que: a) - Seja declarado que o autor-marido, a 1ª Ré e os 2ºs Réus são os únicos herdeiros de FF, aquele nas qualidades de herdeiro legitimário e testamentário e estes tão só na qualidade de herdeiros legitimários, sendo os mesmos habilitados como tal; b)- Seja declarada a nulidade da compra e venda referida nos artigos 17º a 20º da petição inicial; c) - Seja declarado que essa compra e venda dissimulou a doação referida no artigo 24º da petição inicial e, bem assim, que este último acto é válido; d) - Sejam todos os Réus condenados a reconhecer a nulidade da mencionada compra e venda; e) - Sejam todos os Réus condenados a reconhecer que essa compra e venda dissimulou a doação referida no artigo 24º da petição inicial e, bem assim, que este último acto é válido; f) - Seja ordenado o cancelamento das inscrições prediais referidas no artigo 30º da petição inicial, em virtude de terem sido lavradas com base na sobredita compra e venda. Os autores alegaram, em síntese, o seguinte: A 1ª ré e FF casaram entre si, no regime da comunhão geral de bens e em primeiras núpcias de ambos, no dia 12.12.1955, vindo, todavia, o último a falecer no dia 26.10.2005, no estado de casado com a 1ª ré. O autor-marido e a segunda ré mulher são os únicos filhos do referido casal. Os autores casaram entre si, no regime da comunhão de adquiridos, em primeiras núpcias de ambos, no dia 13/08/1988. Os 2ºs réus casaram entre si, no regime da comunhão geral, em primeiras núpcias de ambos, no dia 24/12/1983. O referido FF instituiu o autor-marido como herdeiro da quota disponível dos seus bens, por testamento público celebrado em 03/09/99, sendo que a herança aberta por seu óbito ainda não foi partilhada, e que aquele e a 1ª e a 2ª rés são os únicos e universais do mesmo. O dito FF e a primeira ré eram donos do prédio urbano e dos dois prédios rústicos identificados no art.º 10º da p.i., que são contíguos entre si, em relação aos quais praticaram actos de posse conducentes à aquisição da sua propriedade. Por escritura pública outorgada no dia 17/08/1983, o referido FF e a 1ª ré declararam vender ao 2º réu-marido, e este declarou comprar-lhes, aqueles referidos prédios pelo preço, que ali declararam já ter recebido, de 100.000$00. No dia 09/12/1983, para que os referidos prédios entrassem no património comum do casal a constituir, os segundos réus celebraram entre si uma escritura pública de convenção antenupcial, na qual declararam adoptar, para o casamento que entre si iam então contrair, o regime da comunhão geral de bens. Tais imóveis encontram-se descritos na respectiva Conservatória Predial e aí inscritos a favor do 2º Réu, com base na sobredita compra e venda. Acontece que, com a celebração da referida escritura de compra e venda, nem o dito FF e a 1ª ré quiseram vender os imóveis ao 2º réu-marido, e nem este pretendeu comprar tais prédios àqueles, sendo o que aqueles, por um lado, e este último, por outro, efectivamente pretenderam com a celebração dessa escritura foi a doação por parte do casal a este, dos três imóveis aí mencionados, não tendo o segundo réu-marido pago àqueles, a título de preço, aquela quantia de 100.000$00, ou sequer qualquer outra importância, os quais, aliás, valiam, então, um preço muito superior àquele que foi declarado. Pelo que a referida compra e venda dos aludidos prédios consubstancia um negócio simulado e como tal nulo (à luz do art. 240º do Código Civil), sendo que a doação que esteve subjacente a tal negócio configura um negócio dissimulado, e como tal deve ser declarado válido (à luz do art. 241, nº 2, do Código Civil). Embora todos tenham sido citados para o efeito, só os 2ºs RR. apresentaram contestação. Nesse articulado, os referidos réus, reconheceram a qualidade de herdeiros da 1ª e da 2ª rés e do próprio Autor e nos termos em que este o peticiona, mas, quanto ao demais, defenderam-se, em síntese, negando o essencial da versão factual vertida pelos AA., e mais concretamente que o contrato de compra e venda acima referido fosse simulado (o qual foi efectivamente real, e nos termos que constam da respectiva escritura), e que o mesmo fosse realizado a coberto de uma doação que os AA. alegam. Pelo que terminaram pedindo a improcedência da acção, com a sua absolvição dos pedidos. *** A final foi proferida sentença, que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu: a) Reconhecer “que o autor-marido, AA a ré CC, a ré EE e marido DD, são os únicos herdeiros de FF, aquele nas qualidades de herdeiro legitimário e testamentário e os demais tão só na qualidade de herdeiros legitimários, assim se reconhecendo habilitados nessas qualidades.” b) Julgar, no mais, “a acção improcedente, absolvendo-se os réus dos pedidos.” *** Inconformados, os AA. dela interpuseram recurso, para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por Acórdão de 14.7.2010 – fls. 390 a 403 verso –, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença apelada. *** De novo inconformados, os Autores recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça, e, alegando, formularam as seguintes conclusões: 1ª. Pelo douto acórdão recorrido foi a apelação julgada improcedente, porquanto, no que para a presente revista importa, entendeu a Relação que do acervo factual tido por assente não resulta preenchido o terceiro requisito da simulação, imposto pelo art. 240º do Código Civil, ou seja, o intuito de enganar terceiros. 2ª. Ora, como decidiu já o Supremo Tribunal de Justiça, “O intuito de enganar terceiros identifica-se com a intenção de criar uma aparência: intenção essa, adita-se, necessariamente revelada pela divergência entre a vontade real e a declarada e pelo acordo que tal determina. Concertadamente criada aparência não conforme com a realidade, tanto basta para que tenha de julgar-se outrossim revelado ou manifestado – tornado, mesmo, sem margem para tergiversação, evidente – o intuito ou propósito de enganar terceiros», pelo que «a efectiva existência de simulação e consequente nulidade do negócio jurídico simulado resulta, destarte, irrecusável», não tendo, neste caso, o Supremo Tribunal de Justiça “que alterar – antes, isso sim, e apenas, que, como lhe compete, apreciar, em termos de direito – o factos fixados pelas instâncias”. 3ª. De facto, declarando as partes, por conluio entre si, celebrar um negócio, quando na realidade pretendem celebrar outro, não estão, obviamente, a iludir-se a elas próprias, mas ao mundo que as rodeia, seus herdeiros incluídos. 4ª. Desse modo, encontram-se preenchidos, in casu, todos os requisitos da simulação relativa, previstos nas normas conjugadas dos arts. 240°, n°1, e 241°, nº1, do Código Civil, pelo que, tendo violado essas normas, deve o douto acórdão recorrido ser revogado e a acção julgada totalmente procedente. Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso. Não houve contra-alegações. *** Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos: 1. A primeira ré e FF casaram entre si, no regime da comunhão geral, em primeiras núpcias de ambos, no dia 12.12.1955. 2. FF faleceu no dia 26.10.2005, no estado de casado com a primeira ré. 3. O autor-marido e a segunda ré-mulher são os únicos filhos do referido casal. 4. Os autores casaram entre si, no regime da comunhão de adquiridos, em primeiras núpcias de ambos, no dia 13/08/1988. 5. Os segundos réus casaram entre si, no regime da comunhão geral, em primeiras núpcias de ambos, no dia 24/12/1983. 6. FF instituiu o autor-marido como herdeiro da quota disponível dos seus bens, por testamento celebrado a 03/09/99, no Cartório Notarial da B..., sendo esse o único testamento que outorgou. 7. No dia 17/08/1983, FF e a primeira ré, como primeiros outorgantes e vendedores, e o segundo réu-marido, como segundo outorgante e comprador, celebraram entre si, na Secretaria Notarial de L..., uma escritura pública de compra e venda dos sobreditos prédios, a qual foi exarada de fls. 11 vs. a fls. 13 do Livro de Notas Para Escrituras Diversas nº ...-B desse Cartório, conforme certidão junta e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos (documento nº 8). 8. Nessa escritura, FF e a primeira ré declararam: “Que, pelo preço já recebido de cem mil escudos, vendem a DD, segundo outorgante, os seguintes imóveis de que são donos e possuidores, situados na mencionada freguesia de V... de L...: Número Um – Terreno, onde esteve implantada uma casa antiga com seus logradouros, no sítio de C... das R..., a confrontar do norte com herdeiros de GG, do nascente com estrada, do sul com HH e do poente com II, inscrita na matriz urbana da referida freguesia sob o artigo número novecentos e cinco; - vendido por quarenta mil escudos. Número Dois – Uma terra de semeadura, no mesmo sítio do C... das R..., a confrontar do norte com JJ, do sul com LL, bem como do nascente e poente com MM, inscrita na matriz prédio, digo predial rústica da referida freguesia sob o artigo número dois mil setecentos quarenta e um, com o valor matricial de quatrocentos escudos; - vendido por trinta mil escudos; e Número Três – Uma terra de semeadura, no mesmo sítio de C... das R..., a confrontar do norte e nascente com NN, do sul com HH e poente com OO, inscrito na mesma matriz sob o artigo número dois mil setecentos e quarenta e dois, com o valor matricial de seiscentos escudos; - vendido por trinta mil escudos.» Mais declararam aí FF e a primeira ré: “Que já receberam do comprador o mencionado preço”. Por seu lado, o segundo réu-marido declarou na mesma escritura: “Que aceita a presente venda nos termos exarados”. 9. No dia 09/12/1983, os segundos réus celebraram entre si, no Cartório Notarial da M... G..., uma escritura pública de convenção antenupcial, a qual foi exarada de fls. ... vs. a fls. ... do Livro de Notas Para Escrituras Diversas nº...-D desse Cartório, conforme certidão junta e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – documento nº 9. Nessa escritura, declararam os segundos réus: “Que para o casamento que entre si vão contrair adoptam o regime da comunhão geral de bens”. 10. Os imóveis encontram-se descritos na Conservatória do Registo Predial da M... G..., respectivamente, sob os nºs.0.../..., 0.../... e 0.../..., todos da freguesia de V... de L... – documento nº 10. 11. E aí estão inscritos a favor do segundo réu-marido, com base na sobredita compra e venda, todos pela inscrição G-1, Ap. 0.../.... 12. Tendo lá actualmente as seguintes descrições, respectivamente, todas da dita freguesia de V... de L...: - “Prédio urbano – Rua do C..., C... das R... – casa de rés-do-chão para habitação, garagem e quintal, S.C.160 m2; G. 20 m2; Q. 2580 m2 – norte, herdeiros de GG; nascente, estrada; sul, HH, poente NN – V.P. 1.654.848$00 – artigo: ...”; - “Prédio rústico – C...das R... – terra de semeadura – 1.380 m2 – norte, JJ; sul e nascente, II; poente MM – VP. 4.985$00 – artigo: ...”; - “Prédio rústico – C... das R... – terra de semeadura – 730 m2 – norte e nascente, NN; sul, HH; poente,OO – V.P. 1.984$00 – artigo: ...”. 13. Resultando as divergências entre os respectivos números da matriz que se encontram mencionados nessas descrições e os que constam da sobredita escritura de compra e venda de simples renumeração entretanto operada pela administração tributária. 14. FF não teve outros filhos. 15. A herança aberta por óbito de FF não foi ainda partilhada. 16. FF e a primeira ré eram donos de uma casa de rés-do-chão, para habitação, e logradouros, sita em C... das R..., freguesia de V... de L..., concelho da M... G..., a confrontar do norte com herdeiros de GG, do nascente com estrada, do sul com HH e do poente com LL, inscrita na matriz predial urbana da dita freguesia sob o artigo nº .... 17. FF e a primeira ré eram donos de uma terra de semeadura, sita em C... das R..., freguesia de V... de L..., concelho da M... G..., a confrontar do norte com JJ, do sul com LL e do nascente e poente com MM, inscrita na matriz predial rústica da dita freguesia sob o artigo nº .... 18. FF e mulher eram donos de uma terra de semeadura, sita em C... das R..., freguesia de V... de L..., concelho da M... G..., a confrontar do norte e nascente com NN, do sul com HH e do poente com OO, inscrita na matriz predial rústica da dita freguesia sob o artigo nº .... 19. Os imóveis referidos em 16., 17. e 18. são contíguos entre si. 20. Até 1983, durante mais de 40 anos, FF e a primeira ré, por si e antepossuidores, estiveram na posse dos prédios referidos em 16., 17. e 18., ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, com exclusão de outrem, de boa fé, com intenção e na convicção de exercerem um direito próprio como donos dos mesmos. 21. No que concerne ao imóvel referido em 16. (inscrito na matriz urbana da freguesia de V... de L... sob o artigo ...), guardando haveres pessoais, pernoitando e tomando refeições na respectiva casa enquanto esta aí existiu e guardando instrumentos agrícolas e animais domésticos nos seus logradouros e, no que respeita aos outros prédios, limpando o mato e ervas que aí nasciam e semeando, cultivando e colhendo produtos agrícolas, nomeadamente, alfaces, cebolas, tomates e milho. 22. Como sempre afirmaram, ao longo do referido período, com aceitação geral, que tais imóveis eram seus. 23. Os réus DD e EE namoraram um com o outro durante cerca de dois anos e meio. 24. Com a celebração da escritura de compra e venda referida em 7., nem FF e a primeira ré quiseram vender os imóveis ao segundo réu-marido, nem este pretendeu comprar tais prédios àqueles. 25. O que FF e a primeira ré, por um lado, e o segundo réu-marido, por outro lado, efectivamente pretenderam com a celebração dessa escritura foi a doação, por parte daqueles a este, dos três imóveis aí mencionados. 26. Não tendo o segundo réu-marido pago a FF e à primeira ré a referida quantia de 100.000$00, ou qualquer outra importância. 27. Os prédios em causa foram herdados de seus pais, por FF. 28. Em face das características dos prédios, respectivas áreas, o facto de todos eles serem planos, estarem no interior da vila de V... de L.., poderem ser destinados à construção urbana, estarem junto de infra-estruturas públicas, designadamente, energia eléctrica, e serem contíguos entre si, constituindo um conjunto com confrontação directa com a estrada pública, os ditos imóveis valiam, em Agosto de 1983, mais do que os cem mil escudos que constam da escritura. Fundamentação: Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se o contrato de compra e venda, celebrado entre FF e o Réu DD, foi simulado em prejuízo do Autor, por encobrir um contrato de doação, devendo este negócio ser considerado válido. Os AA. invocaram, como causa de pedir, a existência de negócio de compra e venda de três imóveis, celebrado simuladamente, por FF e mulher CC com o Réu DD, que veio a casar em regime de comunhão geral de bens com EE, (filha dos vendedores), pedindo que fosse declarado nulo, e que se considerasse que tal contrato dissimulou um contrato de doação a favor da Ré EE (sua filha), que pedem se considere válido. Sustentam que esse contrato simulado foi celebrado em prejuízo do Autor (que é filho dos vendedores). As instâncias não consideraram haver simulação por falta do requisito – intenção de enganar terceiro – sendo que a Relação não alterou matéria de facto considerada pertinente para a existência de simulação relativa, tal como os AA. apelantes requereram. Vejamos. Oart.240ºdo Código Civil estatui: 1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado. 2. O negócio simulado é nulo. A lei portuguesa supõe a classificação entre simulação absoluta e relativa no art. 241º, sob a epígrafe “simulação relativa”. O desvalor jurídico do negócio simulado é a nulidade. Trata-se de uma nulidade atípica (neste sentido, Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil”, pág. 845). A atipicidade deriva do facto dos simuladores não poderem invocar a simulação contra terceiro de boa fé (art. 243º, nº1). O art. 241º do Código Civil estatui: “1. Quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado. 2. Se, porém, o negócio dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido observada a forma exigida por lei”. Enquanto o negócio simulado é sempre nulo (art. 240º,nº2), o negócio dissimulado fica sujeito a uma valoração jurídica autónoma, destinada a verificar se os requisitos legais de validade para o negócio em causa foram ou não observados com a celebração do negócio simulado. Se houverem sido, o negócio dissimulado é válido; se não foram, o negócio será nulo ou anulável, conforme o vício que estiver em causa. A simulação negocial constitui uma divergência intencional entre o sentido da declaração das partes e os efeitos que elas visam prosseguir com a celebração do negócio jurídico. “I – Por via de regra, pelo menos, identifica-se o intuito de enganar terceiros com a intenção de criar uma aparência. II – É no fingimento, na intenção de criar a aparência de uma realidade “fazendo crer que”, como é próprio da simulação, que há o desígnio de provocar uma ilusão normalmente destinada a enganar terceiros”. - Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 30.5.1995, CJSTJ, 1995, II.118. A divergência entre a vontade real e a manifestada pode ser intencional ou não intencional. Casos de divergência intencional são a simulação – art. 240º do Código Civil – a reserva mental – art. 244º – e a declaração não séria, art. 245º – do mesmo diploma. O art. 240°, nºl, estabelece os requisitos da simulação: — O pacto simulatório entre o declarante e o declaratário; — A divergência intencional entre o sentido da declaração e os efeitos do negócio jurídico — simuladamente — celebrado; — O intuito de enganar terceiros. Segundo Mota Pinto – “Teoria Geral do Direito Civil” – 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto – Coimbra Editora – Maio 2005 – 413: “A vontade negocial, vontade do conteúdo da declaração ou intenção do resultado (Geschäftswille) — consiste na vontade de celebrar um negócio jurídico de conteúdo coincidente com o significado exterior da declaração. É uma vontade efectiva correspondente ao negócio concreto que apareceu exteriormente declarado”. “A simulação absoluta verifica-se quando os simuladores fingem concluir um determinado negócio, e na realidade nenhum negócio querem celebrar” – Henrich Ewald Hörster, in “A Parte Geral do Código Civil Português” – 1992, pág.536. Sendo a simulação um fingimento que visa criar a aparência de um negócio que não foi querido pelas partes (simulação absoluta), ou que foi celebrado para esconder um outro, esse sim querido pelas partes (negócio dissimulado), a prova do requisito “intuito de enganar terceiros” pode ser feita de forma, diríamos expressa – quando por exemplo existe um quesito a indagar sobre a intenção que é matéria de facto – ou de forma menos ostensiva, quando as instâncias recorrem a presunções. Como afirma Emilio Betti, in “Teoria Geral do Negócio Jurídico”, (edição brasileira “Servanda Editora”, 2008), “…Dizer que o ato simulado possui, sem ser sincero, toda a realidade da sua mentira, a qual pode ter, por si mesma, eficácia jurídica, significa desconhecer que a falta de sinceridade recai, precisamente, sobre a causa, considerada em si mesma, ou em certas manifestações concretas, e esquecer que a analogia da simulação com a “mentira”, isto é, com o pretexto, está na função de justificar ou tornar possível, um comportamento que de outra maneira não seria admissível”. A determinação da intenção dos contraentes, designadamente o intuito de enganar terceiros, é matéria de facto, cujo apuramento é da exclusiva competência das instâncias, e não do Supremo Tribunal de Justiça, e constitui ónus de prova para o demandante – art. 342º,nº1, do Código Civil. Havendo um quesito adrede formulado, como no caso o quesito 20º – onde se indagava – “A referida compra e venda foi projectada concretizada pelos respectivos intervenientes para enganarem o autor aquando da abertura das heranças por óbito de seus pais?”, que mereceu a resposta de não provado, e que a Relação em sede de recurso não alterou, a questão não se coloca ao nível da prova do negócio simulado, obtida por mera presunção – art. 349º do Código Civil – como parecem inculcar os recorrentes, mas antes por prova directa, efectiva. As instâncias não se socorreram da prova por presunção, pura e simplesmente consideraram, ao responder negativamente àquele quesito 20º, que os AA. não conseguiram fazer prova daquele requisito da simulação. Nos termos do art. 349º do Código Civil – “Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”. Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado” vol. I, pág. 312: “As presunções podem ser legais, se estabelecidas pela lei, ou judiciais, simples ou de experiência, quando assentam no simples raciocínio de quem julga. Estas últimas inspiram-se nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana. Um exemplo extraído da jurisprudência: feita a prova de que o preço declarado numa escritura de compra e venda é inferior ao preço real, pode inferir-se daí, por presunção, a existência de um acordo simulatório para defraudar a Fazenda Nacional…”. Constitui jurisprudência corrente que – “É lícito aos tribunais de instância tirarem conclusões ou ilações lógicas da matéria de facto dada como provada, e fazer a sua interpretação e esclarecimento, desde que, sem a alterarem antes nela se apoiando, se limitem a desenvolvê-la, conclusões essas que constituem matéria de facto, como tal alheia à sindicância do Supremo Tribunal de Justiça” – inter alia – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.94, in BMJ 440 – 361. Não cabe, na competência do Supremo Tribunal de Justiça, sindicar a decisão da Relação por via da qual, dos factos assentes, ainda que por presunção judicial, extraia outros factos que sejam o seu desenvolvimento. O Supremo apenas poderá censurar a decisão da Relação quando o uso de presunções tiver conduzido à violação de normas legais, isto é, decidir se, no caso concreto, era ou não permitido o uso de tais presunções. O Supremo não pode considerar existente a simulação com base em simples indícios, não confirmados pela decisão da matéria de facto – artigo 722°, nº 2, do Código de Processo Civil. Não se tendo provado que houve simulação, não se pode concluir que existiu um negócio (não querido) que encobrisse um outro, o negócio dissimulado, neste caso a doação, porque, para que se pudesse considerar a validade do negócio dissimulado, teria que haver um outro declarado nulo, no caso, o contrato de compra e venda, celebrado com os três requisitos do art. 240º, nº1, do Código Civil, e ainda que existisse vontade de celebrar o negócio dissimulado. Se bem interpretamos é esta a lição de Heinrich Hörster, no Estudo “Simulação. Simulação Relativa. Formalismo Legal”, nos “Cadernos de Direito Provado”, nº19 (Julho-Setembro -2007) quando – págs. 23/24 – sob o item “Infundado da doutrina que sustenta a validade formal do negócio dissimulado”, escreve: “Em primeiro lugar, pode dizer-se que é desrespeitada a própria sistematização do Código Civil, no que toca ao regime da simulação. De facto, a lei regula o negócio simulado, quase como num “circuito fechado”, quanto aos seus pressupostos, à sua nulidade e aos legitimados para a invocar, e consagra ainda, como única excepção, expressamente ressalvada, a inoponibilidade da nulidade contra terceiros de boa fé (…). Posto isso, o Código Civil só podia ter tratado os negócios dissimulados como o fez: à parte, ao abrigo da simulação, como negócios diferentes, e autonomamente (…). Assim, não se compreende como é lógica e legalmente possível aproveitar um negócio nulo, que foi celebrado para não valer e ao qual ninguém – nem as partes, nem a lei (…) – nunca quis atribuir efeitos, para um negócio diferente, pondo-lhe uma forma em cima (…) sem que haja disposição legal expressa (…) que permita tal simulacro (…). Por isso, aplicar a forma do negócio simulado ao dissimulado é contrário à lei! Ou, para ser mais drástico, o manto da mentira não pode servir para cobrir a verdade.” Não estando sequer em causa a possibilidade deste Supremo Tribunal de Justiça alterar a matéria de facto, como antes se enfatizou, não tendo sido feita a prova da existência de um negócio simulado/nulo (de compra e venda), não pode debaixo dele surpreender-se um outro que pudesse ser considerado dissimulado (doação) para poder ser aproveitado. Decisão. Nega-se a revista. Custas pelos AA./Recorrentes. Supremo Tribunal de Justiça, Lisboa, 22 de Fevereiro de 2011. Fonseca Ramos (Relator) Fernandes do Vale Salazar Casanova |