Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6215/22.3T8VNF-G.G1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: LUIS ESPÍRITO SANTO
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
CONTRADIÇÃO
AMBIGUIDADE
OBSCURIDADE
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
Data do Acordão: 11/12/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Sumário :
I – A insatisfação do vencido não dá lugar, enquanto fundamento legal, à nulidade do acórdão oportunamente proferido, sendo certo que as diversas alíneas do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil apenas integram vícios de natureza estritamente formal da decisão, não tendo a ver com o mérito do decidido (em última e definitiva instância).

II - Não se descortina in casu qualquer omissão de pronúncia que inquine a validade do acórdão proferido nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, sendo que a repetição à exaustão dos argumentos que no entender do recorrido deviam conduzir a decisão diversa daquela que foi proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça não constitui demonstração de ausência de pronúncia quando as questões essenciais e decisivas para o sentido do acórdão foram efectivamente abordadas no aresto.

III – Igualmente não se verifica a previsão das alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil quando as disposições legais avocadas para a decisão deste caso concreto foram interpretadas em sentido oposto ao visado pelo recorrido, o que não quer dizer que qualquer das teses em confronto não sejam em si mesmo compreensíveis, tudo dependendo das diferentes leituras das normas em causa e dos princípios gerais que enformam o sistema jurídico aplicável (CIRE).

IV - Aceitar inteligentemente a discussão jurídica que se suscitou nos autos implica compreender, com abertura e tolerância, os argumentos em sentido contrário, sem que faça o menor sentido a rotulação como “ininteligíveis” dos fundamentos da posição adversa apenas porque esta não é afinal coincidente com os argumentos e interesses pessoais de quem está convencido de defender e adoptar, com toda a superioridade intelectual de que se julga portador, a (única) leitura inteligente das normas legais em apreço.

V - Pelo que a arguição de nulidades é naturalmente desatendida, não passando de uma desenvolvida manifestação de desagrado da parte vencida relativamente ao decidido (como se ainda lhe sobrasse momento processual para o fazer).

Decisão Texto Integral:

Revista nº 6215/22.3T8VNF-G.G1.S1

Acordam, em Conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Sessão - Cível).

Por acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça em 17 de Setembro de 2024 foi concedida a revista interposta pelo Ministério Público, com a revogação do acórdão recorrido (que havia sido favorável ao ora arguente).

Veio agora o recorrido invocar variadas nulidades, o que fez nos seguintes termos:

As alíneas b), c) e d), do n.º 1, do artigo 615º, do CPC, dispõem que é nula a decisão quando: não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; o decisor deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Considerando o antes exposto, salvo o devido respeito – que é muito –, e salvo melhor entendimento, desde logo não se alcança fundamento factual ou legal que permita apagar o teor do n.º 1, do artigo 188º, do CIRE, ademais recentemente modificado para a exacta fórmula que o legislador optou por estipular.

Com efeito, não se encontra qualquer facto ou norma que permita alcançar a conclusão em crise.

Não se encontra qualquer fundamento legal e/ou um mínimo de correspondência com a letra da lei, ou sequer com a vontade ou pensamento do legislador, conforme já se viu supra.

Salvo o devido respeito e melhor entendimento, o raciocínio expendido – de excessivo formalismo e de, contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, não se ver impedimento legal a que o juiz tome em consideração, valorando, o requerimento apresentado pelo administrador da insolvência na parte final do parecer/relatório a que alude o artigo 155º, nº 1, do CIRE –, crê-se chocar de frente com a referida letra da lei, doutrina e jurisprudência.

De facto, a presente Decisão, querendo levar em consideração a menção no Sr. AI no final do relatório a que alude o artigo 155º do CIRE, em total contravenção com a tramitação recentemente estipulada pelo legislador (sobretudo ainda mais vincada por impor um procedimento totalmente diferente do anterior), mesmo que fosse de considerar, sempre estaria a validar um ato intempestivo (prematuridade) e sem enquadramento processual, totalmente anacrónico e em contravenção com os pressupostos exigidos, o que é totalmente contrário ao que se crê ser pacífico na jurisprudência.

Por outro lado, salvo o devido respeito e melhor entendimento, perante tal interpretação, existe o permanente risco de subjetividade e impossibilidade de aferição das situações em que estaremos perante um “excessivo formalismo” (ou não) que justifica (ou não) a conclusão em crise.

Por conseguinte, salvo o devido respeito e melhor entendimento, além da violação da lei ordinária, não poderá deixar de entender-se existir também violação dos artigos 203º e n.º 1, do artigo 205º, ambos da Constituição da República Portuguesa, porquanto os tribunais estão sujeitos à lei e as suas decisões são fundamentadas na forma prevista na lei.

Ademais quando o impedimento legal é expresso, perentório e notoriamente fruto de uma intenção legislativa por via da determinação do momento, forma concreta e demais pressupostos a preencher.

Pelo que, salvo o devido respeito e melhor entendimento, os fundamentos invocados no douto Acórdão, como não permitem a conclusão em crise, também estarão em oposição com a decisão, designadamente, e desde logo, pelo simultâneo e contraditório reconhecimento aí feito dos trâmites exigidos pela norma em crise, mas, contudo, afastados.

E, mesmo que assim não se entendesse, salvo o devido respeito e melhor entendimento, fica patente a ambiguidade ou, pelo menos, a obscuridade, e certamente a incerteza e insegurança que suscita, tornando a decisão ininteligível por referência à lei.

Reitera-se que a nova redação da norma em causa resulta em especial da posição que o legislador quis assumir, manifestando a sua vontade expressa, designadamente resultante também de compromissos internacionais e cujas intenções são notórias.

Por último, cumpre referir que, conforme resulta do antes exposto, existem questões levantadas e que ficaram por apreciar.

Concluindo-se que, pelas muitas razões expostas, e que vão até desde a própria necessidade de segurança e certeza jurídica, até às exigências e intenções em causa, mormente do legislador, impõe-se a procedência do presente, como se impõe a manutenção do doutamente decidido porquanto o douto Tribunal da Relação fez uma corretíssima interpretação do artigo 188º, n.º 1, do CIRE, pois, só assim se faria Justiça!

Apreciando:

O acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça abordou, decidindo, todas as questões pertinentes que se colocavam no âmbito da revista, apenas se baseando rigorosamente nos factos que constavam do processo.

O dito aresto abordou todos os aspectos essenciais a que tal análise obrigava, o que não significa que tivessem de ser conhecidos todos os diversos argumentos marginais apresentados pelo recorrido (não sendo obrigatório que o fossem).

Da mesma forma, não se consegue descortinar qualquer contradição lógica entre os fundamentos e a decisão que nestes se fundou, ou a verificação de qualquer ambiguidade ou obscuridade que tornasse o texto do acórdão ininteligível.

O que sucede é que o arguente das nulidades, ciente de que não lhe restava outra instância de recurso, veio por esta via manifestar a sua profunda discordância em relação ao decidido, a qual (discordância) é, em si, perfeitamente legítima e mesmo compreensível.

Contudo, como é sabido, tal notória insatisfação não dá lugar, enquanto fundamento legal, à nulidade do acórdão oportunamente proferido, sendo certo que as diversas alíneas do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil apenas integram vícios de natureza estritamente formal da decisão, não tendo a ver com o mérito do decidido (em última e definitiva instância).

Refira-se concretamente:

1º - Não se descortina qualquer omissão de pronúncia que inquine a validade do acórdão proferido nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.

Uma coisa é discordar do decidido, repetindo à exaustão os argumentos que no entender do recorrido deviam conduzir a decisão diversa daquela que foi proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça; outra é vislumbrar nesse argumentário motivos de ausência de pronúncia quando as questões essenciais e decisivas para o sentido do acórdão foram efectivamente abordadas no aresto.

A primeira posição é legítima, mas irrelevante (a lei não prevê novo recurso ordinário contra a decisão do Supremo Tribunal de Justiça que conheceu da revista); a segunda não merece, como se compreende, nenhum acolhimento, encontrando-se aliás esgotado o poder jurisdicional nesse particular, nos termos do artigo 613º, nº 1, do Código de Processo Civil.

2º - Dizer-se simplesmente que “não se alcança fundamento factual ou legal que permita apagar o teor do n.º 1, do artigo 188º, do CIRE, ademais recentemente modificado para a exacta fórmula que o legislador optou por estipular”; “não se encontra qualquer facto ou norma que permita alcançar a conclusão em crise”; “não se encontra qualquer fundamento legal e/ou um mínimo de correspondência com a letra da lei, ou sequer com a vontade ou pensamento do legislador”, constitui apenas uma nova e infrutífera tentativa de reabrir uma discussão que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça encerrou definitivamente (embora para desagrado do recorrido).

Esta alegação não conduz a qualquer (pretensa) falta de fundamentação do acórdão cuja nulidade se arguiu, não existindo fundamento sério para a invocação das alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.

A fundamentação do veredicto existe e foi devidamente desenvolvida, embora não haja logrado convencer a parte vencida (conforme abundantes vezes acontece).

3º - Não se alcança de todo a pretendida violação dos artigos 203º, nº 1, e 205º da Constituição da República Portuguesa, como se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça não contivesse a fundamentação necessária e suficiente – que obviamente contém - e/ou a não concordância com a tese do recorrido constituísse por si só um motivo (autónomo) de violação da lei.

4º - Dizer-se que o teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça constitui uma “decisão ininteligível por referência à lei” é, salvo o devido respeito, totalmente ininteligível (ou, pelo menos, não se alcança o seu sentido útil).

As disposições legais avocadas para a decisão deste caso concreto foram interpretadas em sentido oposto ao visado pelo recorrido, o que não quer dizer que qualquer das teses em confronto não sejam em si mesmo compreensíveis, tudo dependendo das diferentes leituras das normas em causa e dos princípios gerais que enformam o sistema jurídico aplicável (CIRE).

Aceitar inteligentemente a discussão jurídica que se suscitou nos autos implica compreender, com abertura e tolerância, os argumentos em sentido contrário, sem que faça o menor sentido a rotulação como “ininteligíveis” dos fundamentos da posição adversa apenas porque esta não é afinal coincidente com os argumentos e interesses pessoais de quem está convencido de defender e adoptar, com toda a superioridade intelectual de que se julga portador, a (única) leitura inteligente das normas legais em apreço.

Pelo que a arguição de nulidades é naturalmente desatendida, não passando de uma desenvolvida manifestação de desagrado da parte vencida relativamente ao decidido (como se ainda lhe sobrasse momento processual para o fazer).

O que se decide, sem necessidade de outros desenvolvimentos ou considerações.

Pelo exposto:

Acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça, em Conferência, em desatender a arguição de nulidades apresentada pelo recorrido.

Custas pelo arguente/recorrido, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UCs.

Lisboa, 12 de Novembro de 2024.

Luís Espírito Santo (Relator)

Ricardo Costa

Luís Correia de Mendonça

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.