Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3841/19.1T8SNT.L1-A.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ROSÁRIO GONÇALVES
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ACORDÃO DA RELAÇÃO
CONHECIMENTO DO MÉRITO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
PRESSUPOSTOS
VALOR DA CAUSA
SUCUMBÊNCIA
APOIO JUDICIÁRIO
Data do Acordão: 09/17/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Sumário :
I- A revista no âmbito do art. 14º do CIRE, não prescinde, da verificação dos pressupostos gerais de recorribilidade das decisões judiciais, onde figura o valor da causa e a sucumbência.

II- A admissibilidade do recurso de revista, mesmo baseado em oposição de acórdãos, nos termos da alínea d) do nº. 2 do art. 629º do CPC., tem de igual modo, que respeitar aqueles requisitos legais gerais.

Decisão Texto Integral:
Processo nº. 3841/19.1T8SNT.L1-A.S1

Acordam em Conferência na 6ª. Secção do STJ.

1-Relatório:

AA foi declarado insolvente nos autos, por sentença transitada em julgado.

O processo de insolvência foi declarado encerrado por despacho proferido em 4-11-2022.

Ao insolvente foi concedida a exoneração do passivo restante.

Por despacho proferido em 4-11-2022, o insolvente foi declarado exonerado do remanescente das dívidas e determinado que as custas em dívida ficavam a seu cargo.

Foi elaborada a conta de custas do processo e notificado o insolvente para proceder ao pagamento da quantia de € 3.537.80.

O insolvente requereu apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de custas e demais encargos, tendo o ISS deferido tal pedido.

Em 8-6-2023 foi proferido despacho a determinar a responsabilidade do mesmo pelo pagamento das custas.

Inconformado interpôs recurso de apelação, tendo a Relação de Lisboa proferido acórdão a julgar a apelação totalmente improcedente, confirmando a decisão recorrida.

Uma vez mais, inconformado, veio o recorrente interpor recurso de revista excecional para este STJ., ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 14º do CIRE e 672º, nº.1 al. b) e 629º, nº. 2, al. d), ambos do CPC.

O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade do recurso.

Foi dado cumprimento ao disposto no nº. 1 do art. 655º do CPC., nada tendo sido alegado.

Foi proferida decisão sumária a julgar findo o recurso por não haver que conhecer do seu objeto.

Desta decisão sumária veio o recorrente reclamar para a conferência.

2-Fundamentação:

Na situação vertente, veio o insolvente interpor recurso de revista excecional, sobre um acórdão da Relação, entendendo que se encontra em contradição com um outro acórdão da Relação do Porto, bem como, atento o interesse de particular relevância.

Ora, nos termos do disposto no nº. 1 do art. 629º do CPC., o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.

Por seu turno, dispõe a al. d) do nº. 2 do mesmo normativo que, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:

- Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

E, nos termos do disposto no nº. 1 do art. 671º do CPC., cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª. instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.

Dizendo o seu nº. 3 que, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª. instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.

Com efeito, na situação concreta, o valor atribuído aos autos foi de € 5.000.00 e o valor da conta das custas, para pagamento de € 3.537.80.

De igual modo, o Tribunal da Relação manteve na íntegra a decisão da 1ª. Instância, havendo lugar à apelidada dupla conforme.

Como é jurisprudência constituída deste STJ., só será admissível recurso de revista excecional, se se verificarem os requisitos da revista normal.

A admissibilidade do recurso de revista, mesmo baseado em oposição de acórdãos, nos termos da alínea d) do nº. 2 do art. 629º do CPC., tem que respeitar os requisitos legais gerais, ou seja, o valor da causa e a sucumbência.

Quando o preceito em apreço alude a «motivo estranho à alçada do tribunal», quer dizer que, a sua aplicação se circunscreve aos casos em que se pretenda recorrer de acórdão da Relação proferido no âmbito de ação, ou procedimento, cujo valor excede a alçada da Relação, relativamente ao qual esteja excluído o recurso de revista por motivo estranho a essa alçada (cfr. Abrantes Geraldes, in, Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª ed., pág. 73).

A al. d) do nº. 2 do art. 629º do CPC., só é aplicável se houver uma exclusão legal de revista por motivo que não tenha a ver com o valor da causa e a alçada do tribunal

A interposição de recurso para o STJ., fica limitado às decisões proferidas em processos cujo valor exceda a alçada da Relação, ou seja, € 30.000.00.

Na situação dos autos, a admissão de revista normal, não se mostra admissível, pelo que, obstaculizada terá de ficar, também, a sua admissibilidade a título excecional, já que, para haver lugar a esta se exige a verificação dos requisitos daquela (neste sentido Ac. do STJ. de 4-7-2023).

Como também escreve Abrantes Geraldes, na obra já supra identificada, a fls. 446: «Estão afastados do âmbito de aplicação da revista excecional os acórdãos da Relação relativamente aos quais esteja impedido, como regra geral, o recurso de revista».

Por outro lado, o nº. 1 do art. 14º do CIRE, consagra um regime especial.

Efetivamente, dispõe este preceito que, no processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686º e 687º do CPC., jurisprudência com ele conforme.

Porém, tal regime especial não afasta os demais requisitos legais processualmente exigíveis, máxime o da alçada, aludido no art. 629º, nº. 1 do CPC., aplicável ex vi do art. 17º nº. 1 do CIRE. (cfr. Ac. do STJ. de 12-7-2018, in https://www.dgsi.pt.).

Ora, a revista no âmbito do art. 14º do CIRE, não prescinde, pois, da verificação dos pressupostos gerais de recorribilidade das decisões judiciais, onde figura o valor da causa e a sucumbência (neste sentido Ac. do STJ. de 14-5-2019, in https://www.dgsi.pt).

Estando em causa um recurso em que se questiona da admissibilidade de apoio judiciário para pagamento de conta de custas, no valor de € 3.537.80, tal montante é inferior ao da metade da alçada do Tribunal da Relação, sendo o recurso de revista inadmissível.

Assim se entendendo, o caso concreto não será passível de recurso de revista, quer normal, quer especial.

A decisão sumária proferida manter-se-á.

Sumário:

- A revista no âmbito do art. 14º do CIRE, não prescinde, da verificação dos pressupostos gerais de recorribilidade das decisões judiciais, onde figura o valor da causa e a sucumbência.

- A admissibilidade do recurso de revista, mesmo baseado em oposição de acórdãos, nos termos da alínea d) do nº. 2 do art. 629º do CPC., tem de igual modo, que respeitar aqueles requisitos legais gerais.

3-Decisão:

Pelo exposto, acorda-se em Conferência, indeferir a reclamação apresentada, mantendo-se a decisão singular.

Custas a cargo do recorrente, sem prejuízo de apoio judiciário de que beneficie.

Notifique.

Lisboa, 17-9-2024

Maria do Rosário Gonçalves (Relatora)

Leonel Serôdio

Amélia Alves Ribeiro