Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
120/24.6GDMFR.L1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: RECURSO PER SALTUM
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CÚMULO JURÍDICO
PENA ÚNICA
ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
CULPA
DOENÇA MENTAL
SUBSTITUIÇÃO
JUÍZO DE PROGNOSE
IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 10/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

Tendo o arguido sido condenado pela prática de dois crimes de abuso sexual de crianças agravados, em duas penas de 4 anos e 3 meses de prisão, considerando o arco de punibilidade resultante da moldura penal abstracta aplicável ao concurso, a pena única de 5 anos e 3 meses de prisão, decretada pela 1ª instância, porque situada abaixo do primeiro quarto daquela moldura é, face às elevadas exigências de prevenção, necessária, adequada, proporcional e plenamente suportada pela medida da culpa do agente, não devendo, por isso, ser reduzida.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo Central Criminal de Sintra – Juiz 1, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, do arguido AA, com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material e concurso efectivo, de dois crimes de abuso sexual de crianças agravados, p. e p. pelos arts. 69º-B, nº 2, 69º-C, nº 2, 171º, nºs 1 e 2 e 177º, nº 1, b) e c), todos do C. Penal.

Promoveu ainda o Ministério Público o arbitramento de indemnização à ofendida BB, nos termos do disposto nos arts. 82º-A do C. Processo Penal e 16º, nºs 1 e 2, da Lei nº 130/2015, de 4 de Setembro.

Por acórdão de 3 de Março de 2025 foi decidido:

Condenar AA pela prática, como autor material e em concurso efectivo, nos termos dos arts. 26.º, 1.ª parte, e 30.º, n.º 1, do Código Penal, de 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças agravados, na forma consumada, p. e p. pelos arts. 171.º, n.ºs 1 e 2, e 177.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, nas penas de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão por cada um;

Em cúmulo jurídico destas penas, nos termos do art. 77.º do Código Penal, condenar AA na pena única de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão.

Condenar AA, ao abrigo do disposto no art. 69.º-B, n.º 2, do Código Penal, na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de 10 (dez) anos.

Condenar AA, ao abrigo do disposto no art. 69.º-C, n.º 2, do Código Penal, na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, pelo período de 10 (dez) anos.

Não condenar AA pela agravante prevista na al. b) do n.º 1 do art. 177.º do Código Penal.

Condenar AA, ao abrigo do disposto no art. 82.º-A do Código de Processo Penal, no pagamento a BB da quantia de 3.000 € (três mil euros).

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Inconformado com a decisão, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

I. O douto acórdão recorrido é parcialmente merecedor de reparo, salvo o devido respeito, nomeadamente no que diz respeito à determinação da medida da pena aplicada ao arguido.

II. De facto, a aplicação de uma pena de prisão efetiva de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses é manifestamente exagerada e desproporcional, desde logo porque impede, à partida, a aplicação do regime de suspensão da execução da pena.

III. Durante todo o processo, nas várias ocasiões em que prestou depoimento, jamais o arguido procurou descredibilizar a vítima e/ou a mãe da mesma, ao contrário do que refere o tribunal recorrido.

IV. O arguido limitou-se a negar os factos pelos quais foi acusado e condenado em 1ª instância, não havendo tecido qualquer comentário quanto aos demais intervenientes processuais.

V. O arguido não tinha quaisquer antecedentes criminais, mostrando estar perfeitamente inserido em termos familiares e sociais.

VI. O arguido é uma pessoa com 70 (setenta) anos de idade, que padece da doença de Parkinson, a qual se encontra já em estado avançado.

VII. O arguido encontra-se em prisão preventiva à ordem dos presentes autos há mais de 1 (um) ano, tendo vindo a ser cada vez mais frequentes os internamentos hospitalares.

VIII. A aplicação de uma pena de prisão efetiva ao arguido em causa terá como resultado, muito provavelmente, que o mesmo venha a definhar progressivamente em ambiente prisional, ao invés de poder passar os poucos anos de vida que lhe restam no seio da sua família.

IX. Estamos, portanto, perante uma questão humanitária a que é preciso atender e que o tribunal a quo, salvo o devido respeito, parece ter desvalorizado.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente RECURSO ser julgado procedente, por provado e, em consequência, ser a medida da pena determinada no acórdão recorrido reduzida para o mínimo legal permitido de 4 (atro) anos e 3 (três) meses de prisão, mais se determinado a suspensão da execução da mesma, pelo mesmo período, sem prejuízo da aplicação de quaisquer deveres ou regras de conduta que se julguem pertinentes, só assim se fazendo JUSTIÇA!

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O recurso foi admitido por despacho de 10 de Abril de 2025.

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Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

1.Por Acórdão proferido nos presentes autos foi o Recorrente AA condenado pela prática, como autor material e em concurso efectivo, nos termos dos arts.º 26.º, 1.ª parte, e 30.º, n.º 1, do Código Penal, de 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças agravados, na forma consumada, p. e p. pelos arts.º171.º, n.ºs 1 e 2,e 177.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, nas penas de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão por cada um.

2. Em cúmulo jurídico destas penas, na pena única de 5 (cinco)anose3(três) meses de prisão.

3. Na dosimetria da pena única é considerado o “comportamento global” resultante da ponderação concorrente dos “factos” perpetrados e da “personalidade” do agente revelada no seu cometimento. As regras de determinação da pena não operam aqui por referência a um qualquer dos crimes em concurso, nem a todos como se de uma unidade de sentido punitivo se tratasse, mas por referência aos factos e à pena aplicada a cada um e a todos eles (J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 277).

4. No vertente caso, verifica-se que o tribunal a quo atendendo a que “que a culpa do arguido foi, em ambas as situações, elevada, pois o dolo foi directo, intenso e persistente, sendo de realçar todo o descrito contexto em que praticou os factos, de modo destemido e dissimulado, aproveitando as condições para tal, explorando relações de confiança, sem em momento algum se deixar abalar pelo sofrimento e brutal desrespeito imposto à vítima, considerando os específicos abusos sexuais que, insensível aos eu horror, o arguido levou a cabo”, a que as exigências de prevenção geral se revelam muitíssimo elevadas e as exigências de prevenção especial se revelam elevadas, considerou adequadas as penas de 4 anos e 3 meses quanto a cada um dos dois crimes cometidos pelo Recorrente.

5. Assim, de acordo com o estabelecido pelo art.º 77.º, n.º 2 do CP, a pena única aplicar tem como limite máximo a soma das penas aplicadas aos crimes, no vertente caso o máximo de 8 anos e 6 meses de prisão, e como limite mínimo a pena de prisão mais elevada concretamente aplicada aos vários crimes, que no vertente caso é de 4 anos e 3 meses.

6. No caso dos autos estão em causa crimes praticados contra menor de 5 anos de

idade, sobressaindo, na imagem global do facto, uma atitude especialmente censurável do Recorrente.

7. O abuso sexual de crianças representa uma catástrofe na vida da vítima, afectando o núcleo mais pessoal, mais íntimo, da sua identidade.

8. A ilicitude global do comportamento do Recorrente, revelada nos crimes cometidos, é muito elevada, observando-se aqui intensas exigências de prevenção geral.

9. Não demonstrou arrependimento nem procedeu a qualquer reparação.

10. A seu favor milita tão só a ausência de antecedentes criminais. De pouco valor, como a jurisprudência o vem sublinhando, já que o não cometimento de crimes é obrigação da generalidade dos cidadãos.

11. Assim, tendo em consideração as razões expostas no acórdão recorrido para aplicar ao Recorrente a pena única de 5 anos e 3 meses de prisão, as quais aqui se dão por integralmente reproduzidas, não se identifica fundamento que possa constituir motivo para intervenção corretiva na medida daquela pena, a qual se encontra justificada sem ocorrer violação dos critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade, na consideração do objetivo de proteção dos bens jurídicos e de reintegração que a sua aplicação visa realizar.

12. Atenta a pena em que o Recorrente foi condenado, a mesma não pode ser suspensa na sua execução, por inadmissibilidade legal.

13. Nada havendo a censurar à pena aplicada.

14. No mais, não se mostrará violado qualquer preceito legal nem desrespeitado qualquer direito.

15. Nesta conformidade, negando-se provimento ao recurso e mantendo-se o douto acórdão recorrido, será feita justiça.

Consequentemente, deve o Acórdão recorrido ser confirmado.

No entanto, Vossas Excelências decidirão fazendo, como sempre, a costumada JUSTIÇA.

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Remetidos os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, por decisão da Exma. Juíza Desembargadora relatora de 16 de Junho de 2025, foi determinado o envio dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça, por ter entendido ser este o competente para o conhecimento do recurso.

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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto do Supremo Tribunal de Justiça emitiu parecer, alegando que a integração familiar pressupõe um comportamento conforme com o respeito pelas regras mínimas da familiaridade e sociabilidade, que os 70 anos do arguido e a doença de Parkinson medicada e controlada em nada conflituam com a justeza e necessidade da pena, que a pretensão do arguido em ser punido com a pena mínima do concurso não é aceitável, face à consideração global dos factos e da sua personalidade, não tendo sido violados os arts. 71º e 77º do C. Penal, pelo que, não se mostra excessiva a pena única decretada e revelar-se-ia desajustada, na hipótese de esta ser fixada em medida não superior a 5 anos de prisão, a suspensão da respectiva execução, e concluiu pelo não provimento do recurso.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

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Colhidos os vistos, foram os autos presentes à conferência.

Cumpre decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Factos provados

A matéria de facto provada que provém da 1ª instância é a seguinte

1.º O arguido AA é casado com CC e viveu com a mesma na habitação sita na Rua 1, em Mafra, desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde Setembro de 2023 até ao dia 04.03.2024, data em que foi detido à ordem dos presentes autos.

2.º A referida CC cuidou de crianças enquanto ama, mediante pagamento, naquela sua residência, desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde Setembro de 2023 até, pelo menos, o dia 02.03.2024.

3.º BB nasceu a D.M.2018, é filha de DD e de EE.

4.º À data dos factos infra descritos, a BB tinha 5 anos de idade e residia com os progenitores na aldeia do Barril, concelho de Mafra.

5.º Entre Setembro de 2023 e o dia 02.03.2024, quase diariamente, em horário diurno e sempre que os pais se encontravam a trabalhar, a BB ficou aos cuidados de CC, na casa desta e do arguido, mediante pagamento.

6.º A BB tratava o arguido por “vô AA”.

7.º No período temporal mencionado no ponto 5.º, numa ocasião, em data não concretamente apurada, quando a BB se encontrava aos cuidados da sua mulher, o arguido sentou-se ao lado da menor, no sofá existente na sala da residência, e inseriu a sua mão por dentro das calças e das cuecas que a BB vestia.

8.º De seguida, o arguido massajou a vagina da BB e aí introduziu um dos seus dedos e fez movimentos oscilantes, o que provocou dores à BB.

9.º No dia 02.03.2024, entre as 09h00 e as 17h30, na residência mencionada no ponto 1.º, quando a BB se encontrava aos cuidados da sua mulher, o arguido sentou-se uma vez mais ao lado da BB, inseriu a sua mão por dentro das calças e das cuecas que a menor vestia e,

10.º em acto contínuo, introduziu um dos seus dedos na vagina da BB e fez movimentos ascendentes e descendentes, o que novamente lhe provocou dores.

11.º O arguido conhecia a idade da BB e, não obstante, manipulou-a de forma a constrangê-la aos actos e contactos de natureza sexual supra descritos.

12.º O arguido sabia que a BB, em razão da sua idade, não possuía a capacidade e o discernimento necessários para se autodeterminar sexualmente, nem para avaliar a ilicitude das condutas por si levadas a cabo e não poderia consentir ou anuir nas mesmas.

13.º O arguido aproveitou-se do facto de ter a menor BB ao seu cuidado por impedimento dos progenitores e ausência da sua mulher, ama da mesma, da ingenuidade e tenra idade da BB e do natural ascendente que mantinha sobre a menor para praticar tais actos com a intenção de satisfazer os seus impulsos sexuais e a vontade de dominar a liberdade de autodeterminação sexual da criança.

14.º Ao actuar como actuou o arguido bem sabia que perturbava e prejudicava, de forma séria, o desenvolvimento da personalidade da menor, que ofendia os seus sentimentos de criança e punha em causa o seu normal e são desenvolvimento psicológico, afectivo e sexual, não se demovendo, contudo, de assim agir tão-só para satisfazer os seus desejos sexuais e lascivos.

15.º O arguido actuou sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo serem as suas descritas condutas censuradas, proibidas e punidas por lei, e tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.

16.º Nada consta do CRC do arguido.

17.º O arguido nasceu em D.M.1955, no Brasil e tem nacionalidade brasileira.

18.º O seu processo de desenvolvimento decorreu num meio rural, não tendo integrado o sistema de ensino e tendo iniciado precocemente actividades laborais na área da agricultura, junto dos pais.

19.º Casou com CC em 1980/81 e dessa relação nasceram três filhos.

20.º Esteve em Portugal pela primeira vez em 2010/11, para se juntar aos dois filhos que já se encontravam neste país, e começou a trabalhar numa estufa de tomate em Silveira, Mafra.

21.º Em 2013 começou a ter os primeiros sintomas de doença de Parkinson, pelo que regressou com a esposa ao Brasil, onde o arguido tem casa própria, no estado de ....

22.º Apesar disso, o arguido regressou a Portugal, em 2019, alegadamente por os cuidados de saúde/medicamentos de que carece serem mais acessíveis neste país, tendo mantido o acompanhamento clínico regular na ASFE – Associação de Socorros da Freguesia da Encarnação – Mafra, com médico neurologista - Dr. FF -, até ser preso preventivamente à ordem dos presentes autos.

23.º O acompanhamento clínico permite ao arguido um controlo da sua situação de saúde e o arguido pretende retomá-lo logo que volte à liberdade.

24.º A sua família fixou-se na localidade de Mafra, até à actualidade, e mantém o suporte afectivo e financeiro ao arguido.

25.º A residência do arguido, quando em liberdade, sita na morada acima referida no ponto 1.º, é uma moradia arrendada, com três quartos e boas condições de habitabilidade.

26.º Às datas dos factos supra descritos a que se refere este processo, nessa habitação residiam ainda uma filha do arguido e os quatro filhos desta, actualmente com dezassete, dezasseis, oito e quatro anos de idade.

27.º O cônjuge do arguido, além de cuidar dos netos enquanto a filha cumpria os seus compromissos profissionais, tinha aos seus cuidados mais quatro crianças, ficando responsável por levá-las e ir buscá-las à escola e/ou cuidar delas até os progenitores as irem buscar, e recebia a título de remuneração entre 50 e 100 euros por cada uma.

28.º O arguido, reformado no Brasil desde 2011/12, e já então com dificuldades ao nível da linguagem, ocupava o seu tempo ajudando o cônjuge nas tarefas desta enquanto cuidadora de crianças.

29.º Actualmente o cônjuge do arguido trabalha como empregada doméstica, por tal auferindo cerca de 200 euros mensais; a referida filha trabalha como ajudante num lar de idosos e a tempo parcial como empregada de mesa num restaurante, auferindo de cerca de 1800 euros por mês, e colabora para o pagamento das despesas mensais da família; o filho do arguido trabalha na área da construção civil e, pese embora não resida na mesma morada, também apoia a mãe; o agregado familiar paga de renda de casa 600 € por mês.

30.º O arguido foi detido em 04.03.2024 e encontra-se preso preventivamente à ordem destes autos desde 05.03.2024, actualmente no Estabelecimento Prisional da Carregueira.

31.º Em contexto prisional, encontra-se a ser acompanhado pelos Serviços Clínicos do Estabelecimento Prisional - Dr. GG -, mantém terapêutica anti-demencial, adequada ao seu quadro clínico - terapêutica que necessita de realizar rigorosamente por forma a debelar problemas cognitivos ao nível da memória, raciocínio, linguagem, dificuldades na organização espácio-temporal e no encadeamento dos acontecimentos da sua vida -, é actualmente apoiado por um outro recluso, encarregue de ser seu cuidador, que o ajuda nas tarefas diárias, e não tem registo de problemas disciplinares.

32.º Em termos de enquadramento sociofamiliar, o arguido beneficia de apoio por parte do cônjuge e dos filhos, que o visitam regularmente e que se constituem como suporte financeiro e emocional para ele, contribuindo desta forma para a sua estabilidade pessoal.

33.º O arguido revela reduzido juízo crítico relativamente aos factos supra descritos a que se refere este processo, quanto aos quais não manifestou arrependimento.

(…)”.

B) Factos não provados

A matéria de facto não provada relevante, que provém da 1ª instância é a seguinte:

a) aquando do descrito no ponto 8.º dos factos provados o arguido introduziu dois dos seus dedos na vagina da BB;

b) aquando do descrito no ponto 10.º dos factos provados o arguido introduziu dois dos seus dedos na vagina da BB.

C) Fundamentação de direito quanto à determinação da medida da pena única

“(…).

Os crimes por que o arguido vai ser condenado estão numa relação de concurso efectivo entre si, pois foram ambos praticados antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, pelo que há que efectuar, nos termos do estabelecido no art. 77.º do Código Penal, o cúmulo jurídico relativamente às correspondentes penas de prisão.

A pena única tem como limite máximo a soma das penas de prisão concretamente aplicadas aos vários crimes - 8 anos e 6 meses -, e como limite mínimo a mais elevada das penas de prisão concretamente aplicadas aos vários crimes (art. 77.º, n.º 2, do Código Penal) – 4 anos e 3 meses de prisão; dentro da moldura encontrada, é determinada a pena do concurso, considerando, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (art. 77.º, n.º 1), sem embargo, obviamente, de se terem também em conta as exigências gerais da culpa e da prevenção a que manda atender o art. 71.º, n.º 1, do Código Penal, bem como os factores elencados no n.º 2 deste art. 71.º, referidos à globalidade dos crimes.

Na determinação da medida da pena única, no que tange à aferição do nível da culpa e das exigências de prevenção especial e geral, é fundamental que se tenha em conta algo que é evidente e do conhecimento de qualquer pessoa de mediano entendimento: os crimes de abuso sexual de crianças, para mais agravados, são, em regra e como se verifica no presente caso, determinados pela personalidade de quem os comete e pela fragilidade das vítimas, factores tendencialmente constantes, não por pontuais circunstâncias de vida; é por isso que quem os pratica tende à sua prática, sem que lhe cause impressão o horror, a desumanização de que se “alimenta”, apresentando-se a punição de tais condutas, obviamente com respeito pelo inultrapassável limite da culpa - no caso concreto, elevada, pela insensibilidade manifestada relativamente à vítima, suas características e circunstâncias descritas -, como o único instrumento apto a, na perspectiva do criminoso, causar algum entrave à sua insistente vontade de prosseguir no cometimento de tais crimes, que, porque resultam de algo inerente à pessoa que é, não são travados pelo surgimento de um actuante/contentor juízo crítico respeitante ao mal neles contido e decorrente da respectiva prática e não o são porque tal juízo não surge de modo a superar aquela vontade.

Daqui resulta a necessidade actual de uma punição severa, sem complacência, de tais crimes.

Importa, ainda, referir que a necessidade de severa punição destes crimes decorre das fortíssimas exigências de prevenção geral que actualmente se verificam, quer pela degradação da criança que os mesmos têm implicada e implicam, quer pela vulgarização dessa degradação, pela chocante frequência da respectiva prática, nomeadamente na área desta comarca, como amiúde constatado por este tribunal, pelo que as exigências de prevenção geral impõem a aplicação de punição que se revele efectiva/actuante e que, pelo que vai exposto, apenas uma robusta e efectiva pena de prisão permite concretizar. De outro modo, também efectivamente, nem as crianças estão protegidas, nem a comunidade acredita que o Estado as protege relativamente à exponencialmente crescente prática de tais crimes.

À luz dos critérios supra expostos, considerando o conjunto de todos os factos, tendo em conta, pesem embora a ausência de antecedentes criminais registados, a idade, a inserção familiar e social do arguido e a doença de que padece, que nada disso se mostrou contentor ou limitador da prática dos crimes em causa, nem de tal se mostra quanto à futura repetição de crimes do mesmo tipo, pois foi no contexto daquela inserção que tais crimes foram arrojada e dissimuladamente praticados e é também no seu seio que claramente se persiste em pretender dissimulá-los, que o acompanhamento clínico permite ao arguido um controlo da sua situação de saúde, já existente há muitos anos, e o mesmo pretende mantê-lo, retomando o que tinha logo que volte à liberdade, constatando-se que com o correspondente tratamento/terapêutica devidamente feito - como o era antes de o arguido ficar em prisão preventiva à ordem destes autos e voltou a sê-lo, no decurso da prisão preventiva, logo que alertado o estabelecimento prisional -, o arguido consegue claramente ser funcional, não tendo aquela condição de saúde ou as dificuldades de expressão do arguido sido limitativas da repetida prática dos factos, aproveitando as condições para tal, de modo dissimulado, mesmo arriscando ser “apanhado” pela esposa, por outro familiar e/ou criança, sendo notório que o que o arguido pretendeu descredibilizar a sua vítima e a mãe que a confiou aos cuidados da sua esposa, em tudo reflectindo o mesmo o seu reduzido juízo crítico, inalterado desde a prática dos factos até ao presente apesar do tempo de prisão preventiva já sofrido, o seu modo de ser persistentemente dissimulado, com características pessoais que lhe permitiram a prática dos crimes pelos quais aqui será condenado em circunstâncias, de que se aproveitou, em que soube poder contar com o tendencial silêncio da criança ou com a eficácia da dissimulação por ele levada a cabo, a sua perigosidade, decorrente do que vai exposto e da inexistência de qualquer arrependimento (real, porque com ele não se confunde o sofrimento sentido pela privação da liberdade), do seu carácter autocentrado, da sua atitude de vitimização, da sua falta de empatia, da sua frieza em relação aos seus comportamentos, da sua fraca ressonância afectiva, das suas lacunas ao nível da autocrítica e do pensamento consequencial e do facto de o mesmo tentar passar uma imagem de si de “ser inofensivo”, com capacidade tal de sucesso que lhe permitiu a prática de ambos os crimes em causa nas descritas circunstâncias, e tendo em conta que são muito fortes as exigências de prevenção geral destes delitos, causadores de grande e crescente alarme social, a fim de se restaurar, na medida do possível, a segurança dos correspondentes bens jurídicos, com o restabelecimento da confiança da comunidade na validade das normas jurídicas violadas, e de alcançar a reintegração do arguido na sociedade, considera o tribunal como adequada a pena única de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão.

(…)”.

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Âmbito do recurso

Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem, pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Consistindo as conclusões num resumo do pedido, portanto, numa síntese dos fundamentos do recurso levados ao corpo da motivação, entre aquelas [conclusões] e estes [fundamentos] deve existir congruência.

Deste modo, as questões que integram o corpo da motivação só podem ser conhecidas pelo tribunal ad quem se também se encontrarem sumariadas nas respectivas conclusões. Quando tal não acontece deve entender-se que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.

Por outro lado, também não deve ser conhecida questão referida nas conclusões, que não tenha sido tratada no corpo da motivação (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2020, Universidade Católica Editora, pág. 335 e seguintes).

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir no presente recurso, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A excessiva medida pena única;

- A substituição da pena única.

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Da excessiva medida da pena única

1. Alega o arguido – conclusões II a IX – que a pena única de 5 anos e 3 meses de prisão é manifestamente exagerada, desde logo, porque impede a sua substituição, quando ao longo do processo nunca procurou descredibilizar a vítima e sua mãe, pois limitou-se a negar os factos de que era acusado, que tem 70 anos de idade, não tem antecedentes criminais e está inserido em termos familiares e sociais, que padece de doença de Parkinson em estado adiantado e, encontrando-se em prisão preventiva, são cada vez mais frequentes os seus internamentos hospitalares, pelo que, a aplicação de uma pena de prisão efectiva significará o seu definhar progressivo em meio prisional, em vez de passar o tempo que lhe resta no seio da família, devendo ponderar-se a questão humanitária que se coloca e que foi desvalorizada, razão pela qual, deve a pena única ser reduzida para o mínimo permitido, de 4 anos e 3 meses de prisão, e substituída pela suspensão da respectiva execução, ainda que acompanhada de deveres e regras de conduta.

Contrária é a posição do Ministério Público, na 1ª instância, e no Supremo Tribunal de Justiça, para quem deve o acórdão recorrido ser mantido.

Vejamos, então, a quem assiste razão.

Com a epígrafe «Regras da punição do concurso», dispõe o art. 77º do C. Penal, na 1ª parte do seu nº 1 que, [q]uando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena.

É pressuposto da aplicação deste critério especial de determinação da medida da pena que o agente tenha praticado uma pluralidade de crimes constitutiva de um concurso efectivo – real ou ideal, homogéneo ou heterogéneo –, antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, distinguindo este último aspecto os casos de concurso dos casos de reincidência.

A lei afastou o sistema da acumulação material de penas, tendo optado por acolher um sistema de pena conjunta, resultante de um princípio de cúmulo jurídico (Figueiredo Dias, op. cit., pág. 283 e seguintes e Maria João Antunes, op. cit., pág. 56 e seguintes). Por isso, estabelece o nº 2 do mesmo art. 77º que, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limites mínimos a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

Dispõe o referido art. 77º, na 2ª parte do seu nº 1, que, [n]a medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

Factos e personalidade do agente são, assim, os dois factores que conferem individualidade própria a esta operação jurídica, e a distingue do critério de determinação da medida concreta das penas parcelares, previsto no art. 71º do C. Penal.

Com efeito, na ponderação conjunta dos factos e da personalidade do agente, pedra angular do critério especial de determinação da pena única, o conjunto dos factos indicará a gravidade do ilícito global praticado – sendo particularmente relevante, para a sua fixação, a conexão existente entre os factos integrantes do concurso –, enquanto a avaliação da personalidade unitária do agente permitirá aferir se o conjunto dos factos integra uma tendência desvaliosa da personalidade ou se, pelo contrário, é apenas uma pluriocasionalidade que não tem origem na personalidade, sendo que, só no primeiro caso, o concurso de crimes deverá ter um efeito agravante. Ou como afirma Cristina Líbano Monteiro, o C. Penal rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente (A pena «unitária» do concurso de crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 16, Nº 1, 2006, pág. 162).

Neste campo, é igualmente importante a análise do efeito previsível da pena sobre a conduta futura do agente (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, op. cit., págs. 290 e seguintes).

A determinação da medida concreta da pena única pressupõe a observância de uma sequência de procedimentos.

Em primeiro lugar, teremos de ter determinadas as medidas concretas das penas parcelares, de acordo com o critério geral de determinação da medida da pena, previsto no art. 71º do C. Penal.

Depois, há que fixar a moldura penal do concurso, nos termos estabelecidos no art. 77º, nº 2, do C. Penal.

Segue-se a verdadeira operação de concretização da pena única, traduzida na determinação da medida concreta da pena conjunta do concurso, dentro dos limites da respectiva moldura penal, em função do critério geral da medida da pena do art. 71º, do C. Penal, culpa e prevenção, portanto, e do critério especial previsto no art. 77º, nº 1, parte final, do mesmo código, portanto, a consideração, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente.

Eventualmente, a derradeira tarefa consistirá na substituição da pena conjunta, quando legalmente admissível.

2. O arguido foi condenado nos autos, pela práticas de dois crimes de abuso sexual de crianças agravados, na forma consumada, p. e p. pelos arts. 171º, nºs 1 e 2, e 177º, n. 1, c), ambos do Código Penal, em duas penas de 4 anos e 3 meses de prisão [foi ainda condenado na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de 10 (dez) anos e na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, pelo período de 10 (dez) anos].

Assim, atento o disposto no art. 77º, nº 2 do C. Penal, a moldura penal abstracta aplicável ao concurso de crimes é a de 4 anos e 3 meses a 8 anos e 6 meses de prisão.

A 1ª instância fixou a pena única em 5 anos e 3 meses de prisão, tendo, para o efeito, ponderado, como se pode ler na fundamentação da determinação da pena única, supra transcrita, num primeiro momento e em tese, a personalidade que, em regra, acompanha o agente de crimes de abuso sexual de crianças e a fragilidade das vítimas, tendendo o primeiro para a sua prática, sem qualquer empatia para as segundas, daqui resultando a imperiosa necessidade de uma punição severa, limitada, sempre, pela medida da culpa.

Num segundo momento, o tribunal a quo realçou as elevadíssimas exigências de prevenção geral actualmente existentes pela chocante frequência da prática dos crimes em causa e, partindo do conjunto dos factos, com destaque para o modo arrojado e dissimulado como foram praticados, com aproveitamento do meio familiar, referindo que a patologia que afecta o arguido se mostra clinicamente controlada e em nada limitou ou dificultou a prática dos factos, e realçando o reduzido juízo crítico do arguido e não assunção da culpa, assumindo uma atitude autocentrada e de vitimização, sem autocrítica e pensamento consequencial, tudo elevando as exigências de prevenção especial, não obstante a ausência de antecedentes criminais do arguido, e entendeu como adequada a pena de 5 anos e 3 meses de prisão.

A isto, opôs o arguido, conforma já referido, a sua idade [consta do Relatório do acórdão recorrido ter nascido a D de M de 1955 pelo que, tem hoje, 70 anos], a inexistência de antecedentes criminais, a doença de Parkinson que o afecta, e que reconduz para uma questão humanitária, a sua inserção familiar e social e a circunstância de nunca ter pretendido descredibilizar a vítima e a sua progenitora.

Pois bem.

Tendo presente que os factores enunciados no art. 71º do C. Penal, globalmente considerados, podem constituir guia para a concretização da medida da pena única [a 1ª instância considerou, nesta sede, que a culpa do arguido foi, em ambas as situações, elevada, pois o dolo foi directo, intenso e persistente, sendo de realçar todo o descrito contexto em que praticou os factos, de modo destemido e dissimulado, aproveitando as condições para tal, explorando relações de confiança, sem em momento algum se deixar abalar pelo sofrimento e brutal desrespeito imposto à vítima, considerando os específicos abusos sexuais que, insensível ao seu horror, o arguido levou a cabo, e ainda, os curtos períodos temporais em que ocorreram os abusos, e a idade do arguido], e convocando, agora o critério previsto na segunda parte do nº 1 do art. 77º do C. Penal, no que respeita à gravidade do ilícito global, temos a considerar o cometimento de dois crimes de abuso sexual de crianças agravados, praticados no período compreendido entre Setembro de 2023 e 2 de Março de 2024, com a mesma vítima, e idênticos modos de execução. Existe, pois, relativa conexão temporal entre os crimes em concurso, como existe conexão quanto à sua natureza, apontando a avaliação conjunta das condutas para uma ilicitude global de grau médio/elevado.

No que à personalidade unitária do arguido concerne, a mesma apresenta-se como desvaliosa por avessa ao direito, com traços de egocentrismo e ausência de capacidade de autocrítica, sinalizando o risco sério de “reincidência”, sendo de admitir, dada a natureza dos crimes praticados, e não obstante o seu número reduzido, in casu, a existência de uma tendência para a sua prática.

Por último, concordamos ainda com a 1ª instância quanto a serem muito elevadas as exigências de prevenção geral.

Considerando o arco de punibilidade resultante da moldura penal abstracta aplicável ao concurso, a pena única de 5 anos e 3 meses de prisão, decretada pelo tribunal recorrido, porque situada ainda abaixo do primeiro quarto daquela moldura, pela sua moderação face às elevadas exigências de prevenção, não merece qualquer diminuição – determinada pela idade, doença, inserção familiar e social e ausência de antecedentes criminais do arguido –, pois é necessária, adequada, proporcional e plenamente suportada pela medida da sua culpa, sendo, por isso, de manter.

Diga-se, por último que, relativamente à patologia que afecta o arguido, o eventual agravamento da mesma pode, verificados os respectivos pressupostos legais, conduzir a uma modificação da execução da pena, nos termos previstos nos arts. 118º e seguintes do C. Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

Em conclusão, improcede esta pretensão do arguido.

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Da substituição da pena única de prisão

3. Alega o arguido, no pressuposto de que a pena única seria reduzida, pela via do presente recurso, para 4 anos e 3 meses de prisão, que esta deveria ser suspensa na sua execução, pelo mesmo período, com sujeição a deveres e regras de conduta, se assim for entendido.

Dispõe o nº 1 do art. 50º do C. Penal que, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Assim, são dois os pressupostos de cuja verificação, faz a lei depender a aplicação do instituto. Um, de natureza formal, tem por objecto a medida concreta da pena principal a substituir, que não pode ser superior a cinco anos de prisão. Outro, de natureza material, traduz-se na necessidade de formulação pelo tribunal, de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do agente, no sentido de que, atenta a sua personalidade, as suas condições de vida, as circunstâncias do crime e a sua conduta anterior e posterior a este, a mera censura do facto e a ameaça da prisão darão adequada e suficiente realização às finalidades da punição.

Não se verificando, desde logo, o pressuposto formal de que depende a aplicação da pretendida pena de substituição e do qual partiu o arguido para formular a pretensão em análise, posto que a pena única fixada é superior a 5 anos de prisão, não pode dela, beneficiar.

Sempre acrescentaremos que, ainda que assim não fosse, também não se mostra verificado o pressuposto material, pois que os apontados traços da personalidade do arguido não são compatíveis com a formulação de um juízo de prognose favorável, relativamente ao seu futuro comportamento.

Acresce que, em nosso entender, sempre as exigências de prevenção geral se oporiam à substituição da pena de prisão, dada a natureza dos crimes e a forma do seu cometimento.

Em conclusão, improcede esta pretensão do arguido.

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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo da 5.ª Secção Criminal, em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam o acórdão recorrido.

Custas do recurso pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC (arts. 513º, nº 1 e 514º, nº 1 do C. Processo Penal, e 8º, nº 9 do R. das Custas Processuais e Tabela III, anexa).

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(O acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado pelos signatários, nos termos do art. 94º, nº 2 do C. Processo Penal).

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Lisboa, 9 de Outubro de 2025

Vasques Osório (Relator)

Jorge Gonçalves (1º Adjunto)

Jorge Jacob (2º Adjunto)