Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | AGOSTINHO TORRES | ||
Descritores: | RECURSO PER SALTUM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO CASO JULGADO REABERTURA DE INQUÉRITO ACUSAÇÃO RECLAMAÇÃO HIERÁRQUICA REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO NON BIS IDEM OMISSÃO DE PRONÚNCIA PROCEDÊNCIA BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO | ||
Data do Acordão: | 11/14/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
Sumário : | I.O tribunal recorrido comete nulidade por omissão de pronúncia sobre os factos (parte) da acusação proferida nos autos principais que reflectiam os factos abrangidos em inquéritos incorporados , uns antes arquivados e outro também incorporado em que já tinha sido deduzida acusação. II.Em 2 dos inquéritos incorporados nos autos principais não houvera qualquer reacção pelos interessados ao despacho de reabertura dos mesmos, por via de reclamação hierárquica nem por via de pedido de abertura de instrução e muito menos na sequência da incorporação daqueles nos autos principais, reabertura aquela que se ateve não propriamente ao surgimento de novos factos mas antes ao reforço de indícios em conexão com os pedaços de vida investigados quanto ao crime de violência doméstica nos autos incorporandos e cuja tipificação obedecia também à possibilidade de verificação múltipla de actos similares numa sequência de reiteração. III.Nos termos do artº 279º do CPP não pode concluir-se ter-se firmado “caso julgado” ou violação do princípio ne bis in idem com o prosseguimento desses inquéritos antes arquivados, através da incorporação dos factos respectivos, no conjunto dos indicados na acusação proferida no procº principal, acusação esta que por sua vez não foi impugnada v.g. por via de abertura de instrução, fixando-se assim até julgamento o thema decidendum, pois a reabertura foi adequada, oportuna, correcta, fundamentada e não foi impugnada no tempo pelos interessados e ao abrigo dos meios processuais mencionados. IV. Os próprios factos contidos na omitida (parte) matéria de facto da acusação principal eram essencialmente os mesmos que, na acusação prolatada num dos inquéritos incorporados, correspondiam a três dos artigos ali nela abrangidos , acusação essa que antes da incorporação fora já deduzida e recebida, e aos factos antes investigados num dos outros inquéritos arquivados antes da incorporação, mas depois reaberto após incorporação no processo principal. V. A partir da sobredita incorporação passaram a ter a ligação/conexão com toda a factualidade investigada acerca do crime de violência doméstica fazendo parte integrante do conjunto global dos segmentos de vida ali indiciados. No segmento do acórdão recorrido foi esquecido o facto de ter existido entretanto, com a incorporação operada, a apreciação de novos elementos de prova tidos em conta no despacho de reabertura dos inquéritos. VI. A condição de existência de novos elementos de prova não se identifica com a exigência de novos factos pois o que o artigo 279º nº1 do CPP indica é a possibilidade de reabertura, não por verificação de novos factos, mas sim por ocorrência de novos elementos de prova, entretanto indiciados no processo principal onde aqueles vieram a ser incorporados. VII. A partir do momento em que se esgota a possibilidade de a instrução ser requerida, o juiz de julgamento fica vinculado ao thema decidendum enformado pelos factos pelos quais os arguidos forem acusados. O objeto do processo passa assim a ser delimitado pela acusação (podendo eventualmente ser alargado ou modificado pelo despacho de pronúncia quando tenha ocorrido a instrução). VIII. A atividade do Ministério Público poderia ter sido sindicada através da intervenção hierárquica ou através da abertura da instrução, o que ninguém com competência e legitimidade para suscitar alguma dessas vias o fez, já não podendo o Tribunal a quo limitar tal actuação do Ministério Público em inquérito negando-se a conhecer aquela parte da matéria da acusação proferida no processo principal. IX. Os inquéritos objeto de despacho de arquivamento antes da incorporação, nos termos do n.º 2, do artigo 277.º, do Código de Processo penal, foram-no por falta de elementos de prova e não por falta de factos, pelo que não seria expectável que a reabertura do inquérito, face ao arquivamento proferido, o fosse com base em novos factos mas, ao invés, que o fosse com base em novos elementos probatórios. X. Do despacho que determinou a reabertura desses inquéritos pode deduzir-se com clareza que surgiu uma nova perspectiva probatória face às declarações complementares da ofendida tendo sido determinada, a partir daí, a realização de novas diligências de prova. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam em Conferência na 5ª Secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça I-Relatório 1.1 Por acórdão de ... de ... de 2024 proferido no Tribunal Judicial da Comarca dos ... - ... 2 foi decidido: “(…) Pelo exposto, julga-se a acusação procedente por provada e em consequência: I - a) Condena-se o arguido AA, como autor material, na forma consumada e em concurso real, da prática de um crime de violação, p. e p., no artigo 164º/2-a), do CP, em cinco (5) anos de prisão; - pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p., no artigo 152º/1-b) e 2-a), do CP, em quatro (4) anos de prisão, - e em cúmulo jurídico vai o arguido condenado na pena única de seis (6) anos e seis (6) meses de prisão, efectiva. - pela prática de dois crimes de injúrias agravadas, p. e p. nos artigos 181º e 184º ambos do CP, em 50 dias de multa, à taxa diária de 5,50 € cada um, - em cúmulo jurídico, vai o arguido condenado na pena única de 70 dias de multa, à razão diária de 5,50 €, o que perfaz o total de 385 € (trezentos e oitenta e cinco euros). b) Absolvo o arguido AA, da acusação como autor material, na forma consumada e em concurso real, da prática de um crime de perseguição, p. e p., no artigo 154º A/1, do CP. c) Absolvo o arguido AA, da acusação como autor material, na forma consumada e em concurso real, da prática de um crime de roubo, p. e p., no artigo 210º/1, do CP. d) Mais, condeno o arguido no pagamento de 5 UC’s de taxa de justiça e nas demais custas do processo, conforme artigo 8º do RCP. II - a) Condeno o ainda o demandado AA, a pagar o valor global a título de indemnização civil de 9.527,16 € (nove mil e quinhentos e vinte e sete euros e dezasseis cêntimos) a ser pago da seguinte forma: - 6.000,00 € (seis mil euros), a pagar à ofendida BB, a título de danos não patrimoniais por aquela sofridos; - ao ..., a título de danos patrimoniais suportados, o valor de 3.027,16 € (três mil e vinte e sete euros e dezasseis cêntimos), e - ao assistente CC, a quantia de 500,00 € (quinhentos euros), a pagar a título de danos não patrimoniais por aquele sofridos, acrescidos os juros de mora à taxa legal para as relações civis, a contar desde a data da notificação do pedido de indemnização cível, até integral e efectivo pagamento. b) Custas cíveis na proporção do decaimento, para ambas as partes, nos termos do artigo 527º do CPC.” 1.2 - A factualidade relevante foi a seguinte: FACTOS PROVADOS - Na sequência do julgamento e discussão da causa resultou assente a seguinte matéria de facto com relevância para os autos: 1 - AA e BB conheceram-se no verão do ano de 2021; 2 - Iniciaram uma relação amorosa de namoro em data não concretamente apurada, mas no verão de 2021, sendo que residiam em casas separadas; 3 - Os encontros ocorriam em casa de BB, sita na ...; 4 - Em data não concretamente apurada, mas um mês após o início da relação amorosa, AA iniciou uma discussão verbal com BB; 5 - Nessa discussão, AA dirigiu-se a BB e proferiu as seguintes expressões “puta, velhaca, estás aqui para foder”; 6 - Após, AA, empurrou BB para o quarto de cama, e atirou esta contra a cama e agarrou-lhe nos braços por forma a que esta não conseguisse sair e então baixou as suas calças e cuecas, mas não as retirou; 7 - AA dirigiu-se a BB e proferiu a seguinte expressão “quero foder”; 8 - Em resposta, BB disse que não queria, e pediu a AA para parar e para se ir embora; 9 - AA persistiu nos seus intentos, ignorando o que BB lhe havia pedido, e em seguida rasgou a roupa que BB trajava, da cintura para baixo, enquanto se posicionava em cima daquela tendo introduzido o seu pénis na vagina de BB, e ejaculado no seu interior; 10 - Sendo que enquanto ocorria a relação sexual, BB chorava e pedia, de forma insistente, para que AA parasse porque não queria ter relações sexuais; 11 - Após o término da relação sexual, AA abandonou a residência de BB; 12 - No dia seguinte, AA pediu desculpas pelo sucedido a BB; 13 - Em data não concretamente apurada, mas no inverno de 2021, e na sequência de uma discussão verbal, AA agarrou com as duas mãos o pescoço de BB; 14 - Com o término da relação amorosa, em data não concretamente apurada, mas em Julho de 2022, e com frequência semanal, aos fins-de-semana, entre as 02h00m e as 03h00m, AA dirigia-se à residência de BB, na ..., e batia na porta de entrada, bem como abria a tampa da caixa de correio, que se encontra inserida na porta de entrada, e gritava para o interior da residência proferindo as seguintes expressões “abre a porta, velhaca”, “porquê que não abres a porta”, “deves ter alguém aí dentro”, “puta, caralha”; 15 - Em data não concretamente apurada, mas após o término da relação amorosa AA, apareceu na ...onde BB, se encontrava, pedindo para falar com ela; 16 - Em virtude de se sentir incomodada, BB bloqueou o número de telefone de AA, bem como mudou de contacto telefónico; 17 - No dia ... de ... de 2023, pelas 02h15m, AA dirigiu-se à residência de BB, na ..., e bateu na tampa da caixa do correio tendo proferido a seguinte expressão “estás a brincar comigo cabra do caralho, vou ficar aqui a noite toda”; 18 - Uma vez que BB não respondeu a AA, este acabou por abandonar o local; 19 - Porém, ainda nessa noite, mas pelas 04h15m, AA dirigiu-se novamente à residência de BB e como esta não lhe respondeu, nem abriu a porta, aquele desferiu um número não concretamente apurado de pontapés na porta, bem como proferiu a seguinte expressão “vais pagar porque chamaste a bófia”; 20 - No dia ... de ... de 2023, a vítima BB saiu de casa da mãe, a hora não concretamente apurada, e dirigiu-se ao “...”, sito na ..., para conviver com as amigas, onde permaneceu até aproximadamente as 02h00m; 21 - Seguidamente dirigiu-se para sua casa na morada citada em 3, e ao ali chegar, a ofendida meteu a chave na fechadura da porta de alumínio e, ao rodar a chave a porta abriu-se imediatamente; 22 - Nesse preciso instante, sem se deixar ver e sem qualquer aviso, o arguido AA apareceu de repente, agarrou o braço direito da ofendida e empurrou-a para dentro de casa, atirando-a contra as paredes do corredor e fechando a porta logo de imediato, mantendo agarrado à força o braço da ofendida; 23 - Enquanto assim agia, o arguido em tom de voz alterado dirigia à ofendida as expressões «és uma grande puta, velhaca de merda, eu entro aqui as vezes que eu quiser e faço contigo o que eu quiser sua puta, não vales nada, caralha»; 24 - A vítima, ao sentir fortes dores no braço direito que o arguido mantinha agarrado e, de modo a tentar que o arguido a largasse, agarrou numa peça de decoração que tinha em cima de uma arca em madeira no corredor, mais propriamente «um coral do fundo do mar» com o propósito de se defender do arguido AA; 25 - No entanto, como não tinha força no braço esquerdo, o arguido AA retirou-lhe o coral da mão esquerda e ao fazê-lo, agarrou ainda com mais força a mão esquerda da ofendida e torceu-lhe o braço esquerdo, partindo-o; 26 - A vítima BB ouviu o estalo dos ossos a partirem e sentiu imensas dores, gritando muito alto e em grande aflição, sendo que era visível que o seu antebraço ficou pendurado; 27 - O arguido apercebeu-se do estado em que se encontrava a ofendida, com uma evidente fratura, mas olhou para esta a rir e, mantendo o coral na mão, disse para aquela que o coral passava ser e que o ia levar como recordação, o que fez; 28 - O coral tinha para a ofendida um alto valor estimativo, pois, fora apanhado pelo seu ex-marido, que fazia mergulho e, por vezes trazia peças do fundo do mar que depois oferecia à vítima e decorava a casa; 29 - Após ter ficado com o braço partido e já depois de acionar o botão de pânico por três vezes sem qualquer resultado e ao aperceber-se que o arguido ainda se ria da situação aflitiva que criara e não lhe prestava auxílio, BB pegou no seu telefone e ligou para mãe deixando o telefone em modo de alta voz, e, aflita, gritou por “socorro”; 30 - BB telefonou à mãe à frente do arguido e ao mesmo tempo que este gritava os mesmos impropérios «puta, velhaca, caralha, etc., e dizia para a depoente «liga a tua mãe»; 31 - Enquanto BB, falava com a sua mãe, o arguido continuava a gritar com a aquela, repetindo as ofensas verbais; 32 - A vítima disse à mãe, que pedisse auxílio à PSP, o que esta fez; 33 - O arguido ao perceber que a PSP fora chamada, abandonou o local com o coral nas mãos; 34 - Pouco depois, a mãe de BB e os agentes da PSP chegaram lá a casa e, vendo esta com o braço partido, logo chamaram a ambulância que a conduziu ao ..., onde ficou internada por umas horas tendo levado oxigénio; 35 - Horas depois, perto do meio dia, a ofendida foi mandada para casa a aguardar o parecer do médico Dr. DD no sentido de aferir a necessidade de ser operada; 36 - BB estava cheia de dores com uma fratura exposta no braço. Meteram-lhe uma tala no braço para o imobilizar até à operação e mandaram-na para casa aguardar; 37 - BB veio assim para sua casa na ... e, cerca de uma hora depois de chegar a casa, recebeu um telefonema do ... a dizer que deveria comparecer novamente no Hospital ás 19h00 pois iria ser operada ao braço, na manhã do dia seguinte; 38 - No dia seguinte, logo após ter recebido a anestesia, sofreu um bronco espasmo e só não foi letal porque recebeu imediato apoio médico; 39 - Após a alta médica, BB continuou a precisar de fisioterapia para o braço mantendo grande dificuldade em mover o braço que apresenta ainda grande rigidez; 40 - Como consequência direta da atuação do arguido, BB sofreu ao nível do «membro superior esquerdo: traumatismo do cotovelo com fratura de grau 1, da apófise coronoide do rádio e necessidade de cirurgia para fixação.»; 41 - O processo de cura das lesões durou cerca de 45 dias e determinaram para a vítima um período de 30 dias de afetação para a capacidade geral de trabalho e, um período de 30 dias de afetação da capacidade de trabalho profissional; 42 - BB, esteve internada no ..., desde as 19h00m do dia ........2023 até às 15h00m do dia ........2023 altura em foi submetida a cirurgia ao braço partido; 43 - No dia ... de ... de 2023, na ..., por volta das três da manhã, o arguido ao ser abordado pelos Agentes Policiais que tinham acorrido ali a uma chamada da ofendida BB, dirigiu-lhes as seguintes expressões: «Hoje teu amanhã meu, isto não vai ficar assim, se és homem encara-me, vou-vos apanhar sem essa farda nas costas, cagalhões do caralho, canalha»; 44 - Com estas expressões, quis achincalhar os senhores Agentes da ..., CC, e EE, e ofendê-los na sua honra e consideração; 45 - Com as condutas supra descritas, o arguido agiu de forma livre, com o propósito concretizado de por meio do emprego de força física manter com BB a prática de acto sexual de cópula, contra a vontade e pondo em causa a liberdade sexual daquela, o que representou; 46 - Com as condutas supra descritas, o arguido agiu com o propósito logrado de maltratar a ofendida, atemorizando-a, ciente que lhe maltratava o corpo e a saúde, infligindo-lhe ofensas à integridade física, bem sabendo que lhe ofendia a honra e consideração ao chamar-lhe os nomes injuriosos que lhe dirigia, agindo ainda ciente que os anúncios que lhe dirigiu eram adequados a fazê-la sentir-se receosa pela sua integridade ... e mesmo vida; 47 - O arguido praticou parte dos factos no interior da residência de BB; 48 - O arguido ao dirigir-se aos senhores Agentes da PSP do modo como o fez, sabia que estava perante agentes de autoridade policial, devidamente uniformizados e em pleno exercício das suas funções, querendo e conseguindo atingir irremediavelmente a sua honra pessoal e profissional; 49 - Agiu AA, em tudo, de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram, como são, proibidas e punidas por lei penal; 50(…) 65 (…)” FACTOS NÃO PROVADOS: (…) 1 - Que na sequência dos factos provados em 27 e 28, não se prova que o arguido levou o coral consigo com o objectivo de o integrar no seu património contra a vontade e consentimento expresso ou tácito da vítima, causando assim à ofendida um prejuízo patrimonial equivalente ao benefício que extraiu; 2 - Agiu ainda o arguido ciente de que o referido coral não lhe pertencia e que ao se apoderar de modo tão violento do mesmo, o fazia contra a vontade da ofendida, sabendo ainda que integrava um valor no seu património que não era seu, beneficiando este à custa do património da ofendida; 3 - Com as condutas supra descritas, o arguido, desde o término da relação amorosa até ao dia ........2023, agiu com o intuito, concretizado, de seguir e importunar BB, controlando as suas rotinas quotidianas, bem sabendo que com o seu comportamento causava medo e inquietação prejudicando o sentimento de segurança da vítima.”] 1.3 - No Acórdão recorrido, previamente, foi explicitado e decidido o seguinte: “(…) Na acusação deduzida no processo principal nº 391/23.5..., designadamente, no seu ponto nº 10, constam vários factos que deram origem ao inquérito nº 502/22.8..., porquanto alegadamente no dia ... de ... de 2022, a ofendida BB por volta das 8 horas e 30 minutos da manhã, tinha ido tomar café e quando estava a estacionar em frente à sua casa o arguido abriu a porta do lado do condutor e procurou aceder ao porta luvas dizendo que ela posto ali o telemóvel dele escondido; ele estava muito alcoolizado e partiu a porta do porta-luvas, arrancou o telemóvel da ofendida das mãos desta e de seguida deu uma cabeçada no pára-brisas na parte superior do vidro do lado do condutor, partindo-o e ao tirar o telemóvel das mãos da ofendida arrancou-lhe integralmente a unha do 3º dedo da mão direita (dando origem aos danos no porta-luvas e no pára-brisas no valor de 346,50 €) Também no ponto 11 dessa mesma acusação bem como, na acusação apensa do processo nº 223/23.4..., artigos 23, 24 e 25 (cujos factos são exactamente iguais e apenas se encontram repetidos), o arguido no inquérito nº 86/23.0..., no dia ... de ... de 2023 de madrugada, o arguido foi a casa da ofendida e começou a gritar por volta das 3 horas da manhã e chamava-a de puta e velhaca; entretanto desloca-se para a porta traseira e começou aos gritos e desatou aos pontapés à porta e nesse momento a ofendida chamou a polícia e quando eles chegaram algemaram o arguido mas ele já havia provocado danos na duas partas de alumínio de casa (da porta da frente e da porta de trás no valor de 2.247,00 €). Foi ainda neste inquérito que ocorreu na madrugada de 4 de Fevereiro por volta das 3 horas da manhã quando a policia chamada à casa da ofendida BB, o arguido porque teve que ir para a Esquadra da PSP detido, ao ser abordado pelos Agentes da PSP CC, dirigiu-lhes as seguintes expressões: “hoje teu amanhã meu; isto não vai ficar assim, se és homem encara-me, vou-vos apanhar sem farda nas costas, cagalhões do caralho, canalhas.” Sucede que, consta por incorporação o inquérito nº 502/22.8... neste mesmo processo e ordenada aquela pelo próprio Ministério Público conforme fls. 218 e ss., o Ministério Público tendo a ofendida ali apresentado queixa/participação, em ........2022, é lavrado despacho de arquivamento porquanto a ofendida chamada a depor, não quis prestar declarações (fls. 312 a 314), pelo que foi considerado que não existia indícios suficientes de prática pelo arguido do crime de violência doméstica, não obstante este ter uma natureza pública e com os demais fundamentos que constam melhor descriminados em tal despacho. O mesmo sucede quanto ao inquérito nº 86/23.0..., que também consta por incorporação e ordenada aquela pelo próprio Ministério Público conforme fls. 322 e ss., o Ministério Público tendo a ofendida ali apresentado queixa/participação, em ........2023, é lavrado despacho de arquivamento porquanto a ofendida chamada a depor, não quis prestar declarações (fls. 385 a 388), pelo que foi considerado que não existia indícios suficientes de prática pelo arguido do crime de violência doméstica, não obstante este ter uma natureza pública e com os demais fundamentos que constam melhor descriminados em tal despacho. No entanto como dali melhor se alcança, nada é dito ou arquivado, quanto ao crime de injúrias agravadas aos senhores Agentes da PSP. Por conseguinte, destes despachos não foi deduzida qualquer reclamação para o superior hierárquico do Ministério Público, nem muito menos requerida a abertura de instrução nos termos do artigo 279º do CPP. Como tal este despacho como que fica “transitado em julgado”, só não é porque o trânsito em julgado apenas ocorre com decisões jurisdicionais. No entanto, este despacho assume a forma de “caso decidido”, desde que não impugnado ou contrariado por alguma das formas acabadas de citar. Depois de formar “caso decidido”, a reabertura de inquérito só pode ser por novos elementos de prova e /ou de factos, que invalidem os fundamentos invocados pelo Ministério Público no despacho de arquivamento nos termos do artigo 279º/1 do CPP, portanto, que ponham em causa os fundamentos invocados pelo Ministério Público. Não é o que se passa in casu, pois os factos que se relataram antes são precisamente aqueles que ocorreram aquando da apresentação da queixa/participação conforme acima demos conta. Por conseguinte, os pontos nºs 10 e 11, desta acusação bem como, aqueles da acusação apensa do processo nº 223/23.4..., artigos 23, 24 e 25, não serão tidos em consideração neste acórdão, sob pena de violação do princípio do “ne bis in idem”, o qual determina que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime, princípio este consagrado ademais no artigo 29º/5 da Constituição de República Portuguesa. Pelo que, tendo os despachos de arquivamento proferidos pelo Ministério Público, formado um “caso decidido” e não havendo factos novos a ser mencionados na acusação, nos ditos pontos nº 10 e 11, bem como, aqueles da acusação apensa do processo nº 223/23.4..., artigos 23, 24 e 25, aqueles não vão aqui de todo ser valorados por obediência ao dito princípio ne bis in idem, garantia de protecção do arguido e neste sentido vária jurisprudência designadamente, o acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, no processo nº 751/18.3PGLRS.L1-5, datado de 09.01.2021, sendo seu relator o Excelentíssimo Senhor Juiz Desembargador Jorge Gonçalves, decisão essa unânime, com o qual concordamos integralmente, in www.gde.mj/jtrl. Outro acórdão foi o proferido pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça, no processo nº 1027/19.4PBEVR.E1.S1, datado de 11.11.2021, sendo sua relatora a Excelentíssima Senhora Juíza Colenda Conselheira Helena Moniz, decisão essa unânime, com o qual concordamos integralmente, in www.dgsi.pt/jstj. Notifique.” 1.4 - Na acusação deduzida no processo principal (pontos 10 e 11) tinha sido incluída a seguinte factualidade: [ (…) NUIPC 502/22.8... 10 - A primeira situação de violência ocorrida entre BB e o arguido reporta-se a factos que aconteceram no dia ... de ... de 2022. A PSP documentou com fotografias essa intervenção. BB tinha ido tomar um café pela manhã, por volta das 08H00. Estava de volta a casa pelas 08H30. Encontrava-se a estacionar o seu carro em frente a sua casa na ..., quando, de repente e sem que BB esperasse, o arguido AA, abriu a porta do lado do condutor do veículo da ofendida e colocou-se por cima desta para aceder ao porta luvas alegando que ela tinha o telemóvel dele ali escondido. O arguido estava muito alcoolizado, partiu a porta do porta-luvas, arrancou o telemóvel da ofendida das mãos desta e, de seguida, deu uma cabeçada no para-brisas na parte superior do vidro, do lado do condutor (lado direito), partindo-o. Ao tirar o telemóvel das mãos da depoente, fê-lo de forma tão brusca e violenta que acabou arrancando integralmente a unha do 3.º dedo da mão direita. Depois fugiu a correr. A ofendida telefonou de imediato à PSP que logo de seguida chegou ao local e documento a situação com fotos dos danos sofridos no veículo. Como consequência direta da atuação do arguido, a vítima BB sofreu: - Ao nível do «membro superior direito: arrancamento traumático da unha do terceiro dedo da mão direita.» O processo de cura das lesões e determinou para a vitima um período de 8 dias de de doença sem afetação para a capacidade geral de trabalho e sem afetação da capacidade de trabalho profissional. E, consequência destas condutas do arguido, sofreu a ofendia prejuízos no porta luvas que ficou destruído e no para-brisas que ficou partido, num valor orçado em €346.50 – crr. Orçamento de fls. 514. NUIPC 86/23.0... 11 - A segunda situação ocorreu no dia ... de ... de 2023, de madrugada, na ..., por volta das três da manhã. O arguido, altamente alcoolizado, começou a gritar pelo nome de BB, chamando-a de puta, velhaca e outros nomes. O arguido AA gritava através da caixa do correio que se encontra colocada na porta de alumínio da entrada da casa de modo a fazer-se ouvir no interior da residência da ofendida por esta. Entretanto, o arguido deslocou-se para a porta traseira onde desatou aos pontapés à porta. Nesse momento, a ofendida telefonou à PSP que pediu esta para aguardar em silêncio que já estavam a deslocar-se para lá, o que de facto fizeram. Pouco depois, a PSP chegou, a ofendida acendeu as luzes e a PSP deteve o arguido. Nessa madrugada, para além de ameaçar a ofendida e intimidá-la com gritos ameaças e impropérios, o arguido ainda danificou a porta de alumínio da casa. Com a conduta do arguido, sofreu a ofendida danos nas duas portas de alumínio da casa (portas da frente e de trás) que lhe causaram prejuízos orçados em €2.247.00 – Cfr. orçamento de fls. 511.”] 1.5- Daquele acórdão de ... de ... de 2024 o MºPº veio interpor o presente recurso para o STJ, extraindo das suas motivações as conclusões seguintes: [I. Nos presentes autos foi proferido acórdão condenatório, todavia, no mesmo não foram considerados os factos atinentes aos inquéritos com os NUIPC 502/22.8... e 86/23.0.... II. Entendeu o Tribunal a quo que não se verificaram novos factos que invalidassem os fundamentos constantes nos despachos de arquivamento proferidos pelo Ministério Público. III. Por tal motivo, o Tribunal a quo não considerou tais factos no acórdão proferido, sob pena de violação do princípio do ne bis in idem. IV. É exclusivamente desse segmento do douto acórdão proferido que radica a discordância do Ministério Público. V. Citando o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.03.2018, relatado por Vasco Freitas, no Processo 38/16.6PBFUN.L1-3, disponível in WWW.dgsi.pt. “a reabertura do inquérito é um ato não jurisdicional, e como tal não sujeito a recurso ou a controle judicial, sendo da exclusiva competência do MºPº.” VI. No caso dos presentes autos, após declarações complementares da vítima BB e, em virtude de as mesmas versarem sobre todos os factos de que foi vítima, designadamente dos factos atinentes aos inquéritos arquivados nos termos do n.º 2, do artigo 277.º, do Código de Processo Penal, por não ter sido possível obter indícios suficientes da verificação do crime, (NUIP 502/22.8... e 86/23.0...), VII. O Ministério Público determinou a reabertura de ambos os inquéritos que havia arquivado (NUIP 502/22.8... e 86/23.0...), conforme competência que lhe é atribuída no artigo 279.º do Código de Processo Penal. VIII. A sindicância desse despacho apenas podia ter sido feita pelos interessados por via da reclamação hierárquica ou por via da abertura de instrução; não o tendo sido feito, não cabia na fase de julgamento apreciar o mérito do mesmo. IX. Por outro lado, resulta do artigo 263.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que: “A direção do inquérito cabe ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal”, e do artigo 219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa resulta que: “Ao Ministério Público compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como, com observância do disposto no número seguinte e nos termos da lei, participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática.”. X. Importa ainda salientar que são da competência exclusiva do Juiz de Instrução Criminal os atos expressamente previstos no artigo 268.º, n.º 1, alíneas a) a f), do Código de Processo Penal, onde não se insere a apreciação da decisão do conhecimento da reabertura do inquérito; XI. Deste modo, cabe ao Ministério Público decidir da reabertura do inquérito, por se tratar de um ato respeitante ao inquérito, cuja direção cabe exclusivamente a este, de acordo com as disposições legais mencionadas, sendo a este que que compete decidir se, nesta fase, um ato processual é ou não é inexistente, nulo ou irregular, e desse despacho caberá então reclamação para o respetivo superior hierárquico. XII. Com efeito, tendo sido reabertos os inquéritos com os NUIP 502/22.8... e 86/23.0..., por decisão da entidade competente, sem que a mesma tivesse sido impugnada pelos meios legais e sem que se verifique nulidade ou irregularidade que não se encontre sanada, não se vislumbra impedimento ao conhecimentos dos factos atinentes a tais inquéritos, não se verificando a violação do princípio ne bis in idem ou a limitação imposta pela força do “caso decidido”. XIII. Não obstante, diga-se, não se coloca em questão a aplicação do princípio ne bis in idem na fase de inquérito, ao exercício da ação penal, todavia é necessário que o primeiro processo tenha sido findo totalmente e que não seja suscetível de meio impugnatório algum, para que justamente se possa reclamar os efeitos de inalterabilidade que acompanha as decisões jurisdicionais que passam à autoridade de caso julgado. XIV. É nosso entendimento que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação do direito, ao não considerar estarem verificados fundamentos da reabertura do inquérito, designadamente, pela verificação de novos factos que originaram os presentes autos (Processo 391/23.5...) bem como nova prova, as declarações da vítima. XV. O douto acórdão proferido apenas analisa os fundamentos da reabertura do inquérito na perspetiva de novos factos, considerando que nos presentes autos não se verificaram novos factos. XVI. De salientar que a jurisprudência invocada no douto acórdão proferido para fundamentar a sua decisão não tem arrimo com a situação dos presentes autos, pois num deles é uma situação em que não houve reabertura do inquérito, antes apreciados factos do inquérito arquivado em novo inquérito. XVII. O outro aresto invocado, com todo o respeito nem se consegue atingir o fito de tal indicação, pese embora, o brilhantismo do mesmo na dissertação sobre o inquérito. XVIII. O Tribunal a quo apenas e muito fugazmente refere que os pontos n.º 10 e n.º 11 da acusação proferida no processo principal (NUIP 391/23.5...) que são os factos atinentes respetivamente aos inquéritos 502/22.8... e 86/23.0..., são exatamente os mesmos que foram relatados aquando da apresentação da queixa. XIX. Omite o Tribunal a quo qualquer apreciação sobre novos meios de prova que tivessem fundamentado a reabertura dos inquéritos. XX. Ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, tendo em conta a conceção do crime de violência doméstica como habitual, um conjunto de ações globalmente considerado, temos para nós que os factos que deram origem aos presentes autos (NUIP 391/23.5...) são factos novos daquele mesmo crime de violência doméstica, daquele pedaço de vida, cujos factos também constavam nos inquéritos 502/22.8... e 86/23.0... XXI. Tanto assim é, que é o próprio Tribunal a quo a fundamentar no seu acórdão proferido, a prática de um único crime de violência doméstica e não quatro como vinha o arguido acusado, porquanto é um único crime cometido por vários atos reiterados no tempo como faz parte do próprio tipo penal. XXII. Assim, cremos que o douto acórdão proferido manifesta alguma incoerência ao considerar todos os factos para a verificação de um único sentido de ilicitude, um único crime, mas os mesmos factos fazendo parte do mesmo tipo de ilícito já não permitem a reabertura dos inquéritos não consubstanciando novos factos. XXIII. Por outro lado, entendemos que na base da reabertura dos inquéritos 502/22.8... e 86/23.0... esteve também a verificação de novos elementos de prova. XXIV. Com efeito, perante a alteração da conduta da vítima, a qual prestou declarações perante magistrado do Ministério Público sobre todos os factos praticados pelo arguido, ocorridos durante a relação com este e após o término da mesma, consubstancia novo elemento de prova, nos termos do n.º 1, do artigo 279.º, do Código de Processo Penal. XXV. Em nosso entendimento, não se verifica qualquer irregularidade ou violação de uma norma legal quando se determinou a reabertura do inquérito, tendo em consideração a vontade da vítima em pretender prestar declarações sobre os factos dos factos que o arguido tinha praticado - posição diferente daquela que assumiu em momento anterior à prolação do despacho de arquivamento, o que consubstancia fundamento para se determinar a reabertura do inquérito XXVI. O facto de a vítima pretender colaborar com a descoberta da verdade material, adotando posição diferente daquela que tinha assumido no anterior inquérito, é um novo elemento de prova que invalida os fundamentos aduzidos no despacho de arquivamento, não se verificando qualquer violação do disposto no artigo 279.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. XXVII. Neste sentido, vide os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto Acórdão, datado de 08.11.2023, relatado por Maria Luísa Arantes e o Acórdão da mesma Relação, proferido em 19.10.2022, relatado por João Pedro Pereira Cardoso no Processo n.º657/20.6PDVNG.P1. XXVIII. Pelo exposto, por se considerar que o Tribunal a quo não procedeu à correta apreciação e aplicação do direito e, nessa medida, violou as normas dos artigos 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa; artigo 152.º, do Código Penal; artigos 279.º, n.º 1; 379.º, n.º 1, alínea c) e 410.º, n.º 3, todos do Código de Processo Penal, deverá ser dado provimento a esta pretensão e, consequentemente deverá ser revogado o acórdão proferido, nesta parte, e determinado o conhecimento dos factos atinentes aos inquéritos 502/22.8... e 86/23.0... (pontos 10 e 11 da acusação proferida no Processo 391/23.5...) e respetivo direito aplicável.”] Não houve resposta alguma a este recurso. 1.6 – Remetido directamente a este STJ, o MP emitiu parecer acompanhando a posição do recorrente, por concordar com a argumentação aduzida na motivação do recurso, condensada nas conclusões constantes do mesmo. 1.7 - Efectuado exame preliminar e após vistos legais, procedeu-se à Conferência, cumprindo agora explicitar a deliberação tomada e respectivos fundamentos. II- Delimitação das questões a conhecer no âmbito do presente recurso 2.1- O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, devidamente congruentes, que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo da ponderação das questões que sejam de conhecimento oficioso. (1) Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, a questão a decidir no presente recurso, sem prejuízo das que possam existir de conhecimento oficioso, por ordem de precedência lógica, é: O tribunal recorrido cometeu nulidade por omissão de pronúncia sobre os factos nº 10 e 11 da acusação proferida nos presentes autos principais NUIPC 391/23.5..., os quais reflectiam os factos abrangidos nos inquéritos incorporados NUIPC inquérito nº 502/22.8..., 223/23.4..., artigos 23, 24 e 25 e 86/23.0... ? 2.3 - O Direito 2.3.1- Vejamos então o que decorre da consulta dos autos principais e dos respectivos apensos (502/23, 86/23 e 223/23) incorporados. A. Na Acusação no processo NUIPC 391/23 (…)” proferida nos presentes autos fora incluído: “ (…) NUIPC 502/22.8... [10 - A primeira situação de violência ocorrida entre BB e o arguido reporta-se a factos que aconteceram no dia ... de ... de 2022. A PSP documentou com fotografias essa intervenção. BB tinha ido tomar um café pela manhã, por volta das 08H00. Estava de volta a casa pelas 08H30. Encontrava-se a estacionar o seu carro em frente a sua casa na ..., quando, de repente e sem que BB esperasse, o arguido AA, abriu a porta do lado do condutor do veículo da ofendida e colocou-se por cima desta para aceder ao porta luvas alegando que ela tinha o telemóvel dele ali escondido. O arguido estava muito alcoolizado, partiu a porta do porta-luvas, arrancou o telemóvel da ofendida das mãos desta e, de seguida, deu uma cabeçada no para-brisas na parte superior do vidro, do lado do condutor (lado direito), partindo-o. Ao tirar o telemóvel das mãos da depoente, fê-lo de forma tão brusca e violenta que acabou arrancando integralmente a unha do 3.º dedo da mão direita. Depois fugiu a correr. A ofendida telefonou de imediato à PSP que logo de seguida chegou ao local e documento a situação com fotos dos danos sofridos no veículo. Como consequência direta da atuação do arguido, a vítima BB sofreu: - Ao nível do «membro superior direito: arrancamento traumático da unha do terceiro dedo da mão direita.» O processo de cura das lesões e determinou para a vítima um período de 8 dias de de doença sem afetação para a capacidade geral de trabalho e sem afetação da capacidade de trabalho profissional. Em consequência destas condutas do arguido, sofreu a ofendida prejuízos no porta luvas que ficou destruído e no para-brisas que ficou partido, num valor orçado em €346.50 – cfr. Orçamento de fls. 514. (…)”] Estes factos correspondem no essencial ao investigado nesse NUIPC 502/23 onde se proferiu, antes da incorporação nos autos principais 391/23 (…)” despacho de arquivamento, nele se explicitando que: “(…) Os presentes autos iniciaram-se com o auto de notícia dando conta que no dia ........2022, pelas 08h30m, na ..., na ..., AA desferiu uma cabeçada no vidro frontal do veículo automóvel de BB, sua ex-companheira, e introduziu-se no interior do veículo automóvel da mesma. Uma vez no interior do referido veículo automóvel, AA danificou o porta luvas e retirou o telemóvel de BB, o que lhe causou medo e inquietação. (…) A ofendida não quis prestar declarações. Apenas dispomos de duas versões contraditórias dos factos. No âmbito do crime de violência doméstica, o depoimento da vítima tem especial relevância, tendo presente o ambiente de secretismo que rodeia o seu cometimento. Veja-se que muitas vezes, é cometido em privado, entre quatro paredes, sem a presença de outras testemunhas para além, da própria vítima. Ademais, muitas vezes, é cometido sem vestígios que permitam a realização de outro tipo de prova, além da prova testemunhal. Ora, uma vez que tudo leva a crer que, de futuro, a ofendida se remeterá ao silêncio, inviabilizando a realização de qualquer tipo de diligência processual, nomeadamente, das destinadas a salvaguardá-la, considera-se que os elementos de facto reunidos no inquérito, apreciados livre e objetivamente, não são suficientes para persuadir da existência de crime e da culpabilidade do denunciado AA não sendo provável a sua condenação, mas sim a sua absolvição. IV. DA DECISÃO Pelo exposto, determino o arquivamento do inquérito, nos termos do disposto no artigo 277.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, por não ter sido possível obter indícios suficientes da verificação de crime, sem prejuízo da sua eventual reabertura, caso surjam novos e suficientes indícios da verificação do crime, nos termos do disposto no artigo 279.º n.º 1 do Código de Processo Penal (…)”[ sublinhado nosso] Naquela acusação fora incluído no artº 11º: “(…) NUIPC 86/23.0... 11 - A segunda situação ocorreu no dia ... de ... de 2023, de madrugada, na ..., por volta das três da manhã. O arguido, altamente alcoolizado, começou a gritar pelo nome de BB, chamando-a de puta, velhaca e outros nomes. O arguido AA gritava através da caixa do correio que se encontra colocada na porta de alumínio da entrada da casa de modo a fazer-se ouvir no interior da residência da ofendida por esta. Entretanto, o arguido deslocou-se para a porta traseira onde desatou aos pontapés à porta. Nesse momento, a ofendida telefonou à PSP que pediu esta para aguardar em silêncio que já estavam a deslocar-se para lá, o que de facto fizeram. Pouco depois, a PSP chegou, a ofendida acendeu as luzes e a PSP deteve o arguido. Nessa madrugada, para além de ameaçar a ofendida e intimidá-la com gritos ameaças e impropérios, o arguido ainda danificou a porta de alumínio da casa. Com a conduta do arguido, sofreu a ofendida danos nas duas portas de alumínio da casa (portas da frente e de trás) que lhe causaram prejuízos orçados em €2.247.00 – Cfr. orçamento de fls. 511. Por sua vez, no processo 223/23.4..., entretanto incorporado nos autos, fora proferida acusação com o seguinte teor, nos respectivos artºs 23 a 25: (…) 23º. No dia ... de ... de 2023, pelas 03h00m, AA dirigiu-se à residência de BB, na ..., e gritou para que a mesma abrisse a porta. 24º. BB não acedeu ao pedido de AA e este começou a gritar para o interior da residência, através do levantamento da puta, velhaca. 25º. Não conformado, AA, de forma não concretamente apurada, introduziu-se no jardim dos vizinhos de BB, e escalou o muro meeiro que separa as duas propriedades, tendo alcançado a porta das traseiras da residência de BB, na qual desferiu um número não concretamente apurado de pontapés, o que causou uma amolgadela na porta. Ou seja, esses factos correspondem no essencial ao conteúdo do artº11º da acusação proferida no presente procº incorporando Nuipc 391/23…” E correspondem ao tema investigado no procº 86/23.0..., onde fora proferido despacho de arquivamento pelo qual se determinara e decidira: “ (…) Os presentes autos iniciaram-se com o auto de notícia dando conta que no dia ........2023, pelas 03h00m, AA dirigiu-se à residência da sua excompanheira, BB, sita na ..., e introduziu-se quintal da residência tendo saltado diversos muros de outras propriedades, o que provocou medo a BB. (…) No caso sub judice foram investigados factos suscetíveis, em abstrato, de integrar a prática de um crime violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a), do Código Penal. A ofendida recusou prestar depoimento. No âmbito do crime de violência doméstica, o depoimento da vítima tem especial relevância, tendo presente o ambiente de secretismo que rodeia o seu cometimento. Veja-se que muitas vezes, é cometido em privado, entre quatro paredes, sem a presença de outras testemunhas para além, da própria vítima. Ademais, muitas vezes, é cometido sem vestígios que permitam a realização de outro tipo de prova, além da prova testemunhal. Ora, uma vez que tudo leva a crer que, de futuro, a ofendida se remeterá ao silêncio, inviabilizando a realização de qualquer tipo de diligência processual, nomeadamente, as destinadas a salvaguardá-la, considera-se que os elementos de facto reunidos no inquérito, apreciados livre e objetivamente, não são suficientes para persuadir da existência de crime e da culpabilidade de AA não sendo provável a sua condenação, mas sim a sua absolvição. (…) IV. DA DECISÃO Pelo exposto, determino o arquivamento do inquérito, nos termos do disposto no artigo 277.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, por não ter sido possível obter indícios suficientes da verificação de crime, sem prejuízo da sua eventual reabertura, caso surjam novos e suficientes indícios da verificação do crime, nos termos do disposto no artigo 279.º n.º 1 do Código de Processo Penal. (…)” Ora, quer este este processo 86/23 quer aquele 502/23(…) bem como o 223/23 foram incorporados nos autos principais “391/23 (…)” sendo-o os dois primeiros por termo de ...-...-2023 (Referência Citius: 56208126) “(…)conforme o determinado no despacho proferido a fls. 214 (referência 56203137), passando os mesmos a constar de fls. 218-321 e 322-393 (…)” B) Observemos agora o seguinte histórico dos eventos e actos processuais relevantes nos diversos inquéritos: Em ........2022 foi instaurado o Processo de inquérito com o NUIP 502/22.8...; Em ........2022 a ofendida BB prestou declarações; Em ........2022 foi o suspeito AA constituído na qualidade de arguido; Interrogado no mesmo dia, exerceu o direito ao silêncio; Em ........2022, inquirida complementarmente a ofendida BB, a mesma declarou não pretender prestar declarações; Em ........2022, interrogado perante magistrado do Ministério Público, o arguido AA, exerceu o direito ao silêncio; Em ........2022 foi proferido despacho de arquivamento, nos termos do disposto no artigo 277.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, por não ter sido possível obter indícios suficientes da verificação de crime; Em ........2023 foi instaurado Processo de inquérito com o NUIP86/23.0PAVPV, com a elaboração de auto de notícia por detenção de AA, tendo sido constituído na qualidade de arguido; Em ........2023, interrogado perante magistrado do Ministério Público, o arguido AA, exerceu o direito ao silêncio; Em ........2023 a ofendida BB foi inquirida, tendo a mesma prestado apenas as seguintes declarações: “Que confirma todo o conteúdo do Auto de Detenção e apesar de elucidada sobre a importância de falar sobre a matéria dos autos, a vitima, BB, afirma não desejar falar sobre a matéria dos autos, uma vez que não deseja procedimento criminal contra o denunciado, bem como não pretende deduzir pedido deindemnizaçãocíveleporjáterapresentadoumadenúnciacontraodenunciado,oqualficou registada sob oNUIP 502/22.8... PAVPV, que no seu entender, os atos foram bem piores que os narrados no presente auto de noticia por detenção, tendo Ministério Público do Tribunal da ... arquivado o processo.” Em ........2023 foi proferido despacho de arquivamento, nos termos do disposto no artigo 277.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, por não ter sido possível obter indícios suficientes da verificação de crime; Em ........2023 foi instaurado o Processo de inquérito com o NUIP 223/23.4...; Em ........2023 foi o suspeito AA constituído na qualidade de arguido; Interrogado no mesmo dia, exerceu o direito ao silêncio; Em ........2023 a ofendida BB prestou declarações; Em ........2023 a ofendida BB prestou declarações para memória futura; Em ........2023, interrogado perante magistrado do Ministério Público, o arguido AA, exerceu o direito ao silêncio; ........2023 proferida acusação contra o arguido AA, no âmbito do Processo n.º 223/23.4...; Em ........2023 foi instaurado o Processo de inquérito com o NUIP 391/23.5...; Em ........2023 a ofendida BB prestou declarações; Em ........2023 foi o suspeito AA constituído na qualidade de arguido; Interrogado no mesmo dia, exerceu o direito ao silêncio; Em ........2023 foi inquirida na qualidade de testemunha FF; ........2023 o arguido AA foi sujeito a1.ºinterrogatório judicial de arguido detido e, para além do termo de identidade e residência, foi-lhe aplicada a medida de coação Obrigação de Permanência na Habitação, com fiscalização do seu cumprimento mediante recurso a meios de vigilância eletrónica, ficando a aguardar pela verificação dos requisitos técnicos exigidos para o efeito, em Prisão Preventiva, nos termos do disposto no artigo 16.º, n.º 1 da Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro, artigos 191.º a 194.º , 196.º, 201.º, n.º 1 e 3, 202.º, 204.º, alíneas b) e c), todos do Código de Processo Penal; Em ........2023 foi junto aos autos relatório de exame médico legal realizado a BB; Em ........2023 foi inquirida na qualidade de testemunha GG; Em ........2023 foi inquirida na qualidade de testemunha HH; Em ........2023 foi inquirido na qualidade de testemunha II; Em ........2023 foi inquirido na qualidade de testemunha o agente da PSP EE; Em ........2023 a ofendida BB prestou declarações complementares; Nesse mesmo dia (........2023) e na sequência das declarações complementares da ofendida BB foi proferido despacho de reabertura dos inquéritos com os NUIP’S 502/22.8... e 86/23.0..., cujo teor é o seguinte: “I - No decurso do auto de inquirição da ofendida BB surgiu factualidade que dá uma nova luz aos factos denunciados que deram origem aos inquéritos NUIP 502/22.8... e 86/23.0..., e que, como nos presentes autos, investigava-se a eventualautoriadocrimedeviolênciadomésticapelomesmoarguidoEduardoJoãodaSilva Branco. Os inquéritos NUIP 502/22.8... e 86/23.0... foram arquivados por insuficiência de prova. Face aos novos desenvolvimentos, determino a sua reabertura”. Carregue estatisticamente os inquéritos NUIP 502/22.8... e 86/23.0... * II - Verificando-se a existência de uma situação de conexão subjetiva e objetiva entre os presentes autos e os inquéritos que correm com o NUIP 502/22.8... e 86/23.0... Existe toda a conveniência na investigação conjunta dos factos considerando as circunstâncias em que alegadamente terão ocorrido, na mesma data/hora/local e com os mesmos intervenientes e a natureza do crime em causa (Violência Doméstica). O presente inquérito encontra-se numa fase mais adiantada de investigação e o arguido AA está sujeito a uma medida de coação de caráter detentivo como é a Obrigação de Permanência na Habitação. Assim, ao abrigo do disposto nos artigos 24º,nºs1,alíneab) e 28º, alínea c),ambos do Código de Processo Penal, proceda à incorporação dos inquéritos com os NUIP 502/22.8... e 86/23.0... nos presentes autos de inquérito, atento o manifesto interesse para a investigação em curso. Dê baixa estatística dos inquéritos NUIP 502/22.8... e 86/23.0...” Em ........2023 foi inquirido na qualidade de testemunha CC relativo aos factos do inquérito com o NUIP 86/23.0...; Em ........2023 foi inquirido na qualidade de testemunha JJ relativo aos factos do inquérito com o NUIP 86/23.0...; Em ........2023 foi inquirido na qualidade de testemunha KK no que concerne aos factos do inquérito com o NUIP 502/22.8...; Em ........2023 interrogado perante magistrado do Ministério Público, o arguido AA, exerceu o direito ao silêncio; tendo sido integralmente lidos os factos constantes das participações que deram origem aos inquéritos com os NUIP 502/22.8... e 86/23.0... para além, dos constantes dos presentes autos integradores do crime de violência doméstica e roubo. Foram também lidos os factos participados pelos agentes da PSP ofendidos LL, MM e CC a fls. 338 integradores dos crimes de injuria agravada; Em ........2024 foi proferida acusação contra o arguido AA no Processo n.º 391/23.5...; Em ........2024 foi proferido despacho judicial que determinou a conexão processual do Processo n.º 223/23.4... PAVPV, do mesmo Juízo, aos presentes autos. D) Ora, desta narrativa de actos processuais ocorrida naqueles inquéritos incorporados nos presentes autos 391/23 verifica-se que não houve qualquer reacção pelos interessados ao despacho de reabertura dos mesmos por via de reclamação hierárquica nem de abertura de instrução e muito menos na sequência da incorporação daqueles nos autos principais, reabertura aquela que se ateve não propriamente ao surgimento de novos factos mas antes ao reforço de indícios em conexão com os pedaços de vida investigados quanto ao crime de violência doméstica nos autos incorporandos (391/23) e cuja tipificação obedece também à possibilidade de verificação múltipla de actos numa sequência de reiteração. Nos termos do artº 279º do CPP e tendo em conta aquela evolução processual, não pode afirmar-se ter-se firmado “caso julgado” e violação do princípio ne bis in idem com o seu prosseguimento através da incorporação dos factos respectivos no conjunto dos indicados na acusação proferida no procº391/23, acusação esta por sua vez não impugnada v.g. por via de abertura de instrução, fixando assim até julgamento o thema decidendum, pois a reabertura foi adequada, oportuna, correcta, fundamentada e não foi impugnada no tempo pelos interessados e ao abrigo dos meios processuais mencionados. Acresce ainda assim que os próprios factos contidos no artº 11º da acusação principal (no procº 391/23) eram essencialmente os mesmos que, na acusação prolatada no 223/23, correspondiam aos art.º 23 a 25 (a incorporação deste 223/23 no 391/23 ocorreu em ...-...-2024, tendo ali sido essa acusação recebida a ........23- cfr referência Citius 55749243) e aos antes investigados no 86/23, inicialmente arquivado mas depois reaberto após incorporação no 391/23) A partir da incorporação no 391/23 passaram a ter a ligação/conexão com toda a factualidade investigada acerca do crime de violência doméstica fazendo parte integrante do conjunto global dos segmentos de vida ali indiciados. Caso não tivesse havido despacho de reabertura devidamente notificado, o panorama seria então um pouco diferente podendo, então, colocar-se algumas reservas sobre a sua continuidade, mas não foi isso que aconteceu. No segmento do acórdão recorrido foi efectivamente esquecido o facto de ter existido entretanto, com a incorporação operada, a apreciação de novos elementos de prova tidos em conta no despacho de reabertura dos inquéritos. E a condição de existência de novos elementos de prova não se identifica com a exigência de novos factos pois o que o artigo 279º nº1 do CPP indica é a possibilidade de reabertura, não por verificação de novos factos, mas sim por ocorrência de novos elementos de prova, entretanto indiciados no presente processo 391/23 onde aqueles vieram a ser incorporados. Só não poderiam coexistir processos com os mesmos factos se um ou alguns deles estivessem arquivados ( não reabertos) e outro prosseguisse com a dedução de acusação. Aos referidos despachos de arquivamento, formando-se “caso decidido”, não sendo embora definitivo (se houver reabertura), sempre implicaria, para serem revertidos, um despacho de reabertura do inquérito por parte do Ministério Público. Ora, no caso concreto, foi precisamente isso que aconteceu, pois houve despacho de reabertura não impugnado por via de reclamação hierárquica ou através de dedução de abertura de instrução, deduzida que foi acusação (nos autos principais 391/23) que nos artºs 10º e 11º incluiu a matéria dos procº 502/22 e do 86/23 , este último já coincidente com os artºs 23 a a 25 da acusação proferida no 223/23 e que foi apensada ao presente procº 391/23. O processo penal português é constitucionalmente consagrado e configurado com base no princípio da acusação. Isto é, a entidade que investiga e acusa não é a mesma que a entidade que julga. Daí decorre que o controle da acusação pelo juiz apenas se verifica quando haja uma instrução requerida por quem legitimamente o possa fazer. A partir do momento em que se esgota a possibilidade de a instrução ser requerida, o juiz de julgamento fica vinculado ao thema decidendum enformado factos pelos quais os arguidos forem acusados. O objeto do processo passa assim a ser delimitado pela acusação (podendo eventualmente ser alargado ou modificado pelo despacho de pronúncia quando tenha ocorrido a instrução). Deste modo, é fácil concluir que a atividade do Ministério Público poderia ter sido sindicada através da intervenção hierárquica ou através da abertura da instrução, mas ninguém com competência e legitimidade para suscitar uma destas vias o fez, já não podendo o Tribunal a quo limitar tal actuação do Ministério em inquérito negando-se a conhecer aquela matéria dos artºs 10º e 11º da acusação proferida no processo 391/23. Ou seja, os factos constantes dos inquéritos com o NUIPC 502/22.8... e NUIPC 86/23.0... juntamente com os factos que originaram os autos (NUIPC 391/23.5...) “fazem parte do mesmo pedaço de vida, do mesmo sentido de ilicitude” na expressão usada pelo MPº no recurso e com a qual concordamos. Assim: Os inquéritos com o NUIP 502/22.8... e NUIP 86/23.0... foram objeto de despacho de arquivamento, nos termos do n.º 2, do artigo 277.º, do Código de Processo penal, por falta de elementos de prova e não por falta de factos. Não seria pois expectável que a reabertura do inquérito, face ao arquivamento proferido, o fosse com base em novos factos mas antes que o fosse com base em novos elementos probatórios. Do despacho que determinou a reabertura de ambos os inquéritos (502/22.8... e 86/23.0...) pode compreender-se com clareza que surgiu uma nova perspectiva probatória face às declarações complementares da ofendida BB, tendo sido determinada, a partir daí, a realização de novas diligências de prova, designadamente a inquirição das testemunhas referentes ao processo incorporado como NUIP502/22.8PAVPV, designadamente as que fizeram e acompanharam a reportagem fotográfica ali efetuada a fls. 62 e as referentes ao processo 86/23.0... incorporado, designadamente todos os agentes que intervieram na detenção do arguido e dos que teriam sido ameaçados e injuriados pelo arguido AA, conforme consta de fls. 17 daquele inquérito – cf. despacho proferido a ........2023, no seguimento do despacho de reabertura dos mencionados inquéritos. A reabertura de inquérito, antes arquivado nos termos do n.º 2, do artigo 277.º, do Código de Processo Penal, não é pois passível de controlo judicial prévio, já em sede de audiência de julgamento, quanto aos ditos fundamentos de reabertura, a qual, como já dissemos, só o podia ser nos termos do n.º 2, do artigo 279.º, do Código de Processo Penal. O arguido, tendo tomado conhecimento de todos os factos contra si imputados em ambas as acusações, nada impugnou. Na sequência das declarações complementares da ofendida BB, que em momento anterior havia decidido não o fazer, e que posteriormente afirmou que não tinha consciência de que isso levaria a que o processo fosse arquivado, depois da ocorrência de novos episódios manifestou vontade de colaboração, por isso que foi então determinada a reabertura dos inquéritos (502/22.8... e 86/23.0...) e, nessa medida, determinada a realização de novas diligências de prova, designadamente a inquirição de testemunhas, constituindo todo esse conjunto a formação de novos elementos de prova justificativos de uma reabertura daqueles inquéritos já entretanto incorporados no processo 391/23. E) Em suma, o tribunal a quo não podia ter omitido julgar os factos constantes dos artigos 10º e 11º da acusação pública prolatada no processo 391/23 pelo que deve o processo, em consequência, ser remetido à 1ª instância para sanação dessa omissão e, caso venha a considerar provada a matéria em causa, decidir sobre o seu impacto e relevância na decisão final já tomada, em sede de enquadramento jurídico e de redefinição da medida da pena, se for o caso. Procede pois o recurso do MPº. III- DECISÃO 3.1 - Pelo exposto, julga-se o recurso do MPº procedente e , em consequência, determina-se a remessa dos autos à 1ª instância, face à nulidade detectada ( art.º 379.º n.º1 alínea c) do CPP) para sanação da omissão de julgamento dos factos contidos na acusação nos artigos 10º e 11º, respectivamente com as consequências supra indicadas face ao que vier a ser provado ou não. STJ, 14 de Novembro de 2024 (certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP) __________________________ Agostinho Torres (relator) João Rato (1.º adjunto) Jorge Gonçalves (2.º adjunto) ____________________________________________________________ 1. Neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995. |