Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
266/22.5SGLSB.L1.S1-A
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MANSO
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
RECURSO PENAL
RECURSO
RECURSO POR ADESÃO
ADMISSIBILIDADE
PRESSUPOSTOS
TRÂNSITO EM JULGADO
PRAZO
EXTEMPORANEIDADE
Data do Acordão: 09/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: REJEITADO
Sumário :
I – Sendo “o recurso penal, sempre um recurso independente, o que se compreende face à natureza, em regra, indisponível do processo penal”, não é admissível o recurso por adesão.

II – Salvo se fundado em motivos estritamente pessoais, o recurso da sentença interposto por um dos arguidos, em caso de comparticipação, aproveita aos restantes – art.º 402.º, n.º 2, al. a), do CPP.

III – São pressupostos do Recurso de Fixação de Jurisprudência, (i)o trânsito em julgado dos acórdãos recorrido e fundamento, pois sem decisões definitivas não há oposição de julgados, bem como (ii)o prazo de interposição de recurso de 30 dias após o trânsito em julgado do acórdão recorrido.

IV – Deve ser rejeitado o recurso interposto depois de decorrido este prazo bem como o recurso interposto antes deste prazo se iniciar.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 3ª secção do Supremo Tribunal de Justiça:


1 - RELATÓRIO:

1.1. recurso:

1.1.1. AA, arguido no processo n.º 266/22.5SGLSB. L1.S1, interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos dos artigos 437.º, n.º 1 e seguintes do CPP, por haver oposição entre o acórdão do STJ de 17.04.2024, proferido nestes autos n.º 266/22.5SGLSB.L1.S1 e o acórdão do STJ de 18-09-2018, proferido no processo n.º 359/16.8JA FAR.S1, publicado em www.dgsi.pt e em www.dre.pt1, nos termos e com os fundamentos das alegações que junta.

1.1.2. Por requerimento datado de 09.07.2024, veio o arguido BB, requerer o seguinte: “BB, arguido melhor idetificado nos autos em epigrafe, notificado do despacho sob referência ......75, declara expressamente acompanhar o recurso de fixação de jurisprudências apresentado em juízo por AA, fazendo o mesmo seu, na sua plenitude.”

1.1.3. A final formula, o recorrente AA, as seguintes conclusões (transcrição):

“IV. CONCLUSÕES:

A. O Acórdão Recorrido decidiu confirmar integralmente o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa – 3ª Secção, na sequência de recurso do Arguido, no âmbito do processo n.º 266/22.5SGLSB.L1.S1, mantendo a condenação do Arguido na prática de um crime de homicídio qualificado, p.p pelos artigos 131.º, 132.º, n.º 1 e n.º 2, al. c) do CP, na pessoa de CC.

B. Segundo o entendimento do STJ expressado no Acórdão recorrido, os exemplos-padrão determinados na alínea c) do nº 2 do artigo 132º do CP são utilizados para determinar a "especial censurabilidade ou perversidade" do agente, sendo que a qualificação do homicídio decorre da verificação de um tipo de culpa agravado;

C. De maneira que, de acordo com os Senhores Conselheiros que julgaram o caso recorrido, a atuação conjunta dos acusados demonstrou uma especial censurabilidade e perversidade, especialmente ao explorarem uma situação de desamparo da vítima, o que independe de a vulnerabilidade da vítima ser pré-existente, ou não, à ação dos acusados.

D. Nesse sentido, por ser conduta dos acusados considerada violenta e demonstrativa de completo desprezo pela vida humana, o STJ entendeu no Acórdão recorrido afirmar a qualificação do homicídio.

E. Em contrapartida, em oportunidade anterior, proferido no processo nº 359/16.8JAFAR.S1, o mesmo STJ, frente à uma narrativa fáctica inegavelmente semelhante ao do Acórdão Recorrido, decidiu de forma diferente.

F. Note-se que os fatos considerados provados nos Acórdãos Recorrido e Fundamento são notavelmente semelhantes: em ambos os casos, a vítima foi agredida de forma traiçoeira, mesmo estando indefesa, e sofreu agressões subsequentes, incluindo pontapés na cabeça, mesmo após ter sido imobilizada ou incapacitada de reagir (ao que acresce no Acórdão fundamento ter sido violada sexualmente, entre a imobilização e a agressão física).

G. Enquanto no Acórdão Recorrido a vítima foi agredida pelo co-arguido do Recorrente e, posteriormente, quando já se encontrava ao solo, pelo Recorrente; no Acórdão Fundamento o agressor dirigiu-se à vítima enquanto ela dormia, desferindo-lhe socos, abusando sexualmente dela e continuando as agressões, mesmo após a impossibilidade de resposta da vítima.

H. Não obstante, contrariamente ao decidido no Acórdão Recorrido, no Acórdão fundamento, o Supremo Tribunal sustenta que, para que a qualificação seja aplicada, revela-se fundamental que, comprovadamente, o agente se tenha aproveitado conscientemente dessa situação de desamparo da vítima para cometer o crime;

I. Argumentando que a mera prostração da vítima no chão não é suficiente para caracterizar a situação como particularmente indefesa, conforme exigido pelo artigo 132.º, n.º 2, alínea c) do CP, enfatizando, ainda, que a violência do ataque estava mais voltada para causar sofrimento, do que para matar a vítima;

J. Nesse sentido, o STJ concluiu no Acórdão Fundamento que, embora as ações do agente sejam censuráveis, elas não atendem aos critérios necessários para serem consideradas como homicídio qualificado. Em vez disso, a gravidade dos fatos deve ser considerada como uma circunstância agravante ao determinar a pena para o crime de homicídio simples tentado, conforme previsto no artigo 71.º do CP.

K. Ora, diante disso, restam evidentes as contradições entre o Acórdão Fundamento e o Acórdão Recorrido, que dizem respeito ao preenchimento dos exemplos-padrão do artigo 132.º do CP, em concreto, da especial vulnerabilidade da vítima por motivo de doença, prevista na circunstância qualificadora da alínea c), do nº 2, do artigo 132º do CP.

L. Os acórdãos, claramente, discordam quanto aos fatos suficientes para configurar a especial censurabilidade, revelada pela particular vulnerabilidade da vítima, e bem assim sobre se a fragilidade da vítima tem de ser pré-existente à prática do crime ou não.

M. Enquanto o Acórdão recorrido considera suficiente o fato de a vítima ter sido atingida à traição e se encontrar inanimada ao solo; o Acórdão Fundamento exige elementos além dos constatados das agressões ocorridas para configurar a vulnerabilidade da vítima.

N. Inclusive, importa salientar que a conduta do arguido no Acórdão Fundamento era ainda mais condenável e censurável (tendo em vista o abuso sexual executado e a diferença de idade entre o Arguido e a vítima) do que a do arguido no Acórdão recorrido;

O. Ainda assim, no Acórdão Fundamento a conduta do Arguido não foi considerada suficiente para preencher o tipo qualificado e, no Acórdão recorrido, o Arguido foi condenado precisamente – e erradamente – por homicídio qualificado;

P. Pelo que é incompreensível como pode o mesmo Supremo Tribunal considerar preenchido o exemplo-padrão da circunstância qualificadora no Acódão recorrido, sem que se tenha, sequer, produzido qualquer prova relativamente à idade ou estado de saúde da vítima.

Q. Sendo assim, é inevitável reconhecer a contradição existente entre ambos os acórdãos, pela completa desconsideração no Acórdão recorrido da necessidade de que as circunstâncias qualificadoras sejam pré-existentes à atuação do arguido.

R. Sem contar que a referida contradição recai, inegavelmente, sobre realidades fáticas similares, o que justifica a apreciação do presente recurso para uniformização de jurisprudência;

S. Sendo de se frisar que, considerando os fatos apurados e os critérios extensamente fundamentados, lógicos e objetivos, expressos no Acórdão Fundamento, a solução alcançada pelo Acórdão Recorrido não é sustentável.

Termos em que se requer a admissão do presente Recurso Extraordinário para Uniformização de Jurisprudência, devendo ser proferida decisão de admissibilidade, confirmando-se a oposição existente entre o Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento, prosseguindo os Autos notificando-se os sujeitos processuais para apresentação de alegações.

A final, deverá ser fixada jurisprudência no sentido constante do Acórdão fundamento, com todas as legais consequências no âmbito do processo em que o recurso foi interposto, a rever pelo próprio STJ (cfr. artigo 445.º, n.ºs 1 e 2, do CPP).” (fim de transcrição).

1.1.4. Juntou cópia do Acórdão fundamento, comprovativo do pedido de certidão de Acórdão Fundamento (certidão com trânsito), e protestou Juntar Certidão, o que se verificou a 06.06.2024.

1.2. Resposta do Ministério Publico:

1.2.1. O Digno Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, apresentou resposta ao recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

… … …

“II. Em conclusão:

1) - O presente recurso foi deduzido prematuramente, antes do termo inicial do referido prazo legal, ou seja, previamente ao trânsito em julgado do Acórdão-Recorrido, pelo que é intempestivo, motivo por que deve ser rejeitado (cfr. arts. 414º/2, 420º/1-b), 438º/1 e 441º/1 do Código de Processo Penal).

2) - No respeito do modelo etiológico e processual-penal do recurso de

fixação de jurisprudência – que pressupõe, pois, naturalmente, a oposição de julgados – não é viável afirmar que num mesmo silogismo judiciário (sempre na dialéctica do Facto/Direito), foram seguidas duas vias divergentes de raciocínio – viabilizando que de duas séries de premissas iguais se tivessem alcançado conclusões (decisões) diversas – se os Acórdãos postos em confronto sindicaram juízos sobre a qualificação do homicídio assentes em factos relevantemente diversos (cfr, o art. 132º/2-c) do Código Penal).

3) - Concretamente, não é viável afirmar que a preexistência ou não da

indefensividade da vítima foi, per se, nos dois Acórdãos, o motivo da decisão tomada, e não apenas um dos seus fundamentos de facto, que no processo lógico-intelectual do julgamento atinente ao Acórdão-Fundamento – de desqualificação do homicídio, por ausência dessa preexistência –, diluindo-se, teve de concorrer com a valia jurídico-dialéctica de outros, susceptíveis de afectarem o sentido da decisão.

4) - Como sejam, no Acórdão-Fundamento (que não no Recorrido):

A circunstância de a violência imediatamente anterior à execução do

homicídio tentado respeitar ao processo executório de um prévio crime de violação cometido sobre a vítima, por que o agente foi também punido;

O facto de não se revelar que o agente se tivesse dolosamente aproveitado de uma situação de desamparo da vítima.

5) - Donde não possa afirmar-se que unicamente por divergência das

posições jurídico-valorativas – a relevância ou não da indefensividade da vítima provocada por acto do próprio homicida – foram induzidas soluções opostas (conflituantes nas suas proposições) relativamente à aplicação do Direito


*


Não há oposição de julgados.

Também por esta via o presente recurso de fixação de jurisprudência deve

ser rejeitado (cfr, arts. 414º/2, 420º/1-b), 437º/1, 441º/1 e 228º do Código de Processo Penal).


**


Motivo por que:

Deverá o presente recurso ser rejeitado:

Seja por ser intempestivo;

Seja por não haver oposição de julgados.”


*


1.3. Parecer do Ministério Publico:

1.3.1. Neste mesmo Supremo Tribunal, o Digno Procurador-Geral Adjunto, teve vista no processo, onde, “em Parecer,” renovou “o teor da Resposta ao Recurso produzida a 01.07.2024 (....09).”

1.3.2. Colhidos os vistos legais, e realizada a conferência, decidiu-se nos termos que seguem (art.º 441º do CPP)(1).

2 - FUNDAMENTAÇÃO:

2.1.1. Questão prévia: requerimento do arguido BB: como supra referido, por requerimento datado de 09.07.2024, veio o arguido BB, requerer o seguinte: “BB, arguido melhor idetificado nos autos em epigrafe, notificado do despacho sob referência 12480475, declara expressamente acompanhar o recurso de fixação de jurisprudências apresentado em juízo por AA, fazendo o mesmo seu, na sua plenitude.”

Interpretando este requerimento como interposição de recurso por adesão, ao recurso do arguido AA (“fazendo o mesmo seu, na sua plenitude”), importa decidir da sua admissibilidade.

Como se refere no Código de Processo Penal Comentado pelo Sr. Conselheiro António Henriques Gaspar e outros(2), “o recurso penal é sempre um recurso independente, o que se compreende face à natureza, em regra, indisponível do processo penal.

Mesmo o recurso subordinado só é admissível em relação ao pedido de indemnização civil, não sendo extensível à causa penal propriamente dita.

Acresce que, havendo vários arguidos no processo penal, o recurso da sentença interposto por um, em caso de comparticipação, aproveita aos restantes, salvo se for fundado em motivos estritamente pessoais – art.º 402.º, do CPP”.

Assim, por não ser admissível, em processo penal o recurso por adesão, não se admite o requerimento junto pelo recorrente BB, em 09.07.2024, em que subscrevia (“fazendo o mesmo seu, na sua plenitude”), o recurso apresentado pelo arguido AA, apresentado em 31.05.2024.

2.1.2. Ainda que assim se não entendesse, e que fosse possível a adesão ao recurso, face ao que vai decidido quanto ao recurso do recorrente AA, sempre o recurso do arguido BB, seria, também, rejeitado por extemporâneo.

Na verdade, como decidido no Ac. do STJ de 07.06.2022(3), “a adesão ao recurso e o propósito de assumir a posição de recorrente principal não representa uma acumulação superveniente de outros tantos recursos, mas sim uma actividade exercida sobre recurso alheio, e daqui que sujeita em toda a linha à admissibilidade desse recurso alheio.

Por isso, se o recurso interposto não for admissível por si mesmo … não é o expediente da extensão do recurso aos … não recorrentes que o vai tornar depois admissível.”


*


2.2. O recurso para a fixação de jurisprudência é um recurso extraordinário cujo regime processual está fixado nos artigos 437º a 448º do CPP.

Para o não especialmente regulado aplicam-se, subsidiariamente, as disposições que regulam os recursos ordinários (art.º 448º).

Para o que aqui mais releva, sob a epígrafe “Fundamento do recurso”, dispõe o artigo 437.º do C.P.P:

1 - Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.

2 - É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

3 – Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.

4 - Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.

5 - O recurso previsto nos n.os 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público.

E sob a epígrafe “Interposição e efeito”, o artigo 438.º, do mesmo diploma legal, determina:

1 - O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.

2 - No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.

3- O recurso para fixação de jurisprudência não tem efeito suspensivo.

O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência pode comportar duas fases; uma, preliminar, circunscrita à decisão de rejeição do recurso ou de prosseguimento – art.º 441º do CPP – outra onde o STJ julga e conhece do objecto do recurso.

Como referido no Ac. do STJ de 07.06.2023(4) “o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência tem por finalidade a obtenção de uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça que fixe jurisprudência, “no interesse da unidade do direito”, resolvendo o conflito suscitado (art.º 445.º, n.º 3, do CPP), relativamente à mesma questão de direito, quando existem dois acórdãos com soluções opostas, no domínio da mesma legislação, assim favorecendo os princípios da segurança e previsibilidade das decisões judiciais e, ao mesmo tempo, promovendo a igualdade dos cidadãos.

O que se compreende, até tendo em atenção, como se diz no ac. do STJ n.º 5/2006, publicado no DR I-A Série de 6.06.2006, que «A uniformização de jurisprudência tem subjacente o interesse público de obstar à flutuação da jurisprudência e, bem assim, contribuir para a certeza e estabilidade do direito.»

A previsibilidade das decisões judiciais e a confiança no sistema judiciário são também finalidades a alcançar com este recurso.

Como se lê no Ac. do STJ de 13.01.2021, “trata-se de um recurso de carácter normativo destinado unicamente a fixar critérios interpretativos uniformes com a finalidade de garantir a unidade do ordenamento penal e, com isso, os princípios de segurança, da previsibilidade das decisões judiciais e a igualdade dos cidadãos perante a lei”(5).

A admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende da verificação de pressupostos formais e de requisitos materiais/substanciais, a que se referem os artigos 437.º e 438.º do CPP citados.

Assim, tem-se entendido que são requisitos formais, (i)a legitimidade do recorrente, (ii)o trânsito em julgado dos acórdãos conflituantes, (iii)interposição no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado do acórdão recorrido, (iv)a invocação e junção de cópia do acórdão fundamento ou pelo menos identificação de publicação oficial onde tenha sido publicado, (v)justificação, de facto e de direito, do conflito de jurisprudência, e, por sua vez, são requisitos substantivos, a existência de (i)dois acórdãos do STJ tirados em processos diferentes, ou, (ii)um acórdão da Relação que, não admitindo recurso ordinário, não tenha decidido contra jurisprudência fixada e outro anterior de tribunal da mesma hierarquia ou do STJ, (iii)proferidos no domínio da mesma legislação, (iv)assentes em soluções opostas relativamente à mesma questão de direito(6)(7)..

Para o que, agora, e para este caso mais releva, nos pressupostos formais, como referido, exige-se que o acórdão fundamento e recorrido tenham transitado em julgado;

E, ainda, o recurso seja interposto no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado do acórdão recorrido.

Sendo certo que todos os pressupostos, formais e substanciais exigidos para a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência têm de se mostrar verificados à data da sua interposição, sob pena de rejeição, nos termos do art.º 441º, n.º 1, 1ª parte, do CPP.

2.3. Trânsito em julgado dos acórdãos:

Como resulta do artigo 438º, n.º 4, exige-se que os acórdãos em conflito tenham transitado em julgado à data da interposição do recurso.

Só depois de transitarem em julgado é que os acórdãos se tornam definitivos, e exequíveis, só a partir daí se pode falar, verdadeiramente em conflito, em conflito efectivo.

“Até lá o conflito é apenas potencial. “A lei enuncia expressamente que o trânsito em julgado é uma condição para interpor recurso. Pelo que inexistindo o referido trânsito, no momento em que se interpõe o recurso para fixação de jurisprudência estamos perante um vício congénito, insuprível e que motiva a rejeição do recurso sem a possibilidade de qualquer convite ao aperfeiçoamento.”(8).

Como se refere, ainda, no Ac. do STJ de 11.01.2001, proc. n.º 3292/00-5, citado no ac. do STJ de 23.11.2022(9), o recurso para fixação de jurisprudência, nos termos do art.º 438.º, n.º 1, do CPP, deve ser interposto no prazo de trinta dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar. Significa isto, que só é admissível depois do trânsito em julgado de ambas as decisões (fundamento e recorrida), o que bem se compreende, já que enquanto não transitar em julgado a decisão, não é definitiva a jurisprudência que nela se fixa ou aplica, e sendo ela condenatória, não é exequível. Assim, é de rejeitar, por inadmissível em razão da sua extemporaneidade, o recurso para fixação de jurisprudência interposto antes de se verificar o trânsito do acórdão recorrido.”

“O que se compreende, pois que, no esquema traçado pelo CPP para os recursos de fixação de jurisprudência, a imposição do trânsito em julgado, como termo a quo do prazo de interposição, integra-se na disciplina pensada e que estabelece o efeito da decisão fixadora de jurisprudência em função desse trânsito (cfr. art.º 445.º do CPP). Antes de transitar em julgado a decisão não é definitiva a oposição de julgados, nem exequível a decisão recorrida.”(10)

Se é interposto recurso ao abrigo desta norma mas antes de transitar em julgado o acórdão recorrido (que será o último), face ao disposto no art.º 438º n.º 1 do CPP, tem de ser rejeitado por intempestivo, sendo um motivo de inadmissibilidade legal (art.ºs. 441º, n.º 1, 1ª parte, 448º, 414º, n.º 2), uma vez que aquela decisão ainda não transitou em julgado e, portanto não estão esgotadas as possibilidades de recurso ordinário(11)

Sobretudo atenta a finalidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência de resolver os conflitos existentes na jurisprudência, uniformizando-a e criando maior estabilidade no direito

Sendo admissível ainda recurso ordinário, manda a economia de meios que seja por essa via que a eventual divergência de julgados seja superada. Nesse caso a divergência pode ser efémera, pois o tribunal superior pode vir a pôr-lhe termo. De resto, o recurso, porque extraordinário constitui um expediente excepcional a intervir apenas e só para suprir as carências dos meios processuais comuns, ou seja, os recursos ordinários, como refere Pereira Madeira(12).

2.4. Prazo:

Como já dito, o recurso tem de ser interposto no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado do acórdão recorrido.

O início do prazo conta-se a partir do trânsito em julgado do acórdão recorrido, o acórdão proferido em último lugar.

“Portanto quem tem legitimidade para interpor este recurso, tem de observar esse prazo, que é taxativo, sob pena de rejeição”(13).

Antes desse trânsito em julgado não começa a correr o prazo, pelo que é intempestivo, por prematuro, o requerimento de interposição que seja, entretanto, apresentado.

A fixação deste prazo peremptório de 30 dias, como se diz no Ac. do STJ de 23.11.2022, tem como consequências processuais, (i) a de, por via do seu efeito preclusivo, o recurso não poder ser apresentado depois do decurso desse prazo; (ii) a de que, apresentado antes de tempo, seja, antes do trânsito em julgado do acórdão recorrido, por prematuro e fora do prazo fixado, será rejeitado por intempestividade; (iii) por fim a de, em hipotético caso, não pode haver despacho de admissão proferido depois do trânsito, a convalidar a sua entrada intempestiva em tempestiva, com o argumento de que se é verdade que o recurso foi interposto antes do tempo já o subsequente despacho de admissão o foi no prazo de 30 dias; “Com efeito, «os prazos peremptórios estabelecem o período de tempo dentro do qual o acto pode ser praticado (terminus intra quem). Se o acto não for praticado no prazo peremptório, também chamado preclusivo, não poderá já, em regra, ser praticado. Exemplos de prazo peremptório são os prazos para arguir nulidades e irregularidades, requerer a instrução ou interpor recursos.»(14).

“Esses prazos representam, pois, o período de tempo dentro do qual podem ser levados a efeito os respectivos actos, e a sua fixação funciona como instrumento de que a lei se serve em ordem a levar as partes a exercer os seus poderes-ónus segundo um determinado ritmo, a adoptar um determinado comportamento processual e, consequentemente, praticar o acto dentro dos limites de tempo que lhe são assinalados (cfr. Anselmo de Castro, op. cit., pág. 78) e não do limite final.” (in ac. do STJ de 09/10/2003, 03P2711)(15).

Como referido, ainda, no Ac. do STJ de 23.11.2022(16), a exigência legal de interposição do recurso no prazo de 30 dias só iniciado com o trânsito em julgado do acórdão recorrido é de natureza formal, mas taxativa e inultrapassável. Se não há trânsito não há decisão definitiva e, se não há decisão definitiva, é prematuro concluir por oposição de julgados.

Assim é preciso saber quando transita em julgado o acórdão proferido em ultimo lugar: isto é, se transita no prazo de 30 dias (art.º 411º, n.º 1), ou se transita em 10 dias (caso em que, por exemplo, admite eventual arguição de nulidade ou pedido de correcção do acórdão proferido ou eventualmente recurso para o Tribunal Constitucional, mas já não admite a interposição de recurso ordinário para o STJ porque, por exemplo, é daquelas situações que apenas admitem recurso para a Relação, vista também a decisão que ali, na Relação, foi proferida – cf. Art.º 400º)(17).

Havendo recurso para o Tribunal Constitucional, a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de reclamação (art.º 628º do CPC, ex vi art.º 69º da Lei do Tribunal Constitucional), e o prazo de reclamação é de 10 dias (art.º 149º do CPC, ex vi art.º 69º da Lei do Tribunal Constitucional). Escoado este prazo, as decisões transitam: a do Tribunal Constitucional e a do Supremo Tribunal de Justiça, o acórdão recorrido. Na mesma data, conforme resulta do art.º 80º, n.º 4 da Lei 28/82, de, 15 de Novembro (LTC)(18).

2.5. No caso presente, o acórdão fundamento, do STJ de 18-09-2018, proferido no processo n.º 359/16.8JAFAR.S1, publicado em www.dgsi.pt e em www.dre.pt1, na mesma data, transitou em julgado.

O acórdão do STJ recorrido, foi proferido neste processo n.º 266/22.5SGLSB. L1.S1 a 17.04.2024 e notificado aos sujeitos processuais na mesma data.

O arguido, recorrente, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, que proferiu decisão, decidindo “não conhecer do objecto do recurso”, a 20.05.2024, a qual foi notificada ao arguido recorrente e demais sujeitos processuais a 21.05.2024.

Decisão, esta, que transitou em julgado, a 11.06.2024, como certificado e se vê da certidão junta aos autos.

E, com o trânsito em julgado daquela decisão, a 11.06.2024, como supra referido, transitou, também, o acórdão do STJ recorrido, proferido neste processo, a 17.04.2024.

Por sua vez, o recorrente interpôs o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência a 31.05.2024, antes, portanto, do trânsito em julgado do acórdão recorrido.

Interposto recurso, antes do transito em julgado do acórdão recorrido, tem-se este recurso por extemporâneo (por prematuro) o que acarreta, em consequência, a sua rejeição.

Sendo constante esta orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça, se atentarmos nos acórdãos que neste sentido decidiram ao longo do tempo, como os acs. de 07.06.2023, proferido no processo n.º 3847/20.8T9FAR-A.E1-A.S1, de 23.11.2022, proferido no processo n.º 1066/17.0TPLLE-B.E1, de 27.05.2021, proferido no processo n.º 105/20.1SHLSB-A.L1-A.S1, de 18/04/2007, proferido no processo n.º 789/07, de 06/09/2006, proferido no processo nº 06P1555, de 19/10/2005, proferido no processo nº 1086/03, de 30/01/2003, proferido no processo n.º 133/03, de 09/05/2002, proferido no processo n.º 1201/02-5, Ac. de 11/01/2001, proferido no processo n.º 3292/00-5(19).

Rejeitado o recurso por intempestivo, fica prejudicado o conhecimento dos demais pressupostos, nomeadamente a alegada oposição de julgados.

3. DECISÃO:

O Supremo Tribunal de Justiça, 3.ª secção criminal, acorda em,

- não admitir o requerimento com pedido de adesão ao recurso do arguido AA atravessado nos autos por BB, em 09.07.2024;

- rejeitar, por intempestividade, o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pelo arguido AA nos termos das disposições conjugadas dos artigos 437.º, 438.º, n.º 1 e 441.º, n.º 1, todos do C.P.P.

- condenar em custas os, requerente e recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs – art.º 513º n.ºs 1 e 3 do CPP, art.º 8º, n.º 9 e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

Lisboa, 25 de setembro de 2024

António Augusto Manso (relator)

José Carreto

Horácio Correia Pinto

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(1)- decisão que na fase preliminar do recurso se circunscreve a decidir da rejeição ou prosseguimento (art.º 441.º, CPP).

(2)- v. Código de Processo Penal Comentado, António Henriques Gaspar e outros, Almedina, Coimbra, em anotação ao art.º 404.º.

(3)-processo n.º 460/20.3T8AVR-F.P1.S1, in www.dgsi.pt.

(4)-Ac. do STJ de 07.06.2023, proferido no proc. n.º 3847/20.8T9FAR-A.E1-A.S1.www.dgsi.pt.

(5)- proferido no proc. n.º 39/08.8PBBRG-K-A-A.S1, www.dgsi.pt.,

(6)- Entre outros, Ac. do STJ de 13.01.2021, proferido no proc. n.º 39/08.8PBBRG-K-A-A.S1, www.dgsi.pt.

(7)- Exigia-se, ainda, antes, que o recorrente propusesse o sentido da jurisprudência a fixar – cfr. Assento n.º 9/2000, de 30 de Março de 2000, publicado no Diário da República, I Série - A, de 27.05.2000.

Exigência que foi eliminada pela jurisprudência fixada no Acórdão (AUJ) n.º 5/2006, de20 de Abril de 2006, publicado no Diário da República, I Série-A, de6.06.2006, no qual, reexaminando e reputando ultrapassada a jurisprudência daquele Assento, se estabeleceu que, “No requerimento de interposição do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência (artigo 437.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), o recorrente, ao pedir a resolução do conflito (artigo 445.º, n.º 1), não tem de indicar «o sentido em que deve fixar-se jurisprudência» (artigo442.º, n.º 2).

(8)-Tiago Caiado Milheiro, CPP anotado, António Gama e outros, Almedina, Coimbra, vol. v, p. 425/426.

(9)- v. Ac. do STJ de 23/11/2022, proc. n.º 1066/17.0T9LLE-B.E1-A.S1.

(10)-v. ac. do STJ de 09/10/2003, 03P2711.

(11)-v. Ac.de 07.06.2023, proferido no proc. n.º 3847/20.8T9FAR-A.E1-A.S1, www.gdsi.pt.

(12)-citado por Tiago Caiado Milheiro, ob. Cit. vol. v, p. 437.

(13)- Tiago Caiado Milheiro, ob. Cit. vol. v, p. 436.

(14)(15)(16)-Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, pág. 37, e, Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, III, pág. 77, e Ac. de 23.11.2022, proc. n.º 1066/17.0T9LLE-B.E1-A.S1, www.dgsi., onde são citados.

(17)-v. Tiago Caiado Milheiro, ob. Cit. vol. v, p. 437.

(18)-v. Ac. do STJ de 27.05.2021, processo n.º 105/20.1SHLSB-A.L1-A.S1, www.dgsi.pt.

(19)-os três primeiros in www.dgsi.pt, e os restantes citados no Ac. do STJ de 23/11/2022, proc. n.º 1066/17.0T9LLE-B.E1-A.S1.