Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
432/20.8JAVRL.G1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO RATO
Descritores: RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
CONCURSO DE INFRAÇÕES
DUPLA CONFORME
MEDIDA DA PENA
PENA ÚNICA
Data do Acordão: 07/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

I – Nos termos das disposições conjugadas nos artigos 400º, n.ºs 1, als. e) e f), e 432º, n.º 1, al. b), ambos do CPP, não é admissível recurso para o STJ da decisão do tribunal da relação que confirme, ainda que in mellius e mesmo in pejus, no caso daquela al. e), a decisão condenatória do tribunal de primeira instância quanto às penas concretamente aplicadas não superiores a 5 nem a 8 anos de prisão, devendo, se tiver sido interposto e admitido, ser rejeitado nessa parte.


II – Essa irrecorribilidade decorrente da designada “dupla conforme” abrange a medida das penas e quaisquer outras questões de natureza jurídica às mesmas direta e exclusivamente atinentes que no caso se pudessem colocar quanto a nulidades, inconstitucionalidades e vícios da decisão recorrida, outrossim aos princípios da presunção da inocência, do in dubio pro reo, da livre apreciação da prova e da culpabilidade e do ne bis in idem.


III - E, após a entrada em vigor da atual redação dos artigos 432º e 434º do CPP, introduzida pela Lei n.º 94/21, de 21.12, os recursos interpostos para o STJ “de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º”, previstos na al. b) do n.º 1 daquele primeiro preceito, não podem ter como fundamento os vícios e nulidades referidas no artigo 410º, n.ºs 2 e 3, do mesmo diploma legal.


IV - Nesses casos, ainda que tenha sido admitido pelo tribunal da relação sem qualquer restrição, decisão que não vincula o tribunal ad quem, o recurso tem de ser rejeitado parcialmente, por inadmissibilidade legal, nos termos das citadas disposições legais, conjugadas com as dos artigos 414º, n.ºs 2 e 3, e 420º, n.º 1, al. b), também do CPP, sem prejuízo, naturalmente, do seu conhecimento oficioso, se do texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, tais vícios e nulidades resultarem evidentes.


V –Também quanto à indemnizaç-ao arbitrada, se o seu montante não exceder a alçada do tribunal da relação ou verificando-se a “dupla conforme”, ainda que in mellius, da sua decisão não será admissível recurso para o STJ, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 400º, n.ºs 2 e 3, do CPP e 629º, n.ºs 1 e 2, a contrario, e 671º, n.º 3, do CPC e 44º, n.º 1, da LOSJ, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26.08, com as consequências referidas no ponto anterior.


VI – Dessa irrecorribilidade, como é jurisprudência uniforme do STJ e do TC, também acolhida doutrinalmente, não resulta qualquer violação das garantias de defesa do arguido, nomeadamente quanto ao direito ao recurso, que a CRP impõe, pelo menos (mas apenas) num grau, o suficiente para assegurar o duplo grau de jurisdição, em respeito pelos ditames dos seus artigos 18º, 20º e 32º, que consagram o direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva e as garantias do processo criminal, e correspondentes instrumentos de direito internacional a que Portugal se encontra vinculado, designadamente a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (CEDH – artigo 2.º do Protocolo n.º 7), a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE – artigo 48º) e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP - artigo 14.º, n.º 5).


VII –Atentas as elevadas exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, sob pena de postergação da proteção dos bens jurídicos que com as incriminações se pretendem acautelar, os da liberdade e autodeterminação sexual, valore supremos de um Estado de direito, fundado na dignidade e na inviolabilidade da pessoa humana, constitucional e legalmente consagrados, que aqui forami alvo de concentrado, mas plúrimo, atentado, a pena conjunta de 10 (dez) anos de prisão, resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas aos 4 crimes de violação agravada e aos 4 crimes de importunação sexual agravados, é justa, adequada e fixada de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade, sem ultrapassar a medida da culpa do arguido, com os critérios estabelecidos nos artigos 71º e 77º do CP e com o referencial jurisprudencial do STJ para situações similares.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 432/20.8JAVRL.G1.S1.


(Recurso Penal)


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Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça


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I. Relatório


1. Por acórdão de 13.07.2023, do Juízo Central Criminal de ... (JCC...) – J ., do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, foi o arguido AA, nascido a ... de ... de 1981, com os demais sinais dos autos, condenado, nos termos do seguinte dispositivo (transcrição):


«(…)


Por todo o exposto e em conformidade, acordam os juízes que compõem este tribunal colectivo em julgar totalmente procedente, por provada a acusação e, em consequência:


I. Condenar o arguido AA pela prática de quatro crimes de violação agravada (nº. 2, al. a) do artigo 164º e artigo 177º, n.º 1, al. s a) e b) do Código Penal), na pena de cinco anos de prisão, por cada um dos crimes;


II. Condenar o arguido AA pela prática de quatro crimes de importunação sexual agravados nas penas de seis meses, por cada um dos três crimes [descritos em 4. e 52] e na pena de 8 meses pelo crime a que se referem os factos 50 da matéria provada;


III. Operando o cúmulo jurídico (artigo 77º do Código Penal) condenar o arguido AA na pena única de 10 (dez) anos de prisão.


IV. Mais condenar o arguido no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC’s (artigos 513º, nºs. 1 e 2, 514º, nº. 1, ambos do Código de Processo Penal e artigo 8º, nºs. 4 e 5 e Tabela III do R.C.P.);


V. Mais se condena o arguido AA, ao abrigo do disposto no artigo 82.ºA do Código de Processo Penal conjugado com o artigo 16º da Lei 130/2015, de 4 de Setembro a pagar a sua filha BB, a quantia de 20 000€ (vinte mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal contados desde o dia de hoje.».


2. Inconformado, interpôs o referido arguido, em 18.09.2023, recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães (TRG), que, por acórdão de 19.03.2024, embora tenha alterado a redação do ponto 35 da matéria de facto provada, o julgou improcedente e confirmou integralmente o acórdão recorrido, nos termos do seguinte dispositivo (transcrição):


«(…)


Face ao exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em:


I – alterar a matéria de facto dada como provada no ponto 35º, nos precisos termos supra referidos, procedendo-se oportunamente ao seu averbamento.


II - julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido e em consequência, confirmam integralmente o douto acórdão recorrido.


*


Custas pelo recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça - artigos 513.º, n.ºs. 1 e 3, do C.P.P. e 8.º, n.º 9, do R.C.P. e Tabela III anexa.».


3. Ainda inconformado, interpôs o arguido AA, em 22.04.2024, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), apresentando as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição sem notas de rodapé):


«1) O presente recurso vem interposto do ACÓRDÃO proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que confirmou a decisão do Tribunal Judicial de Primeira Instância de condenar o Recorrente, AA, pela prática de quatro crimes de violação agravada, previstos e punidos pelo artigo 164, n.º 2, al. a) e pelo artigo 177.º, n.º 1, als. a) e b), ambos do CP, na pena de cinco anos de prisão, por cada um dos crimes e pela prática de quatro crimes de importunação sexual agravados, p.p, pelo artigo 170,º e pelo artigo 177.º, n.º 1, als. a) e b), nas penas de seis meses de prisão, por cada um dos três crimes descritos nos factos 4. e 52. e na pena de 8 meses pelo crime a que refere o facto 50. da matéria provada.


2) O ACORDÃO recorrido manteve a condenação do Recorrente na pena única de 10 (dez) anos de prisão.


3) O Tribunal recorrido manteve ainda a condenação do Recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 82.º A do CPP conjugado com o artigo 16.º da Lei 130/2015, de 04 de Setembro, ao pagamento de € 20,000 (vinte mil euros) a BB, a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros à taxa legal contados desde o dia da prolação do Acórdão.


4) A motivação da ACÓRDÃO não é clara (nem suficiente), quanto aos factos que manteve como provados, porquanto se limita à remissão para o acórdão da primeira instância no que neste tange à elaboração, no que concerne à prova testemunhal, de um resumo do que foram os depoimentos do arguido AA e das Testemunhas.


5) O Tribunal Recorrido, não se fez o necessário esforço de transparência comunicativa, falta-lhe o lastro de referencialidade no sentido de selecionar as linhas mestras com que se tece o exame crítico que a lei adjetiva jamais dispensa, em benefício da clareza e do bom fundamento das decisões, na medida em que não censurou, como deveria, a deficitária fundamentação daquele, ao invés ainda a corroborou,


6) O Tribunal recorrido acolheu a fundamentação do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, que apenas fez um resumo dos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência e referiu-o às regras de normalidade e de experiência comum, sem irir mais longe na sua apreciação;


7) Mas a fundamentação da sentença penal não se basta com o enunciado das provas produzidas, tornando-se necessário, em todo o caso, um completo ainda que conciso exame crítico dessas provas, que não pode ser substituído por um inventário, um levantamento superficial, onde a descrição toma por completo o lugar da análise.


8) Na medida em que o Tribunal da Relação de Guimarães respaldou a fundamentação do acórdão condenatório, não decidindo pela ocorrência de vício de falta fundamentação, e destarte, pela nulidade dessa decisão, incorre também o tribunal recorrido neste vício.


9) O Tribunal a quo não cumpre o normativo ínsito no artigo 374, n.º 2 do CPP, na parte relativa ao exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.


10) O Tribunal recorrido anuiu a síntese dos depoimentos que entendeu serem meritórios de credibilidade, não cuidando de proceder ao cabal exame crítico através da indicação da sua razão de ciência, por forma a tomar explícito o processo de formação da convicção.


11) A motivação teria, pois, de ser acompanhada de capaz fundamentação, pelo que padece o ACÓRDÃO de nulidade por falta de fundamentação, nos termos do disposto nos artigos 374, n.º 2, 379, n.º 1, al. a) ambos do CPP.


12) O ACÓRDÃO recorrido é nulo nos termos dos artigos 374, n.º 2 e 379, n.º 1, al. a) do CPP, normas que prescrevem que é nula a sentença que não contiver [designadamente] a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.


13) O ACORDÃO recorrido carece de um concreto e exato exame crítico relacional entre os factos provados, tal como se apresentam no local próprio e a respetiva subsunção ao direito, tornando-se desconforme com a lei aplicável. Resume-se, ao invés do que seria obrigatório, a efetuar uma relação objetiva, seca e meramente conceitual, afastando-se, completamente, da necessária aferição concreta de cada facto apurado, em concreto, no quadro do seu enquadramento na norma ou normas incriminadoras.


14) Esta nulidade é absolutamente óbvia: da página 42 a 57 o ACÓRDÃO recorrido procede à reprodução integral dos factos dados como provados no que tange aos crime de violação e de importunação sexual pelo tribunal de primeira instância , seguindo-se, no imediato , no que ao primeiro dos crimes respeita, um juízo conclusivo sobre esses factos“, sem antes proceder a qualquer análise crítica desses mesmos factos, mormente no que concerne a errática subsunção do direito aos factos.


15) Após, o ACORDÃO recorrido faz uma longa excursão jurisprudencial e doutrinária, que não é unânime, aliás, sobre os elementos típicos do crime de violação, voltando depois a descrever os mesmos factos e a concluir, de forma surpreendente, que estão preenchidos os elementos objetivos do ilícito em apreço (violação) dado que se provou que o arguido cometeu os crimes em causa.


16) De outra penada, o Tribunal recorrido conclui que está preenchido o elemento subjetivo dos crimes de violação, referindo-se a ele timidamente, “desta súmula dos factos que resultam provados é apodíctico concluir que se mostram verificados todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de violação pois os factos falam por si e encerrando, aliás, um expressivo patamar de violência, por diversos factores: (...)” e nem a ele se referindo quanto aos crimes de importunação sexual.


17) Já quanto ao Dolo, o ACORDÃO recorrido, limita-se a remeter para os factos 61.º e 62.º dados como provados!


18) A frase feita “deu-se como provado que o arguido, em todas as condutas descritas, agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que praticava factos proibidos e punidos por lei “, é insuficiente para o preenchimento do elemento subjetivo, dado que com esta frase o Tribunal a quo apenas se está a referir à imputibilidade e à culpa, e não ao dolo!( cfr. Acórdão do Tribunal de Lisboa, de 12.01.2022, processo n.º 230/21.1PFLSB.L1-9).


19) Na matéria dada como provada não consta especificado factualmente qualquer das situações de representação previstas no artigo 14º do Código Penal [elemento inteletual e volitivo], pelo que o ACORDÃO recorrido não poderia dar como verificado o elemento subjetivo dos ílicitos.


20) Perfilhando o entendimento do aresto acima citado, com a frase robotizada que o ACORDÃO recorrido respaldou como alusão ao elemento subjetivo do tipo, tão só se referiu à culpa do agente e à imputibilidade do Recorrente e não ao dolo, este sim, um pressuposto da punição. Faltando este elemento, verifica-se o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410, n,º 2, al. a, do CPP), sendo o Acordão nulo!


21) Quanto à questão da falta de menção à imputação feita ao Recorrente a título de autoria pela alegada prática dos crimes de violação e importunação sexual, que ficou completamente omissa na decisão condenatória, v.g no dispositivo, lê-se no ACORDÃO recorrido “Do dispositivo do acórdão consta que o arguido foi condenado pela prática de quatro crimes de violação agravada e pela prática de quatro crimes de importunação sexual agravados. Como se refere in dicionário.priberam.org. “praticar é pôr em prática, cometer, executar. Se o arguido foi condenado pela prática de todos esses crimes, significa necessariamente que foi condenado como autor material, cumprindo-se assim o que é legalmente exigível no dispositivo do acórdão recorrido, ou seja a sua identificação, os crimes que praticou e as penas parcelares e única aplicadas, bem como a indemnização civil fixada“


22) Não se acompanha o entendimento de que “ Se o arguido foi condenado pela prática de todos esses crimes, significa necessariamente que foi condenado como autor material (..), dado que , como é consabido, a autoria assume várias modalidades: material, imediata ou singular; mediata, co-autoria e autoria moral (instigação).


23) O ACÓRDÃO recorrido manteve a condenação do Recorrente sem mencionar em que qualidade, limitando-se a adivinhar que foi como autor material, ficando órfã de esclarecimento a dilucidação qual o tipo de ação é imputada ao Recorrente na alegada prática dos ilícitos. É que não é o mesmo uma condenação como autor material ou como instigador ou mesmo co-autor! Necessariamente a qualidade da autoria terá reflexo na escolha da pena e na sua medida!


24) Ora, isto é, desde já, suficiente para fulminar de nulidade o ACÓRDÃO.


25) .O ACORDÃO recorrido prescinde, pura e simplesmente, de cumprir o disposto no artigo 374, n.º 2, do CPP, sendo por isso nulo, ex vi do disposto no artigo 379, n.º 1, do mesmo diploma.


26) Foi o Recorrente condenado pela prática pela prática de 4 (quatro) crimes de violação agravada, previsto e punido, pelo artigo 164.º, n.º 2, alínea a) e 177.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código Penal (adiante designado CP), na pena de cinco anos de prisão, por cada um dos crimes e de 4 (quatro) crimes de importunação sexual agravados nas penas de 6 meses, por cada um dos três crimes (descritos em 4. e 52 dos factos provados) e na pena de 8 meses pelo crime a que se referem os factos 50 da matéria provada, operando o cúmulo jurídico, condenou o arguido na pena única de 10 (dez) anos de prisão.


27) No entanto, não estão preenchidos os pressupostos de elementos do tipo de crime de violação nem de importunação sexual, porquanto a factualidade provada não é suficiente para preencher os tipos objetivo e subjetivo do crime de violação e importunação sexual.


28) O Acórdão condenou o Recorrente por 4 crimes de violação previstos no artigo 164.º, n.º 2, alínea a), do CPP.


29) O crime de violação previsto no n.º 2 é um crime de execução vinculada, uma vez que tem de ser cometido por meio de “violência”, “ameaça grave”, ou “ato que coloque a vítima em estado de insconsciência ou de impossibilidade de resistir”.


30) Relativamente ao primeiro quadro factual (factos 15 a 28) –26/06/2020- não se mostram verificados quaisquer dos meios através dos quais o crime de violação teria de ser cometido para haver punição nos termos do artigo 164.º, n.º 2, al. a)– violência, ameaça grave ou colocação da vítima no estado de insconsciência ou impossibilidade de resistir.


31) BB, em sede de declarações de memória futura, foi peremptória ao dizer que temendo a superioridade física do Recorrente, num juízo antecipatório, portanto, acabou por não fazer nada (para impedir o pai de praticar os alegados factos pelos que foi acusado).


32) Assim, a passividade de BB, gerada pelo convencimento da inutilidade de resistir ou pelo temor sentido perante a possível agressão física em caso de resistência, não é suficiente para afirmar a existência de violência física.


33) Da leitura dos factos 15 a 28, não resulta que o Recorrente tenha sido violento nos termos exigidos para haver incriminação, nem que tenha ameaçado gravemente BB ou que a tenha colocado num estado de insconsciência ou impossibilidade de resistir, pelo que estes factos são manifestamente insuficientes para preencher o crime de violação p.e.p pelo artigo 164.º, n.º 2, al a).


34) Mutatis mutandis, o mesmo se diz em relação ao segundo quadro factual – 02-07-2020. Da leitura dos pontos 30 a 36, não resulta provado, em nenhum deles, que o Recorrente tivesse cometido esses factos por meio de violência física, ameaça grave ou colocado a vítima em estado de inconsciência ou na impossibilidade de resistir.


35) Em relação ao terceiro quadro factual (factos 37. a 40) – 11-07-2020, apesar das ações imputadas ao Recorrente puderem integrar o tipo objetivo de ilícito, ficou no tinteiro a referência ao elemento subjetivo, como acima já se expendeu (58 a 61 das conclusões), e como tal, não pode haver incriminação sem este pressuposto da punição.


36) O mesmo se diga em relação ao quarto quadro factual (factos 41 a 48) – 20/07/2020. Também não foi feita qualquer menção ao elemento subjetivo, e nessa medida não pode haver punição.


37) Acresce que, a prova pericial que foi feita, não demonstra que BB foi vítima de violação.


38) Da prova que efectivamente se produziu, a versão de BB não encontra suporte suficiente para que lhe pudesse ter sido, como foi, dada uma credibilidade absoluta, nem que, ao invés, se tenha produzido outra prova que permitisse concluir que o que o Recorrente afirmou não correspondia à verdade.


39) Cremos que, na pior das hipóteses, do confronto das duas versões e tendo em atenção o que foi a demais prova, mormente a pericial, o tribunal tinha que ter ficado na dúvida insanável sobre qual delas correspondia à verdade dos factos, e decidir em dubio pro reo, como correlato do princípio da presunção de inocência disposto no artigo 32, n.º 2, da CRP.


40)Em especial, porque neste tipo de crimes, só os intervenientes diretos é que realmente sabem o que e como se passou. BB narrou os factos como os mesmos acabaram por ser dados como provados, ao passo que o Arguido negou a prática dos mesmos.


41) O Recorrente foi ainda condenado por 4 crimes de importunação sexual agravada, sendo que três deles são os mencionados no ponto 4.º 52.º e o quarto no 50.º, cfr. dispositivo do Acórdão.


42) Realça-se a este propósito, a ininteligibilidade, que deriva em nulidade, do ACORDÃO recorrido quando confirma a condenação do Recorrente pelos três crimes mencionados nos factos 4.º e 52.º na pena de 6 meses de prisão cada e pelo crime mencionado em 50.º na pena de 8 meses de prisão.


43) Ora, o facto 50.º é tão só a descrição de um dos três crimes aludidos no facto 4.º “mas seguramente no mínimo de três e concretamente uma ocorrida após 21/07/2020, conforme descrito infra no ponto 50”. É esta a conclusão que se deve extrair, porquanto se o facto 4.º aludisse a 3 crimes, no mínimo, acrescido do crime mencionado no ponto 50.º, contabilizar-se-iam 4 crimes neste facto, a que se somaria o crime referido no ponto 52.º. Se a esta fosse a lógica da narração dos factos, o arguido teria cometido 5 crimes, e não 4, de importunação sexual!


44) Neste conspecto, o Recorrente foi duplamente condenado pelo crime referido no ponto 50.º, na medida em que sendo este já um dos crimes referidos no artigo 4. da matéria provada , o Acórdão condena-o a 6 meses de prisão e depois, autonomamente, condena-o a 8 meses de prisão!!


45) Nesta medida, o ACÓRDÃO é nulo por violação do princípio ne bis in idem, nos termos do disposto no artigo 29.º, n.º 5, da CRP.


46) E caso assim não se entenda, se a lógica que presidiu à narração dos factos foi a de contabilizar 5 situações integradoras de importunação sexual e tendo o arguido sido . condenado apenas por 4, então o ACORDÃO é omisso quanto a uma das situações, sendo assim nulo por omissão de pronúncia quanto a um dos crimes de importunação sexual.


Mas mais,


47) Se o tribunal recorrido entendeu condenar pelos três crimes mencionados nos factos 4.º e 52.º, e sendo este último autónomo, é porque apenas contabilizou duas situações integradoras de crime por referência ao facto 4. mais uma por referência ao facto 52.º, e sendo a situação do ponto 50.º autónoma também no entender do tribunal, então sim perfaz-se 4 crimes de importunação sexual mas uma das três situações, no mínimo, mencionadas no ponto 4 ficou por decidir, sendo o Acórdão igualmente nulo por omissão de pronúncia quanto a um dos crimes referidos no ponto 4!


48) O tipo objetivo do ilícito de importunação sexual, nas palavras de Paulo Pinto de Albuquerque “consiste na importunação de outra pessoa praticando perante ela atos de caráter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual.”


49) Em nenhuma das situações referidas no ponto 4. o Recorrente encostou a parte frontal do seu corpo à parte de trás do corpo dela e abraçou-a, colocando-lhe ambas as mãos no abdómen e encostando os seus órgãos genitais às nádegas dela, não resultando em nenhum momento preenchido o tipo objetivo de ilícito do crime de importunação sexual.


50) Assim, no que respeita aos dois crimes de importunação sexual ínsitos no ponto 4.º que não mereceram descrição, da prova produzida resulta que os mesmos não foram praticados, na medida em que apenas são referidas as ações de abraçar e encostar, sem mais, sem que nenhum elemento do tipo objetivo de ilícito esteja preenchido, tendo assim de fenecer a condenação do Recorrente pelos mesmos.


51) Quanto ao terceiro crime de importunação sexual mencionado no ponto 4.º, e descrito no ponto 50.º, o mesmo já foi impugnado em sede de matéria de facto, devendo ser dado como não provado, porquanto a sua inserção na factualidade dada como provada resulta das declarações meramente de assentimento da testemunha CC perante factos que lhe foram lidos de bandeja, e em que esta apenas se limitou a dizer “ Sim”.


52) No entanto, sempre se dirá, que mesmo que estivesse preenchido o elemento objetivo de ilícito através de constrangimento a contacto de natureza sexual, sempre estará em falta o elemento subjetivo, nos termos já concluídos, e em relação a todos os crimes em causa, pelo que a condenação do Recorrente também aqui terá de fenecer.


53) Quanto ao ponto 52.º, que fundamenta a condenação pelo quarto crime de importunação sexual, o elemento do tipo objetivo, segundo o Acórdão Recorrido, em causa é uma proposta de teor sexual.


54) Da literalidade das palavras que compõe o facto 52 .º “mas que quando ela fosse embora voltariam a manter relações sexuais.”, não se extrai nenhuma proposta. É que proposta significa, essencialmente, «acto de propor; proposição; projecto de lei; moção». Proposta designa uma ideia ou um plano que requerem a aceitação entre duas partes.


55) Se, como diz o facto probatório, o Recorrente disse a BB que voltariam a manter relações sexuais, não está a propor nada, está simplesmente a fazer uma afirmação.


56) Em todo o caso, a considerar-se nesta inserção uma proposta de teor sexual, sempre lhe estará em falha o elemento subjetivo do ilícito, nos termos acima já concluídos.


57) Os factos dados como provados em relação aos 8 crimes pelos quais o Recorrente foi condenado são manifestamente insuficientes para preencher o tipo criminal do crime de violação e importunação sexual, pelo que deverá o Recorrente ser ABSOLVIDO dos mesmos!


58) O crime de violação é abstratamente punível com pena de prisão de três a dez anos– cfr. artigo 164.º, n.º 2, al.), do CP. In casu, a moldura penal, fruto agravação prevista pelo artigo 177.º, n. 1, als. a) e b), é elevada no seu mínimo e no seu máximo em um terço, pelo que a moldura penal se situa entre quatro anos e treze anos e quatro meses de prisão.


59) Por sua vez, o crime de importunação sexual, previsto no artigo 170.º, do CP, é punível abstratamente com pena de prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias, penas agravadas de um terço, de acordo com o artigo 177,n .º1, als. a) e b), nos seus limites mínimo e máximo, pelo que a moldura penal se situa entre 13 dias e 160 dias de multa ou 40 dias a um ano e quatro meses de prisão.


60) No que diz respeito à pena aplicada ao Recorrente, o tribunal a quo apenas substanciou as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a contra do Arguido enquanto que as que depuseram a favor mereceram apenas três linhas, e apenas foram mencionadas a inserção familiar, social e profissional do Recorrente. Ressalta-se a este propósito o que é dito no relatório social para determinação da sanção que no meio sociocomunitário, o arguido é cordato com os demais, projetando uma imagem positiva.


61) Afigura-se que a imagem positiva do arguido junto da comunidade, poderia e deveria, ter sido considerada com outro peso, em abono do recorrente, na determinação da medida das penas e no correspondente cúmulo jurídico.


62) Quanto às exigências de prevenção geral sentidas no caso, diremos, desde logo, que não compreendemos em que elementos se baseia asserção de que são prementes dada a necessidade defesa da sociedade deste tipo de ilícito, que coloca em causa a liberdade sexual, existindo um sentimento de grande repugnância social pelos indivíduos que cometem tal tipo de atos.


63) Ora, o que de facto acontece é que, atualmente, este tipo de ilícitos é objecto de uma maior cobertura e exposição mediática sensacionalista, que não pode, de todo, ser a bitola para as decisões dos tribunais!


64) Relativamente às exigências de prevenção especial, considera o tribunal a quo que se revelam de grau muito elevado, tendo em conta a natureza e gravidade dos atos praticados e os traços da personalidade evidenciados pelo arguido. Ora, o arguido tão só se limitou a negar que praticou tais factos, explicando ao tribunal o que, no seu entender, motivou BB a mover essa acusação contra si, exercendo tão só o direito de defesa que lhe é consagrado.


65) Por outro lado, no que à prevenção especial diz respeito, faltou ter em consideração algo notório: a idade do arguido! 42 anos! Uma pena de 10 anos de prisão, veta a sua liberdade para a cinquentena, prejudicando desse modo a sua inserção na sociedade, sendo este o escopo que preside às exigências de prevenção especial.


66) Por outro lado, há que ponderar que o excesso de reclusão para além de não contribuir para a recuperação social do condenado, acabará também por ser um castigo para o seu núcleo familiar mais restrito, como o seu Pai, já nonagenário!, com quem o arguido tem uma relação de especial cumplicidade e, que, poderá, fruto da sua idade da medida da pena, nunca mais ver o filho em liberdade!


67) A medida concretamente aplicada a cada um dos crimes é desadequada e desproporcional face à culpa que se assume como fundamento – pressuposto -, fim e limite da pena – cfr. artigo 40 do CP.


68) Ao decidir como decidiu,o Tribunal a quo não valorou adequadamente, as circunstâncias concretas que militam a favor do Recorrente, pois, apesar de expor papéis da culpa e da prevenção na determinação da pena e, ainda, de referir alguns dos critérios impostos pelo artigo 71, n.º 2, acaba por não explicar como fundamenta a sua decisão e como integrou os factos nas normas e nos parâmetros mencionados.


69) Era, pois, imprescindível que o Tribunal a quo, ao proceder à determinação da medida concreta da pena, tivesse esclarecido a forma como analisou os parâmetros contidos na lei e as razões específicas em que assentou a medida da pena, indicando o percurso lógico que seguiu, concretamente quanto às circunstâncias atenuantes, pois só a fundamentação, permite a sindicância da legalidade do ato, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correção e justiça.


70) Por outro lado, impõe o artigo 177.º, n.º 8, do CP, que “ se no mesmo comportamento concorrerem mais do que uma das circunstâncias referidas nos números anteriores só é considerada para determinação da pena aplicável a que tiver efeito agravante mais forte, sendo a outra ou outras valoradas na medida da pena ”


71) Ora, Recorrente foi condenado pelos crimes de violação e importunação sexual, agravados nos termos do artigo 177.º, n.º, alíneas a) e b), do CPP.


72) Decorre do ACÓRDÃO recorrido que, a circunstância da alínea a) (filiação) foi considerada abstratamente na moldura penal aplicável, daí a moldura ter sido ampliada em um terço nos seus limites mínimo e máximo, e também considerada na operação de determinação da medida concreta da pena, mormente dentro do segmento do grau de ilicitude dos factos; já a circunstância referida na alínea b) (coabitação) apenas foi tida em consideração abstratamente para encontrar a moldura penal abstratamente aplicável.


73) Ora, se a filiação tem um efeito agravante mais forte do que a coabitação, e a ordem das alíneas do artigo 177.ºn.º, 1, do CPP, assim o parece determinar, a primeira das circunstâncias apenas teria de relevar para determinar a pena aplicável – a modura penal abstrata. Tendo sido também valorada na medida pena, incorreu o tribunal a quo numa dupla valoração, geradora de NULIDADE!


74) O mesmo vício ocorre em relação à valoração da segunda circunstância, da alínea b), na medida em que tendo um efeito agravante menos grave apenas teria de ser valorada na medida da pena- e não na pena abstratamente aplicável.


75) Deste modo, concorreram para a medida da pena uma circunstância que não deveria ter sido valorada, e outra, menos grave, que deveria ter sido valorada, foi deixada no tinteiro, o que resultou num agravamento injustificado e ilegal das penas concretamente aplicáveis ao Recorrente.


76) Sem prejuízo de entendermos que apenas se fará a devida Justiça absolvendo o Recorrente de todos os crimes de que vem acusado,


77) As penas aplicadas ao Recorrente são excessivas e que se impunha a aplicação de uma pena concreta a cada crime drasticamente reduzida, o que se requer, desde já a V. Exas.


78) Assim, em relação aos 4 crimes de violação, p,p. pelo artigo 164.º, n.º2, al. a), agravados nos termos do artigo 177.º, n.º 1, als. a) e b), o tribunal a quo, aplicou aos quatro a mesma medida de pena – 5 anos, o que é manifestamente excessivo, tanto para mais que são crimes de execução vinculada, e em relação aos dois primeiros- 26.06-2020 e 02.07.2020- nenhum meio legalmente previsto de execução do crime se verificou, o que deverá ter como consequência a absolvição do arguido, ou caso assim não se entenda, a sua redução para o mínimo legal. Já quanto aos outros dois – 11/07/2020 e 20/07/2020, embora, como ficou demonstrado em sede valoração da matéria de direito, não ficou demonstrado o elemento subjetivo do crime, e portanto houve insuficiência para a decisão da matéria de facto, caso assim não se entenda, as penas concretamente aplicadas também devem ser reduzidas para o mínimo legal.


79) Em relação aos 4 crimes de importunação sexual, p.p, pelo artigo 170.º, agravados nos termos do artigo 177.º, n.º 1, als. a) e b), consideramos que não se provou nenhum deles e, nessa medida, o Recorrente deve ser absolvido dos mesmos. Caso assim,não se entenda, a aplicação de uma pena de multa a cada um deles entendemos que satisfaz as exigências de prevenção geral e especial ou, em caso de se optar por pena de prisão deve a mesma ser reduzida ao mínimo legal em cada um dos quatro crimes.


80) Por mero dever de patrocínio, sem conceder, o Recorrente considera que o juízo efetuado pelo Tribunal a quo no ACÓRDÃO para fixação do montante da reparação por danos não patrimoniais, no valor de €20.000 é, em face dos factos provados nos presentes autos, desigual e injusto, por excessivo.


81) Os únicos factos da matéria dada como provada que aludem aos danos causados a BB, são o 58) e o 59), nos quais, apenas se diz que aquela sentiu dores e que as condutas descritas agravaram a sintomatologia de Perturbação Depressiva Major, que aquela já padecia.


82) Assim, além de não terem sidas concretizadas no probatório quais as dores sentidas por BB, o tribunal a quo também não teve em devida consideração da situação económica do Recorrente, que aufere menos do que o salário mínimo nacional, vivendo em casa arrendada.


83) Pelo que a condenação do Recorrente ao pagamento de € 20,000 a BB a título de reparação por danos morais é manifestamente excessiva.


84) Face ao exposto requer-se o arbitramento de valor não superior a €5000, 00.


85) O Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 6.º ,n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, os artigos 18.º, 29, n.º, 5, art.º 32.º, n.º 2 e 205 .º da Constituição da República Portuguesa, os artigos 164.º, n.º 2, al. a), 170.º, 177.º, n.º 1, als. a) e b) e número 8, do Código Penal, os artigos 97.º, nº 4, 127.º, 163, n.º 1, 374.º, n,º 2, 379.º, n.º, 1, 410.º, n.º 2, al. a) e n.º 3, do Código de Processo Penal, os artigos 14.º, 40.º, 70.º, 71.º, n.º 2, do Código Penal e os artigos 129.º, do Código Penal e 496.º, n.º 1 do Código Civil.


NESTES TERMOS:


DEVE O PRESENTE RECURSO PROCEDER, ABSOLVENDO-SE O RECORRENTE OU, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, QUE APLIQUE PENAS PARCELARES INFERIORES ÀS QUE FORAM APLICADAS, PROCEDENDO-SE À DEVIDA REFORMULAÇÃO DO CÚMULO JURÍDICO, E REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA.


ASSIM, COLENDOS CONSELHEIROS, SERÁ FEITA JUSTIÇA.».


4. O recurso foi admitido por despacho do Juiz Desembargador relator, de 26.04.2024, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.


5. O Ministério Público junto do TRG respondeu, em 29.04.2024, ao recurso do arguido, pronunciando-se pela sua improcedência conforme resumido nas seguintes conclusões (transcrição):


«(…)


1- Não se verifica, relativamente ao acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 19-03-2024, qualquer erro material ou alguma situação enquadrável nos termos do disposto no artigo 379º do Código de Processo Penal;


2 -E nenhuma nulidade processual se mostra verificada;


3- O acórdão criticado pronunciou-se exaustivamente sobre todas as questões que lhe foram colocadas e fez, no entendimento do Ministério Público, uma correta avaliação e decisão da matéria de facto, à qual aplicou, numa subsunção jurídica irrepreensível, o adequado Direito;


4- Não existe qualquer violação do princípio do non bis in idem, nem o acórdão padece de nulidade por omissão de pronúncia;


5- Quanto ao invocado vício de insuficiência para a decisão de matéria de facto provada, do artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, é patente que o acórdão recorrido não padece deste vício, dado ter dado resposta a todas as questões que se lhe deparavam e constituíam o objeto do processo;


6- E também não evidencia a decisão recorrida qualquer estado dubitativo por parte do julgador na valoração da prova que impusesse que o mesmo fizesse apelo ao princípio in dúbio pro reo relativamente aos factos dados como provados;


7- A qualificação jurídica dos factos provados encontra-se correta e detalhadamente fundamentada no acórdão recorrido, do qual decorre que a apurada conduta do arguido/recorrente preenche os elementos constitutivos (a nível objetivo e subjetivo que caracterizam o crime de violação previsto no artigo 164º nº 2, alínea a) do Código Penal, o qual é agravado atento o disposto no artigo 177º, nº 1, alínea a) do Código Penal, dado a ofendida BB ser filha do arguido, bem como dos quatro crimes de importunação sexual, que são agravados, atenta a idade da vítima e a circunstância de ser filha do arguido – artigos 172º, nº 2 e 177º nº 1 alínea a), ambos do Código Penal;


8- Quer as penas parcelares, quer a pena única resultante do cúmulo, revelamse criteriosas e ponderadas em função da culpa do arguido;


9- Também a indemnização fixada se revela ajustada;


10 –Deve, pois, julgar-se o recurso improcedente quanto ao mérito, mantendo-se incólume o acórdão recorrido.».


6. Neste Tribunal, o Ministério Público, em 14.05.2024, emitiu fundamentado parecer, que rematou com a seguinte síntese conclusiva:


«(…)


- Tendo em conta a existência de dupla conforme e apenas tendo extensão superior a 8 anos a pena que foi aplicada em sede de cúmulo jurídico, o recurso tem de se limitar à apreciação desta pena única, sendo rejeitado quanto ao demais (incluindo-se aqui a questão referente ao montante fixado a título de reparação à vítima).


- Quanto à pena única, nada há a censurar à escolhida em sede de decisão de 1ª instância e depois confirmada pelo Tribunal da Relação, não se vislumbrando necessidade de correção de uma pena que foi adequadamente escolhida tendo em conta a personalidade demostrada pelo arguido/recorrente, sendo assim parecer do Ministério Público que o recurso do arguido AA deverá ser julgado improcedente.».


7. Observado o contraditório, o arguido não respondeu ao parecer do Ministério Público.


8. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.


II. Objeto do recurso


1. Considerando a motivação e conclusões do recurso, as quais, como é pacífico, delimitam o respetivo objeto1, as questões nele colocadas cingem-se:


a) à nulidade do acórdão recorrido, por falta de fundamentação de facto e de direito, nomeadamente quanto ao exame crítico das provas, à indicação da modalidade do dolo e da forma de autoria/participação, nos termos dos artigos 374º, n.º 2, e 379º, n.º 1, al. a), do CPP [conclusões 4ª a 15ª e 16ª a 25];


b) vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do artigo 410º, n.º 2, al. a), do CPP, quanto aos elementos subjetivo e objetivo dos crimes de violação e de importunação sexual e não preenchimento dos elementos típicos desses crimes [conclusões 20ª, 26ª a 47ª e 48ª a 57ª];


c) à nulidade do acórdão por violação dos princípios da presunção da inocência, do in dubio pro reo, da proibição da dupla valoração de circunstâncias agravantes e/ou omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 29º, n.º 5, e 32º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 379º, n.º 1, al. c), quanto à dupla condenação por um único crime de importunação sexual ou não conhecimento e pronúncia de um eventual 5º crime de importunação sexual [conclusões 37ª a 41ª, 42ª a 47ª e 73ª];


d) à medida e espécie das penas de prisão parcelares e única aplicadas [conclusões 58ª a 79ª];


e) ao montante da indemnização arbitrada oficiosamente à ofendida [conclusões 80ª a 84ª].


2. Antes delas, porém, deverá conhecer-se da questão prévia suscitada pelo Ministério Público no parecer emitido neste STJ, qual seja a da rejeição parcial do recurso, por inadmissibilidade legal2


III. Fundamentação


1. O acórdão recorrido confirmou integralmente o acórdão da 1ª instância, de facto e de direito, salvo quanto ao teor do ponto 35 da matéria de facto provada, que alterou nos termos infra explicitados.


Os factos considerados provados e não provados no acórdão da 1ª instância e que o acórdão recorrido confirmou com a mencionada alteração e que, por conseguinte, são imodificáveis, salvo ocorrência de algum vício ou nulidade de conhecimento oficioso pelo STJ, foram os seguintes (transcrição):


«(É a seguinte a matéria de facto dada como provada pelo tribunal “a quo” (transcrição):


“1. O arguido AA é pai da vítima BB, nascida em .../.../2003.


2. Em resultado de homologação de acordo quanto à regulação das responsabilidades parentais em 24/11/2009, BB ficou a residir com a mãe, em ....


3. Todavia, a partir de data não concretamente apurada, mas próxima do fim da primeira quinzena de março de 2020, por acordo entre progenitores e a menor, esta passou a residir com o seu pai, aqui arguido, na sua residência, sita na ....


4. Desde esta data e até 01/08/2020, por várias vezes, em número indeterminado mas seguramente no mínimo de três e concretamente uma ocorrida após 21/07/2020, conforme descrito infra no ponto 50, o arguido, quando BB se encontrava na cozinha a lavar a louça após as refeições ou a lavar os dentes ou a pentear-se em frente ao espelho e ao lavatório da casa de banho, encostou a parte frontal do seu corpo à parte de trás do corpo dela e abraçou-a, colocando-lhe ambas as mãos no abdómen e encostando os seus órgãos genitais às nádegas dela.


5. No mesmo período de tempo, também num número de vezes não determinado, estando ambos na sala, o arguido pediu à filha que se sentasse ao seu colo e colocou-lhe as mãos na cintura.


6. Ainda no mesmo período de tempo, mas que com início em momento posterior, também em número de vezes não concretamente apurado, estando BB deitada na sua cama, o arguido deitou-se com ela, aproximando o seu corpo do dela e agarrou-a pela cintura.


7. Com as ações descritas nos três pontos anteriores, BB sentiu-se desconfortável e disse-o diretamente ao seu pai que a acusou de ser fria e de rejeitar o carinho que ele lhe queria dar.


8. No dia 25/06/2020, após o jantar, o arguido e a vítima saíram de casa e foram até ao “P. ...”, sito no n.º ... da ..., em ..., onde o primeiro ingeriu bebidas alcoólicas em demasia, tendo ficado notoriamente embriagado.


9. Pela 01h00 do dia 26/06/2020, enquanto regressavam a casa, apeados, estando o arguido a falar sobre o processo n.º 207/16.9... em que foi condenado por dois crimes de violência doméstica, ao ver que BB estava a fazer uma chamada, retirou-lhe o telemóvel das mãos sem o consentimento dela e, acusando-a de estar do lado do Tribunal e contra ele, disse-lhe que nunca mais ia ter telemóvel enquanto estivesse em ....


10. Chegados a casa, BB dirigiu-se para o seu quarto e o arguido seguiu-a, mantendo um discurso repetitivo, em voz alta, afirmando que com o referido processo judicial lhe tinham estragado a vida, que ela estava contra ele e que ele era inocente, quando, sem que nada o fizesse esperar, desferiu um murro contra a parede e saiu do quarto em direção à sala.


11. Cerca de dez minutos depois, estando já BB deitada na cama, o arguido regressou ao quarto, apresentando-se de tronco despido, e insistiu que ela desbloqueasse o telemóvel.


12. Como BB se recusou a fazê-lo, ele acusou-a novamente de estar do lado daqueles que o condenaram e tentou forçá-la a exibir o rosto para o telemóvel, para o desbloquear através do mecanismo do reconhecimento facial, agarrando-a e tentando destapar-lhe o rosto, que tinha coberto com um lençol.


13. Entretanto, porque o telemóvel ficou sem bateria, o arguido pô-lo a carregar numa das tomadas do quarto e deitou-se na cama com a filha, perguntando-lhe porque ela não lhe dava carinho e porque era tão fria com ele.


14. Após, o arguido levantou-se e continuou a discussão, exigindo o desbloqueio do telemóvel, acusando-a de esconder algo e dizendo-lhe que ou ela o deixava ver tudo o que tinha no telemóvel ou ia ter que lhe fazer um favor. Mais lhe disse que se ela não lhe mostrasse o conteúdo do telemóvel, no dia seguinte levava o aparelho a um técnico ou à polícia para o desbloquear, pois que o telemóvel era dele.


15. Entretanto, o arguido voltou a deitou-se na cama junto à filha e abraçou-a pela zona do abdómen, fez-lhe festas no queixo e acima das mamas, na zona do decote, tendo a vítima repelido estes gestos, ordenando-lhe que parasse e afastando-lhe a mão, ao que o arguido não obedeceu, repetindo o gesto sempre que ela o impedia.


16. Neste contexto, o arguido disse-lhe “És minha filha. Não me dás carinho. Sabes que eu agora estou solitário”.


17. Dito isto, colocou-lhe uma mão sobre a mama direita, tendo a vítima a afastado e repreendido o arguido, lembrando-lhe que era pai dela e perguntando-lhe o que estava a fazer.


18. O arguido respondeu-lhe: “Sabes que os homens têm necessidades e eu não toco numa mulher há quatro anos”, “Se eu não sei satisfazer as minhas necessidades, eu vou-me flipar! Eu não sei o que é que eu faço, eu ainda me mato!... Tens de me ajudar, é um favor!”.


19. Ao dizer estas palavras, o arguido colocou a mão direita na coxa esquerda de BB e, quando ela mais uma vez repeliu este gesto, ele perguntou “Porque é que não posso? É só a tua perna”, repetindo e insistindo cerca de 5 vezes.


20. Após a discussão que se seguiu, durante a qual ambos se levantaram da cama, ele convenceu-a a deitar-se novamente e, de seguida, deitou-se ao lado dela e disse-lhe “Tu é que me provocaste quando te ensinei a conduzir”.


21. Após estas palavras, de imediato, o arguido despiu as calças, entregou o telemóvel à filha, dizendo “ficas a ver o telemóvel, nem dás conta”, agarrou na mão esquerda dela, conduziu-a até ao pénis e disse “Só precisas de tocar”.


22. BB voltou a afastar a mão do arguido e ele insistiu, conduzindo a mão dela ao pénis dele e dizendo “Vá lá, é só tocar!”.


23. De seguida, o arguido, estando já deitado por cima da filha, despiu os boxers, despiu os calções e as cuecas que ela trajava, afastou-lhe os joelhos entre si e, durante cerca de três minutos, passou a sua língua pela vulva dela e introduziu-lhe um dedo na vagina.


24. BB debateu-se contra esta prática de coito oral, mas em vão, atendendo à superioridade física do arguido.


25. Após, o arguido colocou-se em cima da vítima e tentou introduzir-lhe o pénis ereto na vagina, continuando ela a debater-se contra as intenções manifestadas pelo pai, ao que ele lhe disse “Ah. Agora que começaste também não te podes cortar a meio. Se começaste também fazes até ao fim”, “Não faças isto parecer uma violação” e “Deixa-me ver as tuas mamas”.


26. Conseguindo neutralizar as tentativas de afastamento da filha, o arguido introduziu-lhe o pénis erecto na vagina, praticando cópula durante cerca de três minutos.


27. Durante esta prática, BB chorava e dizia repetidamente “Pai, pára! Pai, para!” e ele respondia “Não me chames pai porque só torna a situação pior, só me faz sofrer mais”.


28. Ao fim dos referidos três minutos, perto das 05h30, o arguido retirou o pénis da vagina da filha, ejaculou para cima da cama e do abdómen dela, levantou-se e abandonou o quarto.


29. No dia 29/06/2020, pelas 17h00, estando a vítima a ajudar o arguido na sua atividade profissional de estofador, AA disse-lhe “A ver se ajudas o teu pai nas outras coisas… sabes do que estou a falar…”.


30. No dia 02/07/2020, pelas 23h30, estando já BB deitada na sua cama, o arguido entrou no quarto da filha, de tronco despido, e disse-lhe “Fiquei com uma imagem muito má na minha cabeça. Tens de mudar isso”, esclarecendo “Porque da última vez, estavas a chorar e eu fiquei com essa imagem na minha cabeça e não posso. Tens de tentar não chorar”.


31. Então, o arguido começou a chorar e deitou-se na cama, ao lado de BB, colocando a sua mão esquerda na coxa esquerda dela e encaminhando-a para cima.


32. Apesar de ela lhe afastar a mão, ele insistiu.


33. Então, o arguido afastou os lençóis e as almofadas que tapavam BB e começou a acariciar-lhe os braços e as pernas, repetindo que não podia ficar com aquela imagem na cabeça, pedindo-lhe que não chorasse desta vez e que ficasse “normal”, se não era pior para ele.


34. Após, o arguido AA baixou as calças e os boxers que vestia, tirou os calções e as cuecas à filha, juntou-lhe os joelhos e puxou-os para junto do peito dela, penetrou-a com o pénis e praticou cópula durante cerca de três minutos, enquanto lhe apalpava as mamas por dentro da camisola.


35. “Os gestos descritos no ponto anterior foram realizados de forma tão repentina e brusca que a BB, não conseguiu impedir a penetração”3.


36. No final do acto, ejaculou para cima do abdómen dela.


37. No dia 11/07/2020, em hora não concretamente determinada, mas seguramente antes das 04h22, estando BB já a dormir na sua cama, foi acordada pelo seu pai, que, agarrando-a e forçando-a a virar-se de decúbito ventral, nesta posição lhe despiu as calças e as cuecas que trazia vestidas.


38. Perante este comportamento do arguido, BB começou a chorar e tentou fugir, mas o arguido, recorrendo à sua superioridade física, segurou-a pela cintura, de forma a que ela ficasse apoiada nas mãos e nos joelhos, pediu-lhe para ficar quieta, porque ela não parava de se movimentar na tentativa de se libertar, e penetrou com o seu pénis na sua vagina, praticando cópula durante cerca de três minutos, ao mesmo tempo que lhe apalpava as mamas por baixo da camisola.


39. Depois, agarrou-a, obrigando-a a virar-se de frente para ele, com as costas deitadas sobre o colchão, afastou-lhe os joelhos entre si e penetrou-a novamente, colocando-lhe uma almofada a tapar o rosto dela para não a ver chorar.


40. O arguido manteve cópula com a filha nestas precisas circunstâncias por mais cerca de três minutos, findos os quais ejaculou no abdómen dela.


41. No dia 20/07/2020, entre as 22h00 e as 24h00, o arguido entrou no quarto da filha em tronco nu, estando BB no local, sentada em cima da cama e encostada à parede, e, enquanto fechava os estores e desligava a luz, dizia “Tens de me ajudar…. É um favor, não te vai custar tanto…. Se já fizeste uma vez agora também não é diferente”.


42. Todavia, porque a vítima lhe disse que lhe faltava o período menstrual há já algum tempo, ele disse-lhe que se estivesse grávida iam ter de ir fazer um aborto em ... e que não podia ir à farmácia comprar um teste de gravidez porque toda a gente em ... o conhecia.


43. Após se ter ausentado do quarto durante alguns minutos, regressou.


44. Depois de encostar a porta e de se sentar na cama perto da filha, disse-lhe que tinham de fazer alguma coisa para “puxar” o período e que se tivessem relações sexuais o período vinha.


45. E assim, sem mais, despiu as calças, BB começou a afastá-lo com pontapés, enquanto ele se defendia e lhe dizia que ela tinha de o deixar, se não aquilo ia dar porcaria.


46. De imediato, conseguindo vencer as investidas de BB, o arguido deitou-se em cima dela, baixou os boxers sem os despir, afastou-lhe as cuecas para o lado direito e introduziu-lhe o pénis ereto na vagina, enquanto lhe segurava com as mãos na anca e dizia repetidamente que era para lhe “puxar” o período, que amanhã já lhe vinha o período.


47. Enquanto o arguido obrigada BB a sujeitar-se à prática de cópula, ela dizia repetidamente que lhe estava a doer muito, debateu-se intensamente, esperneando e tentando tirá-lo de cima de si com as suas mãos.


48. O arguido interrompeu a cópula, sem ejacular, levantou-se e, ao sair do quarto, disse “isto não vai dar para puxar nada”.


49. Em 21/07/2020, CC, namorada de BB, chegou a ... e ficou alojada na casa do arguido, dormindo no mesmo quarto que a vítima durante os primeiros dias, pois, posteriormente, o arguido ordenou-lhes que dormissem em quartos separados.


50. Em data não concretamente apurada, mas entre 21/07/2020 e 01/08/2020, à noite, após o jantar, na cozinha da residência, estando a vítima a lavar a louça, AA encostou a frente do seu corpo à parte de trás do corpo da sua filha, que por sua vez estava encostada ao lava-louça, e friccionou a sua zona genital nas nádegas dela, movimentando-se repetida e lentamente de um lado para o outro.


51. Tendo sido surpreendido por CC, o arguido afastou-se repentinamente e saiu para a rua.


52. Em 31/07/2020, à noite, na sala da residência, estando o arguido e a vítima sozinhos nessa divisão, ele disse-lhe que permitia que a sua namorada CC voltasse a dormir com ela no mesmo quarto, mas que quando ela fosse embora voltariam a manter relações sexuais.


53. Nessa noite, BB e CC planearam a fuga da primeira daquela casa, pois que sentia pânico de continuar ali sozinha com o pai.


54. Neste seguimento, no dia seguinte, 01/08/2020, CC deixou aquela casa em direção a ..., levando consigo algumas roupas e outros pertences pessoais de BB, bem como o dinheiro que esta havia conseguido reunir entre aquele que o arguido lhe dava pelos trabalhos em que ela o ajudava.


55. Nesse mesmo dia 01/08/2020, após o jantar, BB saiu de casa, dizendo ao arguido que ia tomar um café, tendo, na verdade a intenção de fugir para ... e denunciá-lo às autoridades.


56. Contudo, pelas 23h19, BB deu entrada no serviço de urgência do Hospital 1 em resultado de uma tentativa de suicídio por intoxicação medicamentosa voluntária.


57. Assim que chegou ao hospital, BB disse ao pessoal clínico que não queria ser acompanhada pelo pai.


58. Durante todos os atos descritos de cópula, BB sentiu dores.


59. As condutas descritas e adotadas pelo arguido contra BB agravaram a sintomatologia de Perturbação Depressiva Major, de que já padecia à data dos factos e que o arguido conhecia.


60. Antes de 26/06/2020 BB nunca tinha mantido cópula completa, mas apenas relações sexuais de natureza homossexual de estimulação vulvar e vaginal, sem introdução de objetos, e uma relação sexual de natureza heterossexual em que não tinha havido penetração completa.


61. O arguido adotou as condutas supra descritas, nos dias 26/06/2020, 02/07/2020, 11/07/2020 e 20/07/2020 tendo como único propósito a sua satisfação sexual, não se coibindo de, para isso, ter de obrigar, através do exercício da força física, a sua própria filha, cujo grau de parentesco, idade e doença psiquiátrica não podia desconhecer, fazendo-se valer da sua superioridade corporal e da fragilidade que a idade, a relação familiar e aquela doença lhe causavam, desprezando por completo fazê-lo contra a expressa vontade vítima e causando-lhe dor e sofrimento.


62. Ao comportar-se conforme supra descrito nos pontos 4, 50 e 52, o arguido tinha o propósito concretizado de sujeitar a sua filha a proposta e práticas de contacto físico que lhe dessem satisfação sexual, mesmo sabendo que tal era contra a vontade dela, que lhe causava dor e sofrimento, e não podendo desconhecer a natureza da relação familiar que os unia, bem como a idade e a doença dela, fatores que a fragilizavam e de que, por isso, se aproveitou.


63. O arguido, em todas as condutas descritas, agiu livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que praticava factos proibidos e punidos por lei penal.


64. Do certificado de registo criminal do arguido consta uma condenação, em 04.09.2018, pela prática de dois crimes de violência doméstica, na pena única de 4 anos e dois meses de prisão, suspensa na sua execução, bem como na sanção acessória de proibição de contacto com a vítima, pelo período de dois anos, sendo que tal suspensão foi revogada estando o arguido em cumprimento de pena à orem desse processo.


Das condições socioeconómicas do arguido


65. AA é oriundo de ..., tendo o seu processo de desenvolvimento e crescimento decorrido num agregado com razoáveis condições socioeconómicas. O arguido cresceu numa família constituída pelos progenitores e cinco filhos/as, sendo o arguido o mais novo.


66. O pai exerceu a atividade de estofador e a mãe colaborava na oficina e ainda, cuidava das tarefas domésticas e zelava pela educação dos/as filhos/as.


67. O arguido entrou na escola em idade própria tendo completado o 6º ano de escolaridade, com cerca de 14 anos de idade.


68. Após a separação dos pais, contava o arguido cerca de 15 anos e após ter permanecido cerca de dois anos com a mãe, passou a residir com o pai, em ..., até altura em que foi cumprir serviço militar, em ..., no C.... .. ...... ..............


69. Após o cumprimento do serviço militar, foi para ..., para casa de um amigo, referindo ter trabalhado numa empresa de revestimentos, na área da construção civil. onde permaneceu cerca de 1 ano e meio.


70. Regressado a Portugal passou a residir em ... altura em que, duma relação ocasional, veio a nascer uma criança (filho DD, atualmente com cerca de 17 anos de idade), tendo somente conhecimento da existência do filho após ter contraído matrimónio com EE, em 2002, e que somente na sua adolescência veio a estabelecer contacto com aquele.


71. Após o casamento o casal passou a viver em ..., contudo e devido à falta de trabalho e após entrada do cônjuge, no curso de ..., no Politécnico ..., o casal mudou-se para essa localidade, integrando-se o arguido, profissionalmente, numa serralharia.


72. Posteriormente e com promessa de trabalho em ..., o casal regressou àquela localidade, integrando juntamente com a filha/ofendida (atualmente com 19 anos de idade), entretanto nascida, o agregado dos sogros do arguido.


73. A promessa de trabalho do arguido não se veio a concretizar pelo que o casal se deslocou para ..., arrenda casa, passando o arguido a trabalhar na sua habitação, por conta própria, na atividade de estofador, concomitantemente com a atividade de distribuidor de pizzas no hipermercado ....


74. É aí que conhece FF, operadora de caixa, à data, e passa a manter com esta uma relação extra-conjugal, o que esteve na motivação do divórcio com EE, que veio a ser decretado em 2009.


75. Em 2008 iniciou uma relação de união de facto com FF de quem tem um filho em comum, atualmente com 12 anos de idade.


76. Entre os anos de 2008 e 2013, o casal alternou a residência entre as cidades de ... e ..., atendendo à necessidade de colocação laboral do arguido e à frequência do curso de ... da ex-companheira, FF, aluna do Instituto Politécnico ..., regressando o casal a ... após o falecimento do progenitor daquela.


77. Em consequência da relação conturbada e agressiva esta veio a terminar em 2016, passando o arguido a residir sozinho, em ....


78. AA foi condenado pelo crime de violência doméstica na pena de 4 anos e 2 meses, suspensa na sua execução e com regime de prova, com o processo nº 207/16.9..., a qual veio a ser revogada por incumprimento, encontrando-se preso à ordem daquele, desde 8 de setembro de 2022, no Estabelecimento Prisional ....


79. Antes dos factos descritos na acusação, o arguido residia sozinho, em apartamento arrendado na cidade de ....


80. Em liberdade mantinha a actividade, por conta própria, de estofador, referindo auferir cerca de €600/700 por mês. Tinha como despesas fixas, as inerentes à habitação cerca de €180/mensais. Refere, ainda, beneficiar de apoio consistente dos progenitores.


81. Em reclusão o arguido mantém um comportamento adequado e de acordo com o normativo, cumprindo com as orientações.


82. AA conta com o apoio incondicional dos progenitores e irmão que o visitam no estabelecimento prisional.


83. O processo de socialização de AA parece ter decorrido em contexto sociofamiliar favorável, pese embora o seu crescimento/desenvolvimento possa ter sido afetado pela conflitualidade interparental.


84. O arguido está habilitado com o 6º ano de escolaridade, tratando-se de uma pessoa que ao longo do seu percurso de vida desenvolveu vários tipos de atividades laborais, predominantemente como estofador, usufruindo de uma situação económica que referencia estável.


85. AA protagonizou vários relacionamentos afetivos, é pai de três descendentes, com os quais refere manter contacto regular, à excepção do GG, com o qual esteve proibido de contactar, pelo período de 2 anos, como pena acessória no âmbito do crime de violência doméstica a que foi condenado e cumpre atualmente pena de prisão.


86. Em reclusão apresenta um comportamento conducente com o normativo.


87. Beneficia de suporte consistente por parte dos progenitores e irmão que o visita em meio prisional”.


(..)»


**


2. Avancemos para a apreciação das questões antes enunciadas e que delimitam o objeto do recurso, segundo a regra da sua precedência lógica também ali referida.


2. 1. A questão prévia da rejeição parcial do recurso, por inadmissibilidade legal.


O arguido interpôs recurso da decisão do TRG quanto à medida de todas as penas, parcelares e única, em que foi condenado, outrossim relativamente à condenação no pagamento à ofendida de € 20.000,00 (vinte mil euros) de indemnização oficiosamente arbitrada, o qual foi admitido sem qualquer restrição pelo mesmo Tribunal.


O Ministério Público, na parecer emitido neste STJ, suscitou, no entanto, a questão prévia da sua rejeição parcial, por inadmissibilidade legal, no que tange às penas concretamente aplicadas não superiores a 5 nem a 8 anos de prisão e à indemnização arbitrada, nos termos das disposições conjugadas nos artigos 400º, n.ºs 1, als. e) e f), 2 e 3, 414º, n.º 3, 420º, n.º 1, al. b), e, 432º, n.º 1, al. b), todos do CPP e 629º, n.ºs 1 e 2, a contrario, e 671º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), convocando em abono da sua posição a jurisprudência uniforme e constante do STJ relativamente à designada “dupla conforme”, é dizer, a confirmação pelo tribunal da relação, ainda que in mellius e, no caso da al. e), mesmo que in pejus, se a pena aplicada não ultrapassar os 5 anos de prisão, da decisão condenatória do tribunal de primeira instância relativamente a penas e indemnizações que se contenham em tais medidas e circunstâncias4.


Como resulta do teor dos excertos supratranscritos das decisões condenatórias do JCC... e do TRG, o recorrente foi condenado nas seguintes penas e indemnizações:


a) 5 (cinco) anos de prisão por cada um dos 4 (quatro) crimes de violação, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 164º, n.º 2, al. a), e 177º, n.º 1, als. a) e b), do Código Penal (CP);


b) 6 (seis) meses de prisão por cada um dos 3 (três) crimes de importunação sexual descritos nos pontos 4 e 52 da matéria de facto provada, e 8 (oito) meses de prisão pelo crime de importunação sexual descrito no ponto 50 da matéria de facto provada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 170º e 177º, n.º 1, do CP;


c) Em cúmulo jurídico das referenciadas 8 penas parcelares, na pena única de 10 (dez) anos de prisão;


d) 20.000,00€ (vinte mil euros), nos termos das disposições conjugadas dos artigos 82.º-A do CPP e 16.º do Estatuto da Vítima, aprovado em anexo à Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro.


2. 1. 1. Como referido, a decisão do JCC... apesar da modificação não essencial do ponto 35 da matéria de facto provada, foi integralmente confirmada pelo TRG.


Concluiu-se, por isso, no parecer do Ministério Público, pela irrecorribilidade das penas parcelares aplicadas e indemnização arbitrada, por todas elas se situarem nos patamares e condições da irrecorribilidade estabelecidos no artigo 400º, n.ºs 1, als. e) e f), 2 e 3, do CPP e 629º, n.ºs 1 e 2, a contrario, e 671º, n.º 3, do CPC, irrecorribilidade que abrangeria não apenas a respetiva medida, mas também quaisquer outras questões de natureza jurídica às mesmas atinentes que no caso se pudessem colocar e, efetivamente, colocam no que concerne às questões das nulidades, inconstitucionalidades e vícios da decisão recorrida, outrossim aos princípios da presunção da inocência, do in dubio pro reo, da livre apreciação da prova e da culpabilidade.


Ora, como diz o Ministério Público, em face da atual redação das citadas normas processuais, as vigentes à data da prolação das decisões sob escrutínio, e tal como é jurisprudência uniforme do STJ e do TC, também acolhida doutrinalmente, tem-se por indiscutível a irrecorribilidade das referidas penas parcelares, seja quanto à sua medida, seja quanto à apreciação das demais questões suscitadas no recurso a elas direta e exclusivamente referidas, sem que daí, como também afirma essa orientação jurisprudencial e doutrinal, resulte qualquer violação das garantias de defesa do arguido, nomeadamente quanto ao direito ao recurso, que a CRP impõe, pelo menos (mas apenas) num grau, o suficiente para assegurar o duplo grau de jurisdição, em respeito pelos ditames dos seus artigos 18º, 20º e 32º, que consagram o direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva e as garantias do processo criminal, cuja restrição só é possível segundo o princípio da proporcionalidade, e correspondentes instrumentos de direito internacional a que Portugal se encontra vinculado, designadamente a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (CEDH – artigo 2.º do Protocolo n.º 7), a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE – artigo 48º) e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP - artigo 14.º, n.º 5).


Donde, sob o prisma penal, recorrível será unicamente, no caso em apreço, a pena única, a que o recorrente só se refere expressamente nas conclusões 61º e 65, em linha, de resto, com a correspondente motivação constante da parte final do ponto IV, a pp. 36 e 37, ainda assim, como sublinha o parecer do Ministério Público, sem mencionar o artigo 77º do CP e limitada à respetiva medida não concretizada, mas que se pode supor ser de redução proporcional à pedida para as penas parcelares, que foi para o mínimo legal, e outras questões que com a mesma pudessem contender, que aqui se não lobrigam5.


Talvez por isso e porque o recurso nele apreciado tinha por objeto também as questões agora suscitadas, fundamentadas em idêntica argumentação, muito sucinta quanto à pena única e como efeito da redução pedida relativamente às penas parcelares, como aqui ocorre, o acórdão recorrido se tenha debruçado sobre a pena única também de forma breve e residual, na sequência da apreciação e confirmação das penas parcelares, limitando-se a concluir que a mesma, tal como aquelas, não justificava qualquer intervenção corretiva do tribunal de recurso, por não ser contrária ou violar as regras da experiência nem a sua quantificação se mostrar desproporcionada, conforme pode ler-se a pp. 89, na parte final da apreciação e decisão das questões relativas às penas.


Termos em que, porque a admissão do recurso pelo tribunal recorrido não vincula o tribunal superior, se julga procedente a questão prévia da rejeição parcial do recurso em matéria penal, por inadmissibilidade legal, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 400º, n.º 1, als. e) e f), 414º, n.º 3, 420º, n.º 1, al. b), e 432º, n.º 1, al. b), do CPP, prosseguindo o seu conhecimento limitado às questões suscitadas relativamente à pena única resultante do cúmulo jurídico, que, no caso, se limitam à da respetiva medida concreta.


2. 1. 1. 1. Acresce que, conforme supra enunciadas, as questões suscitadas pelo recorrente no presente recurso, em matéria criminal, coincidem praticamente com as que havia suscitado no recurso interposto do acórdão da 1ª instância para o TRG e neste apreciadas e decididas no sentido da respetiva improcedência e da manutenção daquele primitivo acórdão, salvo quanto ao teor do ponto 35 da matéria de facto nos termos sobreditos, ou seja, expurgado de um segmento não essencial e de que não resultou qualquer alteração dos crimes imputados e pelos quais o arguido foi condenado, bem como dos seus efeitos criminais e civis.


Entre elas figura a da impugnação da matéria de facto, ainda que maquilhada (i) na violação dos princípios da livre apreciação da prova, do in dubio pro reo, da presunção da inocência e na inconstitucionalidade do acórdão, nos termos dos artigos 127º do CPP, 18º, 20º e 32º, n.º 2, da CRP, e (ii) na nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação e exame crítico das provas, omissão e excesso de pronúncia sobre a modalidade da culpa dolosa, forma de autoria/participação nos factos e sobre os crimes de importunação sexual, dupla valoração das circunstâncias agravantes das penas aplicáveis a estes crimes e aos de violação, nos termos conjugados dos artigos 205º da CRP, 97º, n.º 4, 163º, n.º 1, 374º, n.º 2, e 379º, n.º 1, als. a) e c), do CPP, e 14º e 177º, n.º 1, do CP, na insuficiência da matéria de facto provada para a decisão e errada qualificação jurídica dos factos, nos termos dos artigos 410º, n.º 2, al. a), do CPP e 164º, n.º 2, al, a), 170º e 177º do CP.


Ora, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 434º e 432º, n.º 1, al. b), do CPP, “o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º”, sendo que na al. b) deste preceito se prevê precisamente a hipótese de recurso como o presente, é dizer aquele interposto para o STJ “de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º”.


Hipótese, portanto, em que, ao contrário do que sucede nas suas alíneas a) e c), relativas, respetivamente, aos recursos interpostos para o STJ “de decisões das relações proferidas em 1ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º” e “de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º”, não se contempla como fundamento do recurso os vícios e nulidades referidas neste artigo 410º, n.ºs 2 e 3.


Assim sendo, também por esta via, apesar de ter sido admitido pelo TRG sem qualquer restrição, esta decisão não vincula o tribunal ad quem e o recurso teria de ser rejeitado nessa parte, por inadmissibilidade legal, nos termos das citadas disposições legais, conjugadas com o disposto nos artigos 414º, n.ºs 2 e 3, e 420º, n.º 1, al. b), do mesmo diploma legal, sem prejuízo, naturalmente, do seu conhecimento oficioso, se do texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, tais vícios e nulidades resultarem evidentes, o que, manifestamente, aqui não ocorre, nem diretamente, nem por, como alega o recorrente, o acórdão recorrido ter sufragado o acórdão da 1ª instância eivado desses vícios e nulidades, na medida em que no mesmo foram expressamente apreciadas e fundamentadamente julgadas improcedentes todas essas questões6.


É essa, de facto, a orientação uniforme e constante da jurisprudência do STJ, após a entrada em vigor da atual redação daqueles artigos 432º e 434º do CPP, introduzida pela Lei n.º 94/21, de 21.12, com início de vigência no dia 20 de março de 2022, antes, portanto, do início do julgamento em 1ª instância e, consequentemente, aqui aplicável, nos termos do artigo 5º, n.º s 1, e 2, a contrario, do CPP7.


Ainda assim diga-se que, como resulta cristalino do texto de qualquer dos acórdãos escrutinados, por si ou conjugados com as regras da experiência comum, não ocorre, in casu, qualquer nulidade ou vício da decisão, nomeadamente o da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, tão pouco se verificando neles a violação do princípio da livre apreciação da prova, nomeadamente por escrutínio indevido de provas periciais subtraídas à livre apreciação ou por desrespeito dos princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reo, o qual, relembra-se, “(…) como princípio atinente à apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicada pelo STJ dento dos seus limites de cognição, devendo por isso resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º n.º 28, tal como se decidiu no acórdão do STJ, de 25.10.2023, proferido no processo n.º 96/16.3T9ALD.C1.S1, relatado pelo Conselheiro Lopes da Mota, disponível no sítio https://www.dgsi.pt.


No caso em apreço não se verifica, assim, qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova convocado pelo recorrente, bastando para tanto ter em conta a fundamentação dos acórdãos recorrido e da 1ª instância por ele confirmado, nos quais, para além da indicação e identificação das provas consideradas, se procedeu ao seu exame crítico de modo objetivo e conjugado com as regras da experiência, numa cabal demonstração do iter racional percorrido na sua apreciação, valoração e contributo para a formação da convicção do tribunal, de molde a permitir o seu escrutínio externo pelos sujeitos processuais e pelos tribunais de recurso, sem que delas ressalte qualquer dúvida capaz de justificar a intervenção da “contra face” daquele princípio, é dizer o do in dubio pro reo, quanto a essa convicção, cuja violação poderia, na verdade, analisar-se também como vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410º, n.º 2, al. c), do CPP, como tem sido entendido pelo STJ9, mas que, repete-se, aqui não ocorre, porque plenamente respeitado o disposto no artigo 127º do CPP.


Acresce que no processo ou na decisão recorrida, bem como na por ela confirmada, também não se verifica qualquer nulidade da decisão ou do procedimento por violação de requisito de ato processual de que ela pudesse resultar, como seria a hipótese convocada pelo recorrente de violação do artigo 163º do CPP por divergência infundada com juízos periciais.


Termos em que improcedem as questões aqui em apreço, suscitadas nas diversas conclusões acima discriminadas e que o recorrente expressamente limitou às penas parcelares, com a consequente rejeição do recurso nessa parte.


2. 1. 2. Quanto ao montante indemnizatório arbitrado à ofendida, o TRG manteve a decisão condenatória correspondente proferida na 1ª instância, quanto à matéria de facto e aos seus fundamentos jurídicos, mantendo-o em € 20.000,00 (vinte mil euros), o que equivale à verificação da designada “dupla conforme” e se contém dentro da alçada dos tribunais da relação, fixada em € 30.000,00 pelo artigo 44º, n.º 1, da LOSJ, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26.08, o que, só por si, conduziria à inadmissibilidade também dessa parte do presente recurso, nos termos dos artigos 400º, n.º 2, do CPP e 629º, n.ºs 1 e 2, a contrario, do CPC.


Seja como for e independentemente da sua natureza verdadeiramente indemnizatória ou meramente reparadora ou compensadora e efeito da condenação pela prática dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual da ofendida, nenhuma dúvida oferece integrar-se a referida “dupla conforme” na previsão do artigo 671º, n.º 3, do CPC, conjugada com o disposto no artigo 400º, n.ºs 2 e 3, do CPP, e, em consequência, conduzir à inadmissibilidade do recurso (de revista) para o STJ.


Como, aliás, sucederia se ela se traduzisse numa “dupla conformein mellius, conforme se sustenta no parecer do Ministério Público e na doutrina e jurisprudência nele indicada e aqui referenciada.


Essa é, de facto, a orientação predominante, se não mesmo uniforme da jurisprudência do STJ, como pode ver-se também no acórdão de 17.11.2020, proferido no processo n.º 9128/18.4T8SNT.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Fernando Samões, disponível em https://www.dgsi.pt/jsts.nsf/, com o seguinte sumário publicado: «I - A verificação da dupla conforme impede a admissão do recurso de revista normal, nos termos do art. 671.º, n.º 3, do CPC. II - É de equiparar à dupla conforme os casos em que o acórdão recorrido, não sendo inteiramente coincidente com a decisão da 1.ª instância, divirja dela em sentido mais favorável ao recorrente. III - Não sendo admissível a revista, não haverá lugar à apreciação da eventual existência de erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, nos termos do art. 674.º, n.º 3, do CPC, por este não constituir um fundamento autónomo de admissibilidade da revista. IV - Não é inconstitucional o art. 671.º, n.º 3, do CPC na interpretação segundo a qual a verificação da dupla conforme impede a revista normal»10.


Também assim a doutrina, podendo ver-se, por todos, António Santos Abrantes Geraldes, na esteira de Teixeira de Sousa, em Recursos em Processo Civil, ponto 13 da secção correspondente, pp. 434 e ss, 7ª Edição Atualizada, Almedina, 2022, com vasta resenha jurisprudencial e doutrinal no mesmo sentido11.


Orientação a que, por isso, se adere e se tem por aplicável no caso em apreço, e em consequência conduz, também e inevitavelmente, à rejeição do recurso nesta parte (conclusões 8’ª a 84ª e 85ª quanto às normas jurídicas consideradas violadas pelo recorrente), por inadmissibilidade legal, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 671º, n.º 3, do CPC e 400º, n.ºs 2 e 3, 414º, n.º 3, e 420º, n.º 1, al. b), e 432º, n.º 1, al. b), do CPP, quedando-se, por conseguinte, a apreciação do recurso sub judice à questão da medida da pena única de 10 (dez) anos de prisão em que o recorrente foi condenado.


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2.2. Medida da pena única de prisão aplicada [conclusões 61ª, 65ª e 66ª].


Como resulta das transcritas conclusões, o recorrente discorda da medida da pena única que lhe foi aplicada, considerando-a excessiva e inadequada, pugnando pela sua redução, em consequência da redução para o mínimo legal que também pediu para as penas parcelares de prisão, à luz dos artigos 40º, 70º e 71º do CP,


Para sustentar tal entendimento e pretensão, convoca as circunstâncias que entende serem-lhe favoráveis e não suficientemente valoradas no acórdão recorrido, como a sua imagem positiva no meio sociocomunitário em que estava inserido, o prejuízo para a sua reinserção social, escopo primeiro da prevenção especial enquanto relevante finalidade das penas, a par da de proteção de bens jurídicos visada pela prevenção geral, além de se constituir ou ser percecionada como um verdadeiro castigo pelo seu núcleo familiar, em particular o pai, pessoa de idade avançada e, por isso, em risco de já não conseguir revê-lo em liberdade, não ter antecedentes por crimes da mesma natureza e estar social e laboralmente inserido.


2. 2. 1. Antes de prosseguir, importa relembrar que, face à rejeição parcial do recurso relativamente às penas parcelares aplicadas pela prática dos 4 crimes de violação e dos 4 crimes de importunação sexual, além da limitação deste segmento do recurso à pena única, fixada no acórdão recorrido, por confirmação do acórdão da 1ª instância, em 10 (dez) anos de prisão, a moldura abstrata a considerar, nos termos dos artigos 164º, n.º 2, al. a), 170º, 177º, n.º 1, e 77º, n.º 2, do CP, é a considerada no acórdão recorrido, ou seja, a pena de 5 (cinco) a 22 (vinte e dois) anos e 2 (dois) meses de prisão.


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É hoje consensual a ideia de que a determinação concreta da pena não está dependente de qualquer exercício discricionário ou “arte de julgar” do juiz, não se compadece com o recurso a critérios de índole aritmética, nem almeja uma “precisão matemática”, antes reclama a ponderação e valoração das finalidades de prevenção das penas e dos critérios da sua escolha e dosimetria, sempre por referência à culpa do agente, como seu necessário pressuposto e limite inultrapassável, em conformidade com o disposto nos artigos 40º, 70º e 71º do CP, no que às penas singulares concerne, ao que acresce, quanto à pena única, conjunta, resultante do cúmulo jurídico das penas fixadas para os crimes em concurso, um critério peculiar estabelecido no seu artigo 77º, n.º 1, in fine, qual seja, o da consideração, “em conjunto, (d)os factos e (d)a personalidade do agente12.


Conforme, aliás, constitui jurisprudência constante do STJ e pode ver-se do seguinte trecho extraído do acórdão de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, disponível no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, que aqui se segue de perto, «A determinação da pena envolve diversos tipos de operações, resultando do preceituado no artigo 40.º do Código Penal que as finalidades das penas se reconduzem à proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).


Hoje não se aceita que o procedimento de determinação da pena seja atribuído à discricionariedade não vinculada do juiz ou à sua “arte de julgar”. No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com critérios legais, ou seja, de forma juridicamente vinculada, o que se traduz numa autêntica aplicação do direito (cf., com interesse, Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pp. 194 e seguintes).


Tal não significa que, dentro dos parâmetros definidos pela culpa e pela forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, se chegue com precisão matemática à determinação de um quantum exato de pena.


Estabelece o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro da moldura legal, é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». O n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, relevantes para a medida concreta da pena, pela via da culpa e/ou pela da prevenção, dispondo o n.º 3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjetiva no artigo 375.º, n.º 1, do C.P.P., ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.


Estando em causa a determinação da medida concreta da pena conjunta do concurso, aos critérios gerais contidos no artigo 71.º, n.º 1, acresce um critério especial fixado no artigo 77.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código Penal: “serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.


Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso.


Refere Cristina Líbano Monteiro (A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166) que o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.


Como se diz no acórdão do STJ, de 31.03.2011, proferido no Processo 169/09.9SYLSB.S1, a pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.».


*


À luz de tais considerações, importa verificar a fundamentação do acórdão recorrido e do por ele confirmado a este propósito e se dela emerge ou não alguma dúvida sobre a sua observância, devendo, em caso negativo e em princípio, o tribunal de recurso abster-se de qualquer modificação, pois como nele se afirma e tem sido jurisprudência constante do STJ “Sendo os recursos remédios jurídicos, mantendo o arquétipo de recurso-remédio também em matéria de pena, a sindicabilidade da medida da pena abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada13.


No que aqui releva, essa fundamentação foi do seguinte teor (transcrição parcial sem notas de rodapé):


«(…) Escolha e medida das penas.


Face ao disposto no artigo 71º nº 1 do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.


Sendo que por força do seu nº 2 na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:


a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;


b) A intensidade do dolo ou da negligência:


c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;


d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;


e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;


f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.


(…)».


Prosseguindo, após pertinentes e desenvolvidas referências doutrinais e jurisprudenciais.


«(…) Há agora que apreciar a escolha e a medida das penas aplicadas pelo tribunal “a quo”.


O tribunal na determinação da medida concreta das penas, considerou o seguinte: “O grau de ilicitude dos factos é muito elevado, tendo em conta o número de actos praticados num lapso de tempo muito curto. O arguido explorou a doença da filha – que sofria há anos de depressão major, o que ele bem sabia, aproveitando-se da sua fragilidade emocional e vulnerabilidade para satisfazer os seus impulsos sexuais. Sublinha-se, ainda, que a vítima é sua filha, pelo que mais censurável se torna a conduta do arguido que se aproveitou da confiança que aquela nele depositava, achando que existia uma proximidade de relacionamento que na verdade não existia por banda do arguido, seu pai, não tendo essa circunstância feito o arguido reflectir e reverter a sua conduta, não obstante esta, sistematicamente, lhe chamar a atenção para esse facto. E, no prisma da vítima, estes comportamentos do arguido têm consequências devastadoras, profundamente perturbadoras e indeléveis, agravando, evidentemente, a sua frágil condição de saúde mental, pessoa especialmente vulnerável.


O dolo do arguido, que reveste a forma de dolo directo cuja intensidade, se revela muito elevada, revelando o arguido total indiferença e insensibilidade para com o sofrimento da filha, não se coibindo o arguido de explorar essa circunstância para concretizar o seu desígnio criminoso, agindo com o fim, censurável, de satisfazer a sua lascívia e os seus desejos sexuais com a filha, fazendo-o de forma profundamente manipuladora e violenta. O arguido – talvez porque a filha não cresceu consigo, mas mais próximo da mãe - não sentia a filiação como barreira, não se coibindo de lhe dizer que “um homem tem necessidades, que já não tem mulher há muito tempo”, criticando-a por estar a chamar a atenção para o facto de ser sua filha, resolvendo o arguido, numa das situações colocar uma almofada na cara ou que não custava nada, que ficasse a olhar para o telemóvel, assim, coisificando-a em absoluto. Fazia uma tremenda chantagem emocional com a filha (“não faças isto parecer uma violação”). Por outro lado, impõe-se salientar que a vítima é, assumidamente, homossexual (o que era sabido pelo arguido) o que, naturalmente, empresta ainda maior sofrimento por parte da vítima perante estes actos praticados pelo pai.


Além disso, foi bem claro que o arguido não interiorizou a gravidade da sua conduta, não fez uma análise crítica do sucedido, não percebeu que o que fez é muitíssimo grave, imputando tudo isto ao desequilíbrio da filha, que inventou tudo.


Antes apresenta um discurso profundamente autocentrado, mais preocupado com as consequências destes factos para si próprio. Mas não apresentou qualquer sentimento que se possa aparentar com um arrependimento sincero e de reflexão séria sobre o que fez e sobre as consequências da sua actuação na filha.


Relativamente aos crimes de importunação, entendemos que para além de tudo o que já se disse, que a matéria descrita no facto 50. reveste mais gravidade que as situações vertidas em 4., razão pela qual a pena será ligeiramente superior.


Por outro lado, tem antecedentes criminais, pela prática do crime de violência doméstica, sendo vítimas sua companheira e filho menor.


As condições pessoais do arguido e a sua situação económica que resultaram provadas e que aqui se dão por reproduzidas. Em suma, dir-se-á que o arguido está inserido familiar e socialmente, trabalha (ou melhor, trabalhava antes de ser preso, para cumprimento da referida pena de prisão).


Por último, há que ponderar as exigências de prevenção, sendo que as de prevenção especial, revelam-se de grau muito elevado, tendo em conta a natureza e gravidade dos actos praticados e os traços da personalidade evidenciados pelo arguido; e as de prevenção geral, são prementes, atenta a objectiva gravidade jurídica do tipo de crime praticado e a necessidade de defesa da sociedade perante este tipo de ilícito, que coloca em causa a liberdade sexual, existindo um sentimento de grande repugnância social pelos indivíduos que cometem tal tipo de actos”.


Concorda-se na generalidade com tal entendimento.


O crime de violação praticado com violência e sendo a pessoa ofendida descendente do agressor, é punível com pena entre quatro anos e treze anos e quatro meses de prisão.


O tribunal “a quo” aplicou por cada um dos quatro crimes de violação a pena de cinco anos, ou seja muito perto do limite mínimo abstracto.


Não se pode assim certamente dizer que essas penas são desproporcionais por excessivas.


O mesmo sucede relativamente aos quatro crimes de importunação sexual, aos quais não é naturalmente de aplicar uma pena de multa, quer fosse a título principal, quer fosse como pena de substituição, face às elevadíssimas exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, a demandar a aplicação de uma pena de prisão.


Relativamente a este tipo de crime na forma agravada, por força do disposto no artigo 177º nº 1 do Código Penal, que como se referiu agrava de um terço os limites mínimos e máximo da pena abstratamente aplicável, leva a que a pena de prisão varie entre 40 dias a um ano e quatro meses de prisão.


O tribunal “a quo” aplicou ao arguido seis meses de prisão por cada um de três crimes de importunação sexual agravada e oito meses de prisão no quarto crime, em que a conduta do arguido se deu indiferente ao facto de a namorada da sua filha estar temporariamente a viver na sua casa e vir a presenciar o seu comportamento.


Essas penas parcelares também não se mostram excessivas nem desproporcionais, antes correspondem à medida da culpa do arguido.


Acresce que no que concerne à controlabilidade da pena em sede de recurso concorda-se com Figueiredo Dias, no que é acompanhado pela generalidade da jurisprudência, quando defende “a sindicância recursória deverá reservar-se para as hipóteses em que tiveram sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”, o que não é certamente o caso em apreço, quer no que respeita às penas parcelares, quer à pena única, resultante do cúmulo jurídico efetuado.(…)».


Sufragou, portanto, sem qualquer intervenção corretiva as penas, parcelares e única, fixadas na decisão da 1ª instância e respetivos fundamentos, decisão na qual, quanto à pena única, se consignou o seguinte:


«(…) Determinada a pena concreta de cada um dos crimes, cumpre determinar agora a moldura do concurso atendendo ao critério estabelecido no artigo 77.º, n.º2, do Código Penal, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretas aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão, como é o caso, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.


Assim, a pena aplicável tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – in casu, cinco anos e como limite máximo 22 anos e dois meses de prisão, a soma das parcelares encontradas.


Será dentro destes limites que será determinada a medida da pena atendendo, em conjunto, aos factos e à personalidade do agente (artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal).


O legislador consagrou expressamente que o tribunal deve levar em consideração, o conjunto dos factos e a personalidade do agente, na fixação da pena que resultará da apreciação da respectiva conduta abrangendo todo o espaço temporal e factos que o mesmo definiu como tal, no aludido normativo.


Vem-se entendendo que, com tal asserção, se deve ter em conta, no dizer de Figueiredo Dias, “a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão, e o tipo de conexão, que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).” (in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 291).


Em síntese, operando o cúmulo jurídico, de harmonia com o disposto no artigo 77º do Código Penal, tendo em consideração todos os factores acima elencados, que aqui se dão por reproduzidos, por economia, com particular incidência nos seguintes aspectos:


Na gravidade dos factos praticados, na vítima concreta, que para além de ser sua filha é uma jovem especialmente vulnerável, em razão da sua doença de saúde mental aproveitando-se dessa fragilidade (então e agora, quando tenta fazer crer que tudo isto não passa da imaginação fértil da filha, que é uma mentirosa);


Nos antecedentes criminais do arguido (que não estando em causa, exactamente, o bem jurídico, mas considerando a multiplicidade de bens jurídicos protegidos pela violência doméstica - que inclui a violência sexual, como é sabido, mas em qualquer caso a demonstrada falta de respeito e empatia do arguido para com sua família, mormente, para com os seus filhos) e, em qualquer caso, reveladores da personalidade do arguido;


Na total falta de arrependimento demonstrados por um lado e, por outro, assumindo um discurso perfeitamente autocentrado e sem qualquer reflexão sobre o desvalor da sua conduta (aliás, no gravíssimo contexto dos factos, o arguido ainda consegue dizer que não foi afectada a sua liberdade de sexual com o argumento de que se ela continuou a ter relações sexuais com a namorada então é porque nada do que aconteceu constrangeu ou contendeu com a sua liberdade de decisão. Nada de mais falso: só não percebe quem não quer perceber – pareceu-nos evidente que a presença da namorada a BB fez com que sentisse alguma protecção (e ainda assim, assistiu aos factos provados em 52. e com o pai a dizer-lhe que logo que ela se fosse embora voltariam a ter relações sexuais). Neste contexto, fugiu de casa, e foi hospitalizada, por ingestão excessiva de medicamentos. E mais, se bem se ouvir o que disse a testemunhas CC, a relação delas não sobreviveu ao trauma vivido pela BB.


Finalmente, a elevada ilicitude e danosidade social da sua conduta considerada nos crimes em concurso, as exigências de prevenção especial e geral assinaladas entende-se adequada a pena única de dez anos de prisão.


(…)»


*


Dos excertos transcritos resulta indubitável o bem fundado do acórdão recorrido quanto à medida da pena única fixada e aqui em apreço14, mantendo-a nos 10 (dez) anos de prisão, talqualmente decretada na 1ª instância, 5 (cinco) anos acima do limite mínimo da sua moldura abstrata ou legal, num remanescente de 17 (dezassete) anos e 2 (dois) meses, é dizer, aquém do 1/3 desse intervalo.


Acresce que, como se referiu, o recorrente impugnou a pena única, considerando-a excessiva e desproporcional, essencialmente em função da sua pretensão redutora das penas parcelares para o mínimo legal, que não mereceu acolhimento das instâncias.


Sintomático dessa impugnação derivada é a ausência de qualquer alusão, na motivação e conclusões do recurso, ao artigo 77º do CP, que, recorde-se, estabelece um critério específico a acrescer aos do artigo 71º para determinação da pena conjunta resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares.


Por isso que a argumentação do recorrente, centrada no efeito prejudicial da pena única de 10 anos na sua ressocialização, seja em função da idade, superior a 40 anos, seja na privação do normal convívio familiar, em particular com o pai, para quem o cumprimento daquela se traduzirá num penoso sacrifício, não logra contrariar ou sequer beliscar os fundamentos aduzidos pelas instâncias quanto à fixação da pena única naquele patamar.


Antes de mais, tenha-se em atenção que o cumprimento de uma pena de prisão, além das exigências de prevenção geral que a justifiquem e, neste caso, elas são indubitavelmente elevadas, pela própria natureza dos crimes de violação em apreço, integrados na criminalidade especialmente violenta, conforme decorre do artigo 1º, als, j) e l), do CPP, conjugado com o artigo 164º, n.º 2, al. a), do CP, e geradores de fortes e genuínos sentimentos de repulsa e insegurança comunitária, que não mero resultado de empolamento mediático, a demandar a reposição e reforço da confiança na validade das normas violadas e do próprio funcionamento do sistema de justiça, também concorre ou deve concorrer para a realização daqueloutra finalidade preventiva especial das penas, direcionada para o próprio agente do crime, no sentido de contribuir para a sua ressocialização.


Claro que esse contributo, quantas vezes decisivo, só pode lograr êxito se e quando o sistema legal, incluindo o prisional, estiver organizado, apetrechado e empenhado nesse sentido, como, apesar de algumas insuficiências do conhecimento geral, designadamente a sobrelotação, se reconhece ao sistema português, pelas muitas e variadas possibilidades proporcionadas aos reclusos no sentido da frequência de atividades formativas, académicas, profissionais e sociais, incluindo no domínio da violência contra as mulheres, aptas a, em articulação com as medidas de flexibilização de execução das penas, permitir uma efetiva ressocialização, assim o pretendam os destinatários, aderindo e aproveitando convictamente essas oportunidades e o apoio familiar e social de que possam beneficiar, como no caso ocorre.


Por isso que, perante as circunstâncias concretas em que ocorreram os crimes pelos quais foi condenado, devidamente sopesadas no acórdão condenatório e naquele do TRG que o confirmou, o dolo direto com que o arguido atuou, a insensibilidade e indiferença demonstradas face à oposição e sofrimento clara e inequivocamente manifestados pela ofendida, sua filha e menor de idade, que usou sem escrúpulos ou constrangimentos de qualquer ordem como puro objeto de satisfação dos seus impulsos e desejos sexuais, sem que, até agora, tenha manifestado quaisquer sentimentos de culpa e arrependimento, evidenciando falta de consciencialização e interiorização do desvalor da sua conduta e da necessidade de reorientar a sua vida em conformidade com os valores normativos e comunitários vigentes, é forçoso concluir também, em razão da ilicitude global dos factos e da sua personalidade, pela verificação de muito elevadas necessidades de prevenção especial, cuja superação só pode alcançar-se mediante o efetivo cumprimento de uma significativa punição e em regime de reclusão, de cuja execução é legítimo esperar aquele efeito regenerador.


A tanto não obstam as circunstâncias convocadas pelo recorrente em seu favor e que, embora sem lhes ter sido concedido especial relevo atenuativo, pois todas elas já existiam à data dos factos e não constituíram obstáculo ao seu cometimento, designadamente a inserção social, laboral e familiar ou a ausência de antecedentes criminais por crimes da mesma natureza, embora, como se sublinha no acórdão condenatório, estar em cumprimento de pena de prisão por crime de violência doméstica, cujo âmbito de proteção abrange também a violência sexual.


Tanto mais quanto é certo que o arguido só interrompeu a sua atuação criminosa por circunstâncias alheias à sua vontade, pois, não fora a fuga e hospitalização da vítima, se preparava para lhe dar continuidade, como revela o crime de importunação sexual pelo qual também foi condenado praticado na presença da companheira da filha.


Tudo, por conseguinte, revelador de uma personalidade centrada em si mesmo e indiferente à dignidade do outro, no caso da sua filha, ainda criança e doente, acompanhada em consulta de pedopsiquiatria, que nele confiou e procurou refúgio, tratando-a e usando-a como objeto de realização dos seus desejos sexuais, indiferente ao seu manifesto desvalor


Assim, a pena única de 10 anos de prisão aplicada ao arguido, resultante do cúmulo jurídico de quatro penas de cinco anos de prisão, três penas de seis meses de prisão e uma de 8 meses de prisão, não peca por excesso, antes se mostrando necessária, justa, adequada e proporcional às necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, sem ultrapassar a sua culpa, e fixada de harmonia com os critérios estabelecidos nos artigos 71º e 77º do CP,


Razões que, na consideração do acima referido princípio de abstenção corretiva do quantum da pena pelo tribunal de recurso, determinam a sua manutenção, sob pena de postergação da proteção dos bens jurídicos que com as incriminações se pretendem acautelar, os da liberdade e autodeterminação sexual, valores supremos de um Estado de direito, fundado na dignidade e na inviolabilidade da pessoa humana, constitucional e legalmente consagrado, que aqui foi alvo de concentrado, mas plúrimo, atentado.


Mostrando-se, além disso, dentro da bitola do STJ para situação similares, sem prejuízo das naturais e inevitáveis diferenças de cada caso15.


*


Termos em que, sem necessidade de quaisquer outras considerações, improcede também esta pretensão recursiva.


IV. Decisão


Em face do exposto, acorda-se em:


a) Rejeitar parcialmente o recurso interposto pelo arguido AA, quanto às penas parcelares aplicadas pela prática dos 4 crimes de violação e dos 4 crimes de importunação sexual, e demais questões suscitadas no recurso a elas direta e exclusivamente respeitantes, outrossim quanto à indemnização oficiosamente arbitrada à ofendida, por inadmissibilidade legal, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 400º, n.ºs 1, als. e) e f), 2 e 3, 414º, n.º 3, 420º, n.º 1, al. b), e 432º, n.º 1, al. b), todos do CPP e 629º, n.ºs 1 e 2, a contrario, e 671º, n.º 3, do CPC.


b) Negar provimento ao recurso quanto às demais questões suscitadas pelo arguido e manter o acórdão recorrido.


c) Condenar o recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 7 (sete) UC (cfr. artigos 513º do CPP e 8º, n.º 9, do RCP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02 e Tabela III anexa), ressalvado eventual benefício de apoio judiciário.


Lisboa, d. s. c.


(Processado pelo relator e integralmente revisto e assinado digitalmente pelos subscritores)


João Rato (Relator)


Jorge Bravo (1º adjunto)


Albertina Pereira (2ª adjunta)





____________________________________________

1. Cfr. artigo 412º do Código de Processo Penal (CPP) e, na doutrina e jurisprudência, as correspondentes anotações de Pereira Madeira, in Código de Processo Penal Comentado, de António Henriques Gaspar et al., 2021 - 3ª Edição Revista, Almedina.

Tudo sem prejuízo, naturalmente, da necessária correlação e interdependência entre o corpo da motivação e as respetivas conclusões, não podendo nestas acrescentar-se o que não encontre arrimo naquele e sendo irrelevante e insuscetível de apreciação e decisão pelo tribunal de recurso qualquer questão aflorada no primeiro sem manifestação nas segundas, não podendo igualmente, salvo as de conhecimento oficioso, conhecer-se de questões novas não colocadas nem consideradas na decisão recorrida, como se afirmou no acórdão deste STJ, de 23.11.2023, proferido no processo n.º 687/23.6YRLSB.S1, relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, disponível no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.↩︎

2. Considerando a regra da precedência lógica decorrente da aplicação conjugada dos artigos 368º e 369º do CPP, aqui aplicáveis por remissão do seu artigo 424º, nº 2, a qual, de resto, poderá justificar também a reordenação das questões a) a c) suscitadas pelo recorrente, se delas for possível conhecer.↩︎

3. Redação dada resultante da intervenção corretiva do acórdão recorrido, que determinou, além disso, ficasse como não provado o segmento “se tivesse debatido através de movimentos repetidos dos braços e das pernas”, que constava deste ponto no acórdão da 1ª instância, cuja versão integral era a seguinte: ”Os gestos descritos no ponto anterior foram realizados de forma tão repentina e brusca que BB, ainda que se tivesse debatido através de movimentos repetidos dos braços e das pernas, não conseguiu impedir a penetração”↩︎

4. Sobre o assunto e em sentido concordante com a posição sustentada no parecer do Ministério Público em sede penal e cível, embora crítico quanto à consagração legal do critério da pena concreta (aplicada) em detrimento da pena abstrata (aplicável), pode ver-se a anotação de Pereira Madeira ao artigo 400º do CPP, in ob. e loc. cit., assim como a resenha jurisprudencial, do Tribunal Constitucional (TC) e do STJ, nela incluída, de que ali também se dá conta.

E, ainda, para além dos muitos indicados no parecer do Ministério Público, os acórdãos do STJ, de 14.10.2021, proferido no processo n.º 255/19.7GAVFX.L1.S1, relatado pelo Conselheiro António Gama, de 17.05.2023, proferido no processo n.º 333/14.9TELSB.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Pedro Branquinho Dias, e de 29.02.2024, proferido no processo n.º 864/20.1JABRG.G1.S1, relatado pelo Conselheiro Agostinho Torres, todos disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.↩︎

5. Ilação que, como se afirmou no acórdão do STJ, de 31.01.2024, proferido no processo n.º 2540/22.1JAPRT.P1.S1, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, de que foi relator o do presente, com referências doutrinárias e jurisprudenciais no mesmo sentido, não poderia prejudicar o dever de retirar da eventual procedência de idênticas questões relativas à pena única recorrível as consequências legalmente impostas quanto às restantes penas aplicadas, numa interpretação aplicativa extensiva, que se tem por necessária, adequada e sem oposição da orientação afirmada no corpo texto, do disposto no artigo 403º, n.º 3, conjugado com o disposto no artigo 402º, do CPP.↩︎

6. A propósito do conhecimento oficioso destes vícios e nulidades e em sintonia com o afirmado no texto, vejam-se Pereira Madeira e Oliveira Mendes em anotação aos artigos 432º e ss. e 410º e 379º do CPP, respetivamente, no Código de Processo Penal Comentado, de Henriques Gaspar [et al.], 3ª Edição Revista, Almedina 2021.↩︎

7. Cfr., entre outros, os acórdãos, de 1.03.2023, 9.03.2023, 11.08.2023 e 15.02.2024, que referencia os três anteriores, cujos relatores são, respetivamente, os Conselheiros Ernesto Vaz Pereira, Helena Moniz, Pedro Branquinho Dias e o do presente, proferidos nos processos n.ºs 589/15.0JABRG.G2.S1, 1368/20.8JABRG.G1.S1, 31/21.7JGLSB.L1.S1 e 135/22.9JAFUN.L1.S1, assim como o antes referenciado, de 29.02.2024, relatado pelo Conselheiro Agostinho Torres, todos disponíveis em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.

No mesmo sentido e em geral sobre as implicações, em matéria de recursos, decorrentes da Lei n.º 94/2021, de 21.12, veja-se Nuno A. Gonçalves, Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, in Alterações ao regime do recurso ordinário, no n.º 1 de “A Revista do Supremo Tribunal de Justiça, acessível em https://arevista.stj.pt/?page_id=624.↩︎

8. Conforme se afirma no citado acórdão do STJ, de 11.08.2023, proferido no processo n.º 31/21.7JGLSB.L1.S1, relatado pelo Conselheiro. Pedro Branquinho Dias, aderindo e citando o acórdão referenciado no texto.↩︎

9. V.g., acórdãos de 30.10.2001 e 2.05.2002, proferidos nos processos n.ºs P2630 e 611/02, respetivamente, relatados pelo Conselheiro Armando Leandro, disponíveis em Sumários dos ACSTJ, no sítio https://www.juris.stj.pt, e de 16.03.2022, proferido no processo n.º 150/11.8JAAVR.P2.S1, relatado pela Conselheira Conceição Gomes, disponível no mesmo sítio e também no https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/,↩︎

10. Entendimento também acolhido nas secções criminais, como pode ver-se, por todos, no acórdão de 27.01.2022, proferido no processo n.º 1167/15.9T9GRD.C1.S1, relatado pela Conselheira Adelaide Sequeira, disponível no mesmo sítio.↩︎

11. No mesmo sentido, pode ainda ver-se a Conselheira Helena Moniz, em A autonomia dos recursos em processo penal (a revista excecional e outros institutos do processo civil), no ponto 4 intitulado A aplicação das regras processuais civis ao processo penal aquando do recurso do pedido de indemnização civil enxertado no processo penal, no n.º 1 de “A Revista” do Supremo Tribunal de Justiça acima referenciado.↩︎

12. Para maiores desenvolvimentos, pode ver-se Adelino Robalo Cordeiro, in “A Determinação da Pena”, Jornadas de Direito Criminal – Revisão do Código Penal – Alterações ao Sistema Sancionatório e Parte Especial, Volume II, Centro de Estudos Judiciários , Lisboa 1998, a pp. 30 a 54, na esteira de Figueiredo Dias, em Direito Penal 2, Parte Geral – As consequências Jurídicas do Crime.↩︎

13. Conforme ponto IV do sumário publicado do acórdão de 8.11.2023, proferido no processo n.º 808/21.3PCOER.L1.S1, relatado Pela Conselheira Ana Barata Brito, sem prejuízo, naturalmente, da amplitude sindicante dos tribunais de recurso, quando, ainda assim, concluam pela injustiça da pena, por desproporcional ou desnecessidade, como se afirmou, v. g., no acórdão do STJ, de 14.06.2007, proferido no processo n.º 07P1895, relatado pelo Conselheiro Simas Santos, ambos disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.↩︎

14. Ainda que por remissão parcial para a decisão da 1ª instância, que sufragou integralmente neste âmbito.↩︎

15. Ver, por todos, o acórdão do STJ, de 4.04.2016, proferido no processo n.º 325/14.8JABRG.G1.S1, relatado pela Conselheira Helena Moniz, cuja pena se fixou também em 10 anos, disponível no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.↩︎