Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3002/19.0T8MAI.P1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DUPLA CONFORME
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
COMISSÕES
USOS LABORAIS
ERRO
Data do Acordão: 05/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO E NEGADA A REVISTA
Sumário :
I- A conformidade decisória que caracteriza a dupla conforme impeditiva da admissibilidade da revista é apreciada separadamente, para cada segmento decisório autónomo e cindível em que a pretensão global se encontra decomposta, como é o caso do decidido no tocante aos subsídios de férias e de Natal e à reconvenção.

II- As comissões são contrapartida do trabalho, mas não contrapartida do modo específico da prestação de trabalho, não integrando, por isso, por imperativo legal, o subsídio de férias.

III- Portém, o regime legal desta matéria não tem natureza imperativa

IV- Tendo as partes convencionado no contrato de trabalho, celebrado em 2001, que o A. receberia, para além da retribuição base, uma comissão anual de 10%, a ser paga em onze meses e meio e “por conta em cada mês”, com acerto final de contas ao fim de cada ano, mas tendo a Ré, desde então e até 2017, pago ao A. o subsídio de férias, nele integrando a média das comissões auferidas nos 12 meses anteriores, tal constitui uma prática reiterada da Ré que consubstancia um uso laboral, assim se integrando no respetivo contrato individual de trabalho.

Decisão Texto Integral:

Revista n.o 3002/19.0T8MAI.P1.S1


MBM/JG/RP


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I.


1. AA intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra FUCHS LUBRIFICANTES, UNIPESSOAL, LDA, pedindo a condenação desta:


a) A reconhecer que o Autor tem direito a que os subsídios de férias e de Natal sejam calculados tendo por referência a retribuição mensal fixa e, ainda, a média das retribuições mensais variáveis auferidas pelo Autor ao abrigo do contrato de trabalho e do “plano de comissões” que dele faz parte, nos doze meses imediatamente anteriores aos do processamento e pagamento dos referidos subsídios.


b) A pagar ao A. as quantias de: (i) 3.906,02 €, correspondente ao valor ilicitamente descontado pela R. nas retribuições do A. relativas aos meses de fevereiro, março, abril e maio de 2018, acrescida de juros de mora; (ii) 1.616,67 €, a título de subsídio de férias – parte correspondente à média das retribuições mensais variáveis auferidas pelo A. nos doze meses imediatamente anteriores referente ao ano de 2018, acrescida de juros de mora, desde 26.11.2018 e até integral pagamento; (iii) 780,23 €, a título de subsídio de férias de 2019 – parte correspondente à média das retribuições mensais variáveis do A. nos doze meses imediatamente anteriores – acrescida de juros de mora, desde 31.07.2019 e até integral pagamento; (iv) 1.434,72 €, a título de subsídio de Natal – parte correspondente à média das retribuições mensais variáveis auferidas pelo A. nos doze meses imediatamente anteriores – referente ao ano de 2018, acrescida de juros de mora.


c) A pagar ao A., nos termos referidos em a), o subsídio de Natal referente ao corrente ano de 2019, e, deste ano em diante, até ao final do contrato de trabalho, todos os subsídios de férias e de Natal.


2. A R. contestou, alegando, fundamentalmente, que : na altura em que o A. foi contratado, com ele foi acordado um plano de comissões, vigente na empresa, segundo o qual a comissão a receber era de 10% sobre a margem bruta realizada em cada ano; a R., em vez de cumprir o que tinha sido acordado, pagou ao A. comissões no subsídio de férias e de Natal, o que totalizava uma comissão anual de 11,66%, situação que foi detetado numa auditoria em 2017; a R., como é seu direito, quis corrigir a situação de acordo com o que tinha sido acordado e praticado, com o que o A. não concordou.


Deduziu ainda pedido reconvencional, peticionando a condenação do A. no pagamento da quantia total de 55.821,62 €, acrescida de juros desde a notificação, referente aos valores pagos a mais pela R. ao A. no apuramento da comissão anual e acerto final a pagar nos anos de 2002 a 2016, em que não foram tidos em consideração os valores de adiantamento por conta de comissões pagos nos subsídios de férias e de Natal constantes dos recibos de vencimento correspondentes.


3. A 1.a Instância julgou procedente os pedidos relativos aos subsídios de Natal e à devolução dos valores descontados e improcedentes os pedidos relativos ao subsídio de férias, bem como a reconvenção.


4. Julgando improcedente o recurso de apelação interposto pela R. e procedente o recurso subordinado interposto pelo A., o Tribunal da Relação do Porto (TRP) condenou ainda a R. nos pedidos relativos ao subsídio de férias, que julgou procedentes (no mais confirmando a sentença, sendo certo que quanto à condenação na devolução dos valores descontados não tinha havido recurso).


4. A R. interpôs recurso de revista.


5. Nas contra-alegações, o A. invocou a existência de dupla conforme parcial.


6. Por despacho do relator, entendendo-se haver dupla conforme nessa parte, foi decidido não se conhecer do objeto do recurso quanto às questões relativas aos subsídios de Natal e ao pedido reconvencional, admitindo-se a revista apenas quanto ao peticionado em matéria de subsídio de férias.


7. Inconformada, a R. reclamou deste despacho, reclamação que é conhecida no presente acórdão, nos termos do art. 652o, no 4, do CPC.1


8. O Exmo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, em douto parecer a que apenas respondeu a R., em linha com o antes sustentado nos autos.


9. Para além da reclamação da R. (cfr. supra no 7), a única questão a decidir consiste em determinar se o A. tem direito a que o subsídio de férias seja calculado tendo por referência (para além da retribuição mensal fixa) a média das retribuições mensais variáveis (comissões) auferidas nos dozes meses imediatamente anteriores ao do processamento e pagamento desse subsídio e, consequentemente, aos valores em que (neste âmbito) a R. foi condenada pelo TRP.


Decidindo.


II.


10. Foi fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto:2


1. A Ré é uma sociedade comercial portuguesa que se dedica à comercialização, em território nacional, de lubrificantes de alto rendimento da marca “Fuchs”.


2. A Ré integra um grupo internacional denominado “Grupo Fuchs”, com origens alemãs, que é, atualmente, o maior fabricante independente de lubrificantes do mundo.


3. Em outubro de 2001 a Ré encetou negociações com o Autor com vista a contratá-lo para a sua equipa de comerciais.


4. A Ré informou o Autor de que, pelo exercício das funções inerentes à categoria de “...”, aquele teria direito, entre outros benefícios e ou atribuições, a:


(i) uma remuneração mensal ilíquida de PTE 441.000,00 (quatrocentos e quarenta e um mil escudos);


(ii) uma remuneração variável mensal de acordo com o plano de comissões vigente na empresa, mormente o plano para 2001.


5. Para além das remunerações acima referidas, o Autor haveria ainda de receber os subsídios de férias e de Natal,


6. Apenas tendo sido referido que o respetivo cálculo seria de harmonia com o CCT celebrado entre a Associação Portuguesa de Empresas Químicas e a FETESE, publicado no BTE no28 de 29/07/1977.


7. O mesmo se tendo verificado quanto à retribuição de férias, apenas tendo ficado definido que seriam remuneradas.


8. Em 08 de outubro de 2001, a Ré e o Autor celebraram entre si o “CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO POR TEMPO INDETERMINADO” que se encontra junto aos autos a fls.43 a 44 v.


9. O Autor foi contratado pela Ré para desempenhar, por conta e sob a direção desta, as funções inerentes à categoria de “TÉCNICO COMERCIAL” – ver cláusula primeira do contrato de trabalho.


10. O Autor e a Ré acordaram que o primeiro auferiria uma remuneração mensal ilíquida de PTE 441.000,00 (quatrocentos e quarenta e um mil escudos) – ver cláusula quarta, número 1, do contrato de trabalho.


11. Para além da remuneração mensal ilíquida, o Autor teria ainda direito, a título de contrapartida pelo seu trabalho, a uma remuneração variável mensal de acordo com o plano de comissões vigente na empresa e cujo plano para 2001 consta do documento anexo a esse contrato– cláusula quarta, número 2, do contrato de trabalho.


12. No ano de 2001, o plano de comissões definido pela Ré e aceite pelo Autor foi feito constar do anexo ao contrato de trabalho como “PLANO DE COMISSÕES PARA O ANO DE 2001-Norma Geral”, onde consta:


“1. Esquema de Comissões


“(...)


2. Sistema de Pagamento de Comissões:


Aplica-se um esquema que passa por considerar a massa de comissões do exercício anterior e divide-se por 11,5 meses e multiplica-se pelo coeficiente 0,95. A verba correspondente será paga sempre a mesma por conta em cada mês (Agosto será de 1⁄2 de um mês normal).


(...)”


13. O plano de comissões manteve-se nestes termos ao longo dos anos.


14. Como resulta, a comissão a receber era de 10% sobre a margem bruta realizada em cada ano3, deduzida do valor da base, correspondente ao valor da margem bruta do ano anterior, descontado o valor da comissão auferida nesse período sobre 0,1.


15. Porque no início da vigência do contrato de trabalho fosse impossível determinar o valor da “BASE” prevista no “PLANO DE COMISSÕES PARA O ANO DE 2001”, as partes no contrato de trabalho acordaram que, nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2001, o Autor receberia, a título de “remuneração variável mensal”, o mínimo de PTE 170.000,00 (cento e setenta mil escudos) (...)


E fixou-se para o prémio anual de 2001, a pagar no final do ano, Esc.237.500$00 (...)


16. (...)


17. O contrato de trabalho começou a vigorar entre o Autor e a Ré no dia 8 de outubro de 2001 – ver cláusula quinta do contrato de trabalho,


18. data em que o Autor começou a prestar trabalho para a Ré, passando a exercer as funções inerentes à categoria profissional de técnico comercial.


19. No final do seu primeiro mês de trabalho, o Autor recebeu da Ré, a título de contrapartida pela prestação do seu trabalho, os seguintes valores ilíquidos:


(i) PTE 339.229,00 (trezentos e trinta e nove mil duzentos e vinte e nove escudos), a título de remuneração mensal ilíquida;


(ii) PTE 131.000,00 (cento e trinta e um mil escudos) a título de remuneração variável mensal.


20. Os valores recebidos pelo Autor correspondiam àqueles das retribuições mensal fixa e variável acordadas no contrato de trabalho, na proporção do tempo de trabalho prestado pelo Autor durante o mês de outubro.


(...)


22. Os valores recebidos pelo Autor correspondiam às retribuições mensal fixa e variável acordadas no contrato de trabalho.


(...)


34.Também durante o mês de férias do Autor, a Ré pagou-lhe a retribuição mensal


variável.


35. As variações mensais dos valores pagos pela Ré ao Autor a título de retribuição mensal variável ou comissão ao longo do ano deviam-se à aplicação do mecanismo de “créditos e os débitos correspondentes a incobráveis, despesas rappeis etc.” previsto no plano de comissões em vigor, e à necessidade de acerto final entre os valores pagos a título de retribuição mensal variável até então e o valor final das comissões anuais devidas ao Autor.


36. A Ré pagou ainda ao Autor, a título de subsídio de férias, a quantia ilíquida de EUR 3.379,29 (três mil trezentos e setenta e nove euros e vinte e nove cêntimos), conforme recibo referente a junho de 2002.


37. Para o cálculo do subsídio de férias, a Ré atendeu ao valor da retribuição mensal fixa e à média das retribuições mensais variáveis até então recebidas pelo Autor.


(...)


44. (...) também durante o mês de férias do Autor, a Ré pagou-lhe a retribuição mensal variável.


45. A Ré pagou ainda ao Autor, em julho de 2003, o subsídio de férias no valor de EUR 3.646,98 (três mil seiscentos e quarenta e seis euros e noventa e oito cêntimos), conforme recibo de vencimento.


(...)


47. Para o cálculo, processamento e pagamento de ambos os subsídios, a Ré atendeu à retribuição mensal fixa e à média das retribuições mensais variáveis auferidas pelo Autor nos doze meses imediatamente anteriores às datas de pagamento de cada um dos subsídios. (...)


(...)


51. Dos EUR 2.862,80 (dois mil oitocentos e sessenta e dois euros e oitenta cêntimos) pagos em janeiro de 2005 ao Autor a título de “COMISSÕES”, EUR 1.048,80 (mil e quarenta e oito euros e oitenta cêntimos) foram-no a título de acerto final de comissões referentes ao ano de 2004 e EUR 1.814,00 (mil oitocentos e catorze euros) foram-no a título de retribuição mensal variável ou comissão referente a janeiro de 2005.


52. Donde resulta que, também durante o mês de férias do Autor, a Ré pagou-lhe a retribuição mensal variável.


53. Para além das referidas quantias, a Ré pagou ainda ao Autor, em julho de 2004, o subsídio de férias no valor de EUR 4.828,45 (quatro mil oitocentos e vinte e oito euros e quarenta e cinco cêntimos), conforme recibo de vencimento.


(...)


55. Para o cálculo de ambos os subsídios, a Ré atendeu à retribuição mensal fixa e à média das retribuições mensais variáveis auferidas pelo Autor nos doze meses imediatamente anteriores às datas de pagamento de cada um dos subsídios.


(...)


60. também durante o mês de férias do Autor, a Ré pagou-lhe a retribuição mensal variável.


61. A Ré pagou ainda ao Autor, em maio de 2005, o subsídio de férias no valor de EUR 4.448,32 (quatro mil quatrocentos e quarenta e oito euros e trinta e dois cêntimos), conforme recibo de vencimento.


(...)


63. Para o cálculo de ambos os subsídios, a Ré atendeu, como sempre fizera até então, à retribuição mensal fixa e à média das retribuições mensais variáveis auferidas pelo Autor nos doze meses imediatamente subsequentes às datas de pagamento de cada um dos subsídios em causa.


(...)


73. A Ré pagou ainda ao Autor, em maio de 2006, o subsídio de férias no valor de EUR 4.558,42 (cinco mil quinhentos e cinquenta e oito euros e quarenta e dois cêntimos) conforme recibo de vencimento.


(...)


75. Para o cálculo de ambos os subsídios, a Ré atendeu à retribuição mensal fixa e à média das retribuições mensais fixas auferidas pelo Autor nos doze meses imediatamente anteriores às datas em que cada um dos subsídios foi pago.


(...)


80. (...) também durante o mês de férias do Autor, a Ré pagou-lhe a retribuição mensal variável.


(...)


82. Em maio de 2007, a Ré pagou ainda ao Autor o respetivo subsídio de férias, no valor de EUR 4.743.77 (quatro mil setecentos e quarenta e três euros e setenta e sete cêntimos), conforme recibo de vencimento.


(...)


84. Para o cálculo de ambos os subsídios, a Ré atendeu, como sempre fizera até então, à retribuição mensal fixa e à média das retribuições mensais variáveis auferidas pelo Autor nos doze meses imediatamente anteriores.


(...)


89. Donde decorre que, também no período de férias do Autor, a Ré pagou-lhe a retribuição mensal variável.


90. A Ré pagou também ao Autor, em julho de 2008, o subsídio de férias no valor de EUR 5.756,21 (cinco mil setecentos e cinquenta e seis euros e vinte e um cêntimos), conforme recibo de vencimento.


(...)


92. Para o cálculo de ambos os subsídios, a Ré atendeu à retribuição mensal fixa e à média das retribuições mensais variáveis auferidas pelo Autor nos doze meses anteriores.


(...)


98. Também no período de férias do Autor, a Ré pagou-lhe a retribuição mensal variável.


99. A Ré pagou também ao Autor, em julho de 2009, o subsídio de férias no valor de EUR 6.085,93 (seis mil e oitenta e cinco euros e noventa e três cêntimos), conforme recibo de vencimento.


(...)


101. Para o cálculo de ambos os subsídios, a Ré atendeu à retribuição mensal fixa e à média das retribuições mensais variáveis auferidas pelo Autor nos doze meses imediatamente anteriores às datas de pagamento de cada um dos referidos subsídios.


(...)


106. (...) também no período de férias do Autor a Ré pagou-lhe a retribuição mensal variável. (...)


(...)


109. A Ré pagou também ao Autor, em junho de 2010, o subsídio de férias no valor de EUR 6.797,71 (seis mil setecentos e noventa e sete euros e setenta e um cêntimos), conforme recibo de vencimento.


(...)


111. Para o cálculo de ambos os subsídios, a Ré atendeu à retribuição mensal fixa e à média das retribuições mensais variáveis auferidas pelo Autor nos doze meses anteriores.


(...)


117. (...) também no período de férias do Autor a Ré pagou-lhe a retribuição mensal variável.


118. A Ré pagou também ao Autor, em maio de 2010, o subsídio de férias no valor de EUR 5.489,49 (cinco mil quatrocentos e oitenta e nove euros e quarenta e nove cêntimos), conforme recibo de vencimento.


(...)


120. Para o cálculo de ambos os subsídios, a Ré atendeu à retribuição mensal fixa e à média das retribuições mensais variáveis auferidas pelo Autor nos doze meses anteriores. (...)


(...)


125. (...) também no período de férias do Autor a Ré pagou-lhe a retribuição mensal variável.


126. A Ré pagou também ao Autor, em junho de 2012, o subsídio de férias no valor de EUR 4.850,47 (quatro mil oitocentos e cinquenta euros e quarenta e sete cêntimos), conforme recibo de vencimento.


(...)


128. Para o cálculo de ambos os subsídios, a Ré atendeu à retribuição mensal fixa e à média das retribuições mensais variáveis auferidas pelo Autor nos doze meses anteriores. (...)


(...)


133. Também no período de férias do Autor a Ré pagou-lhe a retribuição mensal variável.


134. A Ré pagou também ao Autor, em junho de 2013, o subsídio de férias no valor de EUR 5.210,06 (cinco mil duzentos e dez euros e seis cêntimos), conforme recibo de vencimento.


(...)


136. Para o cálculo de ambos os subsídios, a Ré atendeu à retribuição mensal fixa e à média das retribuições mensais variáveis auferidas pelo Autor nos doze meses anteriores às datas em que aqueles subsídios foram pagos. (...)


(...)


141. (...) também no período de férias do Autor a Ré pagou-lhe a retribuição mensal variável.


142. A Ré pagou também ao Autor, em junho de 2014, o subsídio de férias no valor de EUR 6.148,80 (seis mil cento e quarenta e oito euros e oitenta cêntimos), conforme recibo de vencimento. (...)


(...)


144. Para o cálculo de ambos os subsídios, a Ré atendeu à retribuição mensal fixa e à média das retribuições mensais variáveis auferidas pelo Autor nos doze meses anteriores às datas em que aqueles subsídios foram pagos. (...)


(...)


149. (...) também no período de férias do Autor a Ré pagou-lhe a retribuição mensal variável.


150. A Ré pagou também ao Autor, em junho de 2015, o subsídio de férias no valor de EUR 5.803,38 (cinco mil oitocentos e três euros e trinta e oito cêntimos), conforme recibo de vencimento.


(...)


152. Para o cálculo de ambos os subsídios, a Ré atendeu à retribuição mensal fixa e à média das retribuições mensais variáveis auferidas pelo Autor nos doze meses anteriores às datas em que aqueles subsídios foram pagos (...)


(...)


156. Também no período de férias do Autor a Ré pagou-lhe a retribuição mensal variável. (...)


157. A Ré pagou também ao Autor o subsídio de férias;


(...)


159. Para o cálculo de ambos os subsídios, a Ré atendeu à retribuição mensal fixa e à média das retribuições mensais variáveis auferidas pelo Autor nos doze meses anteriores às datas em que aqueles subsídios foram pagos. (...)


(...)


165. O Autor recebeu ainda da Ré os respetivos subsídios de férias e de Natal, calculados nos mesmos termos em que sempre haviam sido calculados e pagos durante a vigência do contrato de trabalho.


166. Nos meses de maio e novembro de 2017, a Ré processou, respetivamente, os subsídios de férias e de Natal do Autor,


167. pagando-lhe, a título de subsídio de férias, a quantia de EUR 5.946,43 (cinco mil novecentos e quarenta e seis euros e quarenta e três cêntimos), conforme recibo de vencimento. (...)


168. E a título de subsídio de Natal, a quantia de EUR 5.879,77 (cinco mil oitocentos e setenta e nove euros e setenta e sete cêntimos), conforme recibo de vencimento.


169. Um e outro valores correspondiam ao somatório dos valores da retribuição mensal fixa e da média das retribuições mensais variáveis auferidas pelo Autor nos doze meses imediatamente anteriores às datas em que cada um dos subsídios foram pagos.


170. O Autor recebeu, durante o ano de 2017, a título de retribuição variável ou comissão, mais EUR 185,78 (cento e oitenta e cinco euros e setenta e oito cêntimos) do que aquilo a que tinha direito nos termos do “CÁLCULO DE COMISSÕES A PAGAR EM 2017”.


171. No ano de 2017 uma auditoria do Grupo Fuchs detetou que no pagamento das comissões a comissão anual estava a ser de 11,66% e não de 10%, como estava consagrado no sistema acordado em 2001.


172. O plano de comissões vigorava para o Grupo Fuchs de forma idêntica, a nível mundial, num valor anual de 10%, estando a empresa em Portugal integrada nessa relação de grupo.


173. No final do ano de 2017 a Ré comunicou ao Autor que este havia recebido a mais, não os referidos EUR 185,78 (cento e oitenta e cinco euros e setenta e oito cêntimos), mas a quantia de EUR 4.091,98 (quatro mil e noventa e um euros e noventa e oito cêntimos), correspondente ao somatório das quantias parcelares de EUR 185,78, pagos a mais a título de retribuição variável ou comissão referente a 2017, e de EUR 3.906,20 (três mil novecentos e seis euros e vinte cêntimos), correspondente ao valor total das médias das retribuições mensais variáveis pagas ao Autor com cada um dos subsídios de férias e de Natal de 2017, por extravasar os 10% anuais.


174. A Ré considerou (...) que o valor dos subsídios de férias e de Natal que pagou ao Autor tendo em conta a média das retribuições mensais variáveis por este recebidas deveria ser considerado no valor total da retribuição anual variável a que o Autor tinha direito.


175. Nunca a Ré assim procedera, nem quanto ao contrato de trabalho do Autor, nem quanto aos contratos dos restantes membros da sua equipa comercial.


176. Nunca a Ré considerara os valores por si pagos com os subsídios de férias e de Natal aos membros da sua equipa de comerciais no apuramento e acerto final das comissões àqueles devidas anualmente.


177. Pelo contrário: a Ré sempre pagara aos seus comerciais o valor das comissões anuais calculadas de acordo com o plano de comissões definido para cada ano;


178. pagando-lhes, ainda ou também, os subsídios de férias e de Natal tendo por referência ou base, simultaneamente, os valores da retribuição mensal fixa e das médias das retribuições mensais variáveis auferidas por aqueles nos doze meses imediatamente anteriores às datas em que cada um daqueles subsídios era pago.


179. Essa a prática e o uso reiterados e ininterrompidos da Ré para com o Autor em que este foi admitido ao serviço daquela em 01 de outubro de 2001.


180. E essa a prática e o uso reiterados e ininterrompidos da Ré para com todos os seus comerciais desde, pelo menos, 2002.


181. O Autor comunicou à Ré que não concordava com o procedimento por esta adotado, defendendo que não era devedor da quantia de EUR 4.091,98 como por esta pretendido, mas apenas do valor de EUR 185,78 (cento e oitenta e cinco euros e setenta e oito cêntimos) que lhe haviam sido pagos a mais a título de retribuição variável.


182. O Autor não deu o seu acordo ou consentimento para que a Ré deixasse de considerar, no cálculo dos respetivos subsídios de férias e de Natal, a média das suas retribuições variáveis.


183. Nos meses de fevereiro, março, abril e maio de 2018, descontou no valor da retribuição mensal do Autor, respetivamente, as quantias de EUR 682,00 (seiscentos e oitenta e dois euros), 1.364,00 (mil trezentos e sessenta e quatro euros), EUR 682,00 (seiscentos e oitenta e dois euros) e EUR 682,00 (seiscentos e oitenta e dois euros), conforme os recibos de vencimento referentes aos meses de fevereiro, março, abril e maio de 2018.


184. Durante os referidos meses a Ré procedeu à compensação, na retribuição do Autor, do valor total de EUR 4.092,00 (quatro mil e noventa e dois euros).


185. Este valor correspondia – e corresponde – à quantia de que a Ré se arrogava credora sobre o Autor em virtude da consideração dos valores por aquela pagos a título de subsídios de férias e de Natal no valor anual das comissões do Autor.


186. Ainda em março de 2018, a Ré enviou ao Autor e aos demais membros da equipa de comerciais a comunicação interna número 013/2018, datada de 05 de março através da qual a Ré comunicou ao Autor e aos seus colegas da equipa comercial que:


“[o] plano de comissões prevê um sistema comissional anual de 10% sobre a margem bruta absoluta, calculada nos termos da fórmula publicada.


O sistema acordado e implementado não foi cumprido pela FUCHS, por erro involuntário. Na realidade, por erro e só por erro a FUCHS fez acrescer à comissão anual acordada de 10% valores adicionais no subsídio de férias e de Natal, majorando indevidamente a comissão estipulada.


A FUCHS tomou consciência do erro e não pode deixar de o corrigir, sob pena de distorção face ao sistema praticado pelo Grupo.


Face ao exposto, informamos que passámos a cumprir o plano e que será paga a comissão anual de 10%, sem acréscimo de qualquer outro valor, sendo o pagamento da comissão realizado em 13 meses por ano, os 12 meses de calendário e no subsídio de férias.


Os valores adiantados ao longo do ano serão objeto de acerto de contas no final do ano, como habitualmente”.


187. O pagamento dos subsídios de férias e de Natal nos termos referidos nos nos 24, 25, 36 a 39, 45 a 47, 53 a 55, 61 a 63, 73 a 75, 82 a 84, 90 a 92, 99 a 101, 109 a 111, 118 a 120, 126 a 128, 134 a 136, 142 a 144, 150 a 152, 157 a 159 e 166 a 169 dos factos provados sempre foi feito, até ao referido no no 171 dos factos provados, pela Ré ao Autor com consciência quer de que integravam a média das comissões nos termos neles mencionados, quer de que tal não era objeto de acerto anual de contas para efeitos do cálculo da percentagem comissional anual de 10%, e de forma voluntária e ininterrupta durante dezasseis anos. (redação dada pelo TRP)


188. Em resposta à comunicação interna da Ré, o Autor e os seus colegas da equipa comercial comunicaram à gerência e à direção financeira da Ré que entendiam que esta estava obrigada a continuar a pagar os subsídios de férias e de Natal nos mesmos termos que pagara até então, e que não podia, por outro lado, proceder à compensação de créditos efetuada nos primeiros meses de 2018 relativamente a todos e cada um dos membros da equipa comercial.


189. A Ré propôs ao Autor e aos restantes membros da equipa comercial que assinassem um documento prescindindo do direito a continuarem a receber os subsídios de férias e de Natal nos termos em que sempre os haviam recebido.


190. No caso de o Autor e os restantes membros da equipa comercial assinarem o documento, a Ré pagaria àqueles os valores que eventualmente tivesse deixado de pagar a título de acerto final da comissão anual referente ao ano de 2017, acrescidos dos valores deduzidos nas retribuições dos primeiros meses de 2018.


191. O Autor não aceitou a proposta da Ré.


192. A Ré alterou o processamento da retribuição variável do Autor:


Em vez de continuar a processar – como sempre fizera até então – o valor anual da retribuição variável devida ao Autor em doze prestações mensais, conjuntamente com a retribuição mensal fixa, a Ré passou a processá-la em treze prestações, sendo que a décima terceira passou a ser processada conjuntamente com, ou de forma “incorporada” no valor do subsídio de férias do Autor.


(...)


195. A Ré pagou ainda ao Autor, em junho de 2018, a quantia de 3.960,00 (três mil novecentos e sessenta euros) a título de subsídio de férias.


(...)


197. A Ré apenas atendeu ao valor da retribuição mensal fixa do Autor no cálculo dos respetivos subsídios de férias de Natal, deixando de considerar – como sempre fizera até então – a média mensal das retribuições variáveis auferidas pelo Autor nos doze meses anteriores ao vencimento e pagamento de cada um daqueles subsídios.


198. Caso a Ré houvesse atendido, para além da retribuição mensal fixa do Autor, à média das retribuições variáveis por este auferidas nos doze meses imediatamente anteriores, ter-lhe-ia pago, com o subsídio de férias, a mais do que aquilo que pagou, a quantia EUR 1.616,67 (mil seiscentos e dezasseis euros e sessenta e sete cêntimos) e a título de subsídio de natal, a mais do que aquilo que pagou, a quantia de EUR 1.434,72 (mil cento e trinta e quatro euros e setenta e dois cêntimos).


199. Em setembro de 2018, a Ré promoveu uma reunião com o Autor e com os restantes membros da sua equipa comercial, que contou com a presença do BB, ... do “Grupo Fuchs” para o Sul da Europa, e membro do Comité Executivo.


200. Nessa ocasião, a Ré transmitiu ao Autor e aos restantes membros da sua equipa comercial que pretendia devolver as quantias referentes às retribuições variáveis referentes ao ano de 2017, pagando o que não houvesse pago, e devolvendo o que houvesse descontado nas retribuições dos comerciais nos primeiros meses de 2018, tudo no pressuposto de o Autor e os restantes membros da equipa comercial assinarem um documento aceitando, para futuro, que os respetivos subsídios de férias e de Natal passassem a ser calculados tendo por referência, exclusivamente, as retribuições mensais fixas por cada um deles auferidas.


201. O Autor não aceitou a proposta da Ré.


202. E no dia 18 de outubro de 2018 o Autor enviou, através do seu Advogado, ao Diretor Geral da Ré a mensagem de correio eletrónico de fls.160 v., tendo aquele Diretor Geral respondido ao Autor nos termos constantes da mensagem de correio de fls.161 e v.


203. No dia 2 de novembro de 2018, o Autor interpelou a Ré para que, no prazo máximo de quinze dias, lhe pagasse o valor de EUR 3.906,20 (três mil novecentos e seis euros e vinte cêntimos), correspondente ao valor compensado pela Ré nos meses de fevereiro, março, abril e maio de 2018, e ainda que processasse e pagasse os subsídios de férias e de Natal do Autor nos termos acordados no contrato de trabalho e praticados pela Ré “desde sempre”, conforme carta junta a fls.162 a 163 v.


204. A Ré assim não procedeu.


(...)


206. Durante o mês de férias do Autor, a Ré pagou-lhe as retribuições mensais fixa e variável.


207. Em julho 2019, quando procedeu ao processamento e pagamento do subsídio de férias do Autor, a Ré não atendeu à média mensal da retribuição variável deste, antes tendo processado e pago o subsídio de férias do Autor como fizera no ano de 2018.


208. Caso houvesse atendido à média mensal das retribuições variáveis auferidas pelo Autor nos doze meses imediatamente anteriores, a Ré teria pago ao Autor, além do que pagou, a quantia de EUR 780,23 (setecentos e oitenta euros e vinte e três cêntimos), o que a Ré não pagou.


209. Desde, pelo menos 1996 até à data (2001) em que entrou em vigor o esquema de comissões referido no no 12 dos factos provados a Ré pagava aos trabalhadores da sua equipa comercial subsídios de férias e de Natal, nos quais integrava, para além da remuneração fixa, a média dos últimos 12 meses das comissões que lhes pagava. (aditado pelo TRP)


210. No período referido no no 209 vigorava na Ré um esquema de pagamento de comissões assente no pagamento de uma percentagem mensal, de valor não concretamente apurado mas não superior a 3%, sobre o valor das vendas mensais cobradas. (aditado pelo TRP)


211. A Ré emitiu a declaração junta com a petição inicial intitulada “INFORMAÇÃO LABORAL”, com o seguinte teor:


“1. De harmonia com o disposto no art. 97o no 1 e 98 nrs. 1 e 2 do Código do Trabalho aprovado pela lei no 99/2002 de 27 de Agosto, esta empresa presta a seguinte informação a AA:


(...)


d) Data do contrato: 08/10/2001. Data do início de efeitos 08/10/2001; (...)


h) Vencimento base + Sub. Férias + Sub. Natal + Comissões, de harmonia com o C.C.T. a liquidar mensalmente.


(...)”.(aditado pelo TRP)


III.

a. Reclamação da R.


11. A conformidade decisória que caracteriza a dupla conforme impeditiva da admissibilidade da revista, nos termos do artigo 671o, no. 3, é apreciada, separadamente, para cada segmento decisório autónomo e cindível em que a pretensão global se encontra decomposta (cfr. Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 20.09.2022, Proc. no 545/13.2TBLSD.P1.S1-A, 6.a Secção).


Contrariamente à posição da reclamante/recorrente, os segmentos decisórios relativos a cada um dos subsídios e à reconvenção são materialmente autónomos e juridicamente cindíveis, verificando-se a dupla conforme invocada pelo A.


Com efeito: os subsídios de férias e Natal têm base legal distinta, não sendo o seu regime coincidente; a circunstância de a Relação ter efetuado uma apreciação conjunta dos dois subsídios (ainda que por referência às respetivas normas legais) e de ter concluído, em ambos os casos, no sentido do seu pagamento ser devido com fundamento num uso da empresa (abrangendo os dois subsídios) e no princípio da irredutibilidade da retribuição [art. 129.o, n.o 1, alínea d) do Código do Trabalho], é insuscetível, só por si, de levar a concluir no sentido da incindibilidade.


12. Nesta parte, a fundamentação das duas decisões também não é essencialmente diferente.


A 1.a instância considerou que as comissões integravam a retribuição, que o seu pagamento nos subsídios durante cerca de 15 anos criou a expectativa no autor de que o subsídio de Natal também incorporava a média das comissões do ano anterior e que a sua exclusão por decisão unilateral da Ré violava o princípio da irredutibilidade da retribuição.


Por seu turno, o Tribunal da Relação considerou igualmente que as comissões integravam a retribuição, tendo de seguida apreciado o regime do subsídio de Natal na LCT e nos Códigos do Trabalho 2003 e 2009. Concluiu que até 20.11.2003 as comissões deviam integrar o subsídio de Natal por força da LCT. No âmbito das normas que regulam o subsídio de Natal nos Códigos do Trabalho 2003 e 2009, entendeu que o valor das comissões não deve ser considerado para o cálculo daquele subsídio, adiantando que estas normas podiam ser afastadas por cláusulas mais favoráveis. Considerou ainda que a prática da R. de proceder à inclusão do valor das comissões no subsídio de Natal durante 15 anos constitui um uso da empresa, não podendo ser alterado por decisão unilateral da empregadora, sob pena de violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.


As duas decisões coincidem no sentido de que as ditas comissões constituem retribuição, na relevância da conduta da R. durante os 15 anos anteriores e na expectativa que essa conduta criou no A., concluindo que a exclusão das comissões no subsídio de Natal por decisão unilateral da Ré violava o princípio da irredutibilidade da retribuição.


Ambas as decisões também coincidiram aa existência de um uso de empresa, embora por palavras não totalmente coincidentes: a sentença expressamente refere que houve uma prática ininterrupta durante cerca de 15 anos, que criou no A. a expectativa de que o subsídio de Natal também incorporava a média das comissões do ano anterior, sendo que “uma prática constante, uniforme e pacífica, sendo por isso merecedora da tutela da confiança dos trabalhadores na sua continuidade, assume a natureza dum uso” (acórdão de 27-11-2018, proc. n.o 12766/17.4T8LSB.L1.S1). Além de um reforço argumentativo, nesta matéria o TRP limitou-se a qualificar juridicamente a conduta da Ré durante cerca de 15 anos, sendo que esta classificação não altera o cerne do raciocínio jurídico subjacente.


Em suma, o enquadramento jurídico das duas decisões é o mesmo, não estando a solução jurídica do acórdão recorrido ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros que fundamentaram a decisão da 1.a Instância.


13. É certo que a Relação apreciou a argumentação da recorrente relativa a “eventual” erro da empresa, que não tinha sido abordado exatamente nos mesmos termos pela sentença: apenas nas alegações da apelação a R. invoca um erro/vício da vontade (no caso, erro de escrita, previsto no artigo 249.o do Código Civil), enquanto na contestação o erro foi alegado enquanto lapso/engano (o pagamento dos subsídios teria sido efetuado com a inclusão do valor das comissões por lapso, por engano).


Todavia, não emerge daqui uma alteração essencial do sentido da fundamentação: a Relação limitou-se a rebater um outro/novo argumento apresentado pela R. para defender a mesma ideia fundamental, a saber, a de que os valores não eram devidos, em virtude de (alegadamente) se estar perante uma mera prática errada, insuscetível de gerar para o A. uma expectativa passível de tutela.


14. O Tribunal da Relação aditou três novos factos à matéria de facto (209, 210 e 2011), sendo os dois primeiros relativos ao pagamento das comissões no período entre 1996 e 2001 (sendo que o Autor foi contratado em 2001) e o último relativo a uma declaração laboral emitida pela Ré.


Nenhum destes novos factos assume relevância para a solução jurídica constante do acórdão recorrido.


Alterou ainda a Relação a redação do ponto 187,4 considerando provado que o pagamento dos subsídios no período entre 2002 e 2017 com inclusão das comissões foi efetuado não apenas de forma voluntária e ininterrupta, mas também de forma consciente.


É patente que esta (aparente) alteração é irrelevante: desde logo, porque não se descortina qualquer diferença jurídico-prática entre uma ação “voluntária” e uma ação “consciente”, daqui nunca poderia advir qualquer modificação essencial/estrutural da factualidade apurada, nem da motivação jurídica, tanto mais que o acórdão considerou que um eventual erro da R. sempre seria irrelevante para a formação do uso.


15. Por último, quanto à reconvenção, ambas as decisões afastaram o direito da R. ao reembolso das quantias pagas com base em abuso de direito, entendendo que, mesmo considerando ter havido pagamentos indevidos, a conduta da R. ao peticionar a sua devolução seria abusiva.


Aliás, o TRP transcreveu a decisão da 1.a Instância nesta parte, afirmando: “Concordamos com a sentença recorrida, como aliás já se antevê do que foi sendo dito no presente acórdão, nada mais se mostrando necessário acrescentar tendo em conta quer a fundamentação nela aduzida, quer o que se deixou dito nos pontos anteriores do presente acórdão”.


Improcede, pois, a reclamação da R.

b. – Se o A. tem direito a que o subsídio de férias seja calculado tendo por referência (para além da retribuição mensal fixa) a média das retribuições mensais variáveis (comissões) auferidas nos dozes meses imediatamente anteriores ao do processamento e pagamento desse subsídio e, consequentemente, aos valores em que (neste âmbito) a R. foi condenada pelo TRP.


16. Respondendo negativamente a esta questão, a 1a instância louvou-se no Ac. de 19.05.2021, desta Secção Social, P. 27885/17.9T8LSB.L1.S1, segundo o qual “[a]s comissões são contrapartida do trabalho, mas não contrapartida do modo específico da prestação de trabalho, não integrando, por conseguinte, o subsídio de férias”.


Neste aresto, ponderou-se, essencialmente:


«(...) [O] n.o 2 do artigo 264.o do CT confere ao trabalhador, além da retribuição durante as férias, a que se refere o n.o 1 do mesmo preceito, um subsídio de férias, “compreendendo a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho correspondentes à duração mínima das férias”.


Resulta da lei que o legislador quis manter a solução, aliás já consagrada no Código de 2003, no seu artigo 255.o, que distingue entre o montante da retribuição das férias e o montante do respetivo subsídio. Este último montante não coincide necessariamente com aquele, podendo ser-lhe inferior porquanto apenas abrange a retribuição base e as prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho. A utilização desta fórmula implica que nem toda a retribuição, ou seja, nem toda a contrapartida do trabalho a que o trabalhador tem direito nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos (artigo 258.o, n.o 1 do CT) é, ao mesmo tempo, contrapartida do modo específico da execução do trabalho. As comissões são contrapartida do trabalho (e integram por isso a retribuição devida durante as férias). Pode, até, afirmar-se que só podem ter lugar em certos modos de execução do trabalho que permitem a individualização do resultado da prestação do trabalhador, mesmo quando inserido em um grupo ou equipa, como sucedia no caso vertente. O seu escopo é o de incentivar o trabalhador a uma maior produtividade, como sucede em geral com as retribuições dependentes do resultado. Mas não se pode afirmar que sejam a contrapartida do modo específico da execução da prestação – a expressão utilizada pelo legislador não se basta com uma prestação paga por ocasião de um certo modo de execução do trabalho, mas exige que a mesma seja contrapartida, ou seja, como refere Joana Vasconcelos, correspetivo [...] deste modo específico da execução do trabalho. Assim, só deverão ser abrangidas no cálculo do subsídio de férias as prestações que, além de serem retributivas (contrapartida do resultado do trabalho), sejam também uma compensação específica por aquele modo de execução do trabalho, o qual pode revelar-se, por exemplo, mais penoso ou mais arriscado. As comissões não satisfazem este último requisito não devendo, por conseguinte, contar para o cálculo do subsídio de férias.


(...)»


17. Numa abordagem diversa, atendendo às específicas circunstâncias do caso concreto, a Relação, considerando que a R., reiterada e consecutivamente, durante cerca de 15 anos, procedeu ao cálculo do subsídio de férias atendendo ao valor médio das comissões, concluiu no sentido de estarem reunidos “todos os requisitos para que [tal prática] possa e deva ser considerada [...] um uso da empresa a que a Ré, como tal, se auto vinculou, obrigação que não pode, por decisão unilateral sua, deixar de cumprir, representando a sua retirada uma diminuição da retribuição, proibida pelo art. 129o, no 1, al. d), do CT/2009”.


18. Desde já se adianta que acompanhamos este entendimento.


Com efeito:


“O contrato de trabalho está sujeito [...] aos usos laborais que não contrariem o princípio da boa fé” (art. 1o, do CT).


Ao contrário daquilo que acontece no tocante ao costume, em matéria de usos não é exigível a convicção da sua obrigatoriedade, nem, sequer, ao contrário do sustentado por alguns autores, a consciência da vinculação jurídica,5 bastando, como elemento intelectual, o conhecimento dos factos que corporizam a regra em que o uso se traduz.


Alega a recorrente que “o não cumprimento do acordo/plano estabelecido quanto às comissões detetado pela auditoria em 2017 resulta de erro”.


Todavia, a formação de um uso juridicamente relevante não é por regra excluída por erro do empregador, mormente, na interpretação da lei ou convenção coletiva.6


Acresce, e só por si determinantemente, que no caso vertente os factos provados não permitem vislumbrar qualquer situação de erro do empregador, nomeadamente um erro de cálculo ou de escrita (art. 249o, do Código Civil). Na verdade, como consta do n.o 187 dos factos provados, “o pagamento dos subsídios de férias e de Natal [...] sempre foi feito, até ao referido no no 171 dos factos provados, pela Ré ao Autor com consciência quer de que integravam a média das comissões nos termos neles mencionados, quer de que tal não era objeto de acerto anual de contas para efeitos do cálculo da percentagem comissional anual de 10%, e de forma voluntária e ininterrupta durante dezasseis anos.


Por outro lado, refira-se que a prática em causa abrangeu não apenas o A., mas toda a equipa de comerciais da R., ou seja, a um conjunto de trabalhadores de uma mesma área da empresa.


E, por fim, refira-se que in casu não obsta à formação do uso a circunstância de ter sido contratualizado pelas partes que “a comissão a receber era de 10% sobre a margem bruta realizada em cada ano, deduzida do valor da base, correspondente ao valor da margem bruta do ano anterior, descontado o valor da comissão auferida nesse período sobre 0,1” (cfr. ponto 14 dos factos provados).


É certo que, “dado o seu papel eminentemente integrador do conteúdo do contrato de trabalho, os usos laborais não devem [em princípio] prevalecer sobre disposição contratual expressa em contrário”.7


Todavia, esta regra não é absoluta.


Considerando que “a tese que proporciona a explicação mais satisfatória e convincente para a vinculação do empregador pelo uso da empresa é a da autovinculação deste por força da boa fé na execução do contrato, da tutela da confiança gerada e da proibição do abuso de direito [na modalidade de venire contra factum proprium e de Erwirkung]”8, impõe-se concluir – em face do princípio da primazia da realidade – no sentido da vinculação do empregador aos seus comportamentos prolongados no tempo, mormente em matéria tão sensível como é a da retribuição, nas suas conexões com o princípio da irredutibilidade salarial9 [alínea d), do no 1, do arto 129o, do CT], tendo desde logo em conta os particulares imperativos de tutela da confiança e de proteção da parte mais frágil que enformam o contrato de trabalho.


Nesta linha de pensamento apontam ainda, segundo alguns autores, o dever de cuidado que sobre o empregador impende, no sentido de não criar prolongadamente esperanças aos trabalhadores quanto à manutenção de uma prestação, e o risco (crescente, em função do decurso do tempo) associado à “manutenção da aparência de uma determinada situação jurídica por um tempo prolongado [...] já que o parceiro contratual confia naquela situação e planifica aspetos da sua existência com base nessa mesma situação”10.


Em suma, e como bem concluiu o TRP, [t]endo as partes convencionado no contrato de trabalho, celebrado em 2001, que o A. receberia, para além da retribuição base, uma comissão anual de 10% (calculada nos termos referidos no contrato), a ser paga em onze meses e meio [cfr. n.o 12 dos factos provados] e “por conta em cada mês”, com acerto final de contas ao fim de cada ano, mas tendo a Ré, desde então e até 2017, pago ao A. [o subsídio de férias, nele] integrando a média das comissões auferidas nos 12 meses anteriores, tal constitui uma prática reiterada da Ré que consubstancia um uso laboral, assim se integrando no respetivo contrato individual de trabalho.


Sem necessidade de desenvolvimentos argumentativos, improcede, pois, a revista da R (na parte em que da mesma se conheceu).


IV.


19. Em face do exposto, acorda-se:

a. Em julgar improcedente a reclamação deduzida pela R.;

b. Em negar a revista (quanto ao ponto em que foi admitida) e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela R.


Lisboa, 24 de maio de 2023


Mário Belo Morgado (Relator)


Júlio Manuel Vieira Gomes


Ramalho Pinto




_________________________________________________

1. Como todas as demais disposições legais citadas sem menção em contrário.↩︎

2. Transcrição expurgada dos factos destituídos de relevância para a decisão do recurso de revista.↩︎

3. Todos os sublinhados e destaque são nossos.↩︎

4. Sentença – “187. O pagamento dos subsídios de férias e de Natal nos referidos termos sempre foi feito pela Ré ao Autor, de forma voluntária, e ininterrupta durante dezasseis anos.”

5. Acórdão – “187. O pagamento dos subsídios de férias e de Natal nos termos referidos nos nos 24, 25, 36 a 39, 45 a 47, 53 a 55, 61 a 63, 73 a 75, 82 a 84, 90 a 92, 99 a 101, 109 a 111, 118 a 120, 126 a 128, 134 a 136, 142 a 144, 150 a 152, 157 a 159 e 166 a 169 dos factos provados sempre foi feito, até ao referido no no 171 dos factos provados, pela Ré ao Autor com consciência quer de que integravam a média das comissões nos termos neles mencionados, quer de que tal não era objeto de acerto anual de contas para efeitos do cálculo da percentagem comissional anual de 10%, e de forma voluntária e ininterrupta durante dezasseis anos”.↩︎

6. V.g., António Dias Coimbra, Uso Laboral, in Para Jorge Leite, Escritos Jurídico-laborais, Coimbra Editora, 2014, p. 260.↩︎

7. Cfr., desenvolvidamente, Júlio Vieira Gomes, Dos usos da empresa em Direito do Trabalho, in Novos Estudos de Direito do Trabalho, Wolters Kluwer e Coimbra Editora, pp. 18 – 20, e, no mesmo sentido, o Ac. desta Secção Social do STJ de 05.07.2007, Proc. 06S2576.↩︎

8. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, I, 3a edição, Coimbra, 2012, p. 244.↩︎

9. Júlio Vieira Gomes, loc. cit., pp. 34 – 35.↩︎

10. Ibidem, maxime pp. 46 e 51 – 52.↩︎

11. Ibidem, p. 35.↩︎