Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1977/21.8T8BRR-A.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: MARIA OLINDA GARCIA
Descritores: REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DESPACHO DO RELATOR
CRITÉRIOS DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
NULIDADE DE ACÓRDÃO
INADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 10/17/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: RECLAMAÇÃO IMPROCEDENTE
Sumário :

A decisão que, em processo de jurisdição voluntária, fixa o regime de visitas segundo critérios de conveniência e oportunidade, atendendo às particularidades da vida da requerente e do requerido, bem como ao interesse das crianças, não é suscetível de revista, nos termos do artigo 988.º, n.º 2 do CPC.

Decisão Texto Integral:
Processo n.º 1977/21.8T8BRR-A.L1.S1

Recorrente: AA


Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO

1. BB propôs contra AA ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente aos dois filhos menores de ambos.

Não tendo havido acordo das partes, a primeira instância proferiu sentença na qual fixou o regime de visitas e a pensão de alimentos.

A requerente não se conformou com a sentença e interpôs recurso de apelação, tendo o TRL concedido parcial provimento ao recurso – alterando os pontos n.º 1 e n.º 9 da sentença, respeitantes ao regime de visitas.

2. O requerido, AA, interpôs recurso de revista, invocando os artigos 671.º, 674.º, n.º 1, alíneas a) e c); e 615º, n.º 1, alínea c) do CPC.

Nas suas alegações formulou as conclusões que se transcrevem:

«I - Vem o presente recurso de revista interposto do Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido nos presentes autos na parte em que decidiu alterar a Douta sentença de 1ª instância nos seguintes termos:

“Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso, alterando a decisão recorrida, quanto aos pontos 1 e 9 do regime fixado, nos seguintes termos:

- Ponto 1: O pai passará com os menores fins-de-semana alternados, indo recolher os menores na escola, no final das aulas, pelas 16,00 horas de sexta-feira, devendo entregar os menores às 19 horas de domingo em casa da mãe.”

II - O Douto Acórdão padece do vício de nulidade previsto na alínea b) do artigo 615º do CPC, porquanto fez um manifesto erro de aplicação dos factos dados por assentes ao Direito aplicável, fundamentando a sua decisão com factos que imputou à Recorrida e que, numa leitura dos factos dados por provados correspondem ao ora Recorrente.

III – Existe uma manifesta contradição entre os factos que fundamentam a decisão e a decisão efetivamente tomada.

IV - Salvo o devido respeito, o Douto Acórdão, na parte da decisão recorrida, viola a lei substantiva aplicável, nomeadamente violando as normas previstas no artigo 1906º, nº 5 e nº 8 do Código Civil, fazendo uma errada interpretação e aplicação das mesmas ao caso sub judice, bem como é violadora do principio constitucional do direito da igualdade

V - Para além da injustiça fáctica da decisão de imputar unicamente ao Recorrente todo o esforço de assegurar as visitas dos menores, resulta que esta decisão partiu de uma premissa errada e em contradição com a fundamentação e a matéria de facto dada por provada.

VI - Existe uma contradição insanável entre a sua fundamentação e a decisão proferida, pois no facto dado por provado nº 25 resultar que é o veículo do ora Recorrente que se encontra avariado, na ponderação que é feita é realçado que a Apelante, ora Recorrida, tem a viatura avariada, erradamente.

VII - É o Recorrente que não dispõe de viatura própria, porquanto a mesma, fruto do normal desgaste de realizar mais de dois mil quilómetros por mês somente para efetuar os direitos de visita aos Menores, sofreu uma avaria grave do motor, inutilizando-o, tal como foi dado por provado.

VIII - A indisponibilidade da viatura foi erradamente ponderado e considerado como uma indisponibilidade da Recorrida, quando naturalmente se tivesse sido corretamente ponderado deveria levar a uma aplicação diferente da decisão que ora se recorre.

IX - É entendimento do legislador e tem vindo a ser amplamente aplicado pelos nossos Tribunais superiores, nomeadamente pelo Douto Tribunal recorrido e por este Venerando Supremo Tribunal de Justiça, manter-se uma posição igualitária dos progenitores, possibilitando, mesmo com as limitações inerentes às questões físicas inultrapassáveis, como seja no presente caso, a distância entre a residência dos Menores e do pai, sejam possibilitados igualdade de convívios com o progenitor com quem não residem (no presente caso, o Recorrente).

X - A evolução do conceito das responsabilidades parentais, assentes no superior interesse dos Menores tem vindo a determinar alterações legislativas e jurisprudenciais, no sentido de interpretação das normas jurídicas que determinem o direito dos menores ao convívio e aproximação com ambos os progenitores em situações idênticas.

XI - Tal situação é comprovadamente benéfica para as crianças, e tem sido assim interpretado que ambos os pais se encontram obrigados a proporcionar esse convívio com o outro progenitor e garantir, no interesse dos filhos, a manutenção do relacionamento afetivo fáctico com ambos, sendo essa também a interpretação do Douto Tribunal da Relação ora recorrido, ao longo de toda a fundamentação do Douto Acórdão.

XII – A decisão que ora se recorre de “obrigar” o aqui Recorrente a suportar todos os custos (mais do que monetários até, mas também pessoais e de desgaste físico), é manifestamente contraditória com tal fundamentação.

XIII - A decisão assenta numa fundamentação de que a decisão que imponha à mãe a obrigatoriedade de prover, conjuntamente com o pai na efetivação do direito de visitas constitui uma violação da liberdade da mãe de fixar a sua residência, sendo esse argumento incongruente com a intenção do legislador de determinar que deve sempre prevalecer o interesse dos Menores.

XIV - Ao fundamentar a decisão recorrida numa garantia de salvaguarda do direito da progenitora à liberdade de escolha de residência, viola igual direito do aqui Recorrente.

XV - O progenitor que não reside com os Menores também tem de ver garantido o direito de ver salvaguardada a sua liberdade de fixar residência (ou mantê-la neste caso!) onde escolher.

XVI - Ao atribuir, injustificadamente, e em contradição com a demais fundamentação, todo o dever de prover pela totalidade das viagens para o exercício do direito de visita aos menores ao Recorrente viola também esse mesmo direito, ao “obrigar” o Recorrente a realizar mais de mil quilómetros por cada um dos fins de semana, para visitar os seus filhos, sendo que por mês realiza mais de dois mil quilómetros, conforme resulta dos factos dados por provados.

XVI - A manutenção da obrigação de ser somente o Recorrido a suportar as viagens de visita, desobrigando-se a mãe de nas mesmas participar, levará a uma necessária violação dos direitos do aqui Recorrente e do superior interesse dos Menores.

XVII - É fisicamente incomportável a manutenção de tal ritmo físico (pois a dispensa de prestação de trabalho às sextas feiras à tarde vem com o inerente aumento da carga horária nos demais dias da semana), bem como o desgaste físico das viagens e cansaço acumulado que levará até a um risco de segurança e bem estar dos Menores.

XVIII - Ao decidir como decidiu o Douto Acórdão recorrido, viola igualmente o direito de fixar livremente a sua residência do Recorrido, porquanto ao aplicar-se esta situação por muito tempo, o mesmo ver-se-á confrontado com a difícil decisão de ter de alterar a sua residência e desistir da sua carreira profissional, para fixar residência para mais perto da residência dos menores, ou incumprir o direito de visita aos Menores, o que para o pai nem é uma hipótese sequer.

XIX - Existe uma contradição insanável entre a fundamentação do Douto Acórdão recorrido, nomeadamente partindo da aplicação errada de um facto dado por provado, atribuindo à Recorrida a viatura avariada, e a sua decisão de imputar ao Recorrente a decisão de ser este a prover por todas as viagens de deslocação para efetivar o direito de visita aos Menores.

XX - Tal contradição, nomeadamente a errada interpretação dos factos dados por provados, bem como a contradição entre a fundamentação e a decisão, constitui nulidade processual prevista no artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPC, o que aqui expressamente se alega para todos os efeitos legais.

XXI – Com tal decisão ora recorrida, imputando somente ao aqui Recorrido todas as viagens para efetivação do direito de visita dos Menores, o Douto Acórdão fez uma errada aplicação do Direito, violando as normas previstas nos nº 5 e 8 do artigo 1906º do Código Civil, violando, com todo o devido respeito, a obrigação de decidir num sentido que possibilite amplas possibilidades de contacto com ambos os progenitores, violando a norma prevista no nº 8 do artigo 1906º do CC.

XXII - Ao impor ao Recorrido a realização de viagem à sexta feira de ida do B… para Á…, realizando 256 quilómetros, a conduzir, para chegar às 16h, recolher os Menores, e iniciar viagem de Á… para o B… e conduzir mais 256 quilómetros, e repetir igual esforço físico ao domingo para garantir que os menores se encontram em casa da mãe pelas 19h, com as mesmas iguais quatro viagens totais, leva a que o Recorrido nem sequer tenha capacidade física para aproveitar o tempo de convívio limitado com os seus filhos

XXIII - O direito de visita dos Menores ao pai não pode ser entendido com um direito do pai, mas sim direito dos menores que devem ver assegurado por ambos os progenitores o seu convívio com a maior amplitude possível com ambos os progenitores.

XXIV - Tivesse o Douto Tribunal da Relação de Lisboa aplicado devidamente o Direito, nomeadamente as normas previstas nos nºs 5 e 8 do artigo 1906º do Código Civil, e teria mantido a decisão de primeira instância, ou mesmo que alterando os termos de repartição das viagens, manteria a obrigação da Recorrida de participar na efetivação do direito de visita aos Menores.

XXV - A decisão de entregá-los na casa da mãe no domingo pelas 19 horas, ficando o pai a suportar todo o encargo financeiro e esforço físico das quatro viagens por fim de semana, não tem a virtualidade de aumentar o tempo que passam com o pai, pois que a solução alcançada pelo Douto Tribunal da Relação diminui drasticamente o tempo útil de convívio com os filhos.

XXVI - Das circunstâncias de facto e dos factos dados por provados que fundamentam o acórdão recorrido não se verifica que exista qualquer facto que determine uma tal desproporção de diferença decidida na efetivação por ambos os progenitores do direito de visita.

XXVII - O Tribunal de primeira instância, na Douta sentença, teve em consideração todo o imediatismo da prova testemunhal, do qual resultou que as capacidades financeiras da mãe e do seu núcleo familiar de apoio são amplamente superiores aos do pai.

XXVIII - A objeção da Recorrida na comparticipação (não monetária, mas efetiva) nas viagens aos fins de semana, resultou sempre, no entender daquela, de que o direito de visitas do pai aos Menores é no benefício exclusivo do Recorrente, sendo que na verdade o direito de visitas do pai aos Menores é estabelecido essencialmente no interesse dos Menores e não do progenitor.

XXIX - A efetivação do direito de visitas do pai aos Menores é uma obrigação também da Recorrida que deve igualmente prover no interesse dos Menores, aliás, como bem decidiu a Douta sentença de primeira instância, não existindo qualquer elemento fáctico que determinasse a sua revogação nessa parte, conforme foi decidido pelo Douto Tribunal da Relação.

XXX - A decisão nos termos em que decidiu o Douto Tribunal da Relação de Lisboa, levará sim a uma eventual violação do direito do Recorrente de liberdade de estabelecimento da sua residência, vendo-se “obrigado” a alterar a mesma, bem como a sua entidade patronal para conseguir suportar os desmesurados encargos físicos e monetários para assegurar o direito de visitas dos menores, e cumprir a obrigação legal de promover os mais amplos convívios com os menores, em obediência ao disposto no artigo 1906º, nº 5 e 8 do CC.

XXXI – Ao decidir como fez, impondo todo o ónus de efetivação do direito de visitas sobre o Recorrente, o Douto Tribunal da Relação de Lisboa violou as normas previstas no artigo 1906º, nº 5 e 8 do Código Civil, impondo-se uma melhor aplicação do Direito em cumprimento de tais normas, devendo ser revogada nessa parte a Douta decisão recorrida e manter-se uma repartição dos encargos (físicos, práticos e monetários) da efetivação do direito de visitas.

XXXIII – Igualmente, ao decidir como decidiu, na parte do Douto Acórdão recorrido, devidamente identificado, violou o Douto Tribunal da Relação de Lisboa, o princípio da igualdade, sendo a decisão na parte recorrida manifestamente parcial, em circunstâncias de facto muito idênticas.

XXXIV - Não existe fundamentação objetiva, nem quaisquer factos que determinem a decisão de revogação da sentença de primeira instância, imputando-se os custos físicos e monetários da efetivação do direito de visita dos menores exclusivamente ao pai, beneficiando-se a Recorrida e premiando-se a mesma pela alteração unilateral da residência dos menores para mais de 256 km da sua residência habitual, e demitindo-a da obrigação legal decorrente da lei de contribuir ativamente para a promoção de contactos dos menores com ambos os progenitores.

XXXV - Não existem quaisquer razões de facto ou circunstancialismos que determinem a aplicação de desigualdade de tratamento de situações fácticas idênticas ou muito simulares dos pais (como vai dito, até na parte financeira mais benéficas para a mãe), violando-se assim o princípio da igualdade previsto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.

XXXVI – Deve o recurso de revista interposto pelo Recorrente ser apreciado e julgado procedente, substituindo-se o Douto Acórdão recorrido, na parte impugnada, por outro que reparta entre ambos os progenitores, em obediência ao disposto nas normas previstas no artigo 1906º, nº 5 e 8 do Código Civil e ao princípio da igualdade previsto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, os deveres de efetivação do direito de visita dos menores ao progenitor com quem não residem.

Assim, decidindo, farão V. Exas. Venerandos Juízes Conselheiros a douta e costumada justiça

3. Distribuídos os autos no STJ, as partes foram notificadas para se pronunciarem nos termos do artigo 655.º do CPC.

4. Foi proferida decisão singular, nos termos do artigo 652.º, n.º 1 alínea h) do CPC, que considerou o recurso de revista não admissível.

5. Contra essa decisão o recorrente apresentou reclamação, pedindo a prolação de acórdão.

Cabe apreciar em Conferência.


*


II. APRECIANDO A RECLAMAÇÃO:

1. A recorrente vem reclamar para a Conferência, discordando da decisão proferida nos termos do artigo 652.º, n.º 1 alínea h) do CPC, que considerou o recurso de revista não admissível. Alega também que essa decisão seria nula por ter sido proferida antes de decorrido o prazo para se pronunciar em resposta ao despacho previsto no artigo 655.º do CPC, invocando a natureza não urgente do processo.

2. A resposta ao despacho previsto no artigo 655.º do CPC (no qual é comunicada às partes a projetada inadmissibilidade do recurso) é uma faculdade processual que permite às partes pronunciarem-se sobre a futura decisão de inadmissibilidade, sendo particularmente útil quando o recorrente, cooperando com o tribunal, possa clarificar algum aspeto da sua alegação sobre a admissibilidade do recurso que releve para a tomada de decisão sobre essa admissibilidade. Todavia, quando a inadmissibilidade do recurso radica objetivamente na própria natureza da matéria em causa, sendo o recurso excluído por opção do legislador (como, por exemplo, no art.º 370.º, n.º 2, no art.º 854º ou no art.º 988º, n.º 2), o cumprimento do artigo 655º e as eventuais respostas das partes não assumem idêntico relevo processual. Acresce que da ausência de resposta ao despacho previsto no artigo 655º nenhum prejuízo resulta para as partes.

No caso concreto, a recorrente, na reclamação para a Conferência, teve a oportunidade processual para expressar a sua discordância quando à não admissibilidade da revista, e exerceu efetivamente essa faculdade, pelo que nenhum direito de defesa lhe é limitado, não se verificando, por isso, qualquer nulidade.

3. A reclamante insiste na admissibilidade da revista com base na invocação da nulidade do acórdão recorrido [art.º 615.º, al. c) do CPC].

Porém, sustenta a sua tese numa interpretação equivocada do artigo 615º, n.º 4, aí encontrando justificação para defender que na apreciação dessa nulidade estaria em causa uma questão de legalidade estrita, pelo que o recurso não seria impedido pelo disposto no artigo 988º, n.º 2.

Ora, o n.º 4 do artigo 615º é bastante claro no seu enunciado normativo. As nulidades só são apreciadas pelo tribunal superior se o recurso for admissível. Caso contrário, serão apreciadas pelo tribunal recorrido. Assim, em primeiro lugar há que atender ao disposto no artigo 988º, n.º 2. Concluindo-se que a decisão foi proferida segundo critérios de conveniência ou oportunidade, o recurso não é admissível. E se alguma nulidade existir, ela será apreciada pelo tribunal recorrido (como dispõe claramente o art.º 615º, n.º 4).

É precisamente o que se verifica no caso concreto. Não sendo a revista admissível, as eventuais nulidades do acórdão serão apreciadas pelo tribunal recorrido.

Não assiste, assim, nenhuma razão à reclamante.

4. Sobre as razões da inadmissibilidade da revista, reproduzem-se os fundamentos da decisão singular:

«A decisão recorrida fixou o regime de visitas (com o qual o recorrente não concorda) segundo critérios de conveniência e oportunidade, atendendo às particularidades da vida da requerente e do requerido, bem como ao interesse das crianças.

Como decorre da fundamentação das decisões das instâncias, tais decisões não foram proferidas segundo critérios de legalidade estrita, nas quais a aplicação do direito substantivo ou processual pudesse ser alvo de controlo nos termos do artigo 674.º do CPC (e pudesse, por isso, ser referência para casos equiparáveis), mas sim com base nas concretas particularidades da vida dos progenitores e das crianças, independentemente de tais critérios de oportunidade se encontrarem legalmente consagrados no artigo 1906.º do CC.

O recorrente sustenta as suas alegações, essencialmente, na discordância face ao modo como a decisão recorrida apreciou as suas específicas circunstâncias de vida, e realça a particular penosidade que para si representa, tanto em termos económicos como de desgaste pessoal, por ter de fazer as longas viagens para poder cumprir o regime de visitas aos seus filhos menores, nos termos judicialmente fixados.

As especificidades do caso concreto, justificadoras da alteração do regime de visitas, encontram-se sumariadas no acórdão recorrido, nos seguintes termos:

«1- A avaliação da eventual repartição dos custos, pessoais ou financeiros, de ambos os progenitores para garantirem o exercício do direito de visitas das crianças com o progenitor com o qual não habitem regularmente, deve ser sopesado à luz das circunstâncias concretas do caso.

2- Na ponderação da repartição desses custos, apesar de causar um custo pessoal elevado para o pai percorrer cerca de 1000 Km por fim de semana para estar com os filhos, esse custo é ainda inferior ao que a mãe tem para se deslocar com os menores até metade do percurso, atenta a maior dificuldade de flexibilidade laboral da mãe, os seus problemas de saúde e a dependência da disponibilidade alheia para ter viatura a fim de fazer a deslocação.

3 - Sendo certo que os menores devem, depois da separação dos pais, manter tanto quanto possível o nível de vida que tinham quando viviam com os pais, tal solução tem que ser mitigada com o reconhecimento de que com a separação aumentam os custos decorrentes da necessidade de assegurar o sustento próprio de cada progenitor, sem a economia comum que existia antes da separação.»

Por se basear, assim, em específicas circunstâncias da vida do recorrente e da recorrida, a decisão em causa, pela sua natureza de processo de jurisdição voluntária, é suscetível de voltar a ser reapreciada e de ser alterada, caso se alterem essas circunstâncias, pelo que (dada essa potencial modificabilidade) o legislador entendeu que neste tipo de casos não deve haver recurso de revista.

Efetivamente, tratando-se de Providências Tutelares Cíveis, como é a regulação do exercício das responsabilidades parentais – art.º 3º, alínea c) do RGPTC (aprovado pela Lei n.º 141/2015) – estão em causa processos com natureza de jurisdição voluntária, como estabelece o artigo 12º deste Regime.

E o artigo 988.º (Valor das resoluções) do CPC dispõe que:

«1 - Nos processos de jurisdição voluntária, as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração; dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso.

2 - Das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça

Sobre a inadmissibilidade do recurso de revista em processos de jurisdição voluntária, veja-se, por exemplo, o que se extrata das seguintes decisões:

- Acórdão do STJ, de 18.04.2024 (relator Fernando Baptista)1, no processo n.1790/22.5T8TMR-A.E1.S1:

«- O processo tutelar comum, é um processo de jurisdição voluntária, nele se impondo como limite recursório o Tribunal da Relação, sem prejuízo de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, desde que estejam verificados os pressupostos gerais de recorribilidade da decisão do Tribunal da Relação e estejam em causa questões de legalidade estrita.

- Como casos típicos de decisões tomadas de acordo com critérios de conveniência ou de oportunidade são apontadas aquelas em que sejam ou devam ser ponderadas as circunstâncias concretas da vida de um menor ou da vida dos seus progenitores para que seja tomada uma decisão relativamente à guarda, ao regime de visitas e à pensão de alimentos, pois que nesse aspecto não há regras de determinação legal vinculativa moldando-se a decisão a proferir sobre princípios de ampla disponibilidade.

- Nessa senda, estando em causa apenas aferir se é do superior interesse do menor manter-se o regime provisório anteriormente fixado ou se a alteração a tal regime provisório, efectivada com a fixação de residência alternada salvaguarda os superiores interesses da criança, a revista não é admissível, pouco importando trazer à colação normas constitucionais, artigos da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança, ou outras, por não se estar a aferir da sua eventual violação.»

- Acórdão do STJ, de 11.11.2021 (relatora Graça Trigo)2, no processo n.º 1629/15.8T8FIG-D.C1.S1:

«Considerando que: (i) o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais configura uma providência tutelar cível (art. 3.º, al. c) do RGPTC); (ii) as providências tutelares cíveis têm, processualmente, natureza de jurisdição voluntária (art. 12.º do RGPTC); (iii) os recursos de decisões proferidas em providências tutelares cíveis, reguladas pelo RGPTC, têm natureza cível e são regulados supletivamente pelo CPC (arts. 32.º, n.º 3 e 33.º, n.º 1, do RGPTC); (iv) conclui-se que, nos termos do disposto no art. 988.º, n.º 2, do CPC, não é admissível recurso para o STJ das decisões proferidas no âmbito destes processos segundo critérios de conveniência ou oportunidade, apenas sendo admissível o recurso de decisões baseadas em critérios de estrita legalidade.»

Assim, na sequência da jurisprudência reiterada do STJ, concluiu-se que a revista não pode ser admitida, dado que a decisão recorrida não se baseou em critérios de legalidade estrita.

Em rigor, a subida do presente recurso nem devia ter sido admitida pelo tribunal recorrido. Porém, nos termos do artigo 641º, n.º 5 do CPC, a decisão que admite o recurso não vincula o tribunal superior.

O recorrente alega, por outro lado, que o acórdão recorrido estaria ferido de nulidade, com base no artigo 615º, n.º 1 do CPC.

Quanto a este fundamento, deve ter-se presente o que se dispõe no n.º 4 deste artigo, pois quando a decisão não é suscetível de recurso, as nulidades são apreciadas pelo tribunal recorrido. É, assim, ao tribunal recorrido que caberá apreciar a invocada nulidade.

Quanto à invocação de uma eventual aplicação da lei contrária à Constituição da República Portuguesa, não sendo a revista admissível, não pode, obviamente, o STJ tomar conhecimento dessa alegação.»


*


5. Não existe razão para alterar a decisão reclamada, pois, pelas razões aí expostas, com as quais se concorda, a revista não é, efetivamente, admissível.

DECISÃO: Pelo exposto, indefere-se a reclamação.

Custas pelo reclamante.

Lisboa, 17.10.2024

Maria Olinda Garcia (Relatora)

Rosário Gonçalves

Ricardo Costa

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1. Publicado em:

https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/23ceef88d6bf33ad80258b040059afc8?OpenDocument↩︎

2. Publicado em:

  https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/28747d3f5efda8d9802587900051a668?OpenDocument↩︎