Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JOSÉ RAINHO | ||
Descritores: | DESTITUIÇÃO DE GERENTE JUSTA CAUSA CONCORRENCIA DEFESA POR EXCEÇÃO FALTA DE CONTESTAÇÃO FACTOS ADMITIDOS POR ACORDO IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO ABUSO DO DIREITO SOCIEDADE POR QUOTAS PROCESSO ESPECIAL | ||
Data do Acordão: | 02/22/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
Sumário : | I - A lei não impõe, no que se refere à falta de resposta no quadro do n.º 4 do art. 3.º do CPC, um ónus de impugnação, de sorte que não há aqui lugar à admissão de factos por falta da sua impugnação. II - Existe fundamento para a destituição da gerência por justa causa, (i) se a sócia e gerente passou a exercer através de uma outra sociedade, de que também é sócia e gerente, uma atividade concorrente com a da sociedade, para a qual fez inclusivamente transitar trabalhadores desta; (ii) se a sócia e gerente determinou que duas sociedades de que também é sócia e gerente passassem a funcionar, sem quaisquer contrapartidas, nas instalações da sociedade. | ||
Decisão Texto Integral: |
Processo n.º 3152/20.0T8VNG.P1.S1 Revista Tribunal recorrido: Tribunal da Relação ...
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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):
I - RELATÓRIO
AA demandou, perante o Juízo de Comércio ... e em autos de ação especial de destituição de órgãos sociais, BB, peticionando que fosse esta suspensa e depois destituída das funções de gerente da sociedade Nossavida – Construções, Lda. Alegou para o efeito, em apertada síntese, que: - O Autor e a Ré são os únicos sócios da sociedade Nossavida – Construções, Lda., com igual participação social; - São ambos gerentes da sociedade Nossavida – Construções, Lda.; - A Ré utiliza abusivamente instalações e recursos que são pertença da sociedade Nossavida – Construções, Lda. no interesse e em proveito de certas outras sociedades comerciais das quais é sócia e gerente; - A Ré faz funcionar nas instalações da sociedade Nossavida – Construções, Lda. um ginásio, que rentabiliza, sem vantagens para a sociedade; - A Ré fez transferir, mediante contratos de cessão da posição contratual da Nossavida – Construções, Lda., trabalhadores desta sociedade para uma daquelas outras sociedades de que é sócia e gerente; - Uma destas sociedades, que tem a sua sede nas instalações da Nossavida – Construções, Lda., tem o mesmo objeto social desta, exercendo atividade concorrente com a desta e em sem prejuízo; - Autor e Ré são casados um com o outro, mas o casamento encontra-se em rutura.
Foi proferido despacho que, com fundamento em não terem sido alegados factos justificadores do pedido de suspensão da Ré da gerência da sociedade, determinou o prosseguimento dos autos apenas para apreciar o pedido de destituição.
Contestou a Ré, concluindo pela improcedência da ação. Alegou, em apertada síntese, que: - A sociedade Nossavida – Construções, Lda. foi sempre um projeto profissional da Ré e não do Autor, que, apesar de se ter tornado gerente de direito, nunca geriu a sociedade; - O Autor nunca contribuiu para o património da sociedade e para o desenvolvimento da respetiva atividade, resultando inclusivamente a sua quota de uma liberalidade que lhe foi feita pela Ré; - Foi a Ré quem sempre financiou, em vários milhões de euros, e geriu como entendeu, sem oposição do Autor, a sociedade Nossavida – Construções, Lda.; - Por não aceitar o termo do casamento, resolveu o Autor atacar a Ré por todos os meios ao seu alcance, e é nessa sequência que, contrariamente ao que sempre fez, passou a interferir na vida da sociedade Nossavida – Construções, Lda. e a manifestar as insurgências que fundamentam a presente ação judicial; - Tal como sucede com a Ré, também o Autor permite que outras demais sociedades beneficiem das instalações da sociedade Nossavida – Construções, Lda.; - O Autor exerce de forma abusiva o direito.
O Autor respondeu à contestação, mas a resposta foi mandada desentranhar do processo.
Foram admitidos os meios de prova pessoal indicados nos articulados e foi designado dia para realização da audiência final.
Não tendo as partes e as testemunhas comparecido na audiência final, foi, pelas razões constantes da ata de fls. 337 (ata de audiência final de 25 de janeiro de 2021), determinada a abertura de conclusão para prolação de decisão final.
Na sequência, foi proferida sentença que julgou improcedente o pedido.
Inconformado com o assim decidido, apelou o Autor. Fê-lo com êxito, pois que a Relação ... determinou a destituição da Ré do cargo de gerente da sociedade Nossavida – Construções, Lda. + É agora a vez da Ré, insatisfeita com tal desfecho, pedir revista.
Da respetiva alegação extrai as seguintes conclusões:
1.ª Vem o presente recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação ... de 14.09.2021, que julgou procedente o recurso de apelação e determinou a destituição da ora Recorrente do cargo de gerência da sociedade NOSSAVIDA – CONSTRUÇÕES, LDA. 2.ª Apesar de proferida num processo de jurisdição voluntária, a decisão recorrida não se fundou apenas em critérios de conveniência ou oportunidade, mas também em regras de direito, substantivo e processual, pelo que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça deve ser considerado admissível, nos termos dos artigos 671.º, n.º 1, e 988.º, n.º 2, a contrario, do Código de Processo Civil. 3.ª Os fundamentos da revista são (cfr. artigo 674.º, n.º 1, als. a) e b), do Código de Processo Civil): a) a violação de lei substantiva, por errada interpretação das normas dos artigos 334.º e 342.º, n.º 2, do Código Civil e dos artigos 254.º, n.º 5, e 257.º, n.º 6, do Código das Sociedades Comerciais, e b) a violação e errada aplicação da lei de processo, concretamente das normas dos artigos 3.º, n.º 4, 986.º, n.º 1, 293.º, n.º 3, devidamente adaptado, 549.º, n.º 1 e 574.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. 4.ª Ademais, com a errada aplicação da lei de processo, na fixação dos factos materiais da causa, a decisão recorrida violou a lei expressa, que fixa a força probatória da confissão ficta, pelo que o erro na fixação de tais factos pode ser objeto de recurso de revista, como estabelece o n.º 3 do artigo 674.º do Código de Processo Civil. 5.ª Recorde-se que, nos presentes autos, foi proferida douta sentença que julgou a ação improcedente, sentença da qual o ora Recorrido interpôs recurso de apelação, e que na resposta à alegação da apelação, a ora Recorrente e ali Recorrida veio, subsidiariamente, impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas pelo ali Recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. 6.ª Por via desta feia ação, pretende o Autor afastar da gerência da NOSSAVIDA – CONSTRUÇÕES, LDA., a sua mulher, por pura vindicta, exclusivamente em razão das desavenças do casal, bem espelhadas mormente no processo de divórcio, que foi, na pendência desta causa, decretado, e no processo-crime por violência doméstica contra ela praticada – cfr. Doc. 1 do requerimento de atribuição de efeito suspensivo. 7.ª O ora Recorrido invocou na petição inicial, como alegadas causas de destituição de gerente da Ré, a constituição, por ela, de uma sociedade com atividade concorrente, e a utilização gratuita das instalações da NOSSAVIDA – CONSTRUÇÕES, LDA. por outras sociedades por ela detidas, e para fins pessoais. 8.ª A ora Recorrente defendeu-se, invocado que a NOSSAVIDA – CONSTRUÇÕES, LDA., pese embora com duas quotas de valor igual, detidas por cada uma das partes, foi sempre um projeto profissional dela, e não do marido; que foi ela quem financiou massivamente a sociedade, com empréstimos no valor de Eur 3.809.950,51; que foi ela quem geriu a sociedade, até que passou a ser atacada pelo marido, em razão do dissídio que envolve o fim do seu casamento; que, em face dos ataques do Autor, não tinha obrigação de manter a atividade da sociedade, financiando-a sozinha, tendo sido por isso forçada a constituir outra sociedade, para se proteger enquanto empresária e aos seus funcionários (que, de outra forma, ficariam desempregados). 9.ª Mais alegou a Recorrente, no que respeita à utilização do armazém da NOSSAVIDA – CONSTRUÇÕES, LDA., que ela não causa à sociedade os prejuízos invocados e que também o ora Autor beneficia dessas instalações. 10.ª E alegou que o Autor atua com abuso do direito, quer quando invoca o exercício de atividade concorrente pela Ré, quer quando invoca a utilização que esta vem dando ao armazém da NOSSAVIDA – CONSTRUÇÕES, LDA., sendo que a matéria da exceção do abuso do direito não teve resposta, pelo que devia ter-se por confessada, nos termos dos artigos 986.º, n.º 1, 293.º, n.º 3, devidamente adaptado, 549.º, n.º 1 e 574.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. 11.ª Não obstante a não prova desses factos, o tribunal de primeira instância decidiu, doutamente, pela improcedência da ação, pese embora tenha considerado verificados os factos invocados pelo Autor na petição inicial. 12.ªAssim, a sentença de primeira instância considerou que os factos objetivos alegados pelo Autor não são, só por si, num contexto de conflito entre as partes, integrantes de justa causa de destituição de gerente da Ré. 13.ª Na verdade, não há nenhum conflito entre a sociedade NOSSAVIDA – CONSTRUÇÕES, LDA. e a sua sócia-gerente – que possibilitaria a verificação de justa causa de destituição -; o que existe é um grave conflito entre os sócios, (ex-)marido e (ex-)mulher, Autor e Ré, realidade que o tribunal de primeira instância muito bem captou e qualificou. 14.º. Razão pela qual os factos objetivos da constituição de uma sociedade com atividade concorrente e a utilização das instalações da NOSSAVIDA – CONSTRUÇÕES, LDA., não são, só por si, suficientes para integrar o conceito de justa causa de destituição – ao contrário do que veio a ser decidido no acórdão recorrido, em violação do disposto nos artigos 254.º, n.º 5, e 257.º, n.º 6, do Código das Sociedades Comerciais. 15.º A Ré, prevenindo a hipótese de o entendimento do Tribunal da Relação ... ser outro, isto é, que os factos que foram dados como provados na primeira instância fossem considerados suficientes para – desacompanhados de outros – determinarem a procedência da ação, subsidiariamente impugnou a decisão da matéria de facto, no que respeita aos factos alegados na contestação, tudo nos termos do disposto no artigo 636.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. 16.ª Trata-se dos factos constantes da contestação que foram dados como não provados e que, no entender da Recorrente, deviam ter sido dados como provados, por integrarem a exceção perentória de abuso do direito e por falta de contestação pelo Autor. 17.ª O ónus da provados factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita – artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil – pelo que, invocada a exceção perentória de abuso do direito, compete ao autor impugná-la, sob pena de ser terem por confessados os factos em que assenta. 18.ª A confissão, por falta de impugnação, é admissível em processo de jurisdição voluntária, como desde logo resulta do disposto no artigo 355.º, n.º 2, do Código Civil, que estatui que «confissão judicial é a feita em juízo (…) ainda que o processo seja de jurisdição voluntária». 19.º Nos processos de jurisdição voluntária, as consequências da falta de contestação (à ação ou às exceções) vêm, em alguns casos, expressamente previstas na lei e, noutros casos, não, devendo, nestes casos em que a lei nada prevê, aplicar-se o regime do processo comum – cfr. jurisprudência acima citada. 20.ª.O processo de destituição de gerente, previsto no artigo 1055.º, não contém regras próprias sobre o efeito cominatório, pelo que se aplica, por força do disposto no artigo 549.º, n.º 1, a regra prevista no artigo 574.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil – donde, a falta de contestação da exceção arguida pela Ré determina que se têm por admitidos, por acordo, os factos em que se baseia. 21.ª Por conseguinte, devia ter sido, pela Relação, alterada a decisão da matéria de facto, dando-se como provados os factos alegados na contestação da Ré. 22.ª O tribunal a quo não decidiu desta forma, argumentando que nos presentes autos não se realizou audiência final e o ora Recorrido não teve oportunidade de se pronunciar sobre a exceção, entendimento que, salvo o muito devido respeito, contraria a verdade processual e viola flagrantemente as normas processuais dos artigos 3.º, n.º 4, 986.º, n.º 1, 293.º, n.º 3, devidamente adaptado, 549.º, n.º 1 e 574.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. 23.ª É certo que, por despacho de 13.10.2020, foi ordenado o desentranhamento da resposta à exceção de abuso do direito, pelo Autor, assim como também do articulado da resposta apresentado pela Ré, por se considerar que tais articulados não eram admissíveis – remetendo-se para o disposto no artigo 3.º, n.º 4, do Código de Processo Civil. 24.ª Neste tipo de processo, não há lugar à audiência prévia, pelo que a resposta à exceção de abuso do direito deduzida na contestação devia ter sido apresentada no início da audiência final, nos termos desse n.º 4 do artigo 3.º do Código de Processo Civil. 25.ª Ora, apesar das partes terem requerido o adiamento da audiência, tal requerimento foi indeferido, por despacho exarado na ata de audiência de discussão e julgamento do dia 25.01.2021 - precisamente a audiência que as partes pretenderam adiar, mas sem êxito. 26.ª Dúvidas não podem restar, em face da ata do julgamento, de que nos presentes autos foi aberta e encerrada a audiência de discussão e julgamento, que assim teve lugar, pese embora na ausência das partes, dos seus mandatários, e das testemunhas e, por isso, sem produção de prova e, para o que agora interessa, sem que tivesse sido apresentada, pelo Recorrido, a resposta à exceção de abuso do direito deduzida na contestação. 27.ª Uma vez que a audiência de julgamento foi realizada e o Autor não respondeu à exceção de abuso do direito, devem ter-se por confessados os factos que lhe servem de fundamento. 28.ª A Relação, decidindo de forma diversa, violou o disposto no artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil e nos artigos 3.º, n.º 4, 986.º, n.º 1, 293.º, n.º 3, devidamente adaptado, 549.º, n.º 1 e 574.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. 29.ª Devendo a decisão recorrida ser revogada, determinando-se que se consideram provados os factos alegados nos artigos 13.º a 29.º, 31.º a 34.º, 36.º a 42.º, 45.º, 47.º, 54.º, 56.º a 65.º, 69.º a 72.º, 78.º a 81.º, 94.º, 97.º a 101.º, 103.º e 104.º da contestação, acima transcritos. 30.ª Desse quadro fáctico resulta que o Autor atua com abuso do direito, ao invocar o exercício de atividade concorrente, pela Ré, como fundamento para a sua destituição de gerente, nos termos do artigo 254.º, n.ºs 1, 3 e 5 do Código das Sociedades Comerciais. 31.ª Na verdade, foram os comportamentos do Autor que determinaram a paralisação da atividade da NOSSAVIDA – CONSTRUÇÕES, LDA., e a necessidade de constituição, pela Ré, da C..., Lda., no mínimo para assegurar os postos de trabalho dos empregados da NOSSAVIDA – CONSTRUÇÕES, LDA., e para reduzir danos na sua atividade empresarial. 32.ª. O Autor fez-se valer de um cargo de gerente, até aí meramente formal, na NOSSAVIDA – CONSTRUÇÕES, LDA., para inviabilizar qualquer decisão da Ré, numa sociedade que a aconselhou a constituir numa situação de igualdade para ambos, apesar dessa igualdade nunca ter sido partilhada em termos de investimento, nem em termos de custos – o Autor só pretende, obviamente, participar nas vantagens. 33.ª Ainda que, por hipótese de raciocínio, e sem conceder, se entendesse estar configurada uma situação de concorrência, a sua invocação pelo Autor, para afastar a Ré da gerência e para se tornar ele próprio o único gerente da sociedade NOSSAVIDA – CONSTRUÇÕES, LDA., sempre constituiria o exercício ilegítimo desse direito, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé (sendo evidente a má fé que move o Autor), e pelo fim social e económico do direito, que não permite, em concreto, que um sócio que sempre foi alheado da sociedade e que nunca contribuiu com nada, afaste da gerência quem sempre conduziu os destinos desta e nela injetou mais de três milhões e oitocentos mil euros. 34.ª Devendo, assim, o exercício do direito ser considerado abusivo, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, com a consequente paralisação do seu exercício e a improcedência da ação. 35.ª Por outro lado, no que diz respeito à utilização que a Ré vem dando ao armazém da NOSSAVIDA - considerada no acórdão recorrido como argumento complementar para a decisão que foi tomada, de destituição de gerente da Ré - também a invocação desses factos constitui um manifesto abuso do direito. 36.ª Do mesmo acervo fáctico decorre que a utilização que é dada ao armazém, pela Ré, se prolongou no tempo, sem que tenha havido qualquer atuação do Autor de reação negativa, sendo por demais evidente que o Autor se conformou com essa utilização, aliás usando ele próprio o mesmíssimo imóvel para um armazém do seu bar, além de ter pedido à Ré para que uns amigos também usassem um espaço para a sua empresa. 37.ª Estas atitudes do Autor foram manifestamente sinalizadoras de que este não reagiria, em nome dos interesses da NOSSAVIDA, contra a ocupação do edifício por outras empresas da Ré, o que criou a confiança desta de que o Autor não viria a reagir contra esses atos, no futuro. 38.ª A proibição do venire contra factum proprium, como é pacífico e consabido, reconduz-se à doutrina da confiança, pressupondo que o confiante adira ao facto gerador dessa confiança (cfr. o acórdão acima citado, entre dezenas de outros). 39.ª Agindo, por via desta demanda, em violação da confiança que legitimamente foi criada na convicção da Ré, o Autor atua com abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, nos termos do citado artigo 334.º do Código Civil, pelo que a sua pretensão deve ser julgada improcedente. 40.ª Ao decidir de forma diferente, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 334.º do Código Civil e nos artigos 254.º, n.º 5, e 257.º, n.º 6, do Código das Sociedades Comerciais. 41.ª Pelo que a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente improcedente. + O Autor contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso. + Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. +
II - ÂMBITO DO RECURSO
Importa ter presentes as seguintes coordenadas: - O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas; - Há que conhecer de questões, e não das razões ou argumentos que às questões subjazam; - Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido. + São questões a conhecer: - Se ocorreu errada aplicação da lei de processo e erro na fixação dos factos (desconsideração de factos admitidos por acordo); - Se há abuso do direito; - Se a ação deve improceder.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
Quanto à matéria das conclusões, 1.ª, 2.ª, 3.ª e 4.ª
A matéria destas conclusões não demanda qualquer pronunciamento. Importa apenas reiterar que o recurso é efetivamente admissível, tal como já decidido pelo relator no seu exame preliminar (recorde-se que o Recorrido suscitou a questão da inadmissibilidade do recurso, questão que ao relator competia tratar).
Quanto às questões da errada aplicação da lei de processo e do erro na fixação dos factos (a esta questão se referem as conclusões 4.ª a 29.ª)
Como se revela nos autos, a Ré suscitou na sua contestação a exceção do exercício abusivo por parte do Autor do direito à sua destituição da gerência da sociedade Nossavida – Construções, Lda., alegando os factos que teve por pertinentes a esse fim[1]. A tal exceção propôs-se o Autor responder aquando da notificação que lhe foi feita da contestação, mas o tribunal entendeu que a resposta não era admissível, por não comportar o processo senão dois articulados: o requerimento inicial e a oposição. Razão pela qual ordenou o respetivo desentranhamento dos autos. O tribunal não deixou de exarar, porém, e citando o art. 3.º, n.º 4 do CPCivil, que “às exceções deduzidas no último articulado pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final” (despacho de 13 de outubro de 2020, fls. 335 do processo físico). Deste modo, e dado que não havia lugar a audiência prévia, era na audiência final que o Autor, querendo fazê-lo, podia responder à matéria da dita exceção. Ocorre que, designado que foi dia para a audiência final, o Autor a ela não compareceu, de sorte que nenhuma resposta à exceção foi ali apresentada.[2] Não tendo, pois, sido contraditada a factualidade em que se fundou a exceção em causa, sustentou a Ré (fazendo-o a título de ampliação do âmbito do recurso) na sua contra-alegação na apelação que o Autor interpôs, que se impunha considerar admitidos por acordo (confissão ficta) os inerentes factos, que a sentença da 1ª instância declarara não provados por não ter sido feita prova sobre eles. O acórdão recorrido não deu procedência a esta pretensão da Ré, com fundamento na circunstância de não se ter realizado a audiência final, não tendo assim o Autor oportunidade de responder à exceção. É contra o assim decidido que se insurge a Ré, ora Recorrente, continuando a sustentar, com base nos art.s 986.º, n.º 1, 293.º, n.º 3 (“devidamente adaptado”), 549.º, n.º 1 e 574.º, n.º 2, todos do CPCivil, que os factos em causa se devem ter como assentes por falta de impugnação por parte do Autor. Cremos, contudo, que não tem razão. Não pelo exato motivo em que se estriba o acórdão recorrido. É que, diferentemente do que neste se supõe, a audiência final teve efetivamente lugar, apenas sucede que nenhum ato das partes foi nela praticado uma vez que (como consta da ata respetiva, fls. 337) “verificou-se não se encontrar presente qualquer interveniente deste processo”. Portanto, se fosse de dizer, como suposto no acórdão recorrido, que o Autor não teve oportunidade de responder à exceção, então também se imporia dizer que isso só aconteceu por causas da responsabilidade do próprio Autor (logo, sibi imputat), e não seria por aqui que estaria vedada a admissão por acordo dos factos em causa. A Recorrente não tem razão, mas é bem por um outro motivo: é que, segundo nos parece, a lei não impõe, no que se refere à falta de resposta no quadro do n.º 4 do art. 3.º do CPCivil, qualquer ónus de impugnação, de sorte que não pode falar-se aqui em admissão de factos por falta da sua impugnação. Efetivamente, norma alguma estabelece em geral que a falta da resposta a que alude o n.º 4 do art. 3.º do CPCivil produz o efeito estabelecido no n.º 2 do art. 574.º do mesmo Código (admissão por acordo dos factos não impugnados), sendo que em matéria de processos de jurisdição voluntária (como é o caso) a lei (art.s 986.º, n.º 1 e 293.º, n.º 3, do CPCivil) se limita especificamente a aludir a um efeito cominatório em caso de falta de oposição ao requerimento inicial. Neste sentido vai Lebre de Freitas (A Ação Declarativa Comum, 3ª ed., p. 136, nota 3ª), que expende depois (p. 143) que «Na falta de norma legal que sujeite a parte ao ónus de impugnação, deve entender-se que a apresentação deste articulado [a resposta a que alude o n.º 4 do art. 3.º do CPCivil] constitui uma faculdade e não um ónus. (…) [D]ado o momento tardio da sua apresentação, designadamente quando só tenha lugar na audiência final, a cominação já não se justificaria. A parte “pode”, por isso, responder às exceções, mas não “deve”, como o réu ao contestar (art. 574-1) ou o autor ao replicar (art. 587.º-1)[3]». Deste modo, afigura-se que os factos que integram a exceção que a Ré suscitou não se podem ter por admitidos por acordo. Ao invés, para que tais factos pudessem ser atendidos para a decisão da causa, havia a Ré de os ter provado normalmente, o que não se mostra feito. Daqui que se compreende que o tribunal de 1ª instância tenha declarado não provados os factos em questão, do mesmo passo que se apresenta correto o acórdão recorrido ao não ter (embora com fundamentação que não é, pois, de subscrever) considerado provado esse mesmo acervo factual por acordo das partes (falta de impugnação). O que significa que nenhuma errada aplicação da lei de processo foi feita. Termos em que improcede a questão aqui em apreciação, com o que improcedem também as conclusões 4.ª a 29.ª na parte em que se defende o contrário do que fica dito.
Quanto à questão do abuso do direito e da improcedência da ação (a esta questão se referem as conclusões 30.ª a 41.ª):
Dos factos
São os seguintes os factos que estão provados:
a) A sociedade comercial Nossavida – Construções, Lda. está registada na Conservatória do Registo Comercial com o NIPC 510215084, com sede na Rua Raimundo de Carvalho, n.º 171, 4º, sala 42, freguesia de Mafamude e Vilar do Paraíso , concelho de ..., com o capital de 5.000,00 euros, dividido em duas quotas no valor nominal de 2.500,00 euros cada, uma titulada por BB e outra titulada por AA, obrigando-se com a intervenção de um gerente, tendo como objeto a compra e venda de imóveis e revenda para esse fim, promoção imobiliária, arrendamento de imóveis e construção civil; b) Foi constituída a 12 de Abril de 2012, regendo-se pelo contrato de sociedade junto a fls. 14 e seguintes, tendo sido designada gerente a sócia BB; c) Através da inscrição com a ap. ...51, de 10 de Abril de 2014, está registada a designação como gerente do sócio AA (deliberação de 25 de Março de 2014); d) A sociedade comercial Nossavida – Construções, Lda. exerce as seguintes atividades e está inscrita na Autoridade Tributária e Aduaneira com os seguintes CAE: • Principal, 68100, compra e venda de bens imobiliários, com início a 11 de Abril de 2012; • Secundário 1, 68200, arrendamento de bens imobiliários, com início a 25 de Janeiro de 2016; • Secundário 2, 41200, construção de edifícios, com início a 14 de Setembro de 2018; e) A sociedade comercial “Nossavida – Construções, Lda.” é dona de vários imóveis, objeto de arrendamento, e tem em construção várias moradias num terreno sito na Rua Arca de Noé, Canidelo, Vila Nova de Gaia; f) É dona de dois veículos automóveis, que estão ao seu serviço: o veículo automóvel ..., modelo ... com a matrícula ...-RT-..., e o veículo automóvel ..., modelo ..., com a matrícula ...-SA-...; g) A sociedade comercial Nossavida – Construções, Lda. adquiriu, a 11 de Abril de 2016, no âmbito de um processo de insolvência, um armazém de rés-do-chão e andar, sito na Rua da Estamparia de Lavadores, n.º 1306, ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ..., com a seguinte composição: área de terreno 3.298 m2; área de implantação do edifício 1.274 m2; área bruta de construção 2.238 m2; área bruta independente 310,00 m2; área bruta privativa 1.928,00 m2; com o valor patrimonial de 517.320,00 euros; h) Tal armazém sofreu obras de remodelação, cujo custo foi suportado pela sociedade Nossavida – Construções, Lda., tem, junto à rua, um logradouro com cerca de 1.500 m2 e, a 8 de Janeiro de 2020, foi-lhe atribuído o alvará de autorização de utilização n.º 26/20 para comércio/prestação de serviços; i) A água, luz, IMI, seguros e custos de manutenção são suportados pela sociedade Nossavida – Construções, Lda.; j) A sociedade comercial T..., Lda. está registada na Conservatória do Registo Predial com o NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., tendo como objeto café, bar, snack-bar, restauração, prestação de atividades desportivas não especificadas, com o capital de 5.000,00 euros, dividido em três quotas, uma no valor nominal de 3.000,00 euros, titulada por AA, uma no valor nominal de 1.000,00 euros, titulada por BB, e outra no valor nominal de 1.000,00 euros, titulada por CC, sendo gerentes o primeiro e o último; k) Tal sociedade comercial foi constituída a 5 de Novembro de 2014 e rege-se pelo contrato junto a fls. 71 verso e seguintes; l) A sociedade comercial D..., Unipessoal, Lda. está registada na Conservatória do Registo Comercial com o NIPC ..., com sede na ..., ..., tendo como objeto a prestação de serviços de apoio a idosos em regime diurno, apoio domiciliário, residência assistida temporária, complementado com os serviços de fisioterapia, ginástica de recuperação e manutenção, apoio a atividades desportivas, centro de estudos, leitura e exposições, confeção, desenho e comércio de vestuário, calçado e acessórios de moda, com o capital de 5.000,00 euros, sendo sócia e gerente BB; m) Tal sociedade comercial foi constituída a 6 de Maio de 2015; n) A requerida instalou no imóvel identificado na alínea g) a organização de produção e venda da atividade da sociedade comercial D..., Unipessoal, Lda., onde trabalham, a tempo inteiro, pelo menos quatro funcionários da mesma, e onde desenha e comercializa o vestuário, atende e comunica com os seus clientes; o) A sociedade comercial D..., Unipessoal, Lda. não paga à sociedade Nossavida – Construções, Lda. qualquer contrapartida pela utilização de tal imóvel; p) A sociedade comercial D..., Lda. está registada na Conservatória do Registo Comercial com o NIPC ..., com sede na ..., tendo como objeto o transporte ocasional de passageiros em veículos ligeiros, atividade de animação turística, transporte de passageiros em veículos ligeiros até 9 lugares incluindo o condutor, organização, promoção e realização de eventos sociais, culturais e desportivos, aluguer de veículos ligeiros com e sem condutor, motociclos e bicicletas ou outros veículos motorizados e não motorizados, compra, venda de bens imobiliários e revenda dos adquiridos para esse fim, arrendamento, gestão e permuta de bens imobiliários próprios e alheios, alojamento mobilado para turistas e apartamentos turísticos com ou sem restaurante, importação, exportação e comércio de veículos automóveis novos e usados, suas peças e acessórios, consultoria para os negócios e a gestão nas áreas de informática, economia e engenharia, formação profissional e não profissional, com o capital de 1.500,00 euros, dividido em três quotas no valor nominal de 500,00 euros cada, uma titulada por BB e duas tituladas pela sociedade comercial “D..., Unipessoal, Lda.”, sendo gerente a primeira; q) Tal sociedade comercial foi constituída a 3 de Julho de 2017 e rege-se pelo pacto social junto a fls. 27 e seguintes, sendo que as participações sociais tituladas por BB e pela sociedade comercial D..., Unipessoal, Lda. foram adquiridas a 4 de Janeiro de 2019; r) A sede foi alterada para a ..., a 15 de Maio de 2019, onde a requerida instalou a logística para o funcionamento da empresa e o desenvolvimento da sua atividade, existindo no interior do imóvel um espaço reservado para o efeito; s) A sociedade comercial D..., Lda. presta um serviço de transportes, ...; t) Os seus veículos automóveis, quando não estão em serviço ..., estão estacionados no logradouro do imóvel referido na alínea g), em média 10 veículo automóveis; u) A sociedade comercial D..., Lda. não paga à sociedade comercial Nossavida – Construções, Lda. qualquer contrapartida pela utilização de tal imóvel; v) A requerida, na qualidade de gerente da sociedade comercial Nossavida – Construções, Lda., enviou ao contabilista certificado, a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 150, e cujo teor se dá aqui por reproduzido, registada com A/R, com o assunto “Rescisão da prestação de serviços de contabilidade”, recebida a 20 de Fevereiro de 2020, onde se lê o seguinte: “1. Na qualidade de sócia gerente, venho por este meio informar que é minha vontade proceder à ... prestados à empresa Nossavida Construções, Lda., dando, ainda, sem efeito e por revogada toda e qualquer procuração que tenha em seu poder a partir do momento da recepção desta carta. 2. Desta forma, solicito a restituição de toda a documentação, objectos ou valores que se encontrem na posse de V. Exa., devendo ser os mesmos entregues, ao meu cuidado, na seguinte morada: Rua..., ..., ...”; w) O requerente teve conhecimento da comunicação referida na alínea anterior e, na qualidade de gerente da sociedade comercial Nossavida – Construções, Lda. enviou ao contabilista certificado, a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 30 e cujo teor se dá aqui por reproduzido, onde se lê o seguinte: “Tive conhecimento de que a BB (…) vos comunicou que ... a prestação dos serviços de contabilidade que desde sempre têm desenvolvido. Ora acontece que, tal como ela sou titular de 50% e também sou gerente. E como tal, informo que deverão manter a vossa prestação de serviços de contabilidade, uma vez que que existem atos fiscais a praticar, que são da vossa responsabilidade, além de continuarem a merecer a total confiança desta empresa.”; x) O contabilista certificado, face aos factos descritos nas alíneas v) e w), consultou a Ordem dos Contabilistas Certificados; y) O contabilista certificado decidiu manter-se em funções; z) O Arquiteto DD passou a relacionar-se com o referido contabilista certificado em representação da requerida; aa) A sociedade comercial C..., Lda. está registada na Conservatória do Registo Comercial com o NIPC ..., com sede na Rua..., ..., ..., ..., tendo como objeto a compra e venda de imóveis e revenda para esse fim, promoção imobiliária, arrendamento de imóveis e construção civil, inclui também a ampliação, reparação, transformação e restauro de edifícios, decoração de interiores, e administração de condomínios, com o capital de 500,00 euros, dividido em duas quotas, uma no valor nominal de 499,00 euros, titulada por BB, e outra no valor nominal de 1,00 euros, titulada pela sociedade comercial D..., Unipessoal, Lda., exercendo a primeira a gerência; bb) Tal sociedade comercial foi constituída a 20 de Fevereiro de 2020, com sede na Rua ..., ..., sendo que a mudança de sede, para a Rua..., ..., ..., ..., ocorreu a 6 de Abril de 2020; cc) Está inscrita na Autoridade Tributária e Aduaneira com os seguintes CAE: • 41… – construção de edifícios • 68… – arrendamento de bens imobiliários • 68… – compra e venda de bens imobiliários; dd) No início de Março de 2020, a sociedade comercial “Nossavida – Construções, Lda.” tinha os seguintes trabalhadores inscritos e com contribuições na Segurança Social: - EE; - FF; - GG; - HH; - II; - JJ; ee) A sociedade comercial Nossavida – Construções, Lda., representada pela requerida, cedeu, a título definitivo, à sociedade comercial C..., Lda., representada pela requerida, a posição de entidade empregadora nos contratos individuais de trabalho celebrados com EE, FF, GG, HH e JJ, nos termos que constam do documento junto a fls. 34 e 35, cujo teor se dá aqui por reproduzido; ff) O contabilista certificado, através de comunicação eletrónica de 25 de Março de 2020, solicitou à pessoa identificada na alínea z) as seguintes informações: “1 – Informação de todas as eventuais ausências e respectivos motivos, dos trabalhadores da empresa, no período em que estiveram vinculados à Nossavida. 2 – Estão em falta vários documentos (faturas de compras e de vendas, comprovativos de movimentos bancários, etc.). Solicito que verifique por favor como e com quem poderei contactar, de maneira a que possa continuar a manter a regularidade da situação fiscal e tributária da empresa.”; gg) O Arquiteto DD através da comunicação eletrónica datada de 31 de Março de 2020, cuja cópia se encontra junta a fls. 31 verso e cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido; hh) Na mesma data, enviou nova comunicação eletrónica, retificando a anterior, nos seguintes termos: “Relativamente aos funcionários da Nossavida – Construções, Lda. que ficam na empresa são BB, AA, KK, LL e CC (em princípio sairá no final do mês), os restantes é que transitaram para outra empresa (desde o dia 11 de março de 2020), peço desde já desculpa pelo lapso (…)”; ii) À data, os trabalhadores KK e LL estavam de baixa médica; jj) O contabilista certificado emitiu os recibos de Março de 2020 em conformidade com a informação descrita na alínea hh); kk) A requerida utiliza o imóvel identificado na alínea g) para organizar a atividade da sociedade comercial C..., Lda., sendo que os seus empregados são vistos no local a pegaram em máquinas da sociedade comercial Nossavida – Construções, Lda. para prestarem serviços àquela; ll) A requerida instalou no ... do imóvel identificado na alínea g) um ginásio, num espaço de, pelo menos, 200 m2, que utiliza sozinha ou com amigos; mm) Os custos de funcionamento do ginásio, incluindo água e luz, são pagos pela sociedade comercial Nossavida – Construções, Lda.; nn) O requerente e a requerida casaram entre si a 9 de Junho de 2012, à luz da lei belga, sob o regime de separação de bens, mediante convenção antenupcial outorgada a 25 de Maio de 2012 e aditada no dia 25 dos mesmos mês e ano; oo) Na constância do casamento nasceu, a .../.../2013, MM; pp) A requerida instaurou contra o requerido ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, a 6 de Julho de 2020, a qual corre termos com o número 4397/20...., do Juízo de Família e Menores ... – Juiz ..., com os fundamentos constantes da petição inicial junta a fls. 76 e seguintes; qq) A requerida, a 28 de Junho de 2020, apresentou junto a entidade policial competente queixa contra o requerente, pelos factos constantes de fls. 84 verso a 93 verso, tendo-lhe sido atribuído o estatuto de vítima, nos termos constantes dos documentos de fls. 84 verso a 88.
Do direito
A Recorrente sustenta que o Autor exerce de forma ilegítima o direito à sua destituição, mas fá-lo suportada exclusivamente nos diversos factos que integram a exceção do abuso do direito que suscitou na contestação. Ora, nenhum destes factos está provado (designadamente por acordo das partes, nos termos supra expostos), pelo que é apodítico que não poderão fundar o pretenso exercício abusivo do direito, seja quanto à alegada concorrência ilegal imputada à Ré seja quanto à utilização que a Ré vem dando ao prédio (armazém) em causa. Nesta parte necessariamente que não pode ser paralisado o direito à destituição da Ré, improcedendo nessa dimensão o recurso.
Mas a Recorrente também mostra discordar do acórdão recorrido enquanto alicerçado simplesmente na factualidade que foi dada como provada. Mas de igual forma aqui se nos afigura que o faz sem razão. Expôs-se no acórdão, a propósito, o seguinte, e passa-se a citar: «No presente pleito discute-se a questão de saber se existem razões objectivas susceptíveis de justificar a destituição da Recorrida das funções de gerente da sociedade comercial “Nossavida – Construções, Lda.”. O Recorrente alegou, para esse efeito, e em resumo, que a Recorrida utiliza os bens e os meios da sociedade comercial no interesse de outras sociedades comerciais, das quais é sócia e gerente e exerce actividade concorrente com sede no mesmo local e com trabalhadores que transferiu daquela sociedade. Nos termos do n.º 4 do art. 257º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) “Existindo justa causa, pode qualquer sócio requerer a suspensão e a destituição do gerente, em acção intentada contra a sociedade”, acrescentado o n.º 5 da mesma disposição legal que “Se a sociedade tiver apenas dois sócios, a destituição da gerência com fundamento em justa causa só pelo tribunal pode ser decidida em acção intentada pelo outro”. A violação grave dos deveres de gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respectivas funções configura, segundo o n.º 6, justa causa de destituição. A administração da sociedade compete aos gerentes (cfr. arts. 192.º, n.º 1 do CSC) razão pela qual se exige uma relação de confiança entre os sócios e o representante da sociedade, o qual tem igualmente poderes decisivos de gestão da actividade da sociedade. O art. 64º do Código das Sociedades Comerciais estabelece uma regra geral de conduta e um dever de diligência, imposto a todos aqueles que tomem nas suas mãos a gestão e os destinos de uma qualquer sociedade, aí se estabelecendo que os gerentes ou administradores de uma sociedade devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado. Coutinho de Abreu1 define o dever de lealdade como dever de os administradores exclusivamente terem em vista os interesses da sociedade e procurarem satisfazê-los, abstendo-se portanto de promover o seu próprio benefício ou interesses alheios. O exercício não autorizado de actividade concorrente, previsto no art.º 254.º, n.º 5 do CSC, para além de outros que decorrem da lei, constitui uma concretização da violação do dever de lealdade. Entende-se como concorrente com a da sociedade, na explicação de Coutinho de Abreu, qualquer actividade abrangida no objecto desta, desde que esteja a ser exercida por ela ou tenha sido deliberado pelos sócios. E exerce actividade concorrente por “conta própria” o administrador que actua (mediante empresa, normalmente) em nome próprio-pessoalmente ou por representação-e no próprio interesse. A lei comina, para certas hipóteses, a possibilidade de destituição com justa causa nomeadamente a consagrada no artigo 254.º, 5 (exercício não autorizado de actividade concorrente com a da sociedade). É considerada conduta desleal “aquela que promove ou potencia, de forma directa ou indirecta, situações de benefício, vantagem ou proveito próprio dos administradores (ou de terceiros, por si influenciados ou dominados (nomeadamente outra sociedade), ou de familiares) em prejuízo ou sem consideração pelo conjunto de interesses diversos atinentes à sociedade, neles englobando-se desde logo interesses comuns de sócios enquanto tais e, também os de trabalhadores e demais stakeholders relacionados com a sociedade.” O pedido de destituição formulado pelo Recorrente fundamentou-se na utilização de um imóvel da sociedade comercial “Nossavida–Construções, Lda.”, sem o consentimento desta e contra sua a vontade, por iniciativa/decisão da Recorrida, em seu próprio benefício ou de outras sociedades comerciais de que é sócia e gerente, sem o pagamento de qualquer contrapartida por essa utilização, bem como no facto de uma daquelas sociedades comerciais, a sociedade comercial “C..., Lda.”, exercer actividade concorrente, a favor da qual a Recorrida cedeu os trabalhadores da sociedade comercial “Nossavida–Construções, Lda.”, que estavam no activo. O dever de lealdade, manifestado pela proibição de concorrência, é definido, pelo interesse da sociedade.7 A Recorrida, na qualidade de gerente da sociedade “Nossavida-Construções, Lda.” violou o dever de não concorrência uma vez que ficou provado que é sócia maioritária e igualmente gerente da sociedade “C..., Lda.”, que tem o mesmo objecto social e ainda cedeu a posição de entidade empregadora, detida pela sociedade “Nossavida–Construções, Lda.”, em cinco contratos de trabalho, transferindo, desta forma, os trabalhadores desta sociedade para aquela. O desrespeito pela proibição de não concorrência é considerado uma das mais graves violações do dever de lealdade para com a sociedade na medida em que é totalmente incompatível com o objectivo de atingir os melhores resultados para o escopo lucrativo da sociedade. No caso concreto, a cedência dos trabalhadores para a empresa concorrente determinou naturalmente a paralisação da actividade normal da sociedade, não sendo relevante, atendendo ao interesse social, a justificação de que essa medida se tornou necessária para salvaguardar os postos de trabalho. Ficou ainda demonstrado que o imóvel identificado na alínea g) dos factos provados é utilizado, sem contrapartida, pelas sociedades comerciais “D..., Lda.”, “D..., Unipessoal, Lda.” e “C..., Lda.”, sendo os custos de manutenção suportados pela sociedade comercial “Nossavida – Construções, Lda.”. E instalou no mesmo imóvel um ginásio, sendo os custos de funcionamento suportados pela sociedade comercial “Nossavida – Construções, Lda.” Esta factualidade apenas assume relevância, para efeitos de perda de confiança, no quadro de apreciação global, ao ser conjugada com a violação do dever de lealdade. Por este motivo, a apreciação da alegada questão do abuso de direito perde qualquer utilidade já que a maioria dos factos que consubstanciam o dever de lealdade não estão ali abrangidos e a argumentação aduzida nesse sentido não colhe pois a ruptura do casamento e o financiamento exclusivo por parte da Recorrida não são de molde a justificar a violação do dever de não concorrência na medida em que tais problemáticas podem e devem ser resolvidas de outra forma, sem prejudicar a sociedade. Afigura-se-nos, pelos motivos acima expostos, que existe fundamento legal, com base em circunstâncias objectivas, para a requerida destituição da Recorrida do cargo da gerência “Nossavida – Construções, Lda.”»
Este ponto de vista do acórdão recorrido apresenta-se, quanto a nós, inteiramente correto, pelo que não pode deixar de ser mantido. Vejamos: As sociedades comerciais são entidades jurídicas que não se confundem com as pessoas dos respetivos sócios ou gerentes, são pessoas jurídicas que prosseguem fins ou interesses patrimoniais próprios e autónomos, ainda que os resultados deles acabem depois (como é suposto) por se repercutir na esfera jurídica dos respetivos sócios. Tudo isto é assim independentemente quer do maior ou menor papel ou da maior ou menor influência deste ou daquele sócio na criação, sustentação ou administração da sociedade, quer da qualidade das relações existentes entre os sócios ou entre os gerentes (ou entre uns e outros). Estabelece o art. 64.º, n.º 1, al. b) do CSComerciais que os gerentes estão vinculados ao dever de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses dos sócios e ponderando os interesses de outros sujeitos, tais como trabalhadores, clientes e credores. Este dever de lealdade tem por vetor essencial a obrigação de agir em prol dos interesses da sociedade, abstendo-se o gerente de se conduzir de modo a promover, direta ou indiretamente, os seus interesses pessoais ou interesses alheios à sociedade. Quando o gerente não observa tal vetor, nomeadamente quando, por conta própria ou alheia (e ainda que mediante, em certos termos, sociedades em que participe), exerce atividade concorrente com a da sociedade, incorre em destituição da gerência por justa causa, tal como estabelecem os art.s 257.º, n.ºs 1, 3 e 6, e 254.º, n.º 5 do CSComerciais. Há exercício de atividade concorrente com a da sociedade quando se leva a cabo qualquer atividade abrangida no objeto desta (ou tenha sido deliberada pelos sócios) e que pela sociedade esteja a ser exercida (art. 254.º, n.º 2 do CSComerciais). Percorrendo a factualidade provada, vemos que a Ré, gerente da sociedade Nossavida - Construções, Lda., passou a exercer através de uma outra sociedade (C..., Lda.), de que é sócia e gerente, uma atividade concorrente com a da sociedade, tendo feito transitar inclusivamente trabalhadores desta última sociedade para aquela outra sociedade. Os factos dos pontos d), aa), bb), cc), kk), dd) e ee) garantem a bondade desta conclusão. De resto, é a própria Ré que reconhece que não estava disposta (é certo que pelos motivos que invocou, mas que, note-se, não estão provados) a manter a atividade da sociedade Nossavida - Construções, Lda. e que decidiu prosseguir a mesma atividade mediante a constituição de uma sociedade sucedânea com objeto análogo, a sociedade C..., Lda. É o que se retira do que alegou (e nomeadamente) nos artigos 78.º a 82.º e 87.º da contestação. Acresce observar que, como justamente se aponta no acórdão recorrido, o conflito conjugal que se instalou entre os dois sócios e a circunstância da ora Recorrente ter assumido e poder continuar a assumir um papel fundamental em matéria de financiamento da sociedade não são argumentos que justifiquem a violação do dever de não concorrência, antes tratando-se de problemáticas que se impunha serem resolvidas ou no seio institucional da sociedade ou pelas devidas vias legais. De outro lado, mostra-se que a Ré se determinou no sentido de que duas sociedades de que apenas ela (que não também o Autor) é sócia e gerente - a sociedade D..., Unipessoal, Lda. e a sociedade D..., Lda. - passassem a funcionar, sem quaisquer contrapartidas, nas instalações da sociedade Nossavida - Construções, Lda. (factos dos pontos l) a u)), o que não é compatível com os fins e interesses desta última sociedade (que visa o lucro e não promover liberalidades). Também aqui é identificável uma violação grave dos deveres de lealdade que impendiam sobre a Ré. Termos em que não se pode dar provimento ao recurso na parte em que se defende a improcedência da ação, com o que improcedem também as conclusões 30.ª a 41.ª
IV - DECISÃO
Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.
Regime de custas:
A Recorrente é condenada nas custas da revista.
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Lisboa, 22 de fevereiro de 2022 José Rainho (Relator) Graça Amaral Maria Olinda Garcia
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Sumário (art.s 663.º, n.º 7 e 679.º do CPCivil).
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- Quando a sociedade NOSSAVIDA foi constituída, já Autor e Ré tinham em mente que iriam casar e que o seu casamento seria precedido daquela convenção antenupcial, a estabelecer um regime de separação de bens, pelo que a escolha da data dessa constituição teve por objetivo contornar as regras decorrentes do regime de bens adotado e beneficiar o Autor, fazendo-o participar na sociedade; - A NOSSAVIDA foi sempre um projeto profissional da Ré, e não do Autor, que era, antes do casamento, e continuou a ser, depois dele, militar da Guarda Nacional; - Quem custeou todas as despesas inerentes à constituição da sociedade, quem assegurou todas as entradas para a realização do capital social e quem começou por ser o gerente, foi a Ré, sendo que a quota que passou a caber ao Autor na NOSSAVIDA foi adquirida por via de uma mera liberalidade que a ora Ré lhe fez; - Desde o início do funcionamento da sociedade, o Autor nunca teve qualquer interferência, nunca participou nos negócios desta, e nunca trabalhou na empresa; - O Autor foi nomeado gerente da NOSSAVIDA por deliberação de 25.03.2014, constando da ata n.º 3 da assembleia geral extraordinária, que «foi deliberado que a gerência será remunerada», o que porém não passou de mera formalidade, nunca tendo havido qualquer intenção de pôr em prática tal deliberação e proceder ao pagamento de qualquer remuneração ao novo gerente: - Nesta sociedade, nunca houve reuniões reais da assembleia geral; as atas respetivas eram elaboradas pelo Contabilista Certificado e assinadas pelos sócios quando fosse mais oportuno, e foi o que aconteceu no caso desta assembleia de 25.03.2014; - Essa nomeação do Autor como gerente ficou a dever-se exclusivamente à necessidade de acautelar que a sociedade pudesse manter o seu giro normal quando a Ré não estivesse em Portugal, designadamente para representar a NOSSAVIDA na compra e venda de imóveis – o que, porém, nem sequer veio a ser necessário; - A Ré tem necessidade de se deslocar regularmente à ...., não apenas para visitar a sua família, mas por razões profissionais, uma vez que também tem empresas e interesses económicos na ...., que exigem a sua presença; - A nomeação do Autor como gerente não significou que este tivesse passado a prestar qualquer tipo de trabalho ou qualquer colaboração em benefício desta empresa, de cuja atividade sempre esteve completamente desligado; - Tendo sido sempre a Ré quem conduziu os destinos e quem orientou a atividade da NOSSAVIDA, sem a colaboração e sem a interferência do seu marido, ora Autor; - Em face da rutura do casamento, o Autor aproveitou a estrutura da sociedade, com a divisão do capital e da gerência pelos dois sócios, em condições de igualdade entre ambos, para impedir ele próprio o normal funcionamento da mesma, como forma de pressionar a Ré, de a intimidar e de a deixar completamente perturbada, no exercício da sua atividade como empresária; - Em razão dos comportamentos violentos do Autor, e por ter razões para temer pela sua própria vida, a Ré foi forçada a sair da casa de morada de família, levando consigo os seus dois filhos, saída que se concretizou no dia 02.07.2020; - No espaço de armazenamento da NOSSAVIDA foram guardadas pelo Autor várias cadeiras que pertencem ao bar da sociedade (participada pelo Autor, Ré e um terceiro) T..., Lda., que o Autor explora; - Nesse espaço da NOSSAVIDA foram consertadas cadeiras do dito bar com ferramentas da NOSSAVIDA; - Numa outra ocasião foram levadas do armazém da NOSSAVIDA ferramentas desta e que se destinaram a trabalhos no bar explorado pelo Autor; - Em face do quadro de desentendimento entre os sócios, motivado pela falência do casamento, a Ré percebeu que não podia prosseguir com a atividade da NOSSAVIDA, porque teria sempre a atacá-la o Autor, “nada de viável podendo surgir desse imbróglio, com uma sociedade a meias”; - O prosseguimento da atividade da NOSSAVIDA teria implicado, como sempre tinha ocorrido anteriormente, que a Ré tivesse necessidade de continuar a financiar a sociedade, com mais e mais empréstimos, sob pena de paralisação; - Foi por essas razões que a Ré se viu forçada a constituir outra sociedade, a C..., Lda., até para evitar ter que deixar no desemprego os empregados desta, que contratou para a nova sociedade mantendo todas as regalias e antiguidade de que beneficiavam; - Se não o tivesse feito, todos teriam ficado com salários em atraso e/ou desempregados, pois a NOSSAVIDA, sem a Ré a financiá-la, não teria como lhes pagar os ordenados, sendo que o Autor jamais se prontificaria a financiar ele próprio essa sociedade; - O armazém da NOSSAVIDA só recebeu autorização de utilização em Janeiro de 2020; - O Autor sempre teve conhecimento que as sociedades detidas pela Ré e o ginásio estavam instalados nesse armazém, e nunca manifestou qualquer desacordo relativamente a tal utilização; - O Autor frequentou o ginásio sempre que quis e trouxe os amigos para lhe fazerem companhia e usufruírem também desse ginásio; - A D..., Unipessoal, Lda., desenvolveu uma marca de roupa de praia especificamente para ser comercializada pelo Autor, no seu bar, pelo que este beneficiou indiretamente com a atividade desta empresa, bem sabendo onde a mesma, desde o final de 2016, era exercida – no armazém da NOSSAVIDA; - No mesmo armazém há três salas que passaram a ser usadas gratuitamente, desde 2018, pela sociedade F... – ..., LDA.; - Essa utilização gratuita foi solicitada pelo Autor à Ré, pela simples razão de serem sócios dessa sociedade amigos dele; - A T..., Lda., usa um espaço no mesmo imóvel, para servir de armazém do seu bar; - Sem que a Ré alguma vez tenha reagido contra essa utilização, e sem poder esperar que o Autor o fizesse contra si que, além do mais, foi quem financiou a aquisição desse armazém e as obras que nele foram feitas. [2] É certo que as partes haviam requerido o adiamento da audiência, mas (como também consta da ata) o tribunal indeferiu essa pretensão, ordenando a Mmª juiz que os autos lhe fosse conclusos a fim de ser proferida decisão final. Esta decisão, que não foi impugnada, implicava necessariamente a preclusão da possibilidade de apresentação de resposta à exceção por parte do Réu. [3] No mesmo sentido vão Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Guerreiro (Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, I, 2ª ed., p. 33). Em sentido contrário pronuncia-se António Júlio Cunha (Direito Processual Civil Declarativo, pp. 267 e 268). Na jurisprudência encontram-se também entendimentos divergentes sobre este ponto, como resulta, por exemplo, dos acórdãos da Relação de Évora de 16 de dezembro de 2014 (processo n.º 166878/13.1YIPRT.E1) e da relação do Porto de 23 de fevereiro de 2015 (processo n.º 95961/13.8YPRT.P1), disponíveis em www.dgsi.pt
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