Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1633/18.4T8GMR.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
PRESSUPOSTOS
DANO BIOLÓGICO
DANOS FUTUROS
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
CRÉDITO ILÍQUIDO
JUROS DE MORA
CITAÇÃO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 06/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTAS
Decisão: CONCEDIDAS PARCIALMENTE AS REVISTAS
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - São pressupostos legais da responsabilidade extracontratual factos ilícitos: a existência de um facto voluntário do agente, que o mesmo seja ilícito, que haja um nexo de imputação desse facto ao agente (culpa), que desse facto resulte um dano e, por fim, que se verifique um o nexo de causalidade entre esse o facto e o dano.

II - Pressupostos esses cujos ónus de alegação e prova impende sobre lesado, a não ser que beneficie de uma presunção legal, o que a acontecer transfere para o lesante o ónus de ilidir essa presunção.

III - Decorrente desse tipo de responsabilidade, são indemnizáveis tanto os danos que assumam natureza patrimonial, como também aqueles se revistam de natureza não patrimonial, exigindo-se tão só quanto a estes últimos que tenham gravidade suficiente de modo a merecer a tutela de direito.

IV- Entre os danos indemnizáveis encontra-se, na moderna terminologia o chamado dano biológico, que costuma ser definido como um estado de danosidade físico-psíquico em que ficou a pessoa lesada, com repercussões negativas na sua vida.

V - Dano esse que tanto pode ser ressarcido enquanto dano patrimonial futuro, como compensado a título de dano não patrimonial, o que resultará de uma a avaliação casuística, e que normalmente resultará da verificação/conclusão se a lesão originou no futuro, e só por si, uma perda da capacidade de ganho do lesado ou se traduz, apenas, numa afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade.

VI - Nessa sua dimensão/vertente patrimonial (que decorre, em regra, de uma limitação ou défice funcional), esse dano abrange ou inclui em si um espetro/leque alargado de prejuízos que se refletem na esfera patrimonial do lesado, e que vão desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico (traduzidas em perdas de chance ou oportunidades profissionais), passando ainda pelos custos de limitações ou de maior onerosidade/esforço no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou no malogro do nível de rendimentos normalmente expectáveis, assumindo neste último a caso a indemnização como uma adição ou complemento compensatórios.

VII - Dano patrimonial futuro (vg. na vertente de lucro cessante) esse cuja indemnização, quando decorra da perda ou diminuição da capacidade aquisitiva, motivada pelo défice funcional de que o lesado ficou afetado, deve, como regra, ser calculada em atenção ao tempo provável de vida do lesado, ou seja, à esperança média da sua vida, e não apenas em função da duração da sua vida profissional ativa (vg. prevista até à sua reforma), de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a atual até final desse período.

VIII - Consabidas que são as dificuldades que existem em tal domínio, devido à ausência de regras legais que concretamente enunciem objetivamente os critérios a seguir e não podendo ser averiguado o valor exato dos danos – sendo certo que aqueles constantes das Portaria nº. 377/2008, de 26/05, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº. 679/2009, de 25/06, não vinculam os tribunais, não derrogando, a esse respeito os princípios insertos nos Código Civil, pois que apenas visam facilitar e acelerar a regularização extrajudicial do sinistros em matéria de acidentes rodoviários -, devem os mesmos ser sempre, em última instância, apurados à luz da equidade, emergente caso concreto, devendo o recurso as quaisquer tabelas matemáticas ou financeiras servir, quando muito, como meios auxiliares de orientação com vista a atingir a tal desiderato equitativo da indemnização do dano.

IX- Porém, na determinação equitativa desse dano patrimonial futuro do lesado, há uma panóplia de tópicos ou elementos referenciais que poderão/deverão ainda ser considerados, tais como:

- A idade do autor lesado à data do acidente;

- A remuneração mensal auferida pelo lesado à data do acidente e/ou outros rendimentos por si usufruídos;

- A evolução profissional perspetival, ou não, e os reflexos a nível remuneratório, quer se trabalhe por conta própria ou de outrem, ou até em simultâneo;

- A taxa média de inflação e a taxa de rentabilidade do capital, baseadas num juízo de previsibilidade.

- A gravidade das lesões e as suas consequências, e a atribuição do grau de incapacidade ou de défice funcional.

- O recebimento de uma só vez do todo capital/rendimento futuro que é antecipado.

X - Na indemnização pelos danos não patrimoniais exige-se tão só que os mesmos tenham gravidade suficiente de modo a merecerem a tutela de direito, devendo essa gravidade ser medida por um padrão objetivo e não à luz de fatores subjetivos.

XI - Não fornecendo também quando a eles a lei critérios normativos concretos que fixem o valor do seu montante indemnizatório, a sua quantificação deverá igualmente ser feita através do recurso à equidade, considerando-se, nomeadamente, para o efeito ao grau de culpabilidade do responsável e do lesado, as suas respetivas situações económicas de cada um, a sua proporcionalidade em relação à gravidade do dano, tomando ainda em conta todas as regras da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida, e sem perder de vista a peculiaridade de que se reveste o caso concreto, por forma a que, a essa luz, sejam condignamente compensados.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I - Relatório


1. O autor, AA, instaurou (em 16/03/2018) contra a ré, LUSITÂNIA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., ambos com os demais sinais de identificação dos autos, a presente ação declarativa, com forma de processo comum, pedindo, n final, a condenação desta última a pagar-lhe:

a) A quantia de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais a contar da citação;

b) A quantia de € 2.387,330,73 (dois milhões, trezentos e oitenta e sete mil, trezentos e trinta euros e setenta e três cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros legais a contar da citação;

c) A quantia que se vier a liquidar em execução “de sentença”, a título de despesas com tratamentos de fisioterapia que se mostrem necessários.

Para o efeito, e em síntese, alegou:

Que nas circunstâncias de tempo (22/10/2016), lugar (auto estrada A.…) e modo descritas no articulado da petição inicial, quando circulava, de forma gratuita, como passageiro, no interior do veículo automóvel ligeiro, ali melhor identificado, este veio a despistar-se, devido ao comportamento culposo da sua condutora de então.

Na sequência desse despiste o autor veio a sofrer lesões graves (que ali melhor descreve), e que lhe determinaram, além do mais, que ficasse com uma incapacidade permanente e definitiva, avaliada em 2016 em 94%, e bem como dependente de terceiros e a carecer de tratamentos ao longo da vida, tal como com uma incapacidade para o trabalho de 100%, sofrendo, em consequência. de enormes danos de natureza patrimonial e não patrimonial, e que ali concretiza nos moldes assim sintetizados:

1.1 Quanto aos danos patrimoniais:

a) De € 13.600,00 de perda de salários;

b) De € 452.119,32 de dano patrimonial pela incapacidade permanente de 94% (que o obriga a deslocar-se em cadeira de rodas e a esvaziar saco de urina de 4 em 4 horas e o deixou impotente), correspondente a uma incapacidade de 100% para o exercício de qualquer profissão;

c) De € 775,00 de ajudas de terceiras pessoas, para além das ajudas dos seus familiares que já despendeu;

d) De € 4.800,00 de rendas de casa que foi obrigado a arrendar (em ...), por aquela em que vivia anteriormente não dispor de condições e apenas ter ali encontrado uma única que as reunia, com renda no valor mensal de € 600,00;

e) De € 10.587,17 de cadeira de rodas e acessórios;

f) De € 48. 070,51 de despesas variadas de tratamentos e transportes:

- € 3.243,27 de variada medicação;

- € 1.000,00 de fisioterapia no domicílio;

- € 5.12,63 de taxas moderadoras;

- € 994,21 de cuecas descartáveis, esponjas e outros;

- € 25.704,00 de internamento no Centro de Medicina de Reabilitação de ...;

- € 16.440,00 de internamento em I…, Lda.;

- € 176,40 de transportes.

1.1.1. Que sofrerá danos patrimoniais futuros, que contabiliza e pede/discrimina nos seguintes valores:

a) De € 734.400,00, por ajuda de terceira pessoa durante 365/366 dias ao ano, em 51 anos de esperança média de vida de 78 anos, pelo valor mensal de € 1.200,00 (para duas pessoas, a alternar em turnos, com salário mensal de € 600,00 cada uma);

b) De € 214.200,00 para suportar rendas da casa adaptadas, de que carecerá até ao final da vida (com elevadores, rampas e dimensões adequadas), no valor da renda mensal atual de € 600,00, na parte em que este valor é superior ao valor mensal de € 250,00 das rendas que conseguiria suportar caso não carecesse de uma casa com especial habitabilidade (€ 600 00- € 250, 00=350, 00; € 350, 00 x 12 meses x 51 anos de esperança média de vida= € 214 200,00);

c) De € 23.196,78 do custo que implicará a compra do material de apoio à cadeira de rodas já comprada, de que carece;

d) De € 15.307,99 de custo que implicará a adaptação do carro, de que carece;

e) De € 231.450,00 de custos futuros da cadeira de rodas ao longo da sua vida:

- € 40.800,00 para manutenção da cadeira (€ 800,00 x 51 anos);

- € 20.400,00 para substituição de baterias (€1.200,00, de 3 em 3 anos, durante 51 anos);

- € 170.250,00 para a compra de cadeiras de rodas de 5 em 5 anos (€ 17 025,00 x 10, para substituição da cadeira de 5 em 5 anos ao longo de 51 anos).

f) De € 30.600,00 para substituição de almofadas anti escaras, de 2 em 2 anos (€ 600,00 x 51 anos);

g) De € 385.560,00 de cateteres/sondas de esvaziamento urinárias lubrificadas estéreis com saco acoplado, de que carece, e nas quais gasta 7 caixas por mês no valor mensal de € 630,00, valor achado pelo valor de cada caixa (Actreen Glys Set C/Sac Mas 50cmx30) de € 90,00, em 78 anos da esperança média de vida;

h) De € 56.199,96 de medicação para estimulação de ereção, achada pela quantia mensal de € 91,83, até aos 78 anos de esperança média de vida;

i) De € 13 464,00 de medicação para o esvaziamento e o amolecimento de fezes, no valor mensal de € 22,00, em 78 anos de esperança média de vida.

1.1.2 Quanto aos danos não patrimoniais que invoca eles situam-se ao nível dos sofrimentos, das repercussões e danos estéticos, que lhe causaram medo, tristeza, vergonha, depressão e perda gerais de expectativas de vida futura (ao nível social, laboral, físico, desportivo, sexual e de constituição de família).

Pelo pagamento da indemnização é responsável a ré em virtude do contrato de seguro que o proprietário do dito veículo automóvel havia celebrado com ela, transferindo para aquela a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros na sua condução.


2. O I.S.S., I.P., citado para a ação, não deduziu qualquer pedido de reembolso.


3. Por sua vez, a ré na sua contestação, defendeu-se, em síntese, nos seguintes termos:

Desse logo, assumiu a responsabilidade da condutora do seu veículo segurado na produção do sobredito acidente, e bem como a obrigação pela indemnização dos danos sofridos pelo A. decorrentes desse acidente.

Depois, em defesa por impugnação, e em síntese, questionou alguns dos danos invocados pelo A. e a obrigação de indemnizar alguns deles, considerando ainda excessivos muitos dos montantes indemnizatórios peticionados.

Por fim, alegou ainda ter já adiantado/pago ao autor, por conta da indemnização final, a quantia de € 62.000,00l, e ter custeado tratamentos de que o mesmo necessitou no valor de € 26.243,70, tudo no valor global de € 88.239,70.


4. No despacho saneador, foi fixado à causa o valor de € 3.387.330.73, considerando-se válida e regular instância, identificando-se o objeto do litígio e enunciando-se os temas prova, tendo-se ainda instruído os autos com realização de perícias médico-legais ao A…

5. Entretanto o A. procedeu à ampliação do pedido, requerendo a condenação da ré a pagar-lhe as despesas com as especialidades de medicina física e de reabilitação e urologia, a liquidar em execução de sentença, a qual foi admitida (por despacho de 19/11/2019, proferido em plena audiência de julgamento).

6. Realizada a audiência de discussão e julgamento, seguiu-se a prolação da sentença, que, no final, decidiu nos seguintes termos:

«Por tudo o exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Ré Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A., a pagar ao Autor:

a). a quantia de € 230.000,00 (duzentos e trinta mil euros), acrescida de juros moratórios, às taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no artº. 559º/1 do Código Civil, contados desde a data da presente sentença e até integral pagamento;

b). a quantia de € 415.395,75 (quatrocentos e quinze mil, trezentos e noventa e cinco euros e setenta e cinco cêntimos), acrescida de juros moratórios às taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no artº. 559º/1 do Código Civil, calculados desde 20 de Março de 2018 e até integral pagamento;

c). na quantia indemnizatória que se vier a liquidar em incidente póstumo relativamente: i) à necessidade de ajuda de terceira pessoa por quatro horas diárias até ao final da vida do Autor; ii). ao acompanhamento regular nas especialidades de urologia e de medicina física e de reabilitação, bem como, de tratamentos de fitoterapia (duas a três sessões por semana) e, ainda, de ajudas medicamentosas em analgésicos, AINE, inibidores de fosfodiesterase tipo 5 e medicação para controlo de esfíncteres, tudo durante toda a vida do Autor; iii). ao acréscimo de despesa com o arrendamento de uma habitação com especiais condições de habitabilidade e acessibilidade relativamente ao custo médio de uma habitação sem essas características, desde 1 de Julho de 2017 e até ao resto da vida do Autor.

Custas na proporção do decaimento, sendo, contudo, provisoriamente e em partes iguais, a ratear definitivamente de acordo com a sucumbência a apurar em sede de liquidação no que tange ao valor de € 1.106.400,00 (um milhão, cento e seis mil e quatrocentos euros), tudo sem prejuízo do eventual benefício do apoio judiciário de que beneficia o Autor.»

7. Inconformados com tal sentença dela apelaram a ré (a título de recurso independente) e o autor (a título subordinado).

8. Após a apreciação desses recursos, o Tribunal da Relação de Guimarães (TRG), por acórdão 23/09/2021 (e já com a correção dos lapsos efetuada pelo acórdão de 17/02/2022, e a integração nele dessa retificação), decidiu, a final, nos seguintes termos:

« (…) IV. Decisão:

Pelo exposto, os juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam:

1. Julgar parcialmente procedente o recurso principal da ré/recorrente, pelo qual se determina:

1.1. A redução da indemnização de € 144.888,30 pelas ajudas técnicas de cadeiras de rodas e revisões para o valor de € 130.488,30.

1.2. A alteração da condenação na indemnização líquida de € 220.320,00 pelas sondas de esvaziamento ao longo da vida do autor para a condenação da recorrente seguradora a pagar ao autor recorrido/lesado, o que se vier a liquidar em decisão ulterior, pelo custo médio de mercado dos cateteres/sondas de esvaziamento urinárias lubrificadas estéreis em saco acoplado: quanto ao número de cateteres comprados entre a data da instauração da ação de 16.03.2018 até à data do requerimento inicial da liquidação, com o limite do valor individual do custo médio dos mesmos no mercado, caso o valor gasto seja superior; quanto ao custo médio futuro estimado de 120 cateteres por mês, desde a data do requerimento inicial da liquidação até à data em que o autor perfizer 78 anos, a 28.07.2068.

1.3. A improcedência do pedido de redução da indemnização de € 350 000, 00 por danos patrimoniais futuros decorrentes do défice funcional permanente, com repercussão laboral.

1.4. A correção da indemnização no que se liquidar em decisão ulterior quanto às rendas, em que passarão a ser devidos e a liquidar os seguintes valores:

a) Entre 01.07.2017 e a data da instauração da ação a 16.03.2018, o acréscimo do valor da renda média de habitação em tipologia ... em ..., que disponha de condições de acessibilidade e de habitabilidade para o autor em cadeira de rodas (rampas de acesso da rua e da garagem até ao interior do prédio; elevadores de acesso das partes comuns até à porta do apartamento; largura de portas de acesso nas partes comuns, nas zonas de entrada e de trânsito internas do apartamento), com limite de renda mensal de € 600,00 caso esta seja inferior ao custo médio do mercado, em relação ao valor médio das rendas do apartamento da mesma tipologia, na mesma localidade, que não disponha, total ou parcialmente, das referidas condições de acessibilidade e de habitabilidade.

b) Entre 16.03.2018 e a data de cada requerimento inicial de liquidação durante a vida do autor, o acréscimo de valor da renda média de habitação da tipologia por si efetivamente arrendada e na localidade da sua residência, que disponha de condições de acessibilidade e de habitabilidade para o autor em cadeira de rodas (rampas de acesso da rua e da garagem até ao interior do prédio; elevadores de acesso das partes comuns até à porta do apartamento; largura de portas de acesso nas partes comuns, nas zonas de entrada e de trânsito internas do apartamento), com o limite de renda mensal paga efetivamente pelo autor, caso esta seja inferior ao custo médio achado, em relação ao valor médio das rendas do apartamento da mesma tipologia na mesma localidade, que não disponha, total ou parcialmente, das referidas condições de acessibilidade e de habitabilidade.

1.5. A improcedência da revogação de condenação em juros de mora.

1.6. A improcedência do pedido de redução da indemnização por dano não patrimonial de € 230.000, 00 para valor entre € 160.000,00 e € 175.000, 00.

2. Julgar parcialmente procedente o recurso subordinado do autor/recorrente, pelo qual se determina:

2.1. A ampliação da indemnização de € 350.000,00 para o valor de € 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil euros) pelo dano patrimonial futuro do défice funcional permanente, com repercussão laboral.

2.2. A ampliação da indemnização por danos não patrimoniais de € 230.000,00 para o valor € 400.000,00 (quatrocentos mil euros).»

3. Alterar a sentença recorrida para a seguinte versão corrigida (no qual se mantém em itálico a parte não alterada e em romano a parte alterada):

«Por tudo o exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Lusitânia Companhia de Seguros, S.A., a pagar ao Autor:

a). a quantia de 400.000,00 (quatrocentos mil euros), acrescida de juros moratórios, às taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no artº. 559º/1 do Código Civil, contados desde a data do presente acórdão e até integral pagamento;

b). a quantia de 322.612,79 (trezentos e vinte e dois mil e seiscentos e doze euros e setenta e nove cêntimos), acrescida de juros moratórios às taxas legais sucessivamente emergentes do disposto no artº. 559º/1 do Código Civil, calculados desde 20 de Março de 2018 e até integral pagamento;

c). na quantia indemnizatória que se vier a liquidar em incidente póstumo relativamente:

ci) à necessidade de ajuda de terceira pessoa por quatro horas diárias até ao final da vida do Autor;

cii). ao acompanhamento regular nas especialidades de urologia e de medicina física e de reabilitação, bem como, de tratamentos de fitoterapia (duas a três sessões por semana) e, ainda, de ajudas medicamentosas em analgésicos, AINE, inibidores de fosfodiesterase tipo 5 e medicação para controlo de esfíncteres, tudo durante toda a vida do Autor;

ciii) ao custo médio de mercado dos cateteres/sondas de esvaziamento urinárias lubrificadas estéreis em saco acoplado:

       Quanto ao número de cateteres comprados entre a data da instauração da ação de 16.03.2018 até à data do requerimento inicial da liquidação, com limite do custo médio de mercado dos mesmos, se o custo efetivo tiver sido superior.

      Quanto ao custo médio dos gastos de 120 cateteres por mês, desde data do requerimento inicial da liquidação até à data em que o autor perfizer 78 anos, a 28.07.2068.

d) Nos valores que se vierem a liquidar em incidente posterior:

d1) Entre 01.07.2017 e a data da instauração da ação a 16.03.2018, quanto ao acréscimo: do valor da renda média de habitação em tipologia ... em ..., que disponha de condições de acessibilidade e de habitabilidade para o autor em cadeira de rodas (rampas de acesso da rua e da garagem até ao interior do prédio; elevadores de acesso das partes comuns até à porta do apartamento; largura de portas de acesso nas partes comuns, nas zonas de entrada e de trânsito internas do apartamento), com limite de renda mensal de € 600,00 caso esta seja inferior ao custo médio das rendas de mercado, em relação ao valor médio das rendas do apartamento da mesma tipologia, na mesma localidade, que não disponha, total ou parcialmente, das referidas condições de acessibilidade e de habitabilidade.

d2) Entre 16.03.2018 e a data de cada requerimento inicial de liquidação durante a vida do autor, no acréscimo de valor: do valor da renda média de habitação da tipologia por si efetivamente arrendada e na localidade da sua residência, que disponha de condições de acessibilidade e de habitabilidade para o autor em cadeira de rodas (rampas de acesso da rua e da garagem até ao interior do prédio; elevadores de acesso das partes comuns até à porta do apartamento; largura de portas de acesso nas partes comuns, nas zonas de entrada e trânsito internas do apartamento), com o limite de renda mensal paga pelo autor, caso esta seja inferior ao custo médio do mercado, em relação ao valor médio das rendas do apartamento da mesma tipologia na mesma localidade, que não disponha, total ou parcialmente, das referidas condições de acessibilidade e de habitabilidade.


*

As custas dos recursos deverão ser suportadas (art. 527º/do C. P. Civil):

a) Custas do recurso principal da ré/recorrente, com valor processual e tributário que se fixa em € 784 408, 00, face à soma dos benefícios pretendidos com o recurso (de revogação das condenações de € 144 888, 30 e de € 220 320, 00; de redução de € 150 000, 00 à indemnização de €350 000,00; de redução de € 55 000 à indemnização de € 230 000, 00; de revogação da condenação no que se liquidar em momento posterior, em relação a pedido de rendas de € 214 200, 00):

- Quanto ao valor de € 434 520, 00: provisoriamente em partes iguais, com acerto definitivo depois da liquidação das indemnizações referidas em ciii) e d) de IV- 3 do acórdão.

- Quanto ao valor de € 349 888, 00: 4% pelo recorrido/autor e 96% pela recorrente/ré.

b) Custas do recurso subordinado do autor/recorrente, com valor processual e tributário que se fixa no valor de € 472.119,30: 57% pela recorrida/ré; 43% pelo recorrente/ autor, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.

Reduz-se a taxa de justiça remanescente deste recurso de apelação (no que for superior a € 275 000, 00) a 1/3, face à desproporção entre a mesma e as questões jurídicas tratadas (art. 6º/7 do R. C. Processuais, por maioria de razão).


*

As custas da ação serão suportadas (art. 527º/do C. P. Civil):

a) No que se refere ao valor de € 2 048 170, 70: 53% pela ré; 47% pelo autor, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.

b) No que se refere ao valor dos pedidos líquidos de € 1.334.160, 00, em relação aos quais houve condenações ilíquidas: provisoriamente em partes iguais, com acerto definitivo depois da liquidação das indemnizações referidas em ci) e ciii) e d) de IV- 3 do acórdão. »


9. Inconformados, igualmente, com esse último acórdão do TRG, dele interpuseram recurso de revista (normal) a R. (a título independente) e o A. (este a título subordinado).

10. Nas correspondentes alegações desse recurso (independente) que apresentou, a R. concluiu as mesmas nos seguintes termos (respeitando-se a ortografia nelas adotada):

«1ª. A Ré não pode conformar-se com o douto acórdão recorrido no que respeita à elevação dos montantes indemnizatórios a título de dano biológico/dano patrimonial futuro e dano não patrimonial, uma vez que as importâncias arbitradas são muito exageradas e sem correspondência com a realidade dos factos.

2ª. Na verdade, e tendo inclusive o tribunal recorrido alterado o facto nº 15 dos Factos Provados no sentido de aceitar que o autor não está impedido e exercer uma atividade geradora de rendimento, a recorrente entende que a elevação do valor de € 350.000,00 para €450.000,00 a título de dano biológico/ dano patrimonial futuro, é manifestamente exagerada. Não obstante a gravidade das sequelas com que o Autor ficou afetado e sem pretender minorá-las, o Autor não está incapaz de exercer uma atividade geradora de rendimento nem está incapaz de exercer uma atividade dentro da sua área de formação de biblioteca, arquivo e documentação, pelo que deve esta verba indemnizatória ser reduzida.

3ª. Além disso, a situação factual respeitante às revistas referenciadas pela Relação e sobre que esta se fundamentou para elevar os montantes indemnizatórios é substancialmente diferente da situação do caso sub judicie.

4ª. A fórmula utilizada pelo tribunal recorrido é apenas uma das fórmulas utilizadas, sendo que, curiosamente, a fórmula utilizada pela Relação foi também a fórmula utilizada pelo tribunal de primeira instância, não se compreendendo a discrepância e a elevação de mais €100.000,00.

5ª. Também o aumento da indemnização a título de danos morais de €230.000,00 para €400.0000,00, que corresponde a uma subida de quase 100% é desproporcionada e injustificada e não está de acordo com as indemnizações habitualmente arbitradas, a que acrescem as demais verbas indemnizatórias a título de dano biológico e a liquidar.

6ª. A ora recorrente, com o presente recurso, não pretende menorizar, desvalorizar nem menosprezar o sofrimento do Autor pelas sequelas de que ficou a padecer em virtude do acidente descrito nos autos; no entanto, não obstante a gravidade das lesões, não se pode ignorar que o autor não está impedido de exercer uma atividade geradora de rendimento, consegue transferir-se sozinho, impulsionar manualmente uma cadeira de rodas, auto -algaliar-se, manusear um smartphone e até conduzir automóveis adaptados.

7ª .Ora, tendo em consideração as sequelas que afetam o autor, de tretraparesia que conduz a uma plegia abaixo da C6, com mobilidade dos membros superiores, podendo inclusive conduzir automóveis adaptados, a quantia arbitrada pelo tribunal recorrido de €400.000,00, à qual acresce a indemnização de €450.000,00 a título de dano biológico, e as demais indemnizações a liquidar ulteriormente, é manifestamente exagerada levando a uma condenação por valores que não estão em consonância com o que é habitualmente arbitrado em casos semelhantes.

8ª. Por outro lado, não obstante a alteração da matéria de facto e da alteração dos termos da condenação face ao decidido em primeira instância, a ora recorrente não pode aceitar a obrigação de pagar o acréscimo de despesa com o arrendamento de habitação com especiais condições de habitabilidade e acessibilidade relativamente ao custo médio de uma habitação, nos termos do acórdão recorrido.

9ª. E ainda que assim não se entenda, o que só por mera hipótese de raciocínio se admite, sempre os termos da condenação têm de ser alterados e clarificados, uma vez que entende a ora recorrente que é injusto e um manifesto abuso a seguradora ser condenada a liquidar o acréscimo de uma habitação superior a um T1, uma vez que esta supre as necessidades de habitação do autor bem como tem de ser clarificada e balizada a localidade onde o Autor pode arrendar o imóvel.

10ª. Na verdade, a aceitar-se os termos da condenação conforme conta do acórdão recorrido, o Autor até pode entender que lhe assiste o direito de arrendar um T1, uma T2, um ... e por aí adiante, recaindo sobre a seguradora a obrigação de custear uma renda para habitação de terceiros.

11ª. Tal como pode o autor entender que lhe asiste o direito de arrendar um imóvel em qualquer parte do mundo, o que é inaceitável e desprovido de sentido, levando a um injusto enriquecimento à custa da seguradora.

12ª. De todo o modo, deve ser revogada a condenação da seguradora quanto ao pagamento do acréscimo da renda com a habitação com especiais condições de acessibilidade.

13ª. Pois, o Autor, na altura do acidente, vivia gratuitamente na casa da sua avó, juntamente com o seu pai, no concelho ....

14ª. O Autor não solicitou à seguradora adaptação da casa do seu domicílio.

15ª. Por sua iniciativa, juntamente com o pai, saiu da casa onde sempre viveu, e mudou de concelho, tendo arrendado, juntamente com o seu pai, um apartamento na cidade ....

16ª. Assim, não pode a seguradora ser condenada a contribuir para o pagamento com o custo da renda de uma habitação para o Autor, habitação essa que o Autor nem sequer tinha aquando do acidente, pelo que deve ser revogada a condenação da Ré de pagar o acréscimo de despesa com o arrendamento de habitação com especiais condições de habitabilidade e acessibilidade relativamente ao custo médio de uma habitação com essas características nos termos constantes do acórdão recorrido.

17ª. O tribunal recorrido entendeu, contrariamente ao defendido na restante jurisprudência, que não há lugar a redução ou desconto pela antecipação do capital relativamente à condenação da seguradora no pagamento das importâncias respeitantes às ajudas técnicas (cadeira de rodas, revisão anual e troca de pneus, baterias, almofadas anti-escaras) e ajuda medicamentosa (medicação para estímulo da ereção e amolecimento de fezes) que o tribunal liquidou desde logo pelo período de 52 anos de vida restante.

18ª. Ora, a manter-se a não redução do capital, já por si só incompreensível e inaceitável, mais incompreensível se torna incidência de juros moratórios sobre as importâncias respeitantes às referidas ajudas técnicas e ajudas medicamentosas desde a citação, uma vez que tais importâncias dizem respeito a danos futuros, a despesas que ainda não se verificam, não existindo qualquer mora por parte da seguradora.

19ª. Por último, entende a Recorrente que a condenação em custas nos termos contabilizados no acórdão recorrido enferma de vários lapsos, pelo que deve a condenação em custas ser alterada nos termos expostos no recurso.

20ª. Ao decidir como decidiu, o douto acórdão recorrido não fez a devida ponderação da matéria de facto provada e fez incorreta interpretação das normas legais aplicáveis.

21ª. Deste modo, deve ser dado provimento ao presente recurso de revista e revogado o acórdão recorrido.»


11. Por sua vez, nas suas alegações de recurso (subordinado) que apresentou, o A. concluiu as mesmas nos seguintes termos (respeitando-se a ortografia nelas adotada):

«1ª. O recurso restringe-se:

a) à decisão proferida sobre o montante da indemnização atribuída pelo dano não patrimonial;

b) sobre a alteração da condenação na indemnização líquida, no montante de 220.230,00€, pela aquisição das sondas de esvaziamento, Actreen Glys Set C/Sac Mas 50cm x 30, ao longo da vida do autor, para o que se vier a liquidar em decisão ulterior, pelo custo médio de mercado dos cateteres/sondas de esvaziamento urinárias lubrificadas estéreis com saco acoplado.

2ª. Atenta a matéria de facto assente, que aqui se dá por reproduzida, a indemnização atribuída pelo dano não patrimonial, apesar de ter sido elevada pelo Tribunal da Relação, de 230.000.00€ para 400.000,00€, continua a ser insuficiente.

3ª. O Autor desloca-se em cadeira de rodas, ficou a padecer de bexiga neurogénica, com esvaziamento de urina, de 4 em 4 horas, utilizando cateteres urinários estéreis lubrificados com saco acoplado e perdas de urina, provocando reiteradas infecções urinárias.

4ª. Os cateteres urinários estéreis lubrificados com saco acoplado clinicamente recomendáveis, menos desconfortáveis na utilização, e que o Autor melhor manuseia, são da marca (Actreen Glys Set C/Sac Mas 50cm x 30).

5ª. Se o Autor sem qualquer culpa ficou com este dano permanente no aparelho urinário, não se compreenderia que lhe fosse negado o acesso aos cateteres/sondas que melhor manuseia, Actreen Glys Set C/Sac Mas 50cm x 30, pelo que, seria injusto e incompreensível atender-se apenas ao preço médio de mercado, em vez de garantir a aquisição do produto mais adequado, de melhor qualidade e de mais fácil utilização pelo Autor.

6ª. Como cada caixa Actreen Glys Set C/Sac Mas 50cm x 30 custa 90,00€, o Autor necessitará, durante toda a vida, de gastar a quantia mensal de 360,00€, o que em 51 anos de esperança de vida, ascende a um total de 220.320,00€.

7ª. Deve fixar-se a indemnização pelos cateteres/sondas de esvaziamento urinárias lubrificadas estéreis com saco acoplado Actreen Glys Set C/Sac Mas 50cm x 30, no montante líquido de 220.320,00€.

8ª. O Autor nasceu no dia .../.../1990 – cfr. documento de fls.45 verso cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

9ª. No dia e local do acidente, o A. foi assistido pelo INEM tendo sido conduzido para o hospital ..., onde ficou internado e foi submetido a uma operação cirúrgica no dia 22/10/2016 de estabilização da fractura cervical (abordagem anterior da coluna cervical, corporectomia de C6, artrodese anterior, com enxerto estrutural tricortical de osso ilíaco (dto) e placa anterior.

10ª. O A. permaneceu no hospital ... até 19-12-2016, tendo sido encaminhado para a Santa Casa de Misericórdia ... – C. R. Norte e lá admitido nessa data até 28-03-2017, data em que o foi encaminhado e internado no Centro de Medicina de Reabilitação de ... até 31-05-2017.

11ª. Nos meses de Julho, Agosto e Setembro de 2017, o Autor fez ciclos de reabilitação intensiva em regime de internamento em I.…, Lda., sito na ... ....

12ª. O Autor sofreu as lesões e tratamentos descritos nos relatórios de alta, e demais documentação clínica, juntos a fls.134 e seg., 139 e seg., 145 e seg. e 159 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

13ª. A consolidação médico-legal das lesões ocorreu a 21.10.2018.

14ª. Em consequência do sinistro dos autos, o Autor ficou com as seguintes sequelas: a). pescoço: cicatriz linear, não recente, de aspecto cirúrgico, de seis centímetros na anterolateral direita; b). ráquis: paraplegia com diparésia braquial abaixo de C-6, com níveis funcionais acima desse nível e sem controlo de esfíncteres; c). abdómen: cicatriz não recente, de aspecto cirúrgico, de seis por dois centímetros, ao nível da crista ilíaca direita; d). membros superiores direito e esquerdo: plegia abaixo de C-6; e). membros inferiores direito e esquerdo: plegia.

15ª.Tal quadro de paraplegia com diparésia braquial abaixo de C-6 é também designado, na nomenclatura utilizada pela Fisiatria, como de tetraplegia ASIA B, abaixo de C-6.

16ª. Tais sequelas conferem-lhe um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 90 (noventa) pontos.

17ª. As descritas sequelas são impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual e, bem assim, de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional.

18ª. O Autor sofreu um défice funcional temporário total de 730 dias. 19ª. Antes do acidente, o Autor era fisicamente bem constituído e saudável, e praticava regularmente musculação no ginásio.

20ª. O Autor tinha exercido a profissão de segurança, auferindo o salário de € 800,00 mensais.

21ª. O Autor necessita de ajuda de terceira pessoa para atividades da vida diária durante, pelo menos, 4 (quatro) horas por dia.

22ª. Pois não se consegue lavar na metade inferior do corpo, nomeadamente a zona do períneo e a parte de baixo das pernas, sem ajuda de terceira pessoa.

23ª. Não pode preparar refeições, cortar os alimentos e fazer a lide doméstica; não consegue abotoar, calçar meias ou sapatos sem apoio.

24ª. O Autor ficou com dificuldades de erecção, e uma repercussão na atividade sexual fixável em grau 5 numa escala crescente de 1 a 7. 25ª.O Autor viu a sua vida completamente alterada, frustrando-se todas as suas expectativas futuras, a nível social, a nível laboral e a nível de entretenimento físico, a nível sexual e de constituição de família, ficando profundamente desgostoso com a sua situação, despoletando, crises de ansiedade.

26ª. E sentindo estados de tristeza, apreensão, raiva, vergonha e medo no seu dia a dia quanto ao seu futuro.

27ª. Em consequência do acidente e dos subsequentes tratamentos, o Autor sofreu dores de grau 7 numa escala crescente de 1 a 7.

28ª. O Autor necessita e necessitará de tratamentos médicos regulares nas especialidades de medicina física e de reabilitação e urologia.

29ª. O Autor necessita e necessitará de 2 a 3 sessões por semana de fisioterapia e reabilitação física de modo a melhorar a sua condição física.

30ª. O A. ficou a padecer do grau mais elevado, de quantum doloris, sete numa escala de sete, sendo o dano estético permanente de grau seis numa escala de sete, a repercussão na atividade sexual, de grau cinco numa escala de sete, e o elevado grau de défice funcional de 90 pontos, sendo que a Ré sempre admitiu 85 pontos.

31ª. Atenta a idade do A. e o seu imenso sofrimento, os longuíssimos períodos de internamento e de recuperação, a que foi submetido (dois anos), as graves consequências ao nível psicológico, a dependência parcial de terceiros enquanto for vivo, a necessidade permanente de fisioterapia, o caráter permanente e irreversível dos danos sofridos e os três anos decorridos desde o acidente, justificam como justa a indemnização, a título de dano não patrimonial, em montante não inferior a 600.000,00€.

32ª. O A. ficou a padecer de um défice funcional de 90 pontos (85 pontos para a ré) e impossibilitado de executar o seu trabalho habitual de vigilante e qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional de biblioteca, arquivo ou documentação.

33ª. O A. viu diminuir consideravelmente a sua condição física, resistência e capacidade de esforços, o que se traduz numa deficiente e imperfeita capacidade de utilização do corpo nas suas atividades pessoais do dia a dia, e num acréscimo de penosidade das parcas tarefas que consegue desempenhar.

34ª. Nunca mais poderá desempenhar com normalidade as tarefas diárias, designadamente, caminhar, pois está “condenado” a deslocar-se para toda a vida de cadeira de rodas.

35ª. Se forem convenientemente ponderados os critérios da equidade a que se refere o artigo 496º, nº 4 e o disposto nos artigos 562º e segs, do Código Civil, far-se-á justiça material no caso concreto e a justa composição do litígio (artº 7º, do CPC), alterando-se a indemnização atribuída pelo dano não patrimonial, para o montante de 600.000,00€ (seiscentos mil euros), e fixando-se em 220.320.00€, (duzentos e vinte mil, trezentos e vinte euros) a quantia necessária para custear os cateteres/sondas de esvaziamento urinárias lubrificadas estéreis com saco acoplado, Actreen Glys Set C/Sac Mas 50cm x 30, ao longo da vida do Autor.

36ª. Na procedência do recurso, deve condenar-se a Ré a pagar ao Autor, a quantia de 600.000,00€ (seiscentos mil euros), a título de dano não patrimonial, e o montante líquido de 220.320.00€ (duzentos e vinte mil, trezentos e vinte euros), para custear a aquisiçãodos cateteres/sondas de esvaziamento urinárias lubrificadas estéreis com saco acoplado, Actreen Glys Set C/Sac Mas 50cm x 30, ao longo dos 51 anos de esperança de vida do Autor, assim se fazendo a habitual Justiça.»


12. A R. respondeu (em contra-alegações) às alegações do recurso do A., pugnando pela improcedência do mesmo.


13. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


***

II - Fundamentação



1. Do objeto dos recursos.

Como é sabido, e constitui hoje entendimento pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se afere, fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, 608º, nº. 2, e 679º do CPC).

Como vem, também, sendo dominantemente entendido, o vocábulo “questões” a que se reporta o citado artº. 608º, e de que o tribunal deve conhecer, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes.

1.1 Ora, calcorreando as conclusões das alegações dos sobreditos recursos (independente – da R. - e subordinado - do A.), verifica-se que as questões que se nos impõe aqui apreciar e decidir são as seguintes:

a) Do quantum indemnizatório pelo dano biológico/na vertente de dano patrimonial futuro sofrido pelo A. (questão referente ao recurso independente da R.);

b) Do quantum indemnizatório pelos danos não patrimoniais sofridos pelo A. (questão comum referente a ambos os recursos da R. e do A.);

c) Da obrigação da R. em suportar o pagamento do acréscimo do montante da renda mensal da habitação que o A. arrendou para viver decorrente das especiais condições de acessibilidade e habitabilidade que o imóvel deve possuir devido ao seu estado físico (questão referente ao recurso independente da R);

d) Da obrigação da R. pagar os juros de mora a contar da sua citação para ação sobre as quantias arbitradas ao A. referentes às ajudas técnicas (vg. cadeira de rodas, revisão anual e troca de pneus, baterias, almofadas anti-escaras) e medicamentosas (medicamentação para estímulo de ereção e amolecimento de fezes) futuras (questão referente ao recurso independente da R).;

e) Do quantum indemnizatório (e sua liquidação) a pagar pela R. ao A. relativamente à necessidade da aquisição por este de sondas/cateteres de esvaziamento de urina (questão referente ao recurso subordinado do A.);

f) Da medida da responsabilidade da R. no pagamento das custas (questão referente ao recurso independente da R).


***


2. Dos Factos.

Pelas instâncias foram dados como provados os seguintes factos assinalando-se no local próprio a alterações que foram introduzidas pelo acórdão 2ª. instância na sequência da apreciação impugnação da decisão de facto também objeto do recurso de apelação - (mantendo-se os termos da sua descrição, a ortografia e ordem e a numeração, para melhor compreensão dos recursos):

1. O Autor nasceu no dia .../.../1990 – cfr. documento de fls.45 verso cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

2. No dia 22 de Outubro de 2016, pelas 09:50H, na auto-estrada designada por A.…, direcção ..., sentido ..., por volta do KM 24,625, na freguesia ..., concelho ..., ocorreu um acidente de viação envolvendo o veículo ligeiro com matrícula ...-AL-..., marca ..., propriedade de BB, conduzido por CC, e no qual seguia, como passageiro, transportado gratuitamente, no lugar da frente, o Autor AA.

3. O mencionado veículo seguia pela via esquerda da faixa de rodagem da A.…, sentido ..., com a referida condutora desatenta à sua condução, sinalização existente e restante tráfego, quando começou a remexer na sua bolsa enquanto conduzia.

4. Como resultado da actuação descrita, aquela condutora perdeu o controlo do veículo, fazendo o veículo entrar em despiste, guinando para a direita, saindo da faixa de rodagem e embatendo com a frente e a lateral direita do veículo no talude de terra que se encontrava ao lado direito da faixa de rodagem, acabando finalmente por capotar o veículo.

5. A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula ...-AL-... estava, à data, transferida para a Ré Lusitânia por contrato de seguro válido e eficaz, titulado pela apólice ...42 – cfr. documento junto a fls. 118 verso e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

6. A Ré admitiu a exclusiva responsabilidade da condutora do mencionado veículo pelo acidente.

7. No dia e local do acidente, o A. foi assistido pelo INEM tendo sido conduzido para o hospital ..., onde ficou internado e foi submetido a uma operação cirúrgica no dia 22/10/2016 de estabilização da fractura cervical (abordagem anterior da coluna cervical, corporectomia de C6, artrodese anterior, com enxerto estrutural tricortical de osso ilíaco (dto) e placa anterior.

8. O A. permaneceu no hospital ... até 19-12-2016, tendo sido encaminhado para a Santa Casa de Misericórdia ... – C. R. Norte e lá admitido nessa data até 28-03-2017, data em que o foi encaminhado e internado no Centro de Medicina de Reabilitação de ... até 31-05-2017.

9. Nos meses de Julho, Agosto e Setembro de 2017, o Autor fez ciclos de reabilitação intensiva em regime de internamento em I.…, Lda., sito na ... ....

10. O Autor sofreu as lesões e tratamentos descritos nos relatórios de alta, e demais documentação clínica, juntos a fls.134 e seg., 139 e seg., 145 e seg. e 159 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

11. A consolidação médico-legal das lesões ocorreu a 21.10.2018.

12. Em consequência do sinistro dos autos, o Autor ficou com as seguintes sequelas: a). pescoço: cicatriz linear, não recente, de aspecto cirúrgico, de seis centímetros na anterolateral direita; b). ráquis: paraplegia com diparésia braquial abaixo de C-6, com níveis funcionais acima desse nível e sem controlo de esfíncteres; c). abdómen: cicatriz não recente, de aspecto cirúrgico, de seis por dois centímetros, ao nível da crista ilíaca direita; d). membros superiores direito e esquerdo: plegia abaixo de C-6; e). membros inferiores direito e esquerdo: plegia.

13. Tal quadro de paraplegia com diparésia braquial abaixo de C-6 é também designado, na nomenclatura utilizada pela Fisiatria, como de tetraplegia ASIA B, abaixo de C-6.

14. Tais sequelas conferem-lhe um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica compreendido entre 88 a 90 pontos (oitenta e oito a noventa pontos). (Na sentença da 1.ª instância este ponto continha a seguinte redação: “Tais sequelas conferem-lhe um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 90 (noventa) pontos.”).

15. As descritas sequelas são impeditivas do exercício pelo autor: da atividade profissional de segurança referida em 21, sem prejuízo da possibilidade de desempenho restrito de funções de vigilância eletrónica, com maior esforço; de funções profissionais da sua área de preparação técnico-profissional de 12º ano de biblioteca, de arquivo e de documentação que, pelo menos, exijam trabalho com procura, movimento e transporte de suportes físicos de biblioteca e arquivo. (Na sentença da 1.ª instância este ponto continha a seguinte redação: “As descritas sequelas são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual e, bem assim, de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional.”).

16. O Autor sofreu um défice funcional temporário total de 730 dias.

17. O Autor sofreu 730 dias de repercussão temporária na actividade profissional total.

18. A nível de habilitações, o Autor tem o 12º ano de escolaridade, que obteve através de um curso profissional de biblioteca, arquivo e documentação.

19. Antes do acidente, o Autor era fisicamente bem constituído e saudável.

20. E praticava regularmente musculação no ginásio.

21. O Autor tinha exercido a profissão de segurança, auferindo o salário de € 800,00 mensais.

22. Mas estava desempregado à data do sinistro uma vez que o seu contrato de trabalho tinha terminado em 17.10.2016 e não foi renovado.

23. Actualmente, o Autor desloca-se em cadeira de rodas.

24. Ficou a padecer de bexiga neurogénica, com esvaziamento de urina, de 4 em 4 horas, utilizando cateteres urinários estéreis lubrificados com saco acoplado e perdas de urina, provocando reiteradas infecções urinárias.

25. O Autor necessita de ajuda de terceira pessoa para actividades da vida diária durante, pelo menos, 4 (quatro) horas por dia.

26. Pois não se consegue lavar na metade inferior do corpo, nomeadamente a zona do períneo e a parte de baixo das pernas, sem ajuda de terceira pessoa.

27. Não pode preparar refeições, cortar os alimentos e fazer a lide doméstica.

28. Não consegue abotoar, calçar meias ou sapatos sem apoio.

29. O Autor suportou os custos com o auxílio de terceiras pessoas no montante de € 775,00.

30. O Autor ficou com dificuldades de erecção.

31. E uma repercussão na actividade sexual fixável em grau 5 numa escala crescente de 1 a 7.

32. Com um dano estético no seu corpo fixável em grau 6 numa escala crescente de 1 a 7.

33. Durante o seu período de recuperação e reabilitação, o Autor apresentou melhorias dentro do seu quadro, tendo ganho alguma autonomia, pois consegue impulsionar manualmente a cadeira de rodas em superfícies planas, transferir-se sozinho e autoalgaliar-se sozinho.

34. E tem capacidade de manusear smartphones e de conduzir veículos automóveis adaptados.

35. O Autor viu a sua vida completamente alterada, frustrando-se todas as suas expectativas futuras, a nível social, a nível laboral e a nível de entretenimento físico, a nível sexual e de constituição de família.

36. Ficando profundamente desgostoso com a sua situação, despoletando, pelo menos, uma crise de ansiedade.

37. E sentindo estados de tristeza, apreensão, raiva, vergonha e medo no seu dia a dia seu futuro.

38. Em consequência do acidente e dos subsequentes tratamentos, o Autor sofreu dores de grau 7 numa escala crescente de 1 a 7.

39. O Autor necessita e necessitará de tratamentos médicos regulares nas especialidades de medicina física e de reabilitação e urologia.

40. O Autor necessita e necessitará de 2 a 3 sessões por semana de fisioterapia e reabilitação física de modo a melhorar a sua condição física.

41. A condição física do Autor requereu, e requererá para o resto da sua vida, a compra de variado material de apoio, do qual o mesmo tem necessidade, nomeadamente: a). cadeira de rodas em liga ultra leve, em titânio, adaptada ao Autor, com tensores no encosto, aros antiderrapantes, rodas antivolteio, com sistema de propulsão para facilitar a deambulação sobretudo em terrenos inclinados/irregulares, rampas, ou lancis de passeios e sistemas de estabilização do Autor; b). almofada anti escaras com células de ar e espuma; c). cadeira de verticalização eléctrica; d). tábua de transferências em madeira; e). tábua de transferência em plástico para o banho; f). cama articulada tipo sommier; g). cadeira de banho com rodas grandes; e). veículo automóvel adaptado; f). material para dar continuidade ao treino vesical, nomeadamente, sondas, sacos colectores e algálias.

42. Quanto a este material de apoio, o Autor já adquiriu uma cadeira de rodas em liga ultra leve sem propulsão, almofada anti escaras com células de ar e gel, tábua de transferência em madeira, sommier articulado 4 planos eléctrico e cadeira de banho com rodas grandes, tendo gasto a quantia de € 10.587,17.

43. Carecendo ainda o Autor do restante material de apoio com as características mencionadas, o que implicará o acréscimo de € 23.196,78 para a compra de tal equipamento.

44. Mais o montante de € 15.307,99 correspondente ao custo com a adaptação do veículo automóvel, além do mais, com mecanismo robotizado para guarda de cadeira de rodas.

45. A cadeira de rodas exige uma revisão anual, com troca de pneus, e custa cerca de € 800,00, custando a troca de baterias o montante de € 800,00, de três em três anos (€ 400,00 cada unidade).

46. É necessário substituir a almofada anti-escaras de dois em dois anos, o que custa não mais de € 370,00.

47. E substituir a cadeira de rodas, pelo custo unitário de € 9.048,83, de 5 em 5 anos.

48. O Autor precisou e precisará, para o resto da sua vida, de gastar cerca de 4 (quatro) caixas de cateteres/sondas de esvaziamento urinárias lubrificadas estéreis com saco acoplado, por dia e cerca 120 (cento e vinte) por mês. (Na sentença da 1.ª instância este ponto continha a seguinte redação: “O Autor precisou e precisará, para o resto da sua vida, de gastar cerca de quatro caixas de cateteres/sondas de esvaziamento urinárias lubrificadas estéreis com saco acoplado, por mês.”).

49. Cada caixa (Actreen Glys Set C/Sac Mas 50cm x 30), com 30 sondas,custou ao autor o valor € 90,00, a 19.12.2017. (Na sentença da 1.ª instância este ponto continha a seguinte redação: “Cada caixa (Actreen Glys Set C/Sac Mas 50cm x 30) custa € 90,00, pelo que o Autor necessitará, durante toda a vida, de gastar a quantia mensal de € 360,00.”).

50. Em medicação para estimulação de erecção, o A. necessitará, durante toda a vida, a quantia mensal de € 45,92.

51. Em medicação para o esvaziamento e amolecimento de fezes, o A. necessitará, durante toda a vida, da quantia mensal de € 22,00.

52. O A. necessita, e necessitará, de ajudas medicamentosas em analgésicos, AINE, inibidores de fosfodiesterase tipo 5 e medicação para controlo de esfíncteres.

53. O Autor já gastou, a suas expensas, os seguintes montantes: a). em medicação, € 3.243,27 (cfr. documentos de fls.57 a 75, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); b). em fisioterapia no domicílio, € 1.000,00 (cfr. documento de fls.74 verso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); c). em taxas moderadoras, € 512,63 (cfr. documentos de fls.75 a fls.80, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); d). em cuecas descartáveis, esponjas e outros € 994,21 (cfr. documentos de fls.80 verso a a 86 verso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); e). no internamento no Centro de Medicina de Reabilitação ..., € 25.704,00 (cfr. documentos de fls.87 a 88 verso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); f). no internamento na I.…, Lda., € 16.440,00 (cfr. documentos de fls.89 a 90, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); g). em transportes € 176,40 (cfr. documentos de fls.90 verso a 95, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), num total de € 48.070,51 (quarenta e oito mil e setenta euros e cinquenta e um cêntimo).

54. O Autor, antes do acidente e desde sempre, morava numa casa com o seu pai e com a sua avó, em ....

55. Essa habitação onde o Autor residia gratuitamente não possuía as condições de acessibilidade necessárias à sua actual condição física.

56. O Autor nunca necessitou de arrendar um apartamento.

57. Após o acidente, o Autor pretendeu mudar de casa e ir viver para a cidade, passando a viver em ..., cidade com custos habitacionais superiores aos vigentes em ....

58. E, também por necessidade da sua actual condição física, o Autor tomou de arrendamento de um apartamento com as condições de habitabilidade e acessibilidade adequadas à sua condição física, com elevadores, rampas e dimensões adequadas para o efeito.

59. Só o tendo feito, após insistente busca, e por ter encontrado apenas um único apartamento em ... que reunia tais condições, para o qual se mudou, passando a pagar uma renda mensal de € 600,00, tendo o Autor pago para o efeito, o total de € 4.800,00 desde 1 de Julho de 2017 até ao momento da entrada em juízo da douta petição inicial.

60. “Caso o Autor não requeresse condições especiais de habitabilidade e acessibilidade adequadas à sua condição física, conseguiria arrendar um apartamento por valor acrescido aos valores médios de mercado, não concretamente apurado, mas sempre inferior ao montante de € 600,00.” (Nota: este ponto/facto constava da descrição da sentença da 1ª. instância, mas foi eliminado pelo acórdão, ora recorrido, da Relação).

61. A Ré já adiantou ao Autor, por conta da indemnização devida pelos danos decorrentes do acidente descrito nos autos, a quantia global de € 407.000,00 (quatrocentos e sete mil euros) – no acórdão recorrido, por manifesto lapso de escrita consta 107.000,00 (cento e sete mil euros) - nos seguintes termos: - adiantamento de € 1.500,00 em 26.12.2016; - adiantamento de € 1.500,00 em 05.01.2017; - adiantamento de € 1.500,00 em 20.02.2017; - adiantamento de € 22.500,00 em 06.06.2017; - adiantamento de € 25.000,00 em 06.09.2017; - adiantamento de € 5.000,00 em 13.12.2017; -adiantamento de € 5.000,00 em 23.03.2018; - adiantamento de € 20.000,00 em 15.06.2018; - adiantamento de € 5.000,00 em 27.12.2018; - adiantamento de € 20.000,00 em 09.04.2018; - adiantamento de € 300.000,00 em 15.01.2020.

62. A Ré custeou os tratamentos médicos de que o Autor necessitou, em consequência das lesões sofridas neste acidente e, nessa medida, liquidou-lhe a quantia de € 13.584,33, a título de despesas hospitalares, e a quantia de € 12.655,37, a título de despesas com a recuperação do Autor, verificadas até Fevereiro de 2018.


***


3. Do Direito.

3.1. Quanto à 1ª. questão.

- Do quantum indemnizatório pelo dano biológico/na vertente de dano patrimonial futuro sofrido pelo A. (questão referente ao recurso independente da R.).

3.1.1 Importa, antes de mais, começar por lembrar que nos encontramos no domínio da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, decorrente de um acidente de viação, do qual foi exclusivamente responsável a condutora do veículo segurado na ré e no qual se viu envolvido o A. (enquanto passageiro que nele então se fazia transportar gratuitamente).

Responsabilidade essa que, como se sabe, se encontra disciplinada no no artº. 483º e ss., do Código Civil (diploma a esse ao qual nos referiremos sempre que doravante mencionarmos somente o normativo sem a indicação da sua fonte).

Dispõe-se nesse normativo legal que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

Extrai-se, assim, desde logo, desse preceito legal que são pressupostos legais dessa responsabilidade a existência de um facto voluntário do agente, que o mesmo seja ilícito, que haja um nexo de imputação desse facto ao agente (culpa), que desse facto resulte um dano e, por fim, que se verifique um o nexo de causalidade entre esse o facto e o dano. (cfr. por todos, os profs. Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª. ed., revista e actualizada, pág. 444 e ss.).

Pressupostos esses cujos ónus de alegação e prova impende ao lesado (artº. 342º, nº. 1), a não ser que beneficie de uma presunção legal (artº. 350º, nº. 1), o que a acontecer transfere para o lesante o ónus de ilidir essa presunção (artº. 350º, nº. 2). No que concerne à culpa, ou seja, no que diz respeito ao pressuposto do nexo de imputação do facto ao agente, esse ónus de prova imposto ao lesado é ainda especificamente reforçado pelo artº. 487º.

Dada a pacificidade (na doutrina e jurisprudência) sobre tal matéria, não iremos perder-nos na dissecação de cada um desses conceitos legais, tanto mais que na presente revista o que verdadeiramente discute é, na sua essência, a quantificação indemnizatória de alguns desses danos que advieram para o autor em consequência do infeliz e dramático evento rodoviário descrito nos autos, a não ser que tal se venha a mostrar necessário na abordagem que adiante iremos fazer sobre eles.

Mesmo assim, não resistimos em deixar, desse já, umas breves notas preliminares no que concerne à obrigação de indemnizar imposta ao lesante pelos danos advenientes para o lesado decorrentes da conduta do primeiro.

Nos termos do artº. 562º. o objetivo da indemnização consiste em colocar o lesado na situação em que se encontraria se não fora o acontecimento produtor do dano, desde que este seja resultante desse evento em termos de causalidade adequada.

Tal resultado deve ser procurado, em primeiro lugar, pela reposição da situação tal como estava antes da produção do dano - princípio da restauração natural.

Todavia, não raras vezes essa reposição apresenta-se muito difícil ou mesmo impossível (como acontece no caso dos danos não patrimoniais), tendo lugar então a indemnização em dinheiro (cfr. artº. 566º, nº. 1).

Ou seja, como decorre dos normativos legais acabados de citar, vigora entre nós o princípio da restauração ou reposição natural, traduzido na imposição para o lesante da obrigação de reconstituir a situação anterior à lesão, isto é, no dever de reposição das coisas no estado em que estariam se não se tivesse produzido o dano. Ou melhor ainda, tal reparação do lesado deve, em princípio, ser feita através da restauração ou reposição natural, só devendo a mesma ser realizada em dinheiro sempre que tal reconstituição (natural) não seja possível, não repare integralmente o dano ou se mostre excessivamente onerosa para o devedor.

Como resulta do artigo 563º, tal obrigação de reparação supõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo. Porém, o nexo de causalidade (adequada) exigido entre o dano e o facto não deverá excluir a ideia de causalidade indireta – que se dá quando o facto não produz ele mesmo o dano, mas desencadeia ou proporciona um outro que leva à verificação deste (vide, por todos, os profs. Pires de Lima e A. Varela, in «Ob. cit., pág. 548»).

O montante da indemnização medir-se-á pela diferença entre a situação (real) em que o lesado se encontra e a situação (hipotética) em que se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano (nº. 2 do artº. 566º, que consagra a chamada teoria da diferença).

Como decorre do artº. 564º, o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, ou seja, os danos emergentes - que alguns designam com alguma impropriedade também de presentes - como também os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, os lucros cessantes, sendo que nos termos do nº. 2 daquele mesmo normativo na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; e se não forem determináveis a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.

São por demais consabidas as dificuldades que existem em tal domínio (de cálculo do montante indemnizatório), devido à ausência de regras legais que enunciem objetivamente os critérios (legais) a seguir, e daí que em tais situações, e particularmente naquelas em que não possa ser averiguado o valor exato dos danos a lei mande julgar à luz da equidade, embora sem deixar de ter em conta critérios de verosimilhança ou de probabilidade à luz de cada caso concreto. (artº. 566º, nº. 3).

Diga-se a esse respeito - e como constitui jurisprudência consolidada nos nossos tribunais superiores, e particularmente neste Supremo Tribunal -, que no que concerne à reparação do dano na responsabilidade civil extracontratual resultante da circulação de veículos automóveis, como sucede in casu, os critérios e valores constantes da Portaria nº. 377/2008, de 26/05, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº. 679/2009, de 25/06, não vinculam os tribunais, pois, têm exclusivamente em vista a elaboração de proposta pela empresa seguradora, visando a regularização extrajudicial de sinistros, e daí que, nesse domínio, os tribunais continuem adstritos à regras e princípios insertos no Código Civil. (Cfr., a propósito, e por todos, Ac. do STJ de 19/09/2019, proc. 2707/17.6T8BRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

Diga-se, por último, e como decorre do se deixou exposto, que os danos indemnizáveis são tanto os danos que assumam natureza patrimonial, como também aqueles se revistam de natureza não patrimonial, exigindo-se tão só quanto a estes últimos que tenham gravidade suficiente de modo a merecer a tutela de direito (artº. 496º).

3.1.2 Postas estas breves considerações de cariz geral sobre a obrigação de indemnizar os danos decorrentes da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, e que, in casu, emergiram de um acidente de viação - pela produção do qual foi, como já deixámos expresso, única responsável a condutora do veículo automóvel segurado na R./recorrente -, é altura de nos centrarmos na 1ª. questão acima colocada (no recurso da última) e que tem a ver com a fixação do montante indemnizatório pelo dano biológico (na vertente de dano patrimonial futuro sofrido pelo A. em consequência do dito acidente.)

Como se escreveu no Ac. do STJ 15-09-2016 (proc. n.º 1737/04.0TBSXL.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt) “A temática da responsabilidade civil tem vindo progressivamente a importar novos conceitos e terminologia, nomeadamente em termos de caracterização e indemnização por danos, assumindo figuras jurídicas com vista a precisar a qualificação e ressarcimento dos danos produzidos nas vítimas, desde logo por acidentes, alargando, até por via disso, o elenco dos casos merecedores de indemnização, que a tradicional nomenclatura dificilmente abarcava. Sirva de exemplo a noção de “dano biológico”, a qual permite uma abrangência mais ampla do que a de “danos patrimoniais” de molde que a indemnização se não confine apenas aos casos em que aquele dano produza repercussões nos rendimentos do lesado. O conceito de dano biológico mostra-se assim alargado.”

O denominado “dano biológico” que nos últimos tempos surgiu, como mais representatividade, na terminologia e conceitualidade dos danos a indemnizar na decorrência da responsabilidade civil, e nomeadamente da responsabilidade delitual.

Normalmente esse dano emerge da afetação de uma pessoa do ponto de vista funcional, que é determinante de consequências negativas a nível da sua atividade geral (quer ao nível patrimonial, quer ao nível não patrimonial).

Dano biológico esse que costuma ser definido como um estado de danosidade físico-psíquico-pessoa, representando “uma diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre”. (Ac. do STJ, de 08/03/2016, proc. nº. 103/13.1TBARC.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

Dano esse que tanto pode ser ressarcido enquanto dano patrimonial, como compensado a título de dano não patrimonial, o que resultará de uma a avaliação casuística, e tudo dependendo da verificação se a lesão originou, no futuro, durante o período ativo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade. (Ac. do STJ, de 08/03/2016, proc. nº. 103/13.1TBARC.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

Sobre esta temática, e referente ao referido dano (biológico), veja-se ainda, a título de exemplo, aquilo que forma prevalecente, vem sendo defendido neste Supremo Tribunal:

- Ac. do STJ de 02/02/2016 (proc. nº. 3987/10.1TBVFR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt), “O dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis.”;

- Ac. do STJ de 28/03/2019 (proc. nº. 1120/12.4.TBPTL.G1.S1, disponível em dgsi.pt), “O denominado dano biológico, na sua vertente patrimonial, abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de limitações ou de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis.”;

- Ac. do STJ de 16/06/2016 (proc. nº. 1364/06, disponível em www.dgsi.pt), “O dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis. Assim, em caso de não verificação de incapacidade permanente para a profissão habitual, a consideração do dano biológico servirá para cobrir ainda, no decurso do tempo de vida expetável, a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, mesmo fora do quadro da profissão habitual ou para compensar custos de maior onerosidade com o desempenho ou suprimento dessas atividades ou tarefas, assumindo assim uma função complementar.”;

- Ac. do STJ de 10/11/2016 (proc. nº. 175/05, disponível em www.dgsi.pt), “Ao avaliar e quantificar o dano patrimonial futuro, pode e deve o tribunal reflectir também na indemnização arbitrada a perda de oportunidades profissionais futuras que decorra do grau de incapacidade fixado ao lesado, ponderando e reflectindo por esta via na indemnização, não apenas as perdas salariais prováveis, mas também o dano patrimonial decorrente da inevitável perda de chance ou oportunidades profissionais por parte do lesado. A indemnização a arbitrar pelo dano biológico, consubstanciado em relevante limitação ou défice funcional sofrido pelo lesado, perspectivado na óptica de uma capitis deminutio na vertente profissional, deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida em perdas salariais imediatas ou na privação de uma específica capacidade profissional, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de obtenção, mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional corrente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas – em adição ou complemento da indemnização fixada pelas perdas salariais prováveis, decorrentes do grau de incapacidade fixado ao lesado”;

- Ac. do STJ de 5/12/2017 (proc. nº. 505/15, disponível em www.dgsi.pt ),“O dano biológico derivado de incapacidade geral permanente, de cariz patrimonial, é susceptível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros, independentemente de o mesmo se repercutir na vertente do respectivo rendimento salarial, já que constitui um dano de esforço, porquanto o sujeito para conseguir desempenhar as mesmas tarefas e obter o mesmo rendimento, necessitará de um maior empenho, de um estímulo acrescido.”;

- Ac. do STJ de 23/10/2018 (proc. nº. 902/14.7TBVCT.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt), “O défíce funcional ou dano biológico é susceptível de desencadear danos de natureza patrimonial e/ou de natureza não patrimonial. Os do primeiro tipo (…) ocorrem quando a incapacidade, total ou parcial, se repercutem negativamente na atividade profissional  habitual do lesado e, consequentemente, nos rendimentos que dela poderia auferir, serão ainda desse primeiro tipo quando, embora sem repercussão direta e imediata na atividade profissional habitual, na obtenção do ganho dela resultante, implique um maior esforço no exercício dessa mesma atividade ou limite significativamente , por via de elevado grau de afectação funcional, as possibilidades do lesado optar por outras vias profissionais, susceptíveis de ganhos materiais.”

Posto isto, e cotejando a matéria factual apurada, a esse respeito, e nomeadamente o tipo de lesões e as sequelas sofridas pelo A. (num quadro de paraplegia com diparésia braquial abaixo de C-6, que é também designado, na nomenclatura utilizada pela Fisiatria, como de tetraplegia ASIA B, abaixo de C-6.), que lhe conferem um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica compreendido entre 88 a 90 pontos, facilmente se conclui estarmos, desde logo, perante um dano biológico na sua vertente/dimensão de dano patrimonial futuro, que, naturalmente, se repercutirá negativamente no exercício da sua atividade profissional, afetando a sua capacidade de ganho, quer por via da diminuição imediata dos seus rendimentos, quer por via da frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de outras atividades, devido ao levado grau de afetação funcional, que lhe proporcionassem novos ou maiores ganhos económicos/materiais, para além ainda do maior esforço que tais atividades, que possa ainda exercer, sempre lhe exigirão.

E como suporte reflexivo do acabado de concluir, basta atentar no ponto 11. dos factos provados do qual consta que “as descritas sequelas são impeditivas do exercício pelo autor: da atividade profissional de segurança referida em 21” (profissão do A. e da qual auferia € 800,00 mensais, mas que na altura do acidente não exercia, encontrando-se então desempregado, por o contrato ter, entretanto, em 17/10/2016, terminado, sem que lhe tivesse sido renovado – cfr. ponto 22), “sem prejuízo da possibilidade de desempenho restrito de funções de vigilância eletrónica, com maior esforço; de funções profissionais da sua área de preparação técnico-profissional de 12º ano de biblioteca, de arquivo e de documentação que, pelo menos, exijam trabalho com procura, movimento e transporte de suportes físicos de biblioteca e arquivo.”

Concluindo configurar o referido dano (biológico - decorrente do défice funcional permanente de que o A. ficou afetado) um dano patrimonial futuro (qualificação essa sobre a qual não há dissenso quer entre as instâncias, quer entre as partes), - na vertente de lucro cessantes - impõe-se tão só avaliá-lo pecuniariamente, por forma atribuir, por ele, uma indemnização (compensatória) ao autor.

A 1.ª instância fixou essa indemnização no montante de € 350.000,00, a 2ª. instância (no acórdão de que se recorre) fixou essa indemnização na quantia de € 450.000,00 (com a qual de conformou o A.), e contra a qual discorda a ré/recorrente, considerando-a exagerada, defende que ela não deve exceder os € 275.000,00 (cfr. fls. alegações de recurso).

Apreciemos.

Já acima deixámos expressas as dificuldades, e razão de ser delas, com que nos defrontamos no cálculo indemnizatório de tal dano, mandando a lei julgar, de acordo com a equidade quanto não possa ser averiguado o valor exato dele, embora sem deixar de ter em conta critérios de verosimilhança e/ou de probabilidade à luz de cada caso concreto.

Nessa medida, o direito equitativo não se compadece com uma construção apriorística, emergindo, porém, do “facto concreto”, como elemento da própria compreensão do direito, rectius, um direito de resultado, em que releva a força criativa da jurisprudência, verdadeira law in action, com o imprescindível recurso ao “pensamento tópico” que irá presidir à solução dos concretos problemas da vida (Claus Canaris, in “O Pensamento Sistemático e o Conceito de Sistema na Ciência do Direito”).

A equidade deve ser a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, devendo, o julgador ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida (cfr., entre outros, Ac. do STJ de 10/12/98, in “CJ, Acs. do STJ, Ano VI, T1 – 65” e os profs. Pires de Lima e A. Varela, in “Ob. cit., pág. 474”).

E nessa medida, é de repudiar/afastar a utilização pura e simples de critérios mais positivistas, assentes em equações de complexidade variável, como as determinadas por fórmulas matemáticas ou tabelas financeiras, entre outras, que deverão, quando muito, servir de meios auxiliares de orientação com vista a atingir a tal desiderato equitativo de indemnização do dano.

Constitui hoje entendimento prevalecente nos tribunais superiores, e particularmente neste, que a indemnização do dano patrimonial futuro (vg. na vertente de lucro cessante) decorrente da perda ou diminuição da capacidade aquisitiva, motivado pelo défice funcional de que o lesado ficou afetado, deve, como regra, ser calculada em atenção ao tempo provável de vida da vítima, ou seja, à esperança média da sua vida, e não apenas em função da duração da sua vida profissional ativa, de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a atual até final desse período, ou seja, e por outras palavras, essa indemnização por tal dano deve corresponder a um capital de rendimento de que o lesado ficou privado e que se extinguirá no termo desse período provável da sua vida, e que  não tem de coincidir com o termo da sua vida profissional, com a entrada na reforma. É que finda a vida ativa do lesado por incapacidade permanente não é razoável ficcionar que a vida física desaparece nesse momento e com ela todas as necessidades, pois que atingida a idade da reforma, isso não significa que a pessoa não continue a trabalhar ou simplesmente a viver ainda por muitos anos, e a ter as suas necessidades, como, aliás, é das regras da experiência da própria vida (Vide, por todos, Ac. do STJ de 23/10/2018, proc. nº. 902/14.7TBVCT.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

E mesmo nos casos em que o lesado não exerce qualquer atividade profissional remunerada ou exercendo-a não houve perda de salário ou de rendimento, tanto a doutrina como a jurisprudência perfilham hoje o entendimento claramente dominante no sentido da ressarcibilidade do dano decorrente da afetação funcional ao nível físico, psíquico ou intelectual. (Vide, entre outros, o prof. Vaz Serra, in “RLJ, ano 102 – 296”; o prof. A. Varela, in “Obrigações, Almedina, Vol. I, pág. 910”; Acs. do STJ de 11/11/2021, proc. 730/17.8T8PVZ.P1.S1; de 06/12/2017, proc. 1509/13; de 19/09/2019, proc. 2706/17.6T8BRG.G1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.,  e Ac. do STJ de 17/5/94, in “CJ, Acs. do STJ, Ano II, T2 – 101”).

Para além do se deixou exposto, nomeadamente em termos dos princípios gerais, na determinação equitativa do dano patrimonial futuro do lesado, há uma panóplia de tópicos ou elementos referenciais que deverão ainda ser considerados, tais como:

- A idade do autor lesado à data do acidente (que no caso se cifrava em 26 anos idade);

- O período provável de vida ativa, com apelo à esperança média de vida de que atrás já falámos, a qual na altura da ocorrência do acidente (2016), se cifrava, para os homens portugueses, em 77,78, sendo que no momento da consolidação médico legal das lesões (em 21/10/2018) já cifrava em 78,07 (e de acordo com o portal do site do INE), sendo no caso de arredondar, e como tal considerar para os 78 anos;

- A remuneração mensal auferida pelo lesado à data do acidente e/ou outros rendimentos por si então auferidos.

A esse propósito e como base de cálculo da indemnização para o tipo do dano futuro em causa, é, como regra, de atender ao vencimento ou salário mensal auferido pelo lesado na altura do acidente (cfr., a propósito, e por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in Rec. Rev. nº. 1976/03, 2ª. Sec.”).

Porém, nas situações em que o lesado na altura do acidente ainda não tinha exercido profissão vem constituindo entendimento prevalecente deste tribunal que na fixação da indemnização respeitante aos danos patrimoniais futuros se deve ponderar o salário médio nacional, e não o mínimo (cfr. por todos, Acs. do STJ de 11/11/2020, proc. 16576/17.0T8PRT.P1.S1, e de 22/06/2017, proc. 104/10, disponíveis em www.dgsi.pt). Entendimento esse que, por maioria de razão, cremos dever também seguido naquelas situações em que o lesado, com uma idade ainda relativamente jovem, se encontrava na altura do acidente desempregado.

- A evolução profissional e os reflexos a nível remuneratório, quer se trabalhe por conta própria ou de outrem, ou até em simultâneo;

- A taxa média de inflação e a taxa de rentabilidade do capital, baseadas num juízo de previsibilidade (sendo notório que nos últimos anos a primeira se tem situado a nível negativo – começando muito recentemente, e pelas razões conjunturais que se conhecem, a dar sinais de subidas para patamares positivos - e a segunda tem rondado taxas numa margem de variação entre os 0 % e o 1 % ou 2%, conforme a duração dos depósitos, o que cremos, sobretudo se aquela situação de tendência recente da subida da inflação se mantiver, vir a alterar-se em termos de crescimento/subida);

- A gravidade das lesões e as suas consequências, e a atribuição do grau de incapacidade ou de défice funcional expressos em pontos;

Grau défice funcional que tanto pode traduzir-se em incapacidade total para o ofício, sem possibilidade de reconversão, como ser o exercício desse ofício total ou parcialmente possível, com ou sem diminuição salarial.

Tendo presente os tópicos ou elementos que se deixaram referenciados, e subsumindo-os ao caso em apreço, temos:

Que na sequência das lesões sofridas pelo acidente, o A. ficou, clinicamente, com um quadro de paraplegia com diparésia braquial abaixo de C-6, que é também designado, na nomenclatura utilizada pela Fisiatria, como de tetraplegia ASIA B, abaixo de C-6. (facto 17.).

Lesões essas que, em termos de sequelas, lhe conferem um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica compreendido entre 88 a 90 pontos (facto 14.).

Sequelas essas que, desde logo, o impedem de exercer a atividade profissional de segurança, que antes exercera, até 5 dias antes do acidente (ocorrido em 22/10/2016), e cujo contrato havia terminado em 17/10/2016, tendo então ficado no desemprego, “sem prejuízo da possibilidade de desempenho restrito de funções de vigilância eletrónica, com maior esforço; de funções profissionais, da sua área de preparação técnico-profissional de 12º ano de escolaridade de biblioteca, de arquivo e de documentação - obtivera antes-, que, pelo menos, exijam trabalho com procura, movimento e transporte de suportes físicos de biblioteca e arquivo. (cfr. factos 2., 14., 15. e 18.).

Assim, para efeitos de singelo de exercício de perdas de rendimentos futuros pelo A. somos levados a considerar o seguinte raciocínio (que, como já acima deixamos expresso, será no final sempre temperado com o recurso a um juízo de equidade):

Consideraremos, por defeito, que o A. é portador um défice funcional permanente (da integridade físico-psíquica) 88 pontos (o qual como ressalta materialidade pode ir até aos 90 pontos).

Que na altura do acidente (quando tinha 26 anos de idade) o A. tinha uma esperança média de vida à volta de 52 anos, porém, apenas se considerará, por arredondamento, a idade/período de esperança média de vida de 50 anos (contabilizados a partir da data consolidação médico-legal das lesões – ocorrido em 21/10/2018 – nenhum entendimento que, a esse respeito, se mostra entre nós prevalecente).

Por outro lado, e dado que antes do acidente o A., tinha ficado desempregado,  e pelas razões que acima se deixaram expendidas (e entre as quais se encontram a jovem idade que o A. então tinha, com larga expetativa na escolha de atividades profissionais e na progressão da carreira), considerar-se-á, como base de cálculo, o salário médio nacional para os trabalhadores por conta de outrem, e que na altura se situava nos € 924,09 (de acordo com o portal do site do INE), e que  por arredondamento se considerará em 925,00, multiplicado por 14 meses por forma englobar os meses correspondentes aos subsídios de Natal e de férias consagrados nosso quadro jurídico laboral.

Assim, tomando por base tais elementos (€ 925,00x14x50x0,88), chegar-se-ia á conclusão, em termos de resultado, que a respetiva perda de rendimentos (aqui ficcionados) ao fim de 50 anos, que o autor tem previsivelmente de esperança de vida, importaria, singelamente, no valor total de € 569.800,00. (Diga-se que mesmo que porventura, se ponderasse, in casu, introduzir nessa equação, como 1ª. variável, a quantia de € 800,00, por corresponder ao vencimento mensal que o A. auferia na atividade profissional que, como segurança, vinha exercendo até 5 dias antes do acidente - altura em que ficou desempregado por cessação do respetivo contrato -, obter-se-ia um valor total de € 492.800,00).

Porém, essa importância não é, como acima vimos, necessariamente vinculativa, pois que sempre, em princípio, teria de sofrer um ajustamento – não só pelas razões concretas a que atrás já nos referimos, como também porque o lesado vai receber de uma só vez aquilo que, em regra, deveria receber em frações anuais ao longo de 50 anos, havendo, assim, uma antecipação de capital, que poderá de imediato aplicar e fazer render -, para se evitar, desse modo, uma situação de injustificado enriquecimento à custa alheia. E daí que fosse prática habitual na nossa jurisprudência proceder a uma redução de tal quantia, variável perante cada caso concreto, mas que a maior parte das vezes tanto poderia oscilar entre 1/3 ou 1/4 daquele montante, como fixar-se numa percentagem que não ultrapassava os 10% ou 20% desse capital antecipado, tudo dependendo das situações casuísticas/concretas.

Porém, e como se escreveu a esse propósito no Ac. do STJ de 19/09/2019, proc. nº. 2706/17.6T8BRG.G1.S1 (citando, para o efeito, o Ac. do STJ de 19/04/2018, proc. nº. 196/11.6TCGMR.G2.S1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt, “o recebimento de uma só vez do montante indemnizatório não releva atualmente como em tempos não muito recuados já relevou, tendo em conta que a taxa de juro remuneratório dos depósitos pago pelas entidades bancárias é muito reduzido (…), o que implica, por si só, a elevação do capital necessário para garantir o mesmo nível de rendimento.” (sublinhado nosso)

O que, na verdade reflete, aquilo que supra já deixámos referenciado a esse respeito, nomeadamente as atualmente muito baixas de rentabilidade do capital investido, e particularmente no que concerne quanto aos depósitos bancários (embora, e pelas razões também supra referidas, tal possa vir a sofrer alteração nos próximos tempos).

Por outro lado, não se poderão desconsiderar quaisquer outros fatores que, sendo projetados no futuro, não é possível quantificar neste momento (sendo que alguns deles já atrás aludimos).

Por último, importa ainda ponderar o seguinte:

Como acima fizemos referência, o grau défice funcional que tanto pode traduzir-se numa incapacidade total para a o exercício da profissão, sem possibilidade de reconversão, como permitir o exercício parcial desse mesmo ofício, ou então, não o permitindo, possibilitar, todavia, o exercício de outra atividade profissional reconvertida.

Como já se deixou referido, e assinalando os pontos de facto de onde tal ressalta, as lesões sofridas pelo A., em consequência do acidente, impõem-lhe um défice funcional permanente (quanto à da integridade físico-psíquica) compreendido entre 88 a 90 pontos.

Sequelas essas que se, por um lado, o impedem de exercer a atividade profissional de segurança que vinha desempenhando, até 5 dias antes do acidente (altura em que terminara o contrato), todavia, permitem-lhe o exercício dessa mesma atividade desde que se reporte/reconduza a um tipo de vigilância feita tão somente por via eletrónica, o mesmo sucedendo no que concerne ao nível do exercício da atividade na área de biblioteca, de arquivo e de documentação, e cuja preparação técnico-profissional adquiriu quando frequentou o 12º ano de escolaridade.

Mas o exercício dessas atividades em “reconversão”, ainda que possíveis, e já de si limitativas, pressupõem que o A. não tenha que se locomover/movimentar e despender esforço, nomeadamente em trabalhos de procura transporte suportes físicos.

Tarefas essas que, em tais condições, não se apresentam fáceis de encontrar/contratualizar, e sobretudo se tivermos em conta que o A. sofre de quadro de paraplegia (com diparésia braquial abaixo de C-6) é também designado, como de tetraplegia (ASIA B, abaixo de C-6.), que apenas lhe permitem, além do mais, deslocar-se em cadeira de rodas, e o obrigam (por ter ficado a padecer de bexiga neurogénica) ao esvaziamento de urina, de 4 em 4 horas, tendo de utilizar para o efeito cateteres urinários estéreis lubrificados com saco acoplado,

Sequelas e défice funcional esses que naturalmente conduzem a uma clara perda de chance ou de oportunidades profissionais, frustrando ou limitando fortemente o leque de escolha das suas opções de atividades profissionais a desempenhar no futuro.

Desse modo, e sopesando tudo que se deixou exposto, afigura-se-nos, num juízo equitativo final, ajustado o montante de € 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil euros) fixado pelo tribunal a quo, no acórdão de que se recorre, para indemnizar o autor pelo dano patrimonial futuro decorrente do dano biológico (na sua vertente patrimonial) de que sofreu em consequência do acidente (e que a pecar será, a nosso ver, por defeito, face os montantes que vêm sendo fixados pela jurisprudência dominante neste tribunal para casos similares).

E nessa medida, julga-se, nessa parte, improcedente o recurso (de revista) da R..


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3.2 Quanto à 2ª. questão.

- Do quantum indemnizatório pelos danos não patrimoniais sofridos pelo A. (questão comum referente a ambos os recursos da R. e do A.).

Está também em discussão, nesta revista o montante indemnizatório atribuir ao autor pelos danos não patrimoniais que sofreu em consequência do referido acidente de viação.

Na 1ª. instância fixou-se essa indemnização na quantia de € 230.000,00 (atualizada à data da sentença), na 2ª. instância essa indemnização foi fixada na quantia de € 400.000,00 (atualizada à data da prolação do acórdão).

Por sua vez, nestes seus recursos de revista, enquanto que a ré defende que essa indemnização por tais danos se deve fixar nos € 200.000,00, já o autor defende a sua fixação indemnizatória no montante de € 600.000,00.

Apreciemos.

Como é sabido, para além dos danos patrimoniais, são também suscetíveis de indemnização os danos que se revistam de natureza não patrimonial, exigindo-se tão só quanto a eles que tenham gravidade suficiente de modo a merecer a tutela de direito (artº. 496º, nº. 1), sendo essa gravidade medida por um padrão objetivo e não à luz de fatores subjetivos e que caberá, desse modo, ao tribunal, em cada caso concreto, dizer se o dano (não patrimonial) é ou não merecedor de tutela jurídica.

Não se discute aqui a gravidade dos danos não patrimoniais sofridos pelo A. em consequência do acidente (aliás, basta uma simples leitura da matéria factual apurada para aquilatar dessa  sua gravidade, sendo que muitos deles estão associados ao dano biológico que se abordou na questão anterior), nem a obrigação da ré (para a qual fora transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo causador desse acidente de onde emergiram) em os indemnizar, mas tão só, como ressalta do que atrás de deixou expresso, o montante pelo qual devem ser indemnizados/compensados.

Mostrando-se impossível a reparação/restauração (natural) de tais danos, o seu ressarcimento só poderá ocorrer por via da indemnização/compensação em dinheiro (cfr. artº. 566º, nº. 1).

Na verdade, e como afirma o prof. Mota Pinto (in “Teoria Geral do Direito Civil, 3ª. Ed., pág. 15”, que igualmente se cita no já acima referenciado Ac. do STJ de 19/09/2019) “os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis: não podem ser reintegrados mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano e compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização. Não se trata, portanto, de atribuir ao lesado um "preço de dor" ou um "preço de sangue", mas de lhe proporcionar uma satisfação em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir mesmo interesses de ordem refinadamente ideal.”

Não fornecendo a lei critérios normativos concretos que fixem o seu montante indemnizatório e dada a consabida dificuldade em o fazer, o legislador fez, por isso, assentar a sua quantificação através do recurso à equidade (cfr. artºs. 496º, nº. 4, e 494º, 566º, nº. 3, e 4º), constituindo, porém, entendimento prevalecente, que se deverá atender para o efeito, nomeadamente, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, devendo ser proporcional à gravidade do dano e tomando em conta na sua fixação todas as regras da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida, e sem perder de vista a peculiaridade de que se reveste o caso concreto (vide, por todos, os profs. Pires Lima e Antunes Varela, in “Ob. cit., págs. 473/474”, e Acs. do STJ de 17/12/2019, proc. 2224/17.2T8BRG.G1.S1, de 17/12/2019, proc. 480/1.TBMMV.C1.S2, de 02/12/2013, proc. 1110/07.9TVLSB.L1.S1, e de 02/06/2016, proc. 6244/13.8TBVNG.P1.S1, disponíveis in dgsi.pt).

Como escreve Maria Veloso (in “Danos não patrimoniais”, Comemorações dos 35 anos do Código Civil, Vol. III, Direito Das Obrigações, pág. 542”), nesse cálculo a natureza e a intensidade das lesões devem servir como “factor-base da ponderação”.

Danos esses que, como se extrai do exposto, devem ser condignamente compensados, como, aliás, vem sendo a afirmado neste mais alto tribunal, e cujo entendimento vem, sobretudo nos últimos tempos, grassando, numa espiral crescente, nos nossos tribunais.

Aqui chegados, e tendo presente tudo aquilo que atrás se deixou expendido, é agora altura de responder, de forma decisiva, à questão acima colocada, no sentido de valorar/quantificar a indemnização a atribuir ao A. pelos danos não patrimoniais que sofreu em consequência do sobredito acidente.

Para isso importa reter e ponderar aquilo que consta da descrição da materialidade factual dada como provada, e com particular relevo que:

- Logo após o acidente, o A. foi assistido no local pelo INEM, tendo depois sido conduzido para o hospital ..., onde ficou internado e foi submetido, ainda nesse mesmo dia, a uma operação cirúrgica de estabilização da fractura cervical (abordagem anterior da coluna cervical, corporectomia de C6, artrodese anterior, com enxerto estrutural tricortical de osso ilíaco (dto) e placa anterior);

- Após ter permanecido nesse hospital até 19-12-2016, foi depois encaminhado para a Santa Casa de Misericórdia ... – C. R. Norte, tendo aí permanecido desde essa data até 28-03-2017, data em que o foi encaminhado e internado no Centro de Medicina de Reabilitação de ..., onde se manteve até 31-05-2017;

- Nos meses de Julho, Agosto e Setembro de 2017, o Autor fez ciclos de reabilitação intensiva em regime de internamento em I..., Lda., em ...;

- Em consequência das lesões sofridas com o acidente, o Autor ficou com as seguintes sequelas: a). pescoço: cicatriz linear, não recente, de aspecto cirúrgico, de seis centímetros na anterolateral direita; b). ráquis: paraplegia com diparésia braquial abaixo de C-6, com níveis funcionais acima desse nível e sem controlo de esfíncteres; c). abdómen: cicatriz não recente, de aspecto cirúrgico, de seis por dois centímetros, ao nível da crista ilíaca direita; d). membros superiores direito e esquerdo: plegia abaixo de C-6; e). membros inferiores direito e esquerdo: plegia;

- O que lhe acarretou que ficasse com um quadro de paraplegia com diparésia braquial abaixo de C-6, que é também designado, na nomenclatura utilizada pela Fisiatria, como de tetraplegia ASIA B, abaixo de C-6., conferindo-lhe um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica compreendido entre 88 a 90 pontos;

- Na altura do acidente o A. tinha 26 anos de idade, sendo pessoa fisicamente bem constituída e saudável, praticando regularmente musculação no ginásio;

- Porém, devido às referidas sequelas de que ficou a padecer, o Autor desloca-se atualmente em cadeira de rodas, ficando ainda a padecer de bexiga neurogénica, com necessidade esvaziamento de urina, de 4 em 4 horas, utilizando cateteres urinários estéreis lubrificados com saco acoplado e perdas de urina, o que lhe provoca reiteradas infeções urinárias.

- Devido a tais sequelas o autor passou a necessitar de ajuda de terceira, pessoa para as atividades da vida diária, durante, pelo menos, 4 (quatro) horas por dia, pois que não se consegue lavar na metade inferior do corpo, nomeadamente na zona do períneo e na parte de baixo das pernas, sem ajuda de terceira pessoa, nem conseguindo ainda abotoar-se, calçar as meias ou sapatos sem esse apoio, bem como preparar as suas refeições, cortar os alimentos e fazer a lide doméstica;

- Apesar dessas limitações funcionais, o Autor, durante o seu período de recuperação e reabilitação, sofreu algumas melhorias dentro do seu quadro, tendo ganho alguma autonomia, pois passou a conseguir impulsionar manualmente a cadeira de rodas em superfícies planas, a transferir-se e a autoalgaliar-se sozinho, e as dispor de capacidade para manusear smartphones e conduzir veículos automóveis adaptado;

- Por outro lado, devido a tais sequelas, o Autor ficou com dificuldades de ereção, o que se repercute negativamente na sua atividade sexual fixável num grau 5, numa escala crescente de 1 a 7;

- Ficou ainda o Autor com um dano estético no seu corpo fixável num grau 6, numa escala crescente de 1 a 7;

- Devido a tal quadro clínico em que ficou, em termos de sequelas, o A. sentiu-se frustrado nas suas expectativas futuras, nomeadamente ao nível social, laboral, sexual e de constituição de família e de entretenimento físico;

- Sentindo-se profundamente desgostoso com a sua situação, o que lhe despoletou, pelo menos, uma crise de ansiedade, bem como estados de tristeza, apreensão, raiva, vergonha e medo no seu dia a dia e quanto ao seu futuro;

- Em consequência das lesões sofridas como acidente e dos subsequentes tratamentos, o Autor sofreu dores de grau 7, numa escala crescente de 1 a 7;

- Devido a esse seu estado, o Autor necessita e necessitará de tratamentos médicos regulares nas especialidades de medicina física e de reabilitação e urologia., bem como de fazer de 2 a 3 sessões por semana de fisioterapia e reabilitação física de modo a melhorar a sua condição física;

- O Autor em nada contribuiu para o acidente, o qual se deveu exclusivamente à conduta culposa da condutora do veículo segurado na ré, onde o mesmo se fazia então transportar gratuitamente.

Assim, num juízo ponderação global de tais circunstâncias (das quais resulta um quadro que se apresenta acentuadamente grave para o A., com repercussões negativas, em termos, passados, presentes e futuros, na sua saúde físico/espiritual, nomeadamente ao nível da sua afirmação profissional, pessoal e familiar) e de equidade, afigura-se-nos como ajustado o montante de € 500.000,00 (quinhentos mil euros) para compensar os danos não patrimoniais sofridos pelo A. em consequência do sobredito acidente. Quantia essa atualizada à presente data.

E nessa medida, julga-se improcedente o recurso da R. (independente) e parcialmente procedente o recurso do A. (subordinado).


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3.3 Quanto à 3ª. questão.

- Da obrigação da R. em suportar o pagamento do acréscimo do montante da renda mensal da habitação que o A. arrendou para viver decorrente das especiais condições de acessibilidade e habitabilidade que o imóvel deve possuir devido ao seu estado físico (questão referente ao recurso independente da R.);

No fundo, o que se discute não é saber se a R. está ou não obrigada a suportar/indemnizar o A. na totalidade da renda de uma habitação que o mesmo arrendou (em ...) depois da produção do acidente – para onde  foi viver em 01/07/2017 - e durante a sua vida (obrigação essa que as instâncias concluíram que não, pois que o autor, independentemente do acidente, sempre teria, de acordo as regras normais da experiência de vida, de viver numa habitação, seja a que título ou em que qualidade fosse), mas tão só na parte referente ao acréscimo do montante dessa renda (e que o A, terá de suportar) que é motivado pela circunstância dessa habitação ter de possuir condições especiais de habitabilidade e a acessibilidade devido ao estado físico em que o A. se encontra, derivado das sequelas com que ficou por causa das lesões sofridas com o sinistro,

As instâncias concluíram que sim, tendo, todavia, por falta de elementos, relegado a condenação da R. para o montante que se vier a liquidar em incidente posterior a instaurar para o efeito – nos termos fixados no respetivo segmento decisório, com algumas alterações introduzidas, nos termos, modos e circunstâncias dessa liquidação, pelo acórdão da Relação, de que ora se recorre, em relação ao que fora decidido pela sentença da 1ª. instância.

Contra essa obrigação e respetiva condenação se insurge a ré neste seu recurso de revista (tal como já o havia feito no recurso de apelação), suportando-se para o efeito nas razões que, na sua essência, constam das conclusões 8ª. a 16ª., acima transcritas, das suas alegações de recurso.

Apreciando.

Sem cuidar sequer de entrarmos na análise sobre a  forma pouco clara - e salvo sempre o devido respeito por outra opinião – dos termos em que foi fixada essa obrigação de liquidação (como, a nosso ver, se pode, desde logo, observar da leitura do respetivo segmento decisório que supra se deixou exarado/transcrito), adiantamos, desde já, que a referida condenação em tal obrigação (ainda que relegando o seu quantum para posterior incidente de liquidação) não poderá, à luz do factos apurados a tal respeito, proceder, in casu, e pelo seguinte:

Como vimos, e enfatizando, a referida obrigação em que foi condenada a R. reporta-se tão só à parte do acréscimo que incidirá sobre o montante de uma renda normal praticada no mercado, que o A. terá de suportar com o arrendamento de um imóvel habitacional (tal como acontece com aquele que já arrendou), e que é motivado pelo facto desse e imóvel ter de possuir condições especiais de habitabilidade e a acessibilidade devido ao sobredito estado físico em que o A. se encontra. Ou seja, essa condenação em tal obrigação é fundamentada no facto de o A. ter de suportar um acréscimo no montante do pagamento da renda, e que de outro modo não teria de suportar se não fosse a circunstância de habitação de que necessita para viver ter de possuir condições especiais de habitabilidade e a acessibilidade (vg. com elevadores, rampas e dimensões adequadas para o efeito) devido ao sobredito estado físico em que ficou.

Ora, é nesse (alegado) acréscimo de pagamento de renda que reside, in casu, o dano patrimonial (presente e futuro) invocado pelo A., e que levou à referida condenação.

Porém, calcorreando a matéria factual descrita como apurada, (e particularmente a referida sob os pontos 56 a 59) dela não resulta provado tal dano a que nos vimos referindo, e que se traduz no invocado acréscimo do montante da renda que o autor terá se suportar devido ao facto do imóvel arrendado ou a arrendar (ou mesmo porventura sequer a adquirir no futuro) ter de possuir as referidas condições especiais de habitabilidade e a acessibilidade.

Conclusão essa que se poderia ser diferente se o facto descrito na sentença da 1ª. instância sob o nº. 60. (com a seguinte redação “Caso o Autor não requeresse condições especiais de habitabilidade e acessibilidade adequadas à sua condição física, conseguiria arrendar um apartamento por valor acrescido aos valores médios de mercado, não concretamente apurado, mas sempre inferior ao montante de € 600,00.”), não tivesse sido eliminado, como acima se deixou exarado, dos factos provados, pelo tribunal a quo, no seu acórdão de que ora se recorre.

Diga-se ainda que, dos factos não provados consta, sob o nº. 19, o seguinte facto: “Caso o Autor não requeresse condições especiais de habitabilidade e acessibilidade adequadas à sua condição física, este conseguiria sempre arrendar um apartamento pelo montante de € 250,00.”

Situações essas que, desde logo, e como vem constituindo entendimento prevalecente na nossa jurisprudência, impedem sequer de equacionar a possibilidade de recorrer a presunções judiciais para dar tal facto como provado.

Refira-se, a esse propósito, que uma coisa é provar-se o dano, outra coisa é não se dispor de elementos que o permitam quantificar, situação esta que impõe então que se relegue essa quantificação do dano para posterior incidente de liquidação, tendo este, assim, como pressuposto aquele (cfr. artº. 609º, nº. 2, e 358º, nº. 2, do CPC).

Ora, como ressalta do que acima deixámos (a esse propósito) expendido, sendo o dano um dos pressupostos da obrigação de indemnizar, era sobre o A. que impedia o ónus prova do alegado dano (artº. 342º, nº. 1), prova que, como cremos ter deixado demonstrado, não logrou fazer, o mesmo, aliás, se podendo, nessa parte, dizer no que concerne também ao respetivo nexo causal (cfr. artº. 563º).

Termos, pois, em que, perante o que se deixou exposto, se decide, nessa parte, julgar procedente o recurso da R., e revogar, nessa parte/segmento, o acórdão da Relação, absolvendo, assim, desse pedido a mesma.


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3.4 Quanto à 4ª. questão.

- Da obrigação da R. pagar os juros de mora a contar da sua citação para ação sobre as quantias arbitradas ao A. referentes às ajudas técnicas (vg. cadeira de rodas, revisão anual, troca de pneus, baterias e almofadas anti-escaras) e medicamentosas (medicamentação para estímulo de ereção e amolecimento de fezes) futuras (questão referente ao recurso independente da R).

Entre outras, a R. foi condenada a pagar, pelo acórdão recorrido, quantias indemnizatórias respeitantes a despesas de ajudas técnicas e medicamentosas que o A. irá ter de despender ao longo dos ficcionados 50 anos de esperança média de vida que tem pela sua frente, e assim, em síntese, discriminadas:

- € 32.000,00, correspondente ao total que o A. terá, ao longo desse período, de despender com as revisões da cadeira de rodas, com a troca de pneus:

 - € 8.000,00, correspondente ao total que o A. terá, ao longo desse período, de despender com a troca der baterias;

- € 9.260,00, correspondente ao total que o A. terá, ao longo desse período, de despender em almofadas anti-escaras;

- € 90.488,30, correspondente ao total que o A. terá, ao longo desse período, de despender com a troca de cadeira de rodas;

- € 28.103,04, correspondente ao total que o A. terá, ao longo desse período, de despender em medicação para estimulação de ereção;

- € 13.464,00, correspondente ao total que o A. terá, ao longo desse período, de despender em medicação para esvaziamento e amolecimento das fezes.

Quantias indemnizatórias parcelares essas que totalizam o montante € 130,483,30.

Defende a R. recorrente que destinando-se tais quantias indemnizatórias a fazer face a despesas futuras, ou seja, reportando-se a indemnizar danos futuros sobre elas não são devidas juros de mora desde a citação, tal como se fixou no acórdão.

Apreciemos.

Refira-se, para melhor compreensão, que todas essas quantias se encontram englobadas na quantia total de € 322.612,79 que no dispositivo final do acórdão a R. foi condenada a pagar ao A. a título de danos patrimoniais (emergentes e futuros), e depois de ter sido já deduzida ao montante da indemnização global já antes ali liquidado (de € 729.612.79) por tais danos a quantia total de € 407.000,00 que a primeira já havia já adiantado/pago ao último.

Sem entrarmos na apreciação da bondade dos termos em que foi feita a imputação desse adiantamento/pagamento - quer porque a questão não foi suscitada, quer por falta de elementos para se proceder a essa imputação à luz do que se dispõe nos artºs 783º e 784º -, diremos:

Nos termos do estipulado no artº. 804º “A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados” (nº. 1), devendo “o devedor considerar-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido.” (nº. 2)

Por sua vez, dispõe-se no artº. 805º, e naquilo que para aqui mais releva, que:

«1. O devedor fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.

2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:

a) (…);

b) Se a obrigação provier de facto ilícito;

c) (…)

3. Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.»  (sublinhado nosso)

Por último, preceitua-se no artº. 806º que:

« 1. Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.

2. (…)

3. (…) »

Como bem, a nosso ver se esgrimiu no acórdão recorrido “Este regime do art. 805º/3 do C. Civil foi apenas objeto de uma interpretação restritiva no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) nº. 4/2002, publicado no Diário da República n.º 146/2002, Série I-A de 2002-06-27, que: decidiu, em relação a todas as indemnizações (por danos patrimoniais ou por não patrimoniais), que tenham sido atualizadas à data da prolação da decisão: «Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.»; ponderando, na sua fundamentação, a função indemnizatória dos juros de mora desde a citação (arts. 804º ss. e 805º/2 do C. Civil) e a função reparadora da atualização indemnizatória do artº.  566º/2 do C. Civil.”

Regime esse que – e como, a nosso ver, bem se continuou a afirmar no acórdão - se aplica, sem qualquer distinção, quer a indemnizações fixadas por danos presentes, quer a indemnizações fixadas por danos futuros e que a lei admite que sejam contabilizadas com antecedência à sua verificação (cfr. arts. 562º e ss. e 564º nº. 2).

Veja-se que é isso que sucede, por exemplo, no que concerne aos danos biológicos, quer na sua vertente patrimonial, quer na sua vertente não patrimonial, em relação aos quais houve uma antecipação da liquidação das respetivas quantias indemnizatórias, que podem ou não ser atualizadas.

Logo, e concluindo, reportando-se as sobreditas quantias indemnizatórias, referentes a ajudas por despesas técnicas e medicamentosas, a danos patrimoniais futuros, que não foram objeto de atualização, não se vê razão, salvo o devido respeito, para censurar o acórdão recorrido ao decidir que sobre elas são devidos juros de mora, desde a citação da ré para ação.

Termos, pois, em que, perante o que se deixou exposto, se decide, nesta parte, julgar improcedente o recurso da R., mantendo, quanto à referida questão/matéria, a decisão do acórdão recorrido.


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3.5 Quanto à 5ª. questão.

- Do quantum indemnizatório (e sua liquidação) a pagar pela R. ao A. relativamente à necessidade da aquisição por este de sondas/cateteres de esvaziamento de urina (questão referente ao recurso subordinado do A.).

Entre outras quantias indemnizatórias, a sentença da 1ª. instância condenou a R. pagar ao A. a quantia de € 220.320,00 respeitante ao total das despesas que o último terá de suportar, ao longo de 51 anos (corresponde ao período de esperança média de vida ali considerado que o mesmo ainda terá), com a aquisição de cateteres/sondas de esvaziamento de urina, devido ao estado físico em que ficou (padecer de bexiga neurogénica, com esvaziamento de urina, de 4 em 4 horas, utilizando cateteres urinários estéreis lubrificados com saco acoplado e perdas de urina, provocando reiteradas infecções urinárias - cfr. ponto 24 dos factos provados).

Na sequência do recurso de apelação da R. - tendo também por objeto essa decisão condenatória referida a tal matéria -, o tribunal a quo, no acórdão de que ora se recorre, manteve tal condenação no que concerne à obrigação de a R. ressarcir o A. de tais despesas/danos (mas apenas durante ao período de 50 anos, correspondente ao tempo de esperança média de vida que, como acima vimos, se ficcionou que o A. irá viver), porém, face, nomeadamente, à alteração que introduziu, entre outros, aos pontos 48. e 49. matéria de facto, decidiu relegar para posterior incidente de liquidação esse montante a pagar pela R., o que fez depois refletir no semento decisório inserto no(s) ponto(s) ciii) da al. b) do nº. 3 da parte dispositiva do acórdão que acima se deixou transcrito.

No seu recurso (subordinado) o A. - pelas razões que deixa aduzidas nas conclusões 4ª. a 7ª. das alegações de recurso, e que acima se deixaram transcritas -, pugna para que se mantenha a liquidação feita, desde logo, pela sentença da 1ª. instância no que concerne a tal dano, por forma a que se condene, desde já, a R. a indemnizá-lo pelo referido dano na quantia (que fora já fixada na sobredita sentença) total de € 220.320,00.

Na sua resposta a R., sem colocar em causa obrigação de indemnizar o A. pelo referido dano, pugna pelo que foi julgado, a esse propósito, pelo acórdão recorrido, no sentido de se relegar para incidente posterior a liquidação do quantum desse dano, dada a falta de elementos que o permitam fixar desde já.

Apreciando.

Pelo que se acabou de deixar exarado, o que se discute e está aqui em apreciação não é a obrigação imposta à R. de indemnizar o A. pelo referido dano, mas tão só se os autos nos fornecem ou não os elementos necessários para proceder, desde já, à sua liquidação, isto é, à quantificação indemnizatória desse dano patrimonial?

O tribunal a quo justificou, naquilo que para aqui mais releva, aquela sua decisão recursiva da seguinte forma:

« (…) Apreciando-se este pedido de recurso, de acordo com os factos provados e o regime de direito aplicável, verifica-se que o recurso apenas pode proceder parcialmente.

Por um lado, a alteração dos factos provados em 48 e 49, de acordo com a redação dada em III- 2.1.4 supra: mantém a prova de factos que ilustram a necessidade do autor gastar cateteres de esvaziamento de urina ao longo da vida, contabilizados em cerca de 120 por mês, e o valor de uma caixa de cateteres de uma determinada marca; deixou de julgar provado que o custo mensal dos cateteres de que o autor vá necessitar ao longo da vida custe o corresponde ao valor da marca de cateteres provado.

Por outro lado, para a aferição da existência de um dano patrimonial face aos factos provados:

(…)

b) Deve atender-se ao custo médio de mercado dos cateteres que forem adequados às necessidades do autor, e não de uma determinada marca de cateteres que não se encontra provado que seja a única que responde às necessidades do autor.

Assim, os factos provados permitem reconhecer à data da instauração da ação em março de 2018 que o autor, face às suas sequelas permanentes e necessidades de tratamento continuado, terá um dano futuro certo indemnizável, com referência à esperança média de vida do lesado de 50 anos em 2018 (conforme decorre do referido em III- 2.2.1. e 2.2.1.1.-A supra), embora em custo que deve ser determinado em decisão ulterior, nos termos dos arts.564º/2, 566º/3 do C. Civil e do art. 609º/2 do C. P. Civil »

Não estando aqui em causa, enfatiza-se, a obrigação da R. em indemnizar o A. pelo referido dano (traduzido no total das despesas que o último terá de suportar, ao longo de 50 anos, e corresponde ao período de esperança média de vida que ali se ficcionou/considerou que o mesmo ainda irá ter/viver), com a aquisição de cateteres/sonda de esvaziamento de urina, mas tão só a quantificação indemnizatória desse dano, perfilhamos do entendimento do tribunal a quo de que os autos, e particularmente perante a alteração da redação introduzida por esse mesmo tribunal aos pontos 48. e 49. da matéria de facto provada (que acima deixámos transcrita), não nos fornecem os elementos necessários para, com a necessária segurança, proceder, desde já, à sua liquidação, ou seja, à sua quantificação.

Na verdade, de tal matéria de facto apenas é possível saber que ao longo do referido período (de 50 anos ficcionados de vida) o A irá precisar diariamente de 4 caixas cateteres/sondas de esvaziamento urinárias (lubrificadas estéreis com saco acoplado), num total de cerca de 120 por mês.

Também, dessa matéria de facto, ficamos a saber que por cada uma dessas caixas que o autor adquiriu da marca ali referenciada lhe custou, em 19/12/2017, a importância de € 90.00.

Porém, ficamos sem saber se existem no mercado outras marcas referentes àquele tipo de produto (cateteres/sondas de esvaziamento urinárias), e, em caso afirmativo, qual o seu custo médio – por forma a evitar-se um possível locupletamento indevido por parte do A., dado o elevado número (50) de anos que o mesmo terá necessidade de as utilizar -, sendo certo que, ao contrário do que transparece das suas respetivas alegações de recurso, o A. não logrou provar (nem a matéria factual apurada permite sequer indiciar tal), como lhe competia, que o referido produto, que adquiriu, daquela marca é o mais adequado para si, nomeadamente por ser o de mais fácil utilização, bem como ser o de melhor qualidade.

E daí que – tendo em conta o estatuído nos normativos legais acima referenciados, e nomeadamente no artº. 609º, nº. 2, do CPC - nenhuma censura nos mereça a esse respeito o acórdão recorrido, ao ter relegado, nos termos em que o fez, parra posterior incidente de liquidação a quantificação indemnizatória do aludido dano.

E sendo assim, julga-se improcedente, nessa parte, o recurso (subordinado) do A.


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3.6 Quanto à 6ª. questão.

- Da medida da responsabilidade da R. no pagamento das custas (questão referente ao recurso independente da R.).

O tribunal a quo, no acórdão de que se recorre, fixou a responsabilidade do pagamento das custas (no que concerne à ação e aos diversos recursos nela suscitados) nos termos que constam do seu dispositivo final, e que acima deixámos reproduzidos.

Pede a R./recorrente a sua reforma, nessa parte, por enfermar dos lapsos que lhe aponta na al. e) das suas alegações finais (fls. 486vº, e 487 e vº. do processo físico), e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).

Apreciando.

Dispõe-se no artº. 1º do RCP que:

« 1- Todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados no presente Regulamento.

2- Para efeitos do presente Regulamento, considera-se como processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria. »

Por sua vez, dispõe-se no artº. 527º do CPC que:

« 1- A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).

2- Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

3- (…) »

Custas essas que, como se sabe, abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (artºs. 3º, nº. 1, do RCP e 529º, nº. 1, do CPC).

E também sabido que a qualquer causa/ação é atribuído um valor, pelo qual, além do mais, se determina, em regra, a base tributável (cfr. artº. 296º, nº. 3, do CPC, e artº. 11º do RCP).

No caso dos presentes foi, no despacho saneador, o valor da causa fixado em € 3.387.330,73.

Como é bom de ver, a responsabilidade do pagamento das custas só torna definitiva quando a decisão (quer da ação, quer do recurso) se torna definitiva.

Como ressalta do que atrás ficou expresso em termos decisórios neste acórdão, quer a sentença da 1ª. instância, quer o acórdão da Relação - que conheceu dos recursos de apelação (independente e subordinado) interpostos daquela - foram, respetivamente, alterados em parte, com a modificação do julgamento do mérito da causa, que tais decisões, cada uma à sua maneira, havia feito/fixado.

Sendo assim, a responsabilidade pelo pagamento das custas, quer da ação, quer dos recursos será fixada na parte dispositiva final do presente acórdão.


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III - Decisão



Assim, em face do exposto, acorda-se em:

1) Julgar parcialmente procedentes os recursos (de revista) da ré (recurso independente) e do autor (subordinado), com a parcial procedência da ação, e em consequência:

2) Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de € 500.000,00 (quinhentos mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais (atualizada à presente data), acrescida de juros de mora, à taxa legal vigente (que atualmente se cifra em 4%), desde a data da prolação do presente acórdão e a até ao seu integral pagamento.

3) Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de € 322.612,79 (trezentos e vinte e dois mil seiscentos e doze euros e setenta e nove cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais – e depois de deduzida já quantia de € 407.000,00 (quatrocentos e sete mil euros) que foi já adiantada em pagamento pela ré -, acrescida de juros de mora, à taxa legal vigente, desde a data da citação da ré e a até ao seu integral pagamento.

4) Condenar (assim mantendo o decidido a esse propósito no acórdão recorrido) a ré a pagar ao autor a quantia indemnizatória que se vier a liquidar em incidente posterior relativamente:

“ci) à necessidade de ajuda de terceira pessoa por quatro horas diárias até ao final da vida do Autor;

cii). ao acompanhamento regular nas especialidades de urologia e de medicina física e de reabilitação, bem como, de tratamentos de fisioterapia (duas a três sessões por semana) e, ainda, de ajudas medicamentosas em analgésicos, AINE, inibidores de fosfodiesterase tipo 5 e medicação para controlo de esfíncteres, tudo durante toda a vida do Autor;

ciii) ao custo médio de mercado dos cateteres/sondas de esvaziamento urinárias lubrificadas estéreis em saco acoplado:

    Quanto ao número de cateteres comprados entre a data da instauração da ação de 16.03.2018 até à data do requerimento inicial da liquidação, com limite do custo médio de mercado dos mesmos, se o custo efetivo tiver sido superior.

     Quanto ao custo médio dos gastos de 120 cateteres por mês, desde data do requerimento inicial da liquidação até à data em que o autor perfizer 78 anos, a 28.07.2068.”

5. Condenar a ré e o autor nas custas da ação e dos correspondentes recurso interpostos, na proporção dos respetivos decaimentos - em função dos pedidos aí formulados –, sendo que no concerne aos pedidos cuja liquidação se relegou para posterior incidente fixa-se provisoriamente essa responsabilidade em partes iguais, sem prejuízo do seu rateio final e bem como do benefício de apoio de judiciário, em tal modalidade, de que goza o A..

6. Considerando, por um lado, a correta conduta processual das partes e, por outro, a desproporção que adviria face à taxa justiça a pagar e o âmbito da complexidade da causa, decide-se, à luz do disposto no artº. 6º, nº. 7, do RCP – e na sequência da iniciativa que a 2ª. instância já tomara a esse respeito -, reduzir em 1/3 o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida em todas as instâncias (cfr. a propósito, o Ac. do STJ, desta Secção, de 29/03/2022, proc. nº. 2309/16.2T8PTM.E1-S1, disponível em www.dgsi.pt).


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Sumário:

I - São pressupostos legais da responsabilidade extracontratual factos ilícitos: a existência de um facto voluntário do agente, que o mesmo seja ilícito, que haja um nexo de imputação desse facto ao agente (culpa), que desse facto resulte um dano e, por fim, que se verifique um o nexo de causalidade entre esse o facto e o dano.

II - Pressupostos esses cujos ónus de alegação e prova impende sobre lesado, a não ser que beneficie de uma presunção legal, o que a acontecer transfere para o lesante o ónus de ilidir essa presunção.

III - Decorrente desse tipo de responsabilidade, são indemnizáveis tanto os danos que assumam natureza patrimonial, como também aqueles se revistam de natureza não patrimonial, exigindo-se tão só quanto a estes últimos que tenham gravidade suficiente de modo a merecer a tutela de direito.

IV- Entre os danos indemnizáveis encontra-se, na moderna terminologia o chamado dano biológico, que costuma ser definido como um estado de danosidade físico-psíquico em que ficou a pessoa lesada, com repercussões negativas na sua vida.

V - Dano esse que tanto pode ser ressarcido enquanto dano patrimonial futuro, como compensado a título de dano não patrimonial, o que resultará de uma a avaliação casuística, e que normalmente resultará da verificação/conclusão se a lesão originou no futuro, e só por si, uma perda da capacidade de ganho do lesado ou se traduz, apenas, numa afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade.

VI - Nessa sua dimensão/vertente patrimonial (que decorre, em regra, de uma limitação ou défice funcional), esse dano abrange ou inclui em si um espetro/leque alargado de prejuízos que se refletem na esfera patrimonial do lesado, e que vão desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico (traduzidas em perdas de chance ou oportunidades profissionais), passando ainda pelos custos de limitações ou de maior onerosidade/esforço no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou no malogro do nível de rendimentos normalmente expectáveis, assumindo neste último a caso a indemnização como uma adição ou complemento compensatórios.

VII - Dano patrimonial futuro (vg. na vertente de lucro cessante) esse cuja indemnização, quando decorra da perda ou diminuição da capacidade aquisitiva, motivada pelo défice funcional de que o lesado ficou afetado, deve, como regra, ser calculada em atenção ao tempo provável de vida do lesado, ou seja, à esperança média da sua vida, e não apenas em função da duração da sua vida profissional ativa (vg. prevista até à sua reforma), de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a atual até final desse período.

VIII - Consabidas que são as dificuldades que existem em tal domínio, devido à ausência de regras legais que concretamente enunciem objetivamente os critérios a seguir e não podendo ser averiguado o valor exato dos danos – sendo certo que aqueles constantes das Portaria nº. 377/2008, de 26/05, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº. 679/2009, de 25/06, não vinculam os tribunais, não derrogando, a esse respeito os princípios insertos nos Código Civil, pois que apenas visam facilitar e acelerar a regularização extrajudicial do sinistros em matéria de acidentes rodoviários -, devem os mesmos ser sempre, em última instância, apurados à luz da equidade, emergente caso concreto, devendo o recurso as quaisquer tabelas matemáticas ou financeiras servir, quando muito, como meios auxiliares de orientação com vista a atingir a tal desiderato equitativo da indemnização do dano.

IX - Porém, na determinação equitativa desse dano patrimonial futuro do lesado, há uma panóplia de tópicos ou elementos referenciais que poderão/deverão ainda ser considerados, tais como:

- A idade do autor lesado à data do acidente;

- A remuneração mensal auferida pelo lesado à data do acidente e/ou outros rendimentos por si usufruídos;

- A evolução profissional perspetival, ou não, e os reflexos a nível remuneratório, quer se trabalhe por conta própria ou de outrem, ou até em simultâneo;

- A taxa média de inflação e a taxa de rentabilidade do capital, baseadas num juízo de previsibilidade.

- A gravidade das lesões e as suas consequências, e a atribuição do grau de incapacidade ou de défice funcional.

- O recebimento de uma só vez do todo capital/rendimento futuro que é antecipado.

X - Na indemnização pelos danos não patrimoniais exige-se tão só que os mesmos tenham gravidade suficiente de modo a merecerem a tutela de direito, devendo essa gravidade ser medida por um padrão objetivo e não à luz de fatores subjetivos.

XI - Não fornecendo também quando a eles a lei critérios normativos concretos que fixem o valor do seu montante indemnizatório, a sua quantificação deverá igualmente ser feita através do recurso à equidade, considerando-se, nomeadamente, para o efeito ao grau de culpabilidade do responsável e do lesado, as suas respetivas situações económicas de cada um, a sua proporcionalidade em relação à gravidade do dano, tomando ainda em conta todas as regras da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida, e sem perder de vista a peculiaridade de que se reveste o caso concreto, por forma a que, a essa luz, sejam condignamente compensados.


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Lisboa, 2022/06/21


Relator: cons. Isaías Pádua

Adjuntos:

Cons. Freitas Neto

Cons. Manuel Aguiar Pereira