Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
170/22.7T8FND.C2.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: LEONEL SERÔDIO
Descritores: INSOLVÊNCIA
RECURSO DE REVISTA
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
PRESSUPOSTOS
INADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 09/17/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Sumário :
I -Para efeitos de admissibilidade da revista, nos temos do artigo 14º n.º 1 do CIRE só há uma verdadeira contradição entre os acórdãos (recorrido e fundamento), quando a questão essencial, que constituiu a razão de ser e objeto da decisão, foi resolvida de forma frontalmente oposta nas decisões em confronto.

II -Sendo irrelevantes, as hipóteses em que a divergência invocada se traduza em argumentos laterais, coadjuvantes ou suplementares e quando a divergência é meramente implícita.

Decisão Texto Integral: Processo n.º 170/22.7T8FND.C2

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça ( 6ª secção)

AA instaurou processo especial para acordo de pagamento, tendo em vista encetar negociações com os seus credores conducentes à elaboração de acordo de pagamento.

E..., SA., credor da requerente, solicitou a não homologação do acordo de pagamento, sustentando, em síntese, que a sua situação ao abrigo do plano é manifestamente mais desfavorável do que na ausência do mesmo.

Foi proferida sentença que decidiu estar previsto o fundamento de recusa de homologação do acordo de pagamento previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE e recusou a homologação.

A Devedora apelou, pedindo a revogação da sentença.

Por acórdão do Tribunal da Relação proferido em 26.09.2023, a apelação foi julgada improcedente e confirmada a decisão recorrida.

A Devedora interpôs o presente recurso de revista e nas conclusões refere que o acórdão recorrido está em contradição com o decidido nos acórdãos do STJ, de 22.11.2016, proferido no âmbito do processo n.º 785/15.0T8FND-B.C1.S1, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22.03.2022 proferido no processo n.º 4195/21.1T8SNT.L1-; de 15.10. 2019 do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 3855/18.9T8VFX.L1-1 e de 19.01.2023, proferido no Tribunal da Relação de Guimarães, no processo n.º 1980/22.0T8VCT.G1.

O Credor E..., SA. contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

A Recorrente foi notificada para, no prazo de 10 dias, proceder à “escolha” (dentre os que refere) do acórdão que invoca como Acórdão Fundamento (um único para a “questão fundamental de direito” que se entende suscitar haver contradição jurisprudencial), do qual deve juntar certidão com nota de trânsito.

A Recorrente optou pelo acórdão de 19.01.2023, proferido no Tribunal da Relação de Guimarães, no processo n.º 1980/22.0T8VCT.G1.


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Por despacho proferido em 17.06.2024, as partes foram notificadas, para se pronunciarem, nos termos do artigo 655º n.º 1 do CPC, sobre a posição do relator de não ser admissível o recurso de revista, por não existir oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento.

A Recorrida E..., SA. respondeu, defendendo a inadmissibilidade da revista

Por despacho do relator proferido em 10.07.2024, não foi admitido o recurso de revista, com a seguinte fundamentação ( no essencial):

A questão a decidir é a de saber se é admissível o recurso de revista, atento o disposto no artigo 14º n.º 1 do CIRE

Em sede de PEAP, aplica-se o regime especial, que resulta do artigo 14.º n.º 1 do CIRE, ex vi artigo 222º-A n.º 3 do mesmo diploma, segundo o qual: (…) “não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686.º e 687.º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.”

Importa, agora, apreciar se existe ou não uma efetiva contradição entre o Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento.

Como se referiu no anterior despacho, para estarmos perante uma “contradição jurisprudencial” que permita a admissibilidade do recurso de revista, deve verificar-se uma relação de identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão da Relação que é objeto de recurso e a questão de direito apreciada no acórdão (da Relação ou do STJ) que serve de contraponto e de fundamento à admissibilidade da revista, num quadro normativo substancialmente idêntico e deve estar-se perante uma oposição frontal (e não apenas implícita ou pressuposta) e tal oposição frontal deve apresentar-se com natureza essencial para o resultado (oposto) que foi alcançado em ambos os acórdãos (sendo irrelevante a divergência que respeitar apenas a alguns argumentos sem valor decisivo).

Neste sentido consta da fundamentação ao acórdão do STJ de 23.09.2021 proferido no processo n.º 09/19.0T8ALM-B.L1.S1, relator Vieira e Cunha:

“Nesta matéria de contradições entre acórdãos, e servindo-nos do desenvolvimento do Ac. S.T.J. 7/6/2018, pº 2877/11.5TBPDL-D.L2.S1 (Maria Rosa Oliveira Tching), a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem afirmando que importa que a invocada oposição de acórdãos seja frontal e não apenas implícita ou pressuposta (cf. Acs. STJ 20.07.2017, pº 755/13.2TVLSB.L1.S1-A, 25.05.2017, pº 1738/04.PTBO.P1.S1-A, 28.01.2016, pº 291/1995.L1.S1, 13.10.2016, pº 2276/10.6TVLSB.L1.S1-A, 26.05.2015, pº 227/07.OTBOFR.C2-S1-A, 20.3.2014, pº 1933/09.4TBPFR.P1.S1, e 4.07.2013, pº 2625/09.0TVLSB.L1.S1-A).”

“De igual modo, não basta, para o efeito, uma qualquer contradição relativamente a questões laterais ou secundárias. A questão de direito deve apresentar-se com natureza essencial para o resultado que foi alcançado em ambas as decisões, sendo irrelevante a que respeitar apenas a alguns argumentos sem valor decisivo ou obiter dicta”.

“E essa oposição, na expressão do Ac. STJ 17/02/2009, pº 08A3761 (Salazar Casanova), “só é relevante quando se inscreva no plano das próprias decisões em confronto e não apenas entre uma decisão e a fundamentação de outra, ainda que as respetivas fundamentações sejam pertinentes para ajuizar sobre o alcance do julgado”.

“E, finalmente, que tal oposição incida sobre a mesma questão de direito fundamental, o que pressupõe que as decisões em confronto tenham subjacente um núcleo factual idêntico ou coincidente, na perspetiva das normas ali diversamente interpretadas e aplicadas – cf. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, 9ª ed., págs.. 122 e 123.”

Atentos estes pressupostos, há que analisar a fundamentação dos acórdãos em confronto.


*


Atentas as fundamentações de facto e de direito dos acórdãos em confronto, entendo que não existe uma efetiva contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento.

Desde logo, os dois acórdãos não têm por base situações de facto análogas ou equiparáveis, em que assente a alegada divergência quanto à questão fundamental de direito.

A Recorrente defende que os dois acórdãos em confronto não têm de ter por base situações de facto análogas ou equiparáveis.

No entanto, não lhe assiste razão. A identidade do núcleo essencial das situações de facto, entre os dois acórdãos em confronto é fundamental dado que inexiste conflito jurisprudencial quando a diversidade de soluções jurídicas alcançadas para a composição dos interesses em litígio, num e no outro caso, assentam em diferenciações relevantes da matéria litigiosa, decorrendo a diversa solução adotada nos dois acórdãos de particularidades da matéria de facto subjacente aos litígios ( cf. neste sentido acórdão do STJ de 02.10.2014, processo n.º 68/03.0TBVPA.P2.S1-A, relator Lopes do Rego).

Como referem Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, 3º Vol. ( 3ª edição) pág. 282, “ a integração da previsão da norma que é objeto de interpretações ou aplicações divergentes faz-se com factos de certo tipo e não de qualquer tipo (…) não basta uma oposição sobre a interpretação abstrata de normas jurídicas, pois está em causa a solução de casos jurídicos, por definição concretos.”

Em suma: Para se verificar uma relação de identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, é necessário que os elementos de facto relevantes para a ratio da regra jurídica sejam coincidentes ou equivalentes, isto é, que a subsunção jurídica feita em qualquer das decisões tenha operado sobre núcleo factual essencialmente idêntico ou equivalente, sem se atribuir relevo a elementos de natureza acessória.

No caso em apreço, está provado no acórdão recorrido que o prédio hipotecado que garantia o pagamento do crédito do recorrente no montante reconhecido de € 98.992,13, foi vendido na ação executiva e a melhor proposta apresentada foi de €78.240, 46, tendo o proponente já depositado o preço nos autos de execução.

No acórdão fundamento resulta das conclusões da apelação que o montante do crédito é de €82.502,53, está também garantido por uma hipoteca que incide sobre prédio do devedor, mas na ação executiva ainda não se procedeu à venda do prédio hipotecado.

Por outro lado, no acórdão recorrido sabemos que o plano prevê o pagamento do capital em dívida em 180 prestações mensais e sucessivas, no montante de € 549,96 vencendo-se a primeira prestação 06 (seis) meses após o trânsito em julgado da homologação da aprovação do presente plano, com perdão de juros vencidos e vincendos.

No acórdão fundamento não consta da factualidade acima transcrita como está programado no plano o pagamento da divida ( quais as prestações e seus montantes) e qual o período de carência.

Quanto à fundamentação de direito, o acórdão recorrido interpretou e aplicou a alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE, tendo decidido que a situação do credor que solicitou a não homologação do plano, era previsivelmente menos favorável para ele do que a que interviria na ausência de qualquer acordo.

Em primeiro lugar entendeu não ser determinante a circunstância de o acordo aprovado prever o pagamento à sociedade E..., SA., do montante de € 85 664,22, ao passo que, na execução instaurada contra a devedora, ora recorrente, o montante do produto da venda do bem penhorado que irá ser afetado à satisfação do crédito da exequente ser de € 78 240,46, inferior, ao que a devedora se propõe satisfazer em cumprimento do acordo de pagamento.

A desvalorização da circunstância de o pagamento no acordo de pagamento ser superior ao do que o credor vai obter na execução ou na insolvência da devedora, ficou a dever-se a que na observância do acordo de pagamento, a credora só começaria a ver satisfeito o seu crédito seis meses após o trânsito em julgado da decisão de homologação do acordo e só alcançaria a satisfação integral dele 15 anos depois. Ao invés, no caso de a execução prosseguir, a credora receberá, a curto prazo, o produto da venda do bem penhorado (€ 78 240,46), deduzido das custas da execução (artigo 541.º do CPC), considerando que a execução já está na fase do pagamento e o produto da venda já se acha depositado. Decidiu também que o prazo de satisfação da credora seria igualmente encurtado, e muito, na hipótese de a devedora ser declarada em situação de insolvência, com os fundamentos atras transcritos.

Tendo concluído, que a relativa brevidade com que presumivelmente a credora verá satisfeita parte do seu crédito, fora do acordo de pagamento, compensa claramente o menor grau de satisfação do seu crédito.

Por outro lado, considerou ainda que do ponto de vista da probabilidade de satisfação do crédito, a situação ao abrigo do acordo de pagamento é, para a credora, claramente menos favorável do que a que interviria na ausência de acordo de pagamento.

No acórdão fundamento, atentas as questões suscitadas pelo Apelante, a decisão incidiu sobre a invocada violação do princípio da igualdade prevista no artigo 194º, do CIRE, disposição legal que não foi sequer aflorada no acórdão recorrido.

O acórdão fundamento apenas se pronuncia sobre a questão decidida no acórdão recorrido na parte em que refere:

«Alegou o recorrente que, considerando a data do incumprimento definitivo do crédito, que ocorreu em 25/10/2018, e o facto de o mesmo se encontrar numa fase de recuperação coerciva avançada (o imóvel estava já em venda), determina que a retoma de um crédito de acordo com as suas condições iniciais colocará a requerente em situação inequivocamente menos favorável do que com a ausência de aprovação do acordo de pagamento.

Discordamos.

Desde logo, a circunstância de o imóvel garantido estar já na fase da venda, aquando do pedido de PEAP, não equivale a considerar que o credor garantido, aqui recorrente, viesse a receber a totalidade do crédito a que se arroga. É consabido que nas vendas judiciais os bens são vendidos por preço muito inferior ao valor real. Depois, nada foi factualmente alegado que permita considerar que com a venda do imóvel em causa com altíssima probabilidade o respetivo produto da venda cobriria o valor da execução. Ora, se na venda executiva não se sabia quanto o credor iria receber, já com o plano que foi aprovado, e de acordo com o mesmo, receberá integralmente por força da vigência do contrato.”

Neste extrato da fundamentação o acórdão fundamento afasta-se do acórdão recorrido, mas como se referiu atenta a não coincidência da factualidade provada em ambos os acórdãos, não pode sustentar-se que haja contradição entre as fundamentações.

Note-se que no acórdão recorrido, o imóvel que garantia o crédito já foi vendido, pelo que a argumentação que “nas vendas judiciais os bens são vendidos por preço muito inferior ao valor real” é irrelevante, para efeitos de contradição entre os acórdãos.

Por outro lado, outro dos fundamentos em que o acórdão recorrido se baseou foi que no acordo de pagamento, a credora só começaria a ver satisfeito o seu crédito seis meses após o trânsito em julgado da decisão de homologação do acordo e só alcançaria a satisfação integral dele 15 anos depois. Ao invés, no caso de a execução prosseguir, a credora receberá, a curto prazo, o produto da venda do bem penhorado (€ 78 240,46), deduzido das custas da execução (artigo 541.º do CPC).

Ora, no acórdão fundamento não consta sequer o que foi acordado no plano, quando ao período de carência e ao prazo de pagamento.

Assim, ao contrário do defendido pela Recorrente, como se constata da transcrição supra, o acórdão fundamento, incidiu primordialmente sobre a questão da violação do princípio da igualdade. A questão de saber se a situação do credor era previsivelmente menos favorável com a aprovação do plano do que na ausência dela, surge como secundária, ou seja, em rigor, o acórdão fundamento não interpreta expressamente o artigo 216º n.º 1 al. a) do CIRE.

A alegação da Recorrente ao sustentar que o acórdão fundamento teve por pressuposto que “o credor que receba, por força do plano de pagamentos um valor superior àquele que iria receber na venda executiva, não se encontra numa situação de tratamento mais desfavorável. E, por isso, não ficaria numa situação mais desfavorável do que aquela que existiria na ausência de qualquer plano”, não corresponde ao que consta do texto da fundamentação, supra transcrita, estando apenas nela implícito.

Por outro lado, atentos os diferentes núcleos factuais nos dois acórdãos, no acórdão fundamento, não foram considerados os dois fatores determinantes no acórdão recorrido para se considerar ser a situação do credor previsivelmente menos favorável com a aprovação do plano do que na sua ausência, que foram o longo prazo de pagamento ( 15 anos) e do ponto de vista da probabilidade de satisfação do crédito, ser a situação ao abrigo do acordo de pagamento para a credora, claramente menos favorável do que a que interviria na ausência de acordo de pagamento.

Ora, como é entendimento uniforme do STJ, só há uma verdadeira contradição entre os acórdãos, quando a questão essencial, que constituiu a razão de ser e objeto da decisão, foi resolvida de forma frontalmente oposta nas decisões em confronto.

Sendo irrelevantes as hipóteses em que a divergência invocada se traduza em argumentos laterais, coadjuvantes ou suplementares e muito menos, como no caso, quando a divergência é meramente implícita.

Não se verifica, pois, identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão da Relação de Coimbra que é objeto de recurso e a questão de direito apreciada no acórdão da Relação de Guimarães indicado como Acórdão fundamento e, por conseguinte, não se está perante uma oposição essencial para o resultado que foi alcançado em ambos os acórdãos.

Não há, pois, divergência nos dois acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito, ou seja, a norma contante da al. a) do n.º 1 do artigo 216º do CIRE não foi, num e noutro, interpretada e/ou aplicada em termos opostos.

Entende-se, pois, que no caso concreto não se verifica a oposição de acórdãos exigida pelo art.14º, n.1 do CIRE e não ser admissível o recurso de revista.”


*


A Recorrente reclamou para a conferência deste despacho, nos termos do artigo 652º n.º 3 ex vi artigo 679º ambos do CPC, adiantando a seguinte argumentação que, no essencial, se transcreve:

“9. Acontece que, tanto no acórdão recorrido como no acórdão fundamento, a questão essencial prende-se, como a recusa da homologação do acordo de pagamento, pelo juiz, solicitado por um credor cuja oposição haja sido comunicada anteriormente à aprovação do acordo de pagamento, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis que a sua situação ao abrigo do acordo é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer acordo, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas.

10. Sendo que, em ambos os acórdãos, o imóvel garantido já se encontrava na fase de venda, quando os respetivos PEAP’s foram apresentados, tendo por isso, os credores, em ambos os casos, considerado que se encontrariam numa situação previsivelmente mais desfavorável com a homologação dos acordos de pagamento.

11. Ora, a questão de direito não deixa de estar ligada ao substrato factual sobre o qual incide.

12. Nesta senda, e no caso em apreço, estamos perante diferentes soluções de direito que foram dadas a situações de facto idênticas.

13. No entanto, sempre se dirá e caso se entenda que inexiste situações de facto idênticas, que para a contradição jurisprudencial que admite o recurso de revista ora interposto, não se exige, nos seus pressupostos, já eles supra expostos, que os dois acórdãos em confronto tenham por base situações de facto análogas ou equiparáveis.

14. Pois, apenas deve verificar-se uma “relação de identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão da Relação que é objeto de recurso e a questão de direito apreciada no acórdão (da Relação ou do STJ) que serve de contraponto e de fundamento à admissibilidade da revista.”.

15. Assim, não se impõe que o enquadramento factual de cada um dos acórdãos seja igual ou sequer idêntico, bastando que lhe seja aplicável a mesma questão de direito.

16. Prosseguindo, e relativamente à questão de direito, em sede de interposição de recurso foi alegado que o fundamento da decisão recorrida prendia-se com a aplicação do art.º 216.º n.º 1 al. a), veja-se, “Serviu de fundamento à decisão a alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE, aplicável ao processo especial de acordo de pagamento por remissão do n.º 5 do artigo 222.º-F, do CIRE.

Segundo este preceito, na parte que interessa para o caso, o juiz recusa a homologação do acordo de pagamento se tal lhe for solicitado por algum credor cuja oposição haja sido comunicada anteriormente à aprovação do acordo de pagamento, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis que a sua situação ao abrigo do acordo é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer acordo, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas.”

17. No acórdão fundamento foi alegado pelo credor-recorrente que: “Com esta aprovação considerando a data do incumprimento definitivo do crédito, que ocorreu em 25-10-2018, e o facto de o mesmo se encontrar numa fase de recuperação coerciva avançada, torna claro e inequívoco, que a retoma de um crédito de acordo com as suas condições iniciais, colocará o Recorrente em situação inequivocamente menos favorável do que com a ausência de aprovação do Acordo de Pagamento. Atento ao supra exposto, deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por decisão que recuse o acordo de pagamento apresentado, por não se encontrar cumprido o requisito legal de aplicação do art. 212º, n-º 2, a) do C.I.R.E. e por violação do princípio da igualdade de credores previsto no art. 195.º C.I.R.E.”.

18. No entanto, na fundamentação, o acórdão-fundamento vem dizer o seguinte:

Desde logo, a circunstância de o imóvel garantido estar já na fase da venda, aquando do pedido de PEAP, não equivale a considerar que que o credor garantido, aqui recorrente, viesse a receber a totalidade do crédito a que se arroga. É consabido que nas vendas judiciais os bens são vendidos por preço muito inferior ao valor real. Depois, nada foi factualmente alegado que permita considerar que com a venda do imóvel em causa com altíssima probabilidade o respetivo produto da venda cobriria o valor da execução. Ora, se na venda executiva não se sabia quanto o credor iria receber, já com o plano que foi aprovado, e de acordo com o mesmo, receberá integralmente por força da vigência do contrato. Não podemos, assim, falar de qualquer violação do princípio da igualdade que pressupõe credores de igual natureza. Como supra se referiu, o presente processo rege-se, em primeiro lugar, pelas respetivas disposições (art.ºs 222º-A a 222º-J), e só depois as regras previstas no CIRE que não sejam incompatíveis com a sua natureza, com as devidas adaptações (artº 222º-A, nº3). O artº 222º-F, nº5, do CIRE, manda aplicar, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º.” (sublinhado nosso).

19. Ou seja, apesar de ser referida uma alegada violação do princípio da igualdade, que o acórdão fundamento vem afastar, termina com a referência ao art.º 216.º do CIRE, que efetivamente é o fundamento do pedido de não homologação do acordo por parte deste credor. Isto pois,

20. Diz o artigo 216.º, n.º 1 a) do CIRE que o juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, quando “a) A sua situação ao abrigo do plano previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas”.

21. O que o credor-recorrente alega no acórdão fundamento é que “Com esta aprovação considerando a data do incumprimento definitivo do crédito, que ocorreu em 25-10-2018, e o facto de o mesmo se encontrar numa fase de recuperação coerciva avançada, torna claro e inequívoco, que a retoma de um crédito de acordo com as suas condições iniciais, colocará o Recorrente em situação inequivocamente menos favorável do que com a ausência de aprovação do Acordo de Pagamento.”

22. Pelo que, o seu fundamento para a não homologação do plano enquadra-se claramente neste normativo e não só na violação do princípio da igualdade.

23. Neste sentido, e, relativamente ao art.º 194.º do CIRE, veja-se, Luís M. Martins, in Processo de Insolvência, Almedina, 3.ª Edição, 2014, pp. 426 e 427: “O preceito não permite que, na ausência de acordo dos credores na mesma situação, sejam sujeitos a regras diferenciadas credores que se encontram em circunstâncias idênticas. O plano só pode fazer esta diferenciação na medida em que tal não seja contrário à lei, que esta autorize ou seja consentido pelos visados, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 192.º. Se for tomada uma deliberação em violação a este princípio e não exista consentimento do lesado, o juiz deve recusar a sua homologação. Se for homologado, cabe recurso dessa decisão. Os credores podem solicitar ao juiz que não homologue o plano quando entendam que este prejudica os seus interesses e nos casos das als. a) e b) do n.º 1 do art.º 216.º.”

24. E quanto a este motivo de recusa de homologação presente o artigo 216.º, n.º 1 a) do CIRE, o acórdão fundamento concluiu e decidiu: “Desde logo, a circunstância de o imóvel garantido estar já na fase da venda, aquando do pedido de PEAP, não equivale a considerar que o credor garantido, aqui recorrente, viesse a receber a totalidade do crédito a que se arroga. É consabido que nas vendas judiciais os bens são vendidos por preço muito inferior ao valor real. Depois, nada foi factualmente alegado que permita considerar que com a venda do imóvel em causa com altíssima probabilidade o respetivo produto da venda cobriria o valor da execução. Ora, se na venda executiva não se sabia quanto o credor iria receber, já com o plano que foi aprovado, e de acordo com o mesmo, receberá integralmente por força da vigência do contrato.”

25. Rematando que “O artº 222º-F, nº5, do CIRE, manda aplicar, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º.”

26. Há uma referência clara ao previsto no artigo 216.º do CIRE, veja-se, desde logo, a fundamentação supra transcrita do acórdão-fundamento que se baseia no motivo de recusa de homologação do plano previsto na alínea a), n.º 1 do art.º 216.º do CIRE e não no princípio da igualdade de credores, que o próprio tribunal acaba por afastar “Não podemos, assim, falar de qualquer violação do princípio da igualdade que pressupõe credores de igual natureza.”.

27. E, por isso, verifica-se uma relação de identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão fundamento e a questão de direito apreciada no acórdão recorrido; e no âmbito de um quadro normativo substancialmente idêntico.

28. In casu, a devedora, ora recorrente, no acordo de pagamentos, propõe-se liquidar a totalidade do capital em dívida, mantendo a garantia, enquanto, inexistindo o acordo, prosseguirá a execução e a venda executiva por um valor inferior ao capital em dívida.

29. Ao invés, na senda do Acórdão fundamento, “Ora, se na venda executiva não se sabia quanto o Credor iria receber, já com o plano que foi aprovado, e de acordo com o mesmo, receberá integralmente as prestações contratualmente devidas por força da vigência do contrato, não se podendo assim concluir por um tratamento mais desfavorável. 3. O acordo de pagamentos não pode ser apreciado na estrita vertente do interesse do recorrente, quando o objetivo primordial do processo, sem prejuízo do dever de observância das normas legais aplicáveis, é a tentativa de recuperação dos devedores.”

30. O acórdão é esclarecedor: o credor que receba, por força do plano de pagamentos um valor superior àquele que iria receber na venda executiva, não se encontra numa situação de tratamento mais desfavorável. E, por isso, não ficaria numa situação mais desfavorável do que aquela que existiria na ausência de qualquer plano.

31. É esta interpretação do acórdão fundamento relativamente à situação do credor ser mais desfavorável do que aquela que existiria na ausência de qualquer plano que se opõe frontalmente (e não apenas implícita) ao acórdão recorrido. O que representa um resultado oposto alcançado em ambos os acórdãos, que, no caso do acórdão fundamento veio concluir pela improcedência do recurso apresentado pelo credor e confirmar a sentença que homologou o acordo de pagamentos, ao invés do acórdão recorrido, que confirmou a não homologação do acordo de pagamentos.

32. Assim, o acórdão fundamento, ainda que versando sobre a invocada violação do princípio da igualdade prevista no art.º 194.º, prende-se com a mesma questão essencial do acórdão recorrido, isto é, com a questão de saber se a situação do credor que solicitou a não homologação do plano, era previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer acordo.

33. O facto de ter sido, requerido o recurso da decisão de homologação ao abrigo do disposto no art.º 194.º do CIRE, ao invés, de ter sido, possivelmente, requerido nos termos do art.º 216.º n.º 1 al. a), não altera a questão essencial.

34. Assim, o acórdão fundamento, ainda que incida sobre o princípio da igualdade dos credores ínsito no art.º 194.º do CIRE, não deixa por um lado, de referir e direcionar a questão para o art.º 216.º n.º 1, al. a), por outro lado, não deixa de ter no seu cerne a mesma questão fáctico-jurídica.

35. E, por isso, verifica-se uma relação de identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão recorrido e a questão de direito apreciada no acórdão fundamento.

36. Assim, e uma vez que se encontram preenchidos os pressupostos, requer-se o provimento da presente reclamação, e consequentemente a admissão do recurso de revista apresentado.”

A final pede que se julgue procedente a Reclamação e se admita o recurso de revista.

Não foram apresentadas respostas.

Colhidos os vistos legais, cumpre conhecer.

Fundamentação

A questão a decidir é a de saber se deve ser revogado ou mantido o despacho reclamado que não admitiu o recurso de revista.


*


Não está em causa que em sede de PEAP, se aplica o regime especial, que resulta do artigo 14.º n.º 1 do CIRE, ex vi artigo 222º-A n.º 3 do mesmo diploma, segundo o qual: (…) “não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686.º e 687.º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.”

Importa, agora, apreciar se existe ou não uma efetiva contradição entre o Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento.

Como se referiu no despacho reclamado, para estarmos perante uma “contradição jurisprudencial” que permita a admissibilidade do recurso de revista, deve verificar-se uma relação de identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão da Relação que é objeto de recurso e a questão de direito apreciada no acórdão (da Relação ou do STJ) que serve de contraponto e de fundamento à admissibilidade da revista, num quadro normativo substancialmente idêntico e deve estar-se perante uma oposição frontal (e não apenas implícita ou pressuposta) e tal oposição frontal deve apresentar-se com natureza essencial para o resultado (oposto) que foi alcançado em ambos os acórdãos (sendo irrelevante a divergência que respeitar apenas a alguns argumentos sem valor decisivo).

Neste sentido consta da fundamentação do acórdão do STJ de 23.09.2021 proferido no processo n.º 09/19.0T8ALM-B.L1.S1, relator Vieira e Cunha:

“Nesta matéria de contradições entre acórdãos, e servindo-nos do desenvolvimento do Ac.S.T.J. 7/6/2018, pº 2877/11.5TBPDL-D.L2.S1 (Maria Rosa Oliveira Tching), a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem afirmando que importa que a invocada oposição de acórdãos seja frontal e não apenas implícita ou pressuposta (cf. Acs. STJ 20.07.2017, pº 755/13.2TVLSB.L1.S1-A, 25.05.2017, pº 1738/04.PTBO.P1.S1-A, 28.01.2016, pº 291/1995.L1.S1, 13.10.2016, pº 2276/10.6TVLSB.L1.S1-A, 26.05.2015, pº 227/07.OTBOFR.C2-S1-A, 20.3.2014, pº 1933/09.4TBPFR.P1.S1, e 4.07.2013, pº 2625/09.0TVLSB.L1.S1-A).”

“De igual modo, não basta, para o efeito, uma qualquer contradição relativamente a questões laterais ou secundárias. A questão de direito deve apresentar-se com natureza essencial para o resultado que foi alcançado em ambas as decisões, sendo irrelevante a que respeitar apenas a alguns argumentos sem valor decisivo ou obiter dicta”.

“E essa oposição, na expressão do Ac. STJ 17/02/2009, pº 08A3761 (Salazar Casanova), “só é relevante quando se inscreva no plano das próprias decisões em confronto e não apenas entre uma decisão e a fundamentação de outra, ainda que as respetivas fundamentações sejam pertinentes para ajuizar sobre o alcance do julgado”.

“E, finalmente, que tal oposição incida sobre a mesma questão de direito fundamental, o que pressupõe que as decisões em confronto tenham subjacente um núcleo factual idêntico ou coincidente, na perspectiva das normas ali diversamente interpretadas e aplicadas – cf. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, 9ª ed., pgs. 122 e 123.”

Atentos estes pressupostos, há que analisar a fundamentação dos acórdãos em confronto.

Factualidade julgada assente no Acórdão recorrido:

“1.A lista de credores da devedora é a seguinte:

Autoridade Tributária e Aduaneira, com um crédito comum no valor de € 53 953,28 (cinquenta e três mil novecentos e cinquenta e três euros e vinte e oito cêntimos);

Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Região do ... e ..., com crédito garantido no valor de € 106.029,98 (cento e seis mil e vinte e nove euros e noventa e oito cêntimos);

E..., SA., com crédito garantido no valor de €98.992,13 (noventa e oito mil novecentos e noventa e dois euros e treze cêntimos). Este crédito foi transmitido pela Caixa Geral de Depósitos. Provém de um contrato de mútuo, no montante de noventa e sete mil e quinhentos euros, garantido por hipoteca sobre o seguinte imóvel: fração autónoma designada pela letra T, correspondente ao sexto andar esquerdo, tipo T3, com arrumo no sótão e uma garagem na subcave, identificados com o n.º 3 do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado na Rua ..., designado por letra B, freguesia de ..., concelho da ..., inscrito na matriz sob o artigo ...65 e descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n.º ...noventa e oito da freguesia de ...

Instituto da Segurança Social, I.P., com crédito garantido no valor de €9.656,08 (nove mil seiscentos e cinquenta e seis euros e oito cêntimos);

M..., S.A., com crédito comum, no valor de € 693,39 (seiscentos e noventa e três euros e trinta e nove cêntimos);

N..., S.A., com crédito comum, no valor de € 889,50 (oitocentos e oitenta e nove euros e cinquenta cêntimos);

Banco Credibom com um crédito comum, no valor de € 24 332,56 (vinte e quatro mil trezentos e trinta e dois euros e cinquenta e seis cêntimos).

2. A Caixa Geral de Depósitos instaurou execução contra a devedora, AA, para pagamento da quantia mutuada de € 87 566,42, acrescida de juros vencidos e vincendos até ao integral pagamento, calculados nos termos legais e contratuais, desde 09/06/2017, inclusive, que corria termos no juízo Central Cível de ..., Juiz ..., do tribunal judicial da comarca de ... sob o n.º 1053/17.8...

3. No âmbito do processo de execução atrás referido, foi vendida, em leilão eletrónico, na plataforma e-leilões, no dia 06-12- 2021, a fração autónoma designada pela letra “T”, sito na Rua ..., da freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n.º ...98, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o art.º ...65.

4. A melhor proposta apresentada foi pelo valor de 78.240, 46€, acima do valor mínimo, tendo, em 28-01-2022, sido adjudicado por decisão do agente de execução, a favor do melhor proponente o bem imóvel hipotecado, tendo o proponente depositado o preço nos autos de execução, em 14-02-2022.

5. Em 15-02-2022 foi apresentado, nos autos de execução, requerimento para exercício do direito de remição.

6.No mesmo dia, foi o remitente notificado para efetuar o depósito do preço do bem, como do valor referente à indeminização de 5% à proponente, por o depósito do preço já se encontrar efetuado aquando do exercício do direito de remição.

7.O remitente requereu a prorrogação do prazo para pagamento até ao dia 07.03.2022, que coincidiu com o dia em que a devedora AA apresentou o PEAP e requereu a suspensão da instância executiva em 08.03.2022.

8.O acordo de pagamento prevê o pagamento do crédito do credor E..., SA. nos seguintes termos: “Quanto ao valor em dívida, de natureza garantida, no montante de €98.992,13 (noventa e oito mil novecentos e noventa e dois euros e treze cêntimos), propõe-se o pagamento do capital em dívida em 180 prestações mensais e sucessivas, no montante de € 549,96 (quinhentos e quarenta e nove euros e noventa e seis cêntimos) vencendo-se a primeira prestação 06 (seis) meses após o trânsito em julgado da homologação da aprovação do presente plano, com perdão de juros vencidos e vincendos.”

A fundamentação de direito foi o seguinte (extratos relevantes):

A recusa de homologação do acordo ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE pressupõe que o credor que solicitou a não homologação demonstre, em termos plausíveis, que a sua situação ao abrigo do acordo é previsivelmente menos favorável para ele do que a que interviria na ausência de qualquer acordo, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas.

A demonstração em termos plausíveis de que fala a norma significa (…) “um juízo de probabilidade”.

O ónus de demonstração implica que o credor alegue e prove factos que permitam a formulação do juízo de que a situação dele ao abrigo do acordo é-lhe menos favorável da que a interviria na ausência de acordo.

Entre os factos indispensáveis à formulação deste juízo figura necessariamente o grau de satisfação do direito de crédito, com e sem acordo. Mas não só, visto que, para o credor, não é indiferente o prazo de satisfação do seu direito, pois quanto mais cedo for pago melhor será para os seus interesses. Daí que o prazo de satisfação do crédito constitua facto atendível no juízo sobre o que é mais favorável ao credor (…)

Além do grau de satisfação do crédito e do prazo em que este é satisfeito, para a formulação do juízo sobre o que é melhor para o interesse do credor deve recorrer-se também ao grau de probabilidade de satisfação do direito de crédito, havendo acordo e na ausência dele.

Na verdade, havendo uma situação em que a satisfação total ou parcial do crédito é certa ou muito provável e outra em que que tal satisfação é incerta ou pouco provável, é bom de ver que a primeira é a mais favorável aos interesses do credor.

Interpretando a alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE com o sentido e alcance expostos e tendo em conta os factos provados, a conclusão que se impõe é a de que decisão recorrida é de manter.

(…) É certo, como alega a recorrente, que o acordo aprovado prevê o pagamento à sociedade E..., SA., do montante de € 85 664,22, ao passo que, na execução instaurada contra a devedora, ora recorrente, o montante do produto da venda do bem penhorado que irá ser afectado à satisfação do crédito da exequente é de € 78 240,46, inferior, pois, ao que a devedora se propõe satisfazer em cumprimento do acordo de pagamento.

Sucede, como se observa na decisão sob recurso, que na hipótese de observância do acordo de pagamento, a credora só começaria a ver satisfeito o seu crédito seis meses após o trânsito em julgado da decisão de homologação do acordo e só alcançaria a satisfação integral dele 15 anos depois. Ao invés, no caso de a execução prosseguir, a credora receberá, a curto prazo, o produto da venda do bem penhorado (€ 78 240,46), deduzido das custas da execução (artigo 541.º do CPC). E receberá a curto prazo, considerando que a execução já está na fase do pagamento e o produto da venda já se acha depositado.

O prazo de satisfação da credora seria igualmente encurtado, e muito, na hipótese de a devedora ser declarada em situação de insolvência.

Vejamos.

Neste caso, o produto da venda do bem na execução seria apreendida para a massa insolvente (n.º 2 do artigo 149.º do CIRE). E embora a credora não visse o seu crédito satisfeito com a brevidade que aconteceria no processo executivo, pois de acordo com o artigo 173.º do CIRE o início do pagamento dos créditos sobre a insolvência pressupõe o trânsito em julgado da decisão que os julgue verificados e a prolação e o trânsito desta decisão poderão demorar algum tempo após a declaração de insolvência, a verdade é que, atendendo à natureza urgente do processo de insolvência, dos seus apensos e incidentes (n.º 1 do artigo 9.º do CIRE), a credora veria satisfeito parte do seu crédito dentro dum prazo razoável, visto o regime de pagamento dos créditos garantidos constante do n.º 1 do artigo 174.º do CIRE.

Vê-se do exposto que, quanto ao prazo de satisfação do crédito, a situação, na ausência de acordo, é claramente mais favorável ao credor do que a que existiria com o acordo. A relativa brevidade com que presumivelmente a credora verá satisfeita parte do seu crédito, fora do acordo de pagamento, compensa claramente o menor grau de satisfação do seu crédito.

Pode acrescentar-se ainda outra circunstância que depõe a favor da manutenção da decisão de recusa de homologação do acordo. Como se escreveu acima, na formulação do juízo comparativo sobre o que é melhor para o interesse do credor é de atender ao grau de probabilidade de satisfação do direito de crédito.

Cabe, assim, perguntar o que é que é mais provável no caso: é mais provável que a credora veja satisfeito o seu crédito ao abrigo do acordo de pagamento ou é mais provável vê-lo satisfeito na ausência de acordo de pagamento?

A resposta afigura-se-nos clara: a satisfação de parte do seu crédito no âmbito do processo executivo e/ou insolvência é certa; no âmbito do acordo de pagamento não é certa, nem sequer muito provável. E não é certa, nem sequer muito provável, porque, como resulta do acordo de pagamento, a satisfação dos credores será feita através do rendimento obtido pela requerente com a sua actividade profissional e o rendimento que ela declarou no requerimento inicial foi o de € 623,00 (seiscentos e vinte e três euros), sendo que se propõe pagar, por mês, à credora o montante de € 549,96 (quinhentos e quarenta e nove euros e noventa e seis cêntimos). Não se ignora que a situação económica e financeira da devedora pode melhorar no futuro. Trata-se, no entanto, de uma realidade incerta.

Segue-se do exposto que, do ponto de vista da probabilidade de satisfação do crédito, a situação ao abrigo do acordo de pagamento é, para a credora, claramente menos favorável do que a que interviria na ausência de acordo de pagamento.


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No acórdão fundamento proferido em 19.01.2023, no processo n.º 1980/22.0T8VCT.G1, no Tribunal da Relação de Guimarães, foi julgado improcedente o recurso em que um credor pugnava pela revogação de uma sentença que tinha homologado o acordo de pagamento apresentado nos autos pelos Devedores.

A factualidade considerada foi apenas a que ficou exarada no relatório, com o seguinte teor:

“Em 21 de outubro de 2022 foi prolatada a seguinte sentença:

BB e CC, melhores ids. nos autos, vieram ao abrigo do disposto no art.º 222.º-A do CIRE intentar o presente processo especial de acordo para pagamento.

Foi nomeado AJP, nos termos do disposto no art.º 222.º-C, n.º 4 do CIRE, tendo aquele junto aos autos lista provisória de créditos, a qual, não tendo sido objeto de qualquer impugnação, foi entretanto convertida em definitiva.

O prazo de dois meses para conclusão das negociações foi prorrogado por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o AJP nomeado e os Devedores publicado no Portal Citius [art.º 222.º-D, n.º 5 do CIRE].

Concluídas as negociações foi concedido prazo para votação do plano apresentado pelos Devedores, tendo votado credores representando 89,39% dos créditos constantes da lista definitiva de credores, com os votos a favor de 76,91% dos créditos com voto expresso

2. Atendendo ao disposto no art.º 222.º-F, n.º 3 do CIRE, resulta, pois, que no caso, o plano foi aprovado, tendo votado credores representando 89,39% dos créditos constantes da lista definitiva de credores, com os votos a favor de 76,91% dos créditos com voto expresso.

Acresce, não ocorrer violação não negligenciável de normas procedimentais ou aplicáveis ao conteúdo do plano que impeçam a sua homologação, não prevendo aquele quaisquer condições suspensivas ou quaisquer atos ou medidas que devem preceder a homologação [art.º 215.º do CIRE aplicável ex vi art. 222.º-F, n.º 5 in fine do mesmo diploma], nem ter sido solicitada a não homologação do plano por qualquer credor [art.º 216.º aplicável ex vi art.º 222.º-F, n.º 3 in fine].

3. Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artºs 222.º-F, n.ºs 5 e 6 do CIRE, homologa-se por sentença o acordo de pagamentos apresentado nos autos pelos Devedores BB e CC.

Inconformado com a decisão, o credor reclamante Banco Comercial Português, S.A., apelou, formulando as seguintes conclusões:

A. No âmbito do presente Processo Especial para Acordo de Pagamento o Recorrente reclamou o crédito que detinha sobre os Recorridos BB e CC, pelo valor de 82.502,53 € (oitenta e dois mil quinhentos e dois euros e cinquenta e três cêntimos), onde constava expressamente que a data de incumprimento contratual 25-10-2018.

B. Na lista provisória de credores apresentada nos autos, o crédito da aqui Recorrente foi reconhecido pelo montante reclamado e como garantido, atenta a garantia hipotecária que detém a seu favor.

C. Assim, o Recorrente recebeu a proposta apresentada pelos Recorridos que contemplava, em suma uma retoma das condições contratuais, quanto aos contratos que há muito se encontravam resolvidos por incumprimento, desde 25-10-2018.

D. O crédito reclamado nos presentes autos foi também reclamado, no processo de execução n.º 2586/15.6..., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo Local Cível de ...-Juiz..., processo para o qual o Recorrente foi citada.

E. Quando deram início ao Processo Especial para Acordo de Pagamento o imóvel que constitui garantia, para o Recorrente, já se encontrava à venda na plataforma e-leilões, sendo que esse leilão terminava no dia 07-06-2022, pelas 10:00, sendo este facto de igual modo do conhecimento dos Recorridos.

F. Nessa sequência, o Recorrente votou contra a proposta apresentada pelos Recorridos, de modo a defender os seus legítimos interesses e por não corresponder à realidade o que se encontrava vertido no acordo de pagamento apresentado.

G. No entanto, o referido Acordo de Pagamento foi aprovado, apesar de estarmos perante uma violação do princípio da igualdade dos credores, previsto no art. 194.º do C.I.R.E..

H. Considerando que, o referido plano foi aprovado com o voto favorável dos Credores Instituto da Segurança Social e Autoridade Tributária e Aduaneira, sendo que só o crédito do Instituto da Segurança Social corresponde a 66,741% do valor dos créditos reclamados.

I. Com esta aprovação considerando a data do incumprimento definitivo do crédito, que ocorreu em 25-10-2018, e o facto de o mesmo se encontrar numa fase de recuperação coerciva avançada, torna claro e inequívoco, que a retoma de um crédito de acordo com as suas condições iniciais, colocará o Recorrente em situação inequivocamente menos favorável do que com a ausência de aprovação do Acordo de Pagamento.

J. Atento ao supra exposto, deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por decisão que recuse o acordo de pagamento apresentado, por não se encontrar cumprido o requisito legal de aplicação do art. 212º, n-º 2, a) do C.I.R.E. e por violação do princípio da igualdade de credores previsto no art. 195.º C.I.R.E »

De seguida fixou as questões a decidir:

Apurar se se mostra cumprido o disposto no artº 212º, nº2, alínea a), do CIRE e se houve violação do princípio de igualdade dos credores previsto no artº 195º do CIRE.

Na fundamentação de direito consta, no essencial:

“ Balizados que estão os contornos legais do instituto do acordo de pagamentos, importa analisar a bondade das alegações do recorrente.

O tribunal recorrido homologou por sentença o acordo de pagamentos junto.

O recorrente alegou que o plano aprovado configura uma violação do princípio de igualdade dos credores, previsto no artº 194º, do CIRE, que estatui:

(…)

Como decorre expressamente do citado preceito, a violação do princípio da igualdade pressupõe tratamento desfavorável entre credores que estejam na mesma situação. Daí que não faça sentido a menção ao crédito da Segurança Social e ao da Autoridade Tributária, por força do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, previsto pelo artº 30º, nº2 e 3 da LGT.

De igual forma, não percebemos a menção feita pelo recorrente ao disposto no artº 212º, nº2, alínea a), do CIRE, que se refere ao quorum. (…) .

Não se mostra alegado qualquer facto de onde resulte ter havido violação do quórum.

Alegou o recorrente que, considerando a data do incumprimento definitivo do crédito, que ocorreu em 25/10/2018, e o facto de o mesmo se encontrar numa fase de recuperação coerciva avançada (o imóvel estava já em venda), determina que a retoma de um crédito de acordo com as suas condições iniciais colocará a requerente em situação inequivocamente menos favorável do que com a ausência de aprovação do acordo de pagamento.

Discordamos.

Desde logo, a circunstância de o imóvel garantido estar já na fase da venda, aquando do pedido de PEAP, não equivale a considerar que o credor garantido, aqui recorrente, viesse a receber a totalidade do crédito a que se arroga. É consabido que nas vendas judiciais os bens são vendidos por preço muito inferior ao valor real. Depois, nada foi factualmente alegado que permita considerar que com a venda do imóvel em causa com altíssima probabilidade o respetivo produto da venda cobriria o valor da execução. Ora, se na venda executiva não se sabia quanto o credor iria receber, já com o plano que foi aprovado, e de acordo com o mesmo, receberá integralmente por força da vigência do contrato.

Não podemos, assim, falar de qualquer violação do princípio da igualdade que pressupõe credores de igual natureza.

Como supra se referiu, o presente processo rege-se, em primeiro lugar, pelas respetivas disposições (artºs 222º-A a 222º-J), e só depois as regras previstas no CIRE que não sejam incompatíveis com a sua natureza, com as devidas adaptações (artº 222º-A, nº3).

O artº 222º-F, nº5, do CIRE, manda aplicar, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º.

Desde logo, o artº 195º, do CIRE, ainda que se aplique supletivamente, está especialmente pensado para insolvências. “A colocação do processo especial para acordo de pagamento no Título IX sugere uma relação de simetria entre o plano de insolvência e o processo especial para acordo de pagamentos. Ora, o plano de insolvência é aplicável a empresas insolventes, não podendo por isso funcionar como simétrico do processo especial para acordo de pagamento, que é um instrumento pré-insolvencial. O processo especial para acordo de pagamento não depende de nenhum juízo de prognose sobre a recuperabilidade ou não recuperabilidade do devedor. (…) Entre o plano de insolvência e o processo especial para acordo de pagamento há uma diferença fundamental. O plano de insolvência pressupõe que o devedor tenha sido declarado insolvente. O processo especial para acordo de pagamento consiste precisamente em evitar que o devedor fique insolvente e, consequentemente, consiste em evitar que o devedor seja declarado insolvente”[7].

Serve o antecedentemente exposto para legitimar a (nossa) conclusão de que não é possível estabelecer uma correspondência absoluta entre os requisitos exigidos para um plano de pagamentos no âmbito de PEAP ou no âmbito de uma insolvência. Dito de outra forma, não somos de opinião de que em sede de PEAP haja de aplicar literalmente os requisitos previstos no artº 195º do CIRE para o plano de pagamentos. Aliás, como refere Alexandre de Soveral Martins[8] “a indicação constante das várias alíneas do artº 195º, nº2, não é exaustiva, como o advérbio nomeadamente deixa entender”.

Daí que não possamos apreciar o plano na estrita vertente do interesse da recorrente, quando o objetivo primordial do processo é a tentativa de recuperação dos devedores.

Entendemos, assim, que num juízo de ponderação global inexiste qualquer violação do princípio da igualdade, ou sequer do quórum exigido pelo artº 212º, nº2, alínea a), do CIRE, improcedendo assim o recurso interposto, e devendo manter-se a sentença do tribunal recorrido.”


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Atentas as fundamentações de facto e de direito acima transcritas entendemos que não existe uma efetiva contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento.

Desde logo, ao contrário do que defende a Recorrente e resulta da transcrição supra, os dois acórdãos não têm por base situações de facto análogas ou equiparáveis, em que assente a alegada divergência quanto à questão fundamental de direito.

A Recorrente defende ainda que os dois acórdãos em confronto não têm de ter por base situações de facto análogas ou equiparáveis.

No entanto, como é entendimento largamente maioritário na jurisprudência, a identidade do núcleo essencial das situações de facto, entre os dois acórdãos em confronto é fundamental dado que inexiste conflito jurisprudencial quando a diversidade de soluções jurídicas alcançadas para a composição dos interesses em litígio, num e no outro caso, assentam em diferenciações relevantes da matéria litigiosa, decorrendo a diversa solução adotada nos dois acórdãos de particularidades da matéria de facto subjacente aos litígios ( cf. neste sentido acórdão do STJ de 02.10.2014, processo n.º 68/03.0TBVPA.P2.S1-A, relator Lopes do Rego).

No mesmo sentido o recente acórdão do STJ de 08.02.2024 proferido no processo 1901/21.8TSSRE-AC1-A.S1-B, relator Oliveira Abreu, consta da fundamentação: “exige-se, ao reconhecimento da contradição de julgados, a identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto que suportam a aplicação, necessariamente diversa, dos mesmos normativos legais ou institutos jurídicos, sendo que as soluções em confronto, necessariamente divergentes, têm que ser encontradas no “domínio da mesma legislação”, de acordo com a terminologia legal (…).

Como referem Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, 3º Vol. ( 3ª edição) pág. 282, “ a integração da previsão da norma que é objeto de interpretações ou aplicações divergentes faz-se com factos de certo tipo e não de qualquer tipo (…) não basta uma oposição sobre a interpretação abstrata de normas jurídicas, pois está em causa a solução de casos jurídicos, por definição concretos.”

Como se referiu no despacho reclamado, para se verificar uma relação de identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, é necessário que os elementos de facto relevantes para a ratio da regra jurídica sejam coincidentes ou equivalentes, isto é, que a subsunção jurídica feita em qualquer das decisões tenha operado sobre núcleo factual essencialmente idêntico ou equivalente, sem se atribuir relevo a elementos de natureza acessória.

Passando à comparação entre os acórdãos em confronto.

No acórdão recorrido está provado que o prédio hipotecado que garantia o pagamento do crédito do recorrente no montante reconhecido de € 98.992,13, foi vendido na ação executiva e a melhor proposta apresentada foi de €78.240, 46, tendo o proponente já depositado o preço nos autos de execução.

No acórdão fundamento resulta das conclusões da apelação que o montante do crédito é de €82.502,53, está também garantido por uma hipoteca que incide sobre prédio do devedor, mas na ação executiva ainda não se procedeu à venda do prédio hipotecado.

Por outro lado, no acórdão recorrido sabemos que o plano prevê o pagamento do capital em dívida em 180 prestações mensais e sucessivas, no montante de € 549,96, vencendo-se a primeira prestação 06 (seis) meses após o trânsito em julgado da homologação da aprovação do presente plano, com perdão de juros vencidos e vincendos.

No acórdão fundamento não consta da factualidade acima transcrita como está programado no plano o pagamento da divida (quais as prestações e seus montantes) e qual o período de carência.

Quanto à fundamentação de direito, o acórdão recorrido interpretou e aplicou a alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE, tendo decidido que a situação do credor que solicitou a não homologação do plano, era previsivelmente menos favorável para ele do que a que interviria na ausência de qualquer acordo.

Em primeiro lugar entendeu não ser determinante a circunstância de o acordo aprovado prever o pagamento à sociedade E..., SA., do montante de € 85 664,22, ao passo que, na execução instaurada contra a devedora, ora recorrente, o montante do produto da venda do bem penhorado que irá ser afetado à satisfação do crédito da exequente ser de € 78 240,46, inferior, ao que a devedora se propõe satisfazer em cumprimento do acordo de pagamento.

A desvalorização da circunstância de o pagamento no acordo de pagamento ser superior ao do que o credor vai obter na execução ou na insolvência da devedora, ficou a dever-se a que na observância do acordo de pagamento, a credora só começaria a ver satisfeito o seu crédito seis meses após o trânsito em julgado da decisão de homologação do acordo e só alcançaria a satisfação integral dele 15 anos depois. Ao invés, no caso de a execução prosseguir, a credora receberá, a curto prazo, o produto da venda do bem penhorado (€ 78 240,46), deduzido das custas da execução (artigo 541.º do CPC), considerando que a execução já está na fase do pagamento e o produto da venda já se acha depositado. Decidiu também que o prazo de satisfação da credora seria igualmente encurtado, e muito, na hipótese de a devedora ser declarada em situação de insolvência, com os fundamentos atras transcritos.

Tendo concluído, que a relativa brevidade com que presumivelmente a credora verá satisfeita parte do seu crédito, fora do acordo de pagamento, compensa claramente o menor grau de satisfação do seu crédito.

Por outro lado, considerou ainda, que do ponto de vista da probabilidade de satisfação do crédito, a situação ao abrigo do acordo de pagamento é, para a credora, claramente menos favorável do que a que interviria na ausência de acordo de pagamento.

No acórdão fundamento, atentas as questões suscitadas pelo Apelante, a decisão incidiu sobre a invocada violação do princípio da igualdade prevista no artº 194º, do CIRE, disposição legal que não foi sequer aflorada no acórdão recorrido.

O acórdão fundamento apenas se pronuncia sobre a questão decidida no acórdão recorrido na parte em que refere:

«Alegou o recorrente que, considerando a data do incumprimento definitivo do crédito, que ocorreu em 25/10/2018, e o facto de o mesmo se encontrar numa fase de recuperação coerciva avançada (o imóvel estava já em venda), determina que a retoma de um crédito de acordo com as suas condições iniciais colocará a requerente em situação inequivocamente menos favorável do que com a ausência de aprovação do acordo de pagamento.

Discordamos.

Desde logo, a circunstância de o imóvel garantido estar já na fase da venda, aquando do pedido de PEAP, não equivale a considerar que o credor garantido, aqui recorrente, viesse a receber a totalidade do crédito a que se arroga. É consabido que nas vendas judiciais os bens são vendidos por preço muito inferior ao valor real. Depois, nada foi factualmente alegado que permita considerar que com a venda do imóvel em causa com altíssima probabilidade o respetivo produto da venda cobriria o valor da execução. Ora, se na venda executiva não se sabia quanto o credor iria receber, já com o plano que foi aprovado, e de acordo com o mesmo, receberá integralmente por força da vigência do contrato.”

Neste extrato da fundamentação o acórdão fundamento afasta-se do acórdão recorrido, mas como se referiu atenta a não coincidência da factualidade provada em ambos os acórdãos, não pode sustentar-se que haja contradição entre as fundamentações.

Note-se que no acórdão recorrido, o imóvel que garantia o crédito já foi vendido, pelo que a argumentação que “nas vendas judiciais os bens são vendidos por preço muito inferior ao valor real” é irrelevante, para efeitos de contradição entre os acórdãos.

Por outro lado, outro dos fundamentos em que o acórdão recorrido se baseou foi que no acordo de pagamento, a credora só começaria a ver satisfeito o seu crédito seis meses após o trânsito em julgado da decisão de homologação do acordo e só alcançaria a satisfação integral dele 15 anos depois. Ao invés, no caso de a execução prosseguir, a credora receberá, a curto prazo, o produto da venda do bem penhorado (€ 78 240,46), deduzido das custas da execução (artigo 541.º do CPC).

Ora, no acórdão fundamento não consta sequer o que foi acordado no plano, quando ao período de carência e ao prazo de pagamento.

Assim, ao contrário do defendido pela Recorrente, como se constata da transcrição supra, o acórdão fundamento, incidiu primordialmente sobre a questão da violação do princípio da igualdade. A questão de saber se a situação do credor era previsivelmente menos favorável com a aprovação do plano do que na ausência dela, surge como secundária, ou seja, em rigor, o acórdão fundamento não interpreta expressamente o artigo 216º n.º 1 al. a) do CIRE.

A alegação da Recorrente nos n.ºs 30 e 31, ao sustentar que o acórdão fundamento teve por pressuposto que “o credor que receba, por força do plano de pagamentos um valor superior àquele que iria receber na venda executiva, não se encontra numa situação de tratamento mais desfavorável. E, por isso, não ficaria numa situação mais desfavorável do que aquela que existiria na ausência de qualquer plano”, não corresponde ao que consta do texto da fundamentação, supra transcrita, estando nela meramente implícito.

Por outro lado, atentos os diferentes núcleos factuais nos dois acórdãos, no acórdão fundamento, não foram considerados os dois fatores determinantes no acórdão recorrido para se considerar ser a situação do credor previsivelmente menos favorável com a aprovação do plano do que na sua ausência, que foram o longo prazo de pagamento ( 15 anos) e do ponto de vista da probabilidade de satisfação do crédito, ser a situação ao abrigo do acordo de pagamento para a credora, claramente menos favorável do que a que interviria na ausência de acordo de pagamento.

Ora, como é entendimento uniforme do STJ, só há uma verdadeira contradição entre os acórdãos quando a questão essencial, que constituiu a razão de ser e objeto da decisão, foi resolvida de forma frontalmente oposta nas decisões em confronto.

Como decidiu o Ac. STJ de 12.01.2021, processo n.º 817/16.4T8FLG.P1.SA-A ( relatora Ana Paula Boularot , in www.dgsi.pt. apenas estamos perante oposição/contradição de acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito, quando “a mesma disposição legal se mostre, num e noutro, interpretada e/ou aplicada em termos opostos, havendo identidade da situação de facto subjacente a essa aplicação.”

No mesmo sentido o acórdão do STJ de 9.03.2021, processo n.º 4359/19.8T8VNF.G1.S1 ( relator Manso Rainho), decidiu: “ Duas decisões só são divergentes quanto à mesma questão fundamental de direito se têm na sua base situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo – tendo em consideração a natureza e teleologia dos específicos interesses das partes em conflito – são análogas ou equiparáveis, pressupondo o conflito jurisprudencial uma verdadeira identidade substancial do núcleo essencial da matéria litigiosa subjacente a cada uma das decisões em confronto, e que a questão fundamental de direito em que assenta a alegada divergência assuma um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso (isto é, que integre a ratio decidendi dos acórdãos em confronto).”

Ainda o acórdão do STJ de 26.05.2021, processo n.º 2543/19.3T8VNF.G1.S1, relator Henrique Araújo, com o sumário: “ A oposição jurisprudencial que releva para efeitos da aplicação do regime de recursos especial do art. 14.º, n.º 1, do CIRE é a que se manifesta em decisões divergentes que tenham por base situações de facto análogas ou equiparáveis, subsumíveis a um mesmo quadro normativo, e em que a questão fundamental de direito em que assenta a alegada divergência assuma um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso.”

Como se referiu, são irrelevantes as hipóteses em que a divergência invocada se traduza em argumentos laterais, coadjuvantes ou suplementares e muito menos, como no caso, quando a divergência é meramente implícita.

Não se verifica, pois, identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão da Relação de Coimbra que é objeto de recurso e a questão de direito apreciada no acórdão da Relação de Guimarães indicado como Acórdão fundamento e, por conseguinte, não se está perante uma oposição essencial para o resultado que foi alcançado em ambos os acórdãos.

Não há, pois, divergência nos dois acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito, ou seja, a norma constante da al. a) do n.º 1 do artigo 216º do CIRE, demandado por remissão do artigo 222º- F n.º5 do mesmo diploma, não foi, num e noutro, interpretada e/ou aplicada em termos opostos.

Entende-se, pois, que no caso concreto não se verifica a oposição de acórdãos exigida pelo art.14º, n.1 do CIRE e não ser admissível o recurso de revista.

Decisão

Pelo exposto, indefere-se a reclamação e confirma-se o despacho reclamado que não admitiu o recurso de revista.

Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Lisboa, 17. 09. 2024

Leonel Serôdio (relator)

Ricardo Costa ( 1º adjunto)

Rosário Gonçalves ( 2ª adjunta)