Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | LUIS ESPÍRITO SANTO | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISTA ADMISSIBILIDADE OPOSIÇÃO DE JULGADOS INSOLVÊNCIA REJEIÇÃO DE RECURSO | ||
Data do Acordão: | 09/17/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | RECLAMAÇÃO INDEFERIDA | ||
Sumário : | I – O acórdão do Tribunal da Relação que reconhece legitimidade activa ao A. não comporta recurso de revista por não se tratar de uma situação final (de fundo e de forma), sendo assim definitivo e não sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça. II – A alínea d) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil pressupõe que a revista não fosse admissível em virtude de disposição legal onde estivesse prevista a irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça. III - A admissibilidade da revista com base em contradição de julgados entre acórdãos dos Tribunais da Relação e entre acórdão do Tribunal da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça encontra-se assegurada por via da revista excepcional nos termos do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 672º do Código de Processo Civil, sendo esse o meio processual que permite à parte ver dilucidada e ultrapassada, no âmbito dos recursos ordinários, a contradição jurisprudencial sobre questão jurídica essencial cuja apreciação em 2ª instância lhe tenha sido desfavorável, encontrando-se o âmbito e alcance da alínea d) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil reservado para as situações em que, por força de disposição legal especial, se encontra vedado o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, inviabilizando-se nesse caso a possibilidade de superação de uma situação de contradição jurisprudencial (não havendo, por força de norma especial, possibilidade de revista a contradição de julgados manter-se-ia sem hipótese de pronúncia, oportuna e esclarecedora, por parte do Supremo Tribunal de Justiça). IV – Inexistindo, na situação sub judice, a invocação de qualquer norma especial que dispusesse a irrecorribilidade da decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, não há lugar ao conhecimento do objecto do recurso, que se considera findo nos termos gerais dos artigos 652º, nº 1, alínea b), e 679º do Código de Processo Civil. | ||
Decisão Texto Integral: | Revista nº 23994/16.0T8LSB-E.L1.S1 Acordam, em Conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível): Foi proferida a seguinte decisão singular: “Veio AA, ao abrigo do disposto no artigo 146.º do CIRE, instaurar acção de verificação ulterior de créditos, por apenso ao processo principal, contra Massa Insolvente de P..., S.A., representada pelo Administrador de Insolvência, o Sr. Dr. BB; Credores da Massa Insolvente; Devedora Insolvente P..., S.A.. Foi apresentada contestação na qual a Comissão Liquidatário do Banco Privado Português, S.A. – em Liquidação, suscitou a ilegitimidade activa do A., alegando que “não pretendendo o Autor senão efetivar o mecanismo de responsabilização previsto no artigo 501.° do Código das Sociedades Comerciais ("CSC"), aplicável ex vi artigo 491.° do mesmo Código, é manifesto que a presente ação se insere na previsão do artigo 82.°, n.° 2, alínea c), do CIRE, cabendo, por isso, à Comissão Liquidatária do BPP, igualmente insolvente, a legitimidade exclusiva para a sua propositura”. Foi proferido sentença em 1ª instância, datada de 17 de Maio de 2023, na qual se decidiu julgar procedente a excepção de ilegitimidade activa invocada pela ré e, consequentemente, absolver os réus da instância. Foi interposto pelo A. recurso de apelação. Por acórdão do Tribunal da Relação do Lisboa de 19 de Março de 2024 foi o recurso julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e decidindo-se que o autor tem legitimidade processual para instaurar a presente ação, prosseguindo assim a presente acção. Veio a Comissão Liquidatário do Banco Privado Português, S.A., - em Liquidação, interpor recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões: A. O presente recurso de revista é interposto do acórdão proferido pelo Tribunal a quo em 19/03/2024, que julgou procedente o recurso interposto pelo Recorrido, entendendo, mal, que “no circunstancialismo que o processo evidencia, o autor tem legitimidade (processual) para a instauração da ação”. B) Entende a Recorrente que o acórdão recorrido deve ser revogado, por assentar numa errada interpretação do disposto no artigo 82.º, n.º 3, alínea c), do CIRE, radicando numa situação de injustificada desigualdade entre credores, precisamente o que o legislador pretendeu evitar ao consagrar a exclusiva legitimidade do administrador da insolvência para a propositura de ações contra os responsáveis legais pelas dívidas do insolvente. C) Por outro lado, deve ser declarada a nulidade da decisão, porquanto o Tribunal a quo substituiu-se ao Recorrido, dando por provado algo que não foi sequer alegado pelo mesmo, em claro excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) e n.º 4, aplicável ex vi artigo 666.º, n.º 1, do CPC. D) A revista é admissível nos termos do disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, aplicável ex vi artigo 17.º do CIRE, uma vez que a interpretação seguida pelo Tribunal a quo contraria frontalmente a interpretação seguida pelo Tribunal da Relação do Porto, em recente acórdão de 04/04/2022 (Processo n.º 5038/20.9T8MTS.P1), sobre a mesma questão fundamental de direito (aplicabilidade e interpretação do artigo 82.º, n.º 3, alínea c) do CIRE) e no domínio da mesma legislação (as normas relevantes do CIRE, CSC e CPC são exatamente as mesmas). E) Acresce que do acórdão recorrido não cabe recurso ordinário por motivo distinto ao da alçada (não estão preenchidos os pressupostos de aplicação previstos no artigo 671.º e 672.º do CPC) e não foi proferido acórdão uniformizador de jurisprudência conforme ao acórdão recorrido. F) A interpretação sustentada pelo Tribunal a quo no acórdão recorrido, no sentido de se justificar “uma interpretação que tenha em conta o sistema em que o preceito se insere, em ordem a considerar que assiste ao credor a faculdade de instaurar a ação judicial contra o responsável legal pelas dívidas do insolvente, agindo, pois, em defesa dos seus interesses e exercendo o direito que, substantivamente, a lei lhe confere, nos casos em que se patenteia a inércia do administrador da insolvência em exercer os poderes que lhe são conferidos pelo referido artigo” é ilegal. G) Em primeiro lugar, a tese do Tribunal a quo assenta numa inexplicável confusão de conceitos jurídicos distintos e autónomos: o conceito de legitimidade processual em nada se confunde com o conceito de legitimidade substantiva. H) A atribuição de legitimidade processual ativa exclusiva ao administrador da insolvência para propor ação contra os responsáveis legais pelas dívidas da sociedade dominada (insolvente) não representa qualquer restrição da legitimidade substantiva atribuída aos credores nos termos do artigo 501.º do CSC, já que o administrador da insolvência apenas pode agir em defesa dos interesses dos mesmos, tendo necessariamente de demonstrar que age em representação de credores da sociedade dominada. I) Há, sim, uma restrição temporária da legitimidade processual para propor ações contra os responsáveis legais pelas dívidas da sociedade dominada, justificada pelo contexto próprio da insolvência, que é “um processo de execução universal que tem comofinalidade asatisfação dos credores” (cfr. artigo 1.ºdo CIRE). J) A universalidade do processo de insolvência justifica a exclusividade da instância insolvencial para reclamação de créditos e, sobretudo, que seja assegurada a igualdade dos credores da insolvência, sendo vedada a possibilidade de tratamento desfavorável de um credor em relação aos demais (cfr. artigo 194.º do CIRE). K) É precisamente para garantir a igualdade dos credores que o legislador atribui determinadas prerrogativas ao administrador de insolvência, conferindo-lhe a gestão da massa insolvente e, no que aqui releva, a legitimidade processual para propor ações em benefício da generalidade dos credores (cfr. Acórdão- fundamento). L) Admitir – como pretende o Tribunal a quo – que na pendência da insolvência da sociedade dominada um credor proponha ação contra a sociedade dominante para satisfação do seu crédito sobre a primeira viola inquestionavelmente o princípio da igualdade dos credores, uma vez que (i) viabiliza que um credor seja satisfeito antes dos demais, sem consideração pelas regras de graduação de créditos; e (ii) implica que o valor da massa insolvente seja influenciado negativamente em consequência da atuação desse credor. M) Acresce que a interpretação feita pelo Tribunal a quo não tem um mínimo de correspondência verbal no texto do preceito, que prevê expressamente a exclusiva legitimidade do administrador da insolvência para propor essas ações, sem prever qualquer exceção, violando as regras interpretativas previstas no artigo 9.º, n.º 2 e 3, do Código Civil, e colidindo frontalmente com os princípios da segurança e certeza jurídica. N) Na verdade, o Tribunal a quo sustentou não a interpretação extensiva do artigo 82.º, n.º 3, alínea c), do CIRE – já que a interpretação extensiva deve ter um mínimo de suporte na letra da norma –, mas sim uma interpretação ab-rogante da norma, negando o seu sentido e valor. O) Sucede que, in casu, não se verifica a inultrapassável contradição intra-sistemática que justifica a interpretação ab-rogante, sendo a solução prevista na alínea c) do n.º 3 do artigo 82.º perfeitamente coerente com o sistema insolvencial em que se insere, conforme repetidamente afirmado quer pela doutrina, quer pela jurisprudência. P) A interpretação sustentada pelo Tribunal a quo revela-se ainda mais ilógica quando se considere que, perante a inércia do administrador da insolvência em propor a ação prevista no artigo 82.º, n.º 3, alínea c), do CIRE, os credores sempre terão ao seu dispor mecanismos de responsabilização do administrador de insolvência, designadamente o mecanismo previsto no artigo 59.º do CIRE. Q) Acresce que ao credor é apenas vedada a possibilidade de propor ação contra o responsável legal pelas dívidas do insolvente, mas já não a possibilidade de reclamar os seus créditos contra o insolvente, em sede própria – como fez o Recorrido, encontrando-se pendente a ação por si proposta contra antigos administradores comuns da P..., S.A. e do BPP (Proc. n.º 6164/09.0TVLSB), onde se discutem os factos fundamento das pretensões indemnizatórias do Recorrido nos presentes autos. R) Além de ilegal e injustificada, a interpretação sustentada pelo Tribunal a quo, nos termos da qual “o artigo 82.º, n.º 3, alínea c), do CIRE permite que o credor proponha ações contra os responsáveis legais pela dívida do insolvente sempre que haja inércia do administrador da insolvência” é inconstitucional, por violação do princípiodaigualdade consagradonoartigo13.ºdaConstituição,emconcreto, do sub-princípio par conditium creditorum, e por violação do princípio da segurança e certeza jurídica, consagrados no artigo 2.º da Constituição. S) Não obstante, ainda que a interpretação do artigo 82.º, n.º 3, alínea c), do CIRE adotada pelo Tribunal a quo fosse legítima – o que não se concede e apenas se equaciona por elevado dever de patrocínio –, ainda assim não estariam verificados os pressupostos de que, segundo o próprio Tribunal a quo, depende a improcedência da exceção de ilegitimidade processual do Recorrido. T) Com efeito, o Recorrido não alegou nem muito menos demonstrou estarem preenchidos os dois pressupostos cumulativos exigidos pelo Tribunal a quo: (i) a inércia do administrador de insolvência em propor a ação de responsabilidade civil contra a sociedade dominante, aqui INSOLVENTE; e (ii) o esgotamento de todos os meios legais alternativos ao seu dispor para tutelar o seu interesse. U) Prova essa que, em abono da verdade, nunca o Recorrido poderia ter feito, já que (i) em momento algum abordou a Recorrente, sequer informalmente, sobre a sua pretensão de que esta propusesse ação contra a INSOLVENTE; e (ii) o seu direito de crédito encontra-se perfeitamente acautelado através da ação por si intentada contra antigos administradores comuns da P..., S.A. e do BPP. V) Por fim, o Tribunal a quo incorreu em excesso de pronúncia ao alegar (em substituição do Recorrido), que entendeu ainda o Tribunal a quo que “na situação em apreço, ao autor não restaria qualquer outro meio processual senão,diretamente, a instauração da presente ação, pois oórgão de administração da invocada sociedade dominada – o BPP SA – seguramente não o faria.” W) Com efeito, o Recorrido não invocou nem demonstrou, em momento algum, que a sua legitimidade processual ativa para a propositura da presente ação se fundava na inércia do administrador da insolvência, nem que se tinham esgotado (ou, sequer, que inexistiam) meios alternativos para fazer valer o seu interesse creditório. X) Sendo que, de acordo como sustentado peloTribunalaquo, essesseriamfactos constitutivos do direito que, agora, reconheceu ao Recorrido e cuja prova e alegação cabia única e exclusivamente ao Recorrido por força do disposto no artigo 5.º, n.º 1, do CPC e 342.º do Código Civil. Y) Não tendo o Recorrido cumprido o ónus de alegação e prova quanto aos aludidos factos e, em especial, não tendo nunca alegado que da contestação apresentada pela Recorrente decorria o preenchimento dos pressupostos de que, na tese do Tribunal a quo, depende a legitimidade processual ativa do Recorrido, não pôde a Recorrente pronunciar-se quanto aos mesmos, tendo- lhe sido vedado o exercício do seu direito ao contraditório conferido pelo artigo 3.º, n.º 3, do CPC, constituindo a decisão recorrida uma decisão surpresa. Z) Assim, tendo-se o Tribunal a quo pronunciado sobre questões que não se encontravam no âmbito do objeto do recurso interposto pelo Recorrido e que não eram de conhecimento oficioso, em violação do princípio do contraditório e do princípio do dispositivo, o acórdão padece de nulidade, por excesso de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 615.º, n.º1, alínea d)en.º4, última parte,aplicáveisex viartigo666.º, n.º1, todos do CPC. Contra-alegou o A. apresentando as seguintes conclusões: A. A Recorrente - credora identificada nos autos e administradora de insolvência do Banco Privado Português, S.A., em liquidação (BPP) - justifica o recurso com base numa alegada existência de contradição de julgados. B. O acórdão fundamento refere que, em abstrato, o administrador de insolvência tem exclusiva legitimidade para propor as ações judiciais contra a sociedade dominante, na qualidade de responsável legal pelas dívidas da sociedade dominada. C. No acórdão fundamento não se equaciona a situação dos presentes autos, em que o administrador de insolvência da insolvente/sociedade dominada, por inércia, não reclama da sociedade dominante os créditos em causa. D. No acórdão recorrido, também se aceita que, em tese, a legitimidade cabe ao administrador de insolvência da insolvente, mas afasta a exclusividade dessa representação quando tal entidade, por inércia (ou falha de qualquer outra natureza), não atua no sentido do interesse do credor, como é o presente caso: Razão pela qual se conclui em sentido divergente daquela decisão, sendo que, no caso, resulta à evidência da contestação apresentada pela comissão liquidatária do BPP SA que este órgão de administração nunca intentaria, ao abrigo do art. 82. ° n°3, alínea c), qualquer ação contra a ora devedora insolvente, enquanto sociedade dominante e nos moldes equacionados pelo autor porquanto, basicamente, sustenta inexistir fundamento para responsabilizar qualquer das sociedades — cfr. nomeadamente, os arts. 30."a 32."da contestação. Ou seja, está sobejamente demonstrado que, na situação em apreço, ao autor não restaria qualquer outro meio processual senão, diretamente, a instauração da presente ação. pois o órgão de administração da invocada sociedade dominada - o BPP SA - seguramente não o faria. E. Pelo exposto, os objetos dos acórdãos em confronto não se sobrepõem, não havendo contradição de julgados, porque o acórdão recorrido debruça-se sobre uma situação particular que não foi tida em conta pelo acórdão fundamento. F. Assim sendo, não há contradição de julgados e o recurso não é admissível, não se inscrevendo no âmbito da previsão do artigo 14.° do CIRE e do art. 629.°, n.° 2, alínea d), do CPC. G. A Insolvente BPP, representada pelo seu administrador de insolvência Comissão Liquidatária do Banco Privado Português, S.A.4 - não propôs, nem proporá, qualquer ação destinada a satisfazer os interesses do A., ora Recorrido, como decorre dos arts. 30.° a 32.° da sua contestação e, em geral, da sua posição processual, no sentido de que a pretensão do A. deve ser sempre julgada totalmente improcedente (cfr. contestação apresentada). É isso mesmo que justamente sublinha o acórdão recorrido no trecho já acima transcrito na conclusão D. H. Neste contexto, pretender que o A. não tem legitimidade para propor a presente ação é, no mínimo, estranho, porque faria da ora Recorrente o juiz dos direitos do A., sem que este pudesse reagir contra a sua posição, que é sabido ser desfavorável aos interesses do A.. I. É certo que a Recorrente vem sustentar que o A. já tem uma ação proposta contra outros responsáveis pelos danos que lhe foram causados e que, no limite, pode agir contra o administrador de insolvência que falhe no seu dever de propor as ações judiciais que lhe caibam propor. J. Porém, tal argumento é insubsistente, porque, como é evidente, o que está em causa é o direito do A. a reclamar da sociedade dominante - da sua massa insolvente, uma vez que a mesma foi declarada insolvente - o direito de que se arroga, não estando garantido que possa satisfazer esse seu crédito contra os outros responsáveis e, muito menos, contra o administrador de insolvência do BPP, até por insuficiência do respetivo património. K. O art. 82.°, n.° 3, ai. c), do CIRE não pode, por isso, ter a leitura que a Recorrente dele faz, porque, à luz do espírito de tal preceito legal, devidamente conjugado com as restantes normas do CIRE, considerando ainda a unidade do sistema jurídico, não é concebível que o legislador impeça um credor de, arrogando-se titular de um direito subjetivo que a lei lhe reconhece, instaurar a respetiva ação judicial diretamente contra quem considera ser responsável pela satisfação do seu direito de crédito, razão pela qual o A. se louva no bem fundamentado acórdão recorrido. DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ENTENDIMENTO NORMATIVO PERFILHADO PELA RECORRENTE — L. Entende a Recorrente que, nos termos do art. 83.°, n.° 2, ai. c), do CIRE, devidamente conjugado com o art. 6.°, n.° 2, do mesmo Código, a legitimidade para propor ação judicial contra a sociedade dominante na qualidade de responsável legal pelas dívidas da sociedade dominada, sendo a sociedade dominada insolvente, durante a pendência do processo de insolvência, apenas cabe ao respetivo administrador de insolvência em todas e quaisquer circunstâncias - mesmo que esteja evidenciado que tal AI não exerce nem pretende exercer tais poderes ou que tal AI a isso se opõe (como é o caso dos autos). M. Salvo melhor opinião, tal entendimento normativo é inconstitucional, porque viola grosseiramente o direito do A. a uma tutela jurisdicional efetiva, tal como se encontra constitucionalmente consagrada no art. 20.° da CRP. N. Com efeito, seria inamissível, à luz dos princípios que regem a nossa ordem jurídica, colocar nas mãos do AI o exercício do direito de que se arroga o credor, designadamente quando o AI se opõe a tal exercício, por entender que a esse credor não cabe tal direito. O. Esse entendimento normativo colocaria nas mãos do administrador de insolvência o poder absoluto de recusar a satisfação da pretensão do credor, sem lhe permitir o direito a que essa apreciação e julgamento caibam a um tribunal independente, como impõe o princípio do processo equitativo (art. 20.°, n.° 4, da CRP e art. 6.°, n.°l, da CEDH). Notificados nos termos e para os efeitos do artigo 655º, nº 1, do Código de Processo, veio a recorrente referir que: 1. Em 09/04/2024, a ora Recorrente interpôs recurso de revista2 do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 19/03/20243, que, julgando procedente o recurso interposto pelo Autor, ora recorrido, considerou não verificada a exceção dilatória de ilegitimidade processual ativa invocada pela Recorrente na Contestação. 2. O recurso interposto pela Recorrente fundou-se na contradição entre a interpretação sustentada pelo Tribunal a quo – no sentido de se justificar uma interpretação teleológica do artigo 82.º, n.º 3, alínea c), do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (“CIRE”), nos termos da qual “o artigo 82.º, n.º 3, alínea c), do CIRE permite que o credor proponha ações contra os responsáveis legais pela dívida do insolvente sempre que haja inércia do administrador da insolvência” – e a interpretação seguida pelo Tribunal da Relação do Porto, em recente acórdão de 04/04/2022 (Processo n.º 5038/20.9T8MTS.P1). 3. A Recorrente demonstrou estarem preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso exigidos pelo artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, justamente por se verificar manifesta contradição entre acórdãos proferidos por tribunais da Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, não cabendo recurso ordinário de revista por motivo estranho à alçada do tribunal. 4. Porém, por despacho de 14/06/2024, antecipou este douto Tribunal que “não haverá lugar ao conhecimento do objecto do recurso”, uma vez que “o artigo 629º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil apenas seria aplicável in casu se o recurso de revista, neste tipo de acção, se encontrasse excluído por força de disposição legal especial que impedisse o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça”. 5. Ora, salvo o devido respeito, entende a Recorrente que a interpretação restritiva do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC sustentada pelo douto Tribunal não encontra respaldo na letra nem no espírito da lei, inexistindo qualquer obstáculo ao conhecimento do objeto do recurso interposto pela Recorrente. Se não, vejamos: 6. O artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, prevê o seguinte: “Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.”. 7. A letra do preceito é clara, fixando um regime de recorribilidade absoluta de decisões que contrariem decisões proferidas por tribunal da Relação, em que o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça está vedado por razões diversas da alçada do tribunal. 8. O preceito em análise não exige – como sustenta este Tribunal – que o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça esteja vedado por imposição de norma especial, mas tão-só que a irrecorribilidade da decisão não se funde no valor da alçada do tribunal. 9. A hipótese aventada por este Tribunal não tem, pois, apoio na letra da lei, tratando-se de uma visão restritiva que não reconstitui sequer o pensamento legislativo. 10. Com efeito, a intenção do legislador ao prever a admissibilidade de recurso do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação foi, muito claramente, a de evitar a propagação de decisões contraditórias, permitindo o acesso ao terceiro grau de jurisdição nos casos em que esse acesso estaria, em regra, vedado, 11. Mas, em todo o caso, garantir que o Supremo Tribunal de Justiça não é chamado a decidir questões de valor diminuto, inferior à alçada (e por aí se justifica a exigência de que o motivo de irrecorribilidade seja estranho à alçada). 12. Com efeito, analisado o sistema de recursos nacional – designadamente, os fundamentos de recurso previstos no artigo 671.º, n.º 2, alínea b) e 672.º, n.º 1, alínea c), do CPC –, resulta evidente a preocupação do legislador em evitar divergências jurisprudenciais, precisamente porque a existência de tais divergências coloca em crise os princípios da igualdade e segurança jurídica, que são princípios basilares de um Estado de direito. 13. Conforme este douto Supremo Tribunal já explicou, a recorribilidade das decisões fundada na existência de conflitos jurisprudenciais tem “uma razão de ordem teleológica que se prende com a finalidade do referido mecanismo, no sentido de visar uma uniformização não prioritariamente colimada à justiça de cada caso concreto, mas destinada a evitar a propagação, em escala, do erro de direito judiciário pela ordem jurídica, como garantia do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei na sua conjugação com o princípio da independência e liberdade interpretativa do julgador, na linha da directriz do n.º 3 do art.º 8.º do CC”. 14. A este respeito, veja-se JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS6, referindo que “vinculando o princípio da igualdade os próprios tribunais e resultado do artigo 2.º os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, é duvidoso que, ao contrário do que parece resultar dos Acs. n.os 574/98 e 261/02, se possa afirmar simplesmente que não existe na Constituição um princípio que aponte, dentro do processo civil, para a consagração de um regime de uniformização de jurisprudência (…)”. 15. Ora, a alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC visa precisamente consagrar um regime de uniformização de jurisprudência nos casos em que não é admissível recurso de revista – i.e., além do âmbito de aplicação dos artigos 671.º, n.º 2, alínea b) e 672.º, n.º 1, alínea c) do CPC. 16. Atendendo à teleologia da referida norma, qual a justificação para sustentar que o regime de uniformização de jurisprudência previsto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC apenas pode ser acionado “nas situações em que norma especial impõe, como regra, a inadmissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”? 17. Salvo o devido respeito, não consegue a Recorrente compreender por que razão seria admissível a resolução de conflito jurisprudencial entre acórdãos da Relação no contexto de procedimentos cautelares ou recursos em processo executivo – em que há efetivamente uma norma especial que veda o recurso ao Supremo Tribunal de Justiça –, mas já não no contexto de processos comuns em que a lei veda o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, como é o caso dos autos. 18. Não foi nitidamente essa a intenção do legislador, já que redundaria numa injustificada discriminação entre cidadãos. 19. Assim, a preocupação do legislador foi tão-só evitar a existência de contradições jurisprudenciais, pretensão que tem igual pertinência no âmbito de processos especiais e processos comuns. 20. Por conseguinte, a interpretação da alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC no sentido de “o artigo 629º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil apenas ser aplicável se o recurso de revista se encontrar excluído por força de disposição legal especial que impeça o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça” é inconstitucional, por violação dos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança, da igualdade, da proporcionalidade e do direito de acesso aos tribunais ou princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrados nos artigos 2.º, 13.º, 18.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa. 21. Em face do exposto, dúvidas não restam de que o artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC prevê um mecanismo de recorribilidade absoluta e automática da decisão de Tribunal da Relação que seja irrecorrível nos termos gerais (por motivo estranho à alçada) e que esteja em contradição com outro proferido no âmbito da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, independentemente da natureza do processo. 22. Nesse sentido, vide o claríssimo entendimento de RAMOS DE FARIA e LUÍSA LOUREIRO: “O preceito aplica-se aos casos em que a causa tem valor que permite o recurso, estando este vedado por motivo estranho à alçada do Tribunal. […] os antecedentes históricos da norma e os próprios termos do seu enunciado contido na alínea (já não no proémio), devem concluir que aqui não se prevê apenas um fundamento de admissibilidade do recurso “independentemente do valor da causa e da sucumbência”, mas sim um fundamento de admissibilidade absoluta do recurso, ou seja, de admissibilidade independente dos valores referidos no n.º1, como resulta do mencionado proémio, e independente do motivo especial (estranho da alçada) de irrecorribilidade a que o acórdão estaria sujeito”. 23. Também ABRANTES GERALDES perfilha de tal entendimento, explicando que a solução contida na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º foi motivada “pelo objetivo de possibilitar a interposição de recurso de revista, quando o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça esteja vedado por razões estranhas à alçada da Relação, ou seja, em que o único impedimento a tal recurso se funde em motivos de ordem legal estranhos à interseção entre o valor do processo e o valor da alçada da Relação”. 24. ABRANTES GERALDES refere ainda que “Com a solução consagrada no art. 672.º, n.º1, al. c) [(“à semelhança do que, fora dos casos de dupla conforme, decorre do art. 629.º, n.º2, als. c) e d)” - nota de rodapé 630)], o objetivo da uniformização jurisprudencial é prosseguido de forma ainda mais lata, na medida em que, para efeitos de acesso ao Supremo, é valorizada a mera contradição entre o acórdão da Relação de que se pretende interpor recurso e o de qualquer outra Relação ou do Supremo relativamente à mesa questão de direito que tenha sido essencial para ambos os arestos em confronto. (...) Concedendo-se ao interessado o direito de aceder ao Supremo, mediante a invocação da jurisprudência contraditória ainda não sanada por acórdão uniformizador, o legislador deu um forte impulso no sentido de incremento dos acórdãos de uniformização que são potenciadores de maior segurança e previsibilidade em relação às questões de direito neles versadas”. 25. A propósito das decisões que não determinam o termo do processo e, portanto, não enquadráveis na revista ordinária do artigo 671.º, n.º 1 do CPC, ABRANTES GERALDES refere ainda o seguinte: “Assim, sem embargo dos casos em que o recurso seja sempre admissível, estão excluídos do âmbito da revista: a) Os acórdãos da Relação que, revogando a sentença que absolveu o réu da instância, determinem o prosseguimento dos autos”. 26. Já na jurisprudência, veja-se, a título exemplificativo, o recente acórdão deste Supremo Tribunal de 08/02/2024, Proc. n.º 10730/21.8T8SNT.L1-A.S1, em que se lê o seguinte: “Não se tratando de nenhum caso em que o recurso é sempre admissível (n.º 2 do artigo 629.º) nem de recurso interposto de acórdão da Relação que tenha conhecido de um recurso interposto de decisões interlocutórias da 1.ª Instância em matéria processual (n.º 2 do artigo 671.º), a admissibilidade da revista afere-se pelo disposto no n.º 1 do mesmo artigo 671.º.”. 27. Acresce que, no caso concreto, a hipótese ventilada pelo douto Tribunal redundaria numa situação efetiva de desigualdade entre as Partes. 28. É que, de acordo com tal interpretação, a Recorrente não pode lançar mão de recurso de revista ordinário, porquanto no acórdão recorrido não se conhece do mérito da causa nem se põe termo ao processo, não sendo, pois, aplicável o fundamento de revista ordinária contido no artigo 671.º, n.º 1, do CPC, 29. E não poderá também lançar mão do recurso de revista extraordinário previsto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), por inexistir norma especial que vede o recurso ao Supremo Tribunal de Justiça. 30. Mas, tivesse o tribunal de 1.ª instância decidido a favor do Recorrido (julgando improcedente a exceção dilatória invocada pela Recorrente) e tivesse o Tribunal da Relação revertido tal decisão (julgando procedente a exceção dilatória invocada pela Recorrente), poderia o Recorrido livremente sindicar esse acórdão, nos termos gerais do artigo 671.º, n.º 1, do CPC. 31. Isto é, se a situação fosse diametralmente oposta, ao Recorrido seria reconhecido mais um grau de jurisdição, ao passo que à Recorrente esse grau é negado – e isto, note-se, quando a Recorrente apenas pretende ver resolvida uma clara contradição jurisprudencial. 32. Uma tal situação de desigualdade não poderá, naturalmente, ser admitida pelo douto Tribunal. 33. Por outro lado, importa sublinhar que a jurisprudência invocada pelo douto Tribunal no despacho de 14/06/2024 não é “absolutamente uniforme, clara e inequívoca”. 34. Com efeito, grande parte da jurisprudência convocada pelo Tribunal não se pronuncia sobre a exigência de norma especial que vede o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça para efeitos de admissibilidade do recurso previsto na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC. 35. A título exemplificativo, vide o acórdão referido pelo Tribunal de 11/11/2014, Proc. n.º 542/14.0YLSB.L1.S1, em que o Supremo Tribunal de Justiça concluiu pela inadmissibilidade do recurso proposto, mas apenas por inexistir contradição jurisprudencial entre os acórdãos da Relação invocados: “Verificando-se o primeiro e quarto requisitos, já o mesmo não ocorre quanto ao segundo e ao terceiro, ou seja, quanto à identidade da situação que subjaz a cada uma das decisões e à contradição do acórdão recorrido com o acórdão fundamento”. 36. Já nos processos n.os 23829/15.8T8LSB-A.L1.S1, 17315/16.9T8PRT.L3.S1,2498/03.6TTPRT-D.P1.S1, 810/13.9LSD.P1.S1, o objeto do recurso centrou-se na necessidade, para aplicação do fundamento de recurso contido na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC, de a decisão preencher os requisitos quantitativos previstos no n.º 1 desse preceito, maxime, o valor da alçada – questão que não se coloca in casu. 37. Note-se ainda que a jurisprudência invocada pelo Tribunal reconhece que i artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC estabelece um fundamento de recorribilidade absoluta, referindo-se que: “Invocando o recorrente a revista excecional e a revista (normal) por força do disposto no art. 671, nº 2 al. a) e 629, nº 2 al. d) do CPC, temos que se trata de incongruência. Ou se verificam os requisitos enunciados no art. 629, nº 2, al. d) do CPC e o recurso é sempre admissível sem necessidade de lançar mão à possibilidade de revista excecional, ou não se verificam e, aí, pode alegar os requisitos da revista excecional e aguardar o veredicto da Formação. Ou seja, a dupla conforme não é obstáculo ao recurso de revista, “nos casos em que o recurso é sempre admissível””. Por sua vez, 38. Os artigos 629.º, n.º 2, alínea d), 671.º, n.º 2 e 672.º, n.º 1, alínea c) do CPC partilham da mesma teleologia: a eliminação de contradições jurisprudenciais em casos em que o recurso não seria admissível. 39. Importa, por isso, atender ao regime previsto no artigo 671.º, n.º 2, do CPC, que versa sobre a recorribilidade dos acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que se debruçam unicamente sobre a relação processual. 40. Ora, nos termos do n.º 1, do artigo 671.º do CPC o recurso de tais decisões é, regra geral, inadmissível, porquanto (i) versam sobre questões de direito adjetivo e não de mérito, e (ii) não põem termo ao processo. 41. Neste sentido, vide LEBRE DE FREITAS, et.al15, referindo que “[o] Código é extremamente restritivo, porquanto estabelece como regra a irrecorribilidade de tal acórdão”. 42. Contudo, estamos perante uma “regra que não é absoluta e para a qual foram estipuladas duas vias excecionais”, previstas no n.º 2 do artigo 671.º do CPC. 43. Isto é, os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que se debruçam unicamente sobre a relação processual podem ser excecionalmente recorríveis “a) nos casos em que o recurso é sempre admissível” e “b) quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.” 44. Para o caso sub judice, é pertinente o regime excecional previsto na alínea a) do n.º 2, do artigo 671.º do CPC, na medida em que remete, precisamente, para os casos de recorribilidade absoluta previstos no n.º 2 do artigo 629.º do CPC, maxime, para o caso previsto na alínea d) desse preceito. 45. Veja-se, a este respeito, RAMOS DE FARIA e LUÍSA LOUREIRO17, explicando que “[e]merge com clareza do enunciado legal que a irrecorribilidade dos acórdãos da Relação que, apreciando decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual, não ponham fim ao processo - irrecorribilidade que resulta do n.º 1 - não se aplica nos casos previstos no art. 629º, nº2”. 46. No mesmo sentido, LEBRE DE FREITAS18, et.al., referindo que “[a] circunscrição literal do conflito de jurisprudência, na alínea b), à oposição com um acórdão do STJ repousa na ideia de que a remissão da alínea a) é feita, inclusivamente, para a alínea d) do art. 629-2, que literalmente apenas prevê a oposição entre acórdãos da Relação.”. 47. Ora, a remissão da alínea a) do n.º 2 do artigo 671.º do CPC para o n.º 2 do artigo 629.º do CPC (i.e., para todas as alíneas deste preceito) demonstra claramente que o legislador configurou, neste último preceito, um mecanismo de recorribilidade absoluta, já que essa remissão é incondicional, não dependendo do preenchimento de quaisquer requisitos adicionais. 48. Mas mais: a aludida remissão demonstra que a interpretação sustentada por este douto Tribunal da alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC, no sentido de a aplicação desse preceito depender de o recurso ao Supremo Tribunal de Justiça ser vedado por norma especial, redundaria numa insustentável incoerência sistemática. 49. Com efeito, a ser assim, os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que se debruçam unicamente sobre a relação processual apenas seriam recorríveis nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 671.º do CPC caso existisse uma norma especial que vedasse a sua recorribilidade. 50. Porém, a irrecorribilidade é imposta por uma regra geral (cfr. artigo 671.º, n.º 1, do CPC), inexistindo norma especial que vede a recorribilidade. 51. Assim, inexistindo uma norma especial de irrecorribilidade de acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que se debruçam unicamente sobre a relação processual, a tese aventada pelo douto Tribunal conduziria a que a aplicação da alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC a estes casos fosse virtualmente impossível, 52. O que, naturalmente, não foi o que pretendeu o legislador, ao remeter expressamente para esse regime através da alínea a) do n.º 2 do artigo 671.º do CPC, 53. Redundando a interpretação do Tribunal na inutilidade de tal remissão e numa intolerável dislexia legal. 54. Por conseguinte, também o elemento sistemático e de unicidade do sistema processual civil revelam que a alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC estabelece uma via de recurso absoluta nos casos cuja irrecorribilidade em sede de recurso ordinário é motivada por razões alheias à alçada, sejam elas quais forem. Em suma, 55. Inexistem fundamentos que obstem ao conhecimento do objeto do recurso, estando verificado o fundamento de admissibilidade do recurso contido na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC, i.e., o acórdão recorrido está em contradição com acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 04/04/2022, Proc. n.º 5038/20.9T8MTS.P119 (“acórdão-fundamento”), no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, não cabendo recurso ordinário de revista (por não estarem verificados os pressupostos contidos no artigo 671.º, n.º 1, do CPC). 56. Encontram-se, assim, preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso exigidos pelo artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, devendo a presente revista ser admitida. Por seu turno, o recorrido louvou-se na posição assumida singularmente pelo relator. Apreciando liminarmente da admissibilidade da presente revista. O presente recurso de revista segue o regime (geral) previsto no artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil, em conformidade com o disposto no artigo 17º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (vulgo CIRE) – e não o regime especial de admissibilidade da revista previsto no artigo 14º, nº 1, do CIRE -, uma vez que a decisão de 1ª instância não foi proferida (endogenamente) no âmbito do processo de insolvência, mas num dos seus apensos (concretamente na acção de verificação ulterior de créditos instaurada pelo A. nos termos do artigo 146º do CIRE). (Neste sentido, e seguindo a jurisprudência absolutamente firme e consolidada do Supremo Tribunal de Justiça, vide o acórdão de uniformização de jurisprudência nº 13/2023, de 27 de Outubro de 2023, publicado in Diário da República, 1ª Série, nº 225, de 23 de Novembro de 2023). Acontece que o acórdão recorrido ao considerar, contrariamente ao decidido em 1ª instância, assistir ao A. legitimidade activa para instaurar a presente acção, não constituiu uma decisão final (de fundo ou de forma). Não se verifica, nestes termos, o requisito essencial para a admissibilidade da revista consignado no nº 1, do artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil, não sendo assim, por esse mesmo motivo, o recurso admissível. (Sobre este ponto, vide Abrantes Geraldes in “Recursos em Processo Civil”, Almedina 2022, 7ª edição, a página 404). Por outro lado, o artigo 629º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil apenas seria aplicável in casu se o recurso de revista, neste tipo de acção, se encontrasse excluído por força de disposição legal especial que impedisse o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça. Com efeito, o dispositivo constitui a recuperação do artigo 678º, nº 4 do Código de Processo Civil de 1961 (introduzido pelo Decreto-lei nº 329-A/95 de 12 Dezembro), promovida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, face à sua anterior eliminação pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto. Abre-se aqui a possibilidade de interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos em que se demonstre a existência de contradição de julgados entre acórdãos da Relação ou entre um acórdão da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça (por maioria de razão), quanto à mesma questão fundamental de direito, sendo que este normativo tem aplicação nas situações em que norma especial impõe, como regra, a inadmissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (vide, a este propósito, as situações típicas previstas nos artigos 370º, nº 2 (procedimentos cautelares); 854º (recursos em processo executivo); 988º, nº 2, do Código de Processo Civil (decisões proferidas com base em critérios de oportunidade e conveniência em processos de jurisdição voluntária); no artigo 45º, nº 3, do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-lei nº 110/2018, de 10 de Dezembro; no artigo 65º, nº 2, do Código das Expropriações (relativamente à fixação do montante das indemnizações a pagar pela entidade expropriante). Paralelamente em matéria de insolvência, e relativamente às decisões proferidas nesse âmbito e dos respectivos embargos (não incluindo, portanto, as proferidas em processos tramitados por apenso ao processo de insolvência, como é o caso), vigora em termos especiais o artigo 14º, nº 1, do CIRE, assente igualmente na excepcionalidade do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, salvo o caso de contradição de julgados. Note-se que a revisão do Código de Processo Civil introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, não quis assumidamente introduzir modificações estruturais ou sensíveis na grande reforma em matéria de regime dos recursos civis empreendida pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto. Embora renascendo a consagração da contradição de julgados como fundamento da admissibilidade do recurso de revista no artigo 629º, nº 2, alínea d), do CPC, tal redundou afinal numa abertura tímida e muitíssimo limitada, encontrando-se reservada apenas, como se disse, para os casos em que exista norma especial de irrecorribilidade para o STJ. Ou seja, o próprio âmbito do artigo 629º, nº 2, alínea d), do CPC é assumidamente restrito e não genérico, não bulindo com o novo espírito corporizado na reforma (esta sim muito significativa) introduzida no panorama jurídico nacional pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto. (Sobre esta concreta temática do âmbito limitado de aplicação do artigo 629º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil, e entre muitos outros, vide a seguinte jurisprudência absolutamente uniforme, clara e inequívoca: - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 2015 (relator Gabriel Catarino), proferido no processo nº 3709/12.2YYPRT.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 2014 (relator Abrantes Geraldes), proferido no processo nº 542/14.0YLSB.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt; - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Junho de 2021 (relator Luís Espírito Santo), proferido no processo nº 92/13.2TBPNC-F.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt; - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Outubro de 2020 (relator Oliveira Abreu), proferido no processo nº 824/17.0T8PTL-A.G1.A.S1, publicado in www.dgsi.pt; - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 2021 (relatora Fátima Gomes), proferido no processo nº 25585/19.6YIPRT.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt; - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 2021 (relatora Clara Sottomayor), proferido no processo nº 1320/17.8T8CBR.C1-A.S1, publicado in www.dgsi.pt; - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Abril de 2021 (relator Jorge Dias), proferido no processo nº 23839/15.8T8LSB-A.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt; - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Março de 2022 (relator Ricardo Costa), proferido no processo nº 17315/16.9T8PRT.L3.S1, publicado in www.dgsi.pt; - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 2021 (relatora Leonor Rodrigues), proferido no processo nº 2498/03.6TTPRT-D.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt; - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Fevereiro de 2018 (relatora Rosário Morgado), proferido no processo nº 810/13.9LSD.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt). Ora, como se salientou supra, na situação sub judice o recurso de revista está sujeito, nos termos do artigo 17º, nº 1, do CIRE, ao regime geral, inexistindo norma especial de irrecorribilidade que impeça, em termos gerais, o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça. Logo, a decisão judicial proferida pelo Tribunal da Relação que considera o A. parte legítima para prosseguir, nessa qualidade, a causa, não sendo uma decisão final, não é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça. Dir-se-á relativamente às alegações da recorrente apresentadas aquando da sua notificação nos termos e para os efeitos do artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil: 1º - A admissibilidade da revista com base em contradição de julgados entre acórdãos dos Tribunais da Relação (e, por maioria de razão, entre um acórdão do Tribunal da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça), encontra-se desde logo assegurada por via da revista excepcional, ao abrigo do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 672º do Código de Processo Civil. É esse o meio processual próprio para a parte ver dilucidada e ultrapassada junto do Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito dos recursos ordinários, a contradição jurisprudencial sobre questão jurídica essencial cuja apreciação em 2ª instância tenha sido desfavorável. 2º - Assim sendo, entende-se perfeitamente que o âmbito e alcance da alínea d) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil, se encontre unicamente reservado para as situações em que, por força de disposição legal especial, se encontra vedado o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, inviabilizando-se logicamente a possibilidade de superação de uma situação de contradição jurisprudencial nesses casos (não havendo por norma revista, a contradição de julgados manter-se-á definitivamente, imune a qualquer pronúncia, oportuna e esclarecedora, por parte do Supremo Tribunal de Justiça). 3º - O que resulta nitidamente dos antecedentes históricos da norma processual em referência, que foram, em súmula, expostos supra, e que explicam precisamente a sua razão de ser e alcance. 4º - Havendo a recorrente invocado a posição de Abrantes Geraldes sobre este ponto concreto, convém atentar no que o mesmo autor escreve in “Recursos em Processo Civil”, Almedina 2022, 7ª edição, a página 61. Pode ler-se: “Foi, pois, reintroduzida a possibilidade de serem dirimidas pelo Supremo Tribunal de Justiça contradições jurisprudenciais emergentes do confronto de acórdãos da Relação em casos em que, apesar de o valor do processo ser superior à alçada da Relação, se encontra vedado ou condicionado o recurso de revista, por imposição de outra norma legal. Os casos paradigmáticos emergem dos procedimentos cautelares (artigo 370º, nº 2) ou dos processos de jurisdição voluntária (artigo 988º, nº 2) (…)” (sublinhado nosso). 5º - Logo, não faz sentido a alusão ao pretenso regime de “recorribilidade absoluta” de decisões de 2ª instância que contrariassem outras proferidas igualmente pelo Tribunal da Relação, o que deixaria ser campo de aplicação ou utilidade prática a previsão do artigo 672º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil. Se assim fosse – como a recorrente, no fundo, pretende – houvesse ou não a constituição de dupla conforme nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil -, a decisão seria, sempre e em qualquer circunstância (nos termos da dita figura da recorribilidade absoluta), recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça com fundamento em contradição de julgados, o que não deixaria de constituir, em termos sistemáticos, um evidente paradoxo a padecer do respaldo legal necessário. 6º - Mais se refira que não está aqui em causa o preenchimento da previsão normativa do artigo 671º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Civil, a qual exigiria a apresentação de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça como acórdão fundamento e não de um acórdão do Tribunal da Relação (que foi o que a recorrente fez juntar aos autos para este mesmo efeito um acórdão do Tribunal da Relação do Porto). Este é, neste tocante, o enquadramento legal que foi devidamente pensado e especificado pelo legislador, a que há necessariamente que atender, independentemente do entorse constituído pela confusa remissão que está consignada – de forma infeliz em termos da sua generalização – na alínea a) do nº 2 do artigo 671º do CPC, proporcionando a (despropositada) avocação neste caso da alínea d) do nº 2 do artigo 629º do CPC – quando se exige selectivamente a contradição com um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, não pode logicamente, para este mesmo efeito, bastar a contradição com um acórdão do Tribunal da Relação (estando apenas em causa a recorribilidade de decisões interlocutórias). 7º - Note-se, a este propósito, que a própria recorrente baseou o seu recurso de revista no disposto “nos artigos 615.º, n.º 1, alínea d) e n.º 4, aplicável ex vi artigo 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (“CPC”), artigos 629.º, n.º 2, alínea d), 631.º, n.º 1, 637.º, 638.º, n.º 1 e 674.º, alínea b), do CPC aplicáveis ex vi artigo 17.º, n.º 1 do Código do Insolvência e Recuperação de Empresas (“CIRE”) e artigo 14.º, n.º 5 do CIRE” (sic), sem nunca fundar essa mesma recorribilidade no preceituado no artigo 671º, nº 2, do Código de Processo Civil, relativo a decisões interlocutórias apreciados pelo Tribunal da Relação (contrariamente ao que parece agora – tardiamente – procurar fazer na peça processual em análise). 8º - Relativamente à afirmação/dúvida colocada pelo recorrente no sentido de que “não consegue a Recorrente compreender por que razão seria admissível a resolução de conflito jurisprudencial entre acórdãos da Relação no contexto de procedimentos cautelares ou recursos em processo executivo – em que há efetivamente uma norma especial que veda o recurso ao Supremo Tribunal de Justiça –, mas já não no contexto de processos comuns em que a lei veda o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, como é o caso dos autos”, a explicação para tal interrogação afigura-se-nos simples e linear. Quando o conflito jurisprudencial se coloca em processo em que, por disposição especial, não é permitido o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, essa contradição nunca poderia, por isso mesmo, ser superada, permanecendo a perturbação e insegurança decorrente do facto de um Tribunal da Relação decidir uma coisa e outro, nas mesmas circunstâncias de facto e de direito, optar pela solução rigorosamente oposta. Daí a compreensível necessidade e a premente utilidade da interposição do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça ao abrigo do disposto no artigo 629º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil. Diferentemente, inexistindo norma especial que vede o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, a resolução do conflito jurisprudencial será com toda a normalidade assegurada pela interposição de revista excepcional nos termos do artigo 672º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil (caso exista dupla conforme, uma vez que não existindo esta estaremos perante uma situação de normal – ampla - recorribilidade nos termos do artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil). Tal conjugação é perfeitamente harmoniosa e coerente em termos sistemáticos, não se compreendendo a aparente estranheza manifestada pela recorrente. 9º - Não se descortina ainda como seja possível vislumbrar nesta interpretação das normas jurídicas em causa qualquer inconstitucionalidade por violação dos princípios da segurança, da protecção da confiança, da igualdade, da proporcionalidade e do direito de acesso aos tribunais ou princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrados nos artigos 2º, 13º, 18º e 20º da Constituição da República Portuguesa, quando a presente acção declarativa comporta, a final, a possibilidade de eventual interposição de revista excepcional com fundamento em contradição de julgados com fundamento na interposição de revista excepcional nos termos do artigo 672º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil (tratando-se de uma questão técnica-jurídica – a resolução de uma situação de contradição de julgados - para a qual a Formação não dispõe da margem de liberdade de apreciação que as alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 672º do Código de Processo Civil permitem, por se tratar aí da consagração de conceitos abertos e relativamente indefinidos, a preencher casuisticamente). Para além do que, em geral, o nosso sistema constitucional em matéria de recursos cíveis não impõe nem exige que todos os processos sejam julgados em última instância pelo Supremo Tribunal de Justiça, existindo variadíssimas situações em que o veredicto do Tribunal da Relação, enquanto tribunal superior, é definitivo e soberano. 10º - A invocação de uma situação de efectiva desigualdade entre as partes constitui um patente equívoco. O artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil, estabelece como critério geral da recorribilidade, por via do recurso de revista, tratar-se de uma decisão final (de fundo ou de forma), independentemente de beneficiar ou desfavorecer, no caso concreto, o autor ou do réu. Logo, julgando-se procedente uma excepção dilatória, com a consequente absolvição da instância, tal decisão, sendo final, comportará, em princípio, e por isso mesmo, a imediata interposição de revista. Ao invés, julgando-se improcedente essa mesma excepção dilatória e prosseguindo os autos, não estamos perante uma decisão final e, nessa medida, tal situação não se integra no nº 1 do artigo 671º do Código de Processo (o que não prejudica a possibilidade da interposição de revista contra a decisão final que venha a ser oportunamente proferida), aplicável a todos os casos, sem importar a identidade ou a posição processual das partes. Logo, é completamente descabido considerar que o critério abstracto perfilhado e assumido pelo legislador neste preceito constitui de algum modo qualquer tipo de violação do princípio da igualdade entre os litigantes. 11º - No sentido da afirmação da existência de corrente jurisprudencial firme e consolidada sobre esta temática, remete-se para o conjunto de acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça apresentados supra, num total de 10 (dez), a que se acrescenta ainda, para cabal esclarecimento das dúvidas da recorrente, os seguintes: - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Setembro de de 2014 (relatora Prazeres Beleza), proferido no processo nº 1852/12.7TBLLE-C.G1.E1.S1, publicado in www.dgsi.pt, que, pela clareza de análise, ora se transcreve: “A recorrente afirma ainda que o presente recurso sempre seria admissível, nos termos do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil. Este preceito veio reintroduzir no Código de Processo Civil um caso especial de admissibilidade de revista, que tinha sido eliminado pela reforma de 2007 (Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto), admitindo a revista quando a razão da inadmissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça for estranha à alçada e o acórdão recorrido contrariar outro acórdão da Relação, proferido “no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito (…), salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”. Regra semelhante constava do nº 4 do artigo 678º do Código de Processo Civil anterior a essa reforma, preceito que, por sua vez, viera substituir o recurso para o Tribunal Pleno previsto no artigo 764º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à reforma de 1994/1995. Tem como justificação o objectivo de garantir que não fiquem sem possibilidade de resolução conflitos de jurisprudência verificados entre acórdãos das Relações, em matérias que nunca podem vir a ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, porque, independentemente do valor das causas a que respeitem, nunca se alcança o Supremo Tribunal de Justiça, por nunca ser admissível o recurso de revista. É o que sucede, por exemplo, com as decisões proferidas em procedimentos cautelares (cfr. artigo 370º, nº 2 do Código de Processo Civil); mas não no processo de insolvência. Na insolvência, e nomeadamente no âmbito do incidente da qualificação, pode caber recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, se o valor da causa exceder a alçada da Relação e ocorrer a contradição prevista no nº 1 do artigo 14º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Não está preenchida a letra do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil, nem se verifica a respectiva razão de ser.”; - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 2019 (relatora Clara Sottomayor), proferido no processo nº 1320/17.0T8CBR.C1-A.S1, publicado in www.dgsi.pt. que pelo seu particular relevo, profundidade e detalhe, versando outrossim as matérias ora suscitadas pela recorrente, que esclarece com total proficiência, ora se transcreve: “A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem entendido que só é admissível recurso de revista excecional, baseado em oposição de acórdãos relativamente à mesma questão de direito ou em violação de jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal caso se verifiquem os pressupostos gerais atinentes ao valor da causa e à sucumbência (cfr., entre outros, Acórdãos de 04-07-2017, Reclamação n.º 224/08.2TBESP.1.P2-B.S1 e o acórdão de 17-11-2015, proc. n.º 3709/12.2YYPRT.P1.S1). A interpretação das normas relativas à admissibilidade do recurso de revista deve ser feita de forma conjugada e atendendo a todos os elementos de interpretação da teoria do direito. O reclamante baseia essencialmente a sua tese na letra do artigo 629.º, n.º 2, do CPC, na parte em que o legislador afirma “independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso”, sem a conjugar com a expressão constante da al. d) do n.º 2 do artigo 629.º, que se refere ao «motivo estranho à alçada», nem com a ratio das normas que definem os pressupostos do recurso de revista geral e do recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, designadamente os artigos 671.º e 672.º do CPC. A letra da lei consiste apenas num ponto de partida, que deve ser ponderado juntamente com o elemento histórico, racional e sistemático de interpretação, para, assim, reconstituir o pensamento legislativo. Vejamos: O recurso previsto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do atual CPC, reintroduzido pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, encontra o seu precedente histórico no artigo 678.º, n.º 4, do CPC anterior à Reforma de 2007. Este último preceito foi, por sua vez, introduzido no regime de recursos civis pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, dispondo que «É sempre admissível recurso, a processar nos termos dos artigos 732.º-A e 732.º-B, do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se a orientação nele perfilhada estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça». Tal redação foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de março, que suprimiu a referência ao processamento do recurso nos termos dos artigos 732.º-A e 732.º-B do CPC. O Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, que operou a reforma do CPC anterior à vigente, centrada essencialmente em matéria de recursos e movida por objetivos de simplificação, celeridade processual e racionalização no acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, acentuou, deste modo, a sua função de orientação e uniformização de jurisprudência, revogando o artigo 678.º, n.º 4, do CPC. O recurso prescrito na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC tem como justificação o objetivo de garantir que não fiquem sem possibilidade de resolução conflitos de jurisprudência verificados entre acórdãos das Relações, em matérias que, por motivos de ordem legal que não dizem respeito à alçada do tribunal, nunca poderiam vir a ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça – como por exemplo, em sede de insolvência (artigo 14.º, n.º 1, do CIRE), expropriações (artigo 66.º, n.º 5, do Código das Expropriações) ou providências cautelares (artigo 370.º, n.º 2, do CPC). No mesmo sentido, a doutrina (Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 2 de junho de 2015, Blog do IPPC (Instituto Português de Processo Civil), entende que «o art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC só é aplicável se houver uma exclusão legal da revista por um motivo que nada tenha a ver com a relação entre o valor da causa e a alçada do tribunal ou, mais em concreto, se a lei excluir a admissibilidade de uma revista que, de outro modo, seria admissível». Afirma o autor que «há uma (boa) razão de ordem sistemática para se entender que o disposto no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC não pode dispensar a admissibilidade da revista nos termos gerais (sendo nomeadamente necessário, para a admissibilidade da revista, que o valor da causa exceda a alçada da Relação)», desde logo, porque «se todos os acórdãos da Relação em contradição com outros acórdãos da Relação admitissem a revista "ordinária" nos termos do art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC, deixaria necessariamente de haver qualquer justificação para construir um regime de revista excecional para a contradição entre acórdãos das Relações tal como se encontra no art. 672.º, n.º 1, al. c), CPC». Assim, defende que «a única forma de atribuir algum sentido útil à contradição de julgados das Relações que consta, em sede de revista excecional, do art. 672.º, n.º 1, al. c), CPC é pressupor que a revista "ordinária" não é admissível sempre que se verifique essa mesma contradição», na medida em que só «nesta base é possível compatibilizar a vigência do art. 672.º, n.º 1, al. c), CPC com a do art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC». Resumindo o que entende ser a fórmula que traduz a teleologia do «art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC», o mesmo autor conclui que «este preceito estabelece uma recorribilidade para acórdãos que são recorríveis nos termos gerais e irrecorríveis por exclusão legal», justificando que dada a «exclusão da revista por um critério legal independente da relação do valor da causa com a alçada do tribunal, há que instituir um regime que permita que o STJ possa pronunciar-se (e, nomeadamente, uniformizar jurisprudência) sobre matérias relativas aos procedimentos cautelares e aos processos de jurisdição voluntária», sendo que é «precisamente essa a função do disposto no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC». O artigo 671.º, n.º 1, do CPC vigente, cuja epígrafe se cifra em «Decisões que comportam revista», integrando-se no Capítulo III, atinente ao recurso de revista, consiste numa norma de enquadramento que delimita, em termos gerais, o recurso de revista, cuja amplitude se justifica, como refere Armindo Ribeiro Mendes (Recursos em Processo Civil, Reforma 2007, Coimbra Editora, 2009, p. 143) por uma «política assumida de restringir o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça». De facto, a limitação do acesso ao órgão de cúpula da ordem jurisdicional tem sido uma preocupação do legislador manifestamente presente nas últimas reformas do sistema de recursos em processo civil, com maior expressão na reforma de 2007 (operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto), que incidiu fortemente na disciplina dos recursos, na qual se assumiu expressamente o desiderato de «dar resposta à notória tendência de crescimento de recursos cíveis entrados neste [Supremo Tribunal de Justiça], (…) assim criando condições para um melhor exercício da sua função de orientação e uniformização da jurisprudência». No CPC aprovado pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, no n.º 1 do artigo 721.º, antecessor do atual n.º 1 do artigo 671.º do CPC, dispunha-se que «cabe recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação proferido ao abrigo do n.º 1 e da alínea h) do n.º 2 do artigo 691.º», isto é, do acórdão que se pronuncie sobre decisão do tribunal de 1.ª instância que ponha termo ao processo ou que, sem pôr termo ao processo, decida, por despacho saneador, do mérito da causa». Já no sistema de recursos anterior à reforma de 2007, o artigo 721.º, n.º 1, do CPC, preceituava que «cabe recurso de revista do acórdão da Relação que decida do mérito da causa», tomando, assim, por referência, para a admissibilidade do recurso de revista, o conteúdo do acórdão proferido pela Relação, independentemente do sentido da decisão proferida em 1.ª instância. Na reforma de 2013, o setor dos recursos não sofreu alterações substanciais, tendo o legislador sido sensível ao facto de a reforma de 2007 estar ainda numa fase muito inicial, que «desaconselhava uma remodelação do quadro legal instituído» (vide Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII). Logo, o CPC de 2013 manteve presente os objetivos da reforma de 2007, designadamente, o de racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, que se concretizou com o «aumento do valor das alçadas e as restrições específicas ao recurso de revista», deste modo, permitindo «requalificar a função» de tal instância superior (vide Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 14). Assim, tem sido apanágio das reformas legislativas operadas em matéria de recursos cíveis a compatibilização entre o direito ao recurso, que visa potenciar a segurança jurídica, e a necessidade de racionalizar, de modo equilibrado, a gestão dos meios humanos e materiais, atribuindo-se, sucessivamente, um caráter excecional à intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, que se pretende reservado para as questões de maior merecimento jurídico. A limitação da admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, contra a qual o reclamante se insurge, entendendo que a mesma padece de ilegalidade e de inconstitucionalidade, resulta da ratio do recurso previsto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC – que visa garantir que não fiquem sem possibilidade de resolução conflitos de jurisprudência verificados entre acórdãos das Relações em processos que, pela especialidade da matéria, não têm possibilidade de alcançar o Supremo Tribunal de Justiça, por nunca ser admissível o recurso de revista por motivo estranho à alçada (realce nosso) – conjugada com o objetivo de racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, que se pretende reservado à sua qualificada função de estabilização da interpretação e aplicação da lei, em ordem a garantir a unidade do direito. Ora, tal limitação assenta na ponderação dos requisitos de admissibilidade que estreita o acesso ao triplo grau de jurisdição da revista excecional, dirigida à uniformização de jurisprudência dos tribunais da Relação, com base no critério do valor da ação. Na verdade, o alcance amplo que a reclamante pretende dar ao artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, determinaria uma incoerência teleológica no sistema de recursos, na medida que o recurso de revista ordinário, baseado na contradição entre acórdãos dos tribunais da Relação, não dependeria do critério do valor nem da sucumbência, enquanto o recurso de revista excecional para dirimir conflitos de jurisprudência, previsto no artigo 672.º, n.º 1, al. c), do CPC, estaria sujeito ao requisito do valor e da sucumbência como resulta das regras gerais do recurso. Contudo, o artigo 629.º, n.º 2, al. d), reporta-se, como vimos, apenas às matérias (e só a estas) que não admitem recurso por motivo estranho à alçada (por exemplo, como vimos, questões de insolvência e de expropriações), e que passam a admiti-lo quando haja conflito de jurisprudência entre acórdãos dos tribunais da Relação, não prescindindo a lei processual, interpretada no seu conjunto, do critério de recorribilidade do valor da ação e da sucumbência, nos termos do artigo 629.º, n.º 1, do CPC (cfr. O Acórdão de 14/05/2019, proc. n.º 12/12.1TBGMR-F.G1.S2, a propósito do artigo 14.º, n.º 1, do CIRE, e a jurisprudência nele citada, segundo a qual, em matéria de insolvência, o recurso por contradição de acórdãos não dispensa a verificação dos pressupostos gerais do valor da causa e da sucumbência em confronto com a alçada legal). Estas limitações ao recurso de revista foram pretendidas pelo legislador, de acordo com os objetivos das sucessivas reformas do CPC, que visaram alcançar um descongestionamento do Supremo Tribunal de Justiça, afastando do terceiro grau de jurisdição os casos de diminuto valor económico, mesmo que as decisões impugnadas estejam em contradição com outras dos tribunais da Relação. A justificação desta solução, tal como as restantes limitações ao direito ao recurso, decorre, como refere Lopes do Rego (O direito fundamental do acesso aos tribunais e a reforma do processo civil, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, p. 764), «(…) da própria natureza das coisas, da necessidade imposta por razões de serviço e pela própria estrutura da organização judiciária de não sobrecarregar os Tribunais Superiores com a eventual reapreciação de todas as decisões proferidas pelos restantes tribunais». Relativamente à pretensa questão de constitucionalidade suscitada ao tribunal recorrido, também não tem razão a reclamante. Ainda assim, interpretando o artigo 17.º das alegações, contextualizado na totalidade do corpo das mesmas, conhece-se a pretensa questão de constitucionalidade da interpretação que sujeita a admissibilidade do recurso de revista excecional, baseado em contradição de acórdãos, nos termos do artigo 672.º, n.º 1, alínea c), do CPC, ao critério do valor da ação, com base na interpretação conjugada do arco normativo composto pelos artigos 629.º, n.º 2, alínea d), 671.º, n.º 1, e 672.º, n.º 1, al. c), todos do CPC. O Tribunal Constitucional tem entendido que «o direito ao recurso em processo civil, e sobretudo o acesso ao recurso junto do Supremo Tribunal de Justiça, não encontra previsão expressa no artigo 20.º da Constituição, não resultando como uma imposição constitucional dirigida ao legislador, que, neste âmbito, dispõe de uma ampla margem de liberdade» (cfr. entre outros, Acórdão n.º 361/2018). O referido aresto sustentou tal conclusão na jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional quanto à densificação do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, da qual destacou o Acórdão n.º 638/98, que, no que ora importa, dispõe do seguinte modo: «O artigo 20º, nº 1, da Constituição assegura a todos «o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos». Tal direito consiste no direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respetivos pontos de vista (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade). Ao fim e ao cabo, este direito é ele próprio uma garantia geral de todos os restantes direitos e interesses legalmente protegidos. Mas terá de ser assegurado em mais de um grau de jurisdição, incluindo-se nele também a garantia de recurso? Ou bastará um grau de jurisdição? A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil; e, em processo penal, só após a última revisão constitucional (constante da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de setembro), passou a incluir, no artigo 32º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, e segundo a qual a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele artigo 32º. Para além disso, algumas vozes têm considerado como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões que afetem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal (ver, a este respeito, as declarações de voto dos Conselheiros Vital Moreira e António Vitorino, respetivamente no Acórdão nº 65/88, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11, pág. 653, e no Acórdão nº 202/90, id., vol. 16, pág. 505). Em relação aos restantes casos, todavia, o legislador apenas não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer. Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito Processual Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional - artigo 210º), terá de admitir-se que «o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos» (cfr., a este propósito, Acórdãos nº 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9, pág. 463, e nº 340/90, id., vol. 17, pág. 349). Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (…). O legislador ordinário terá, pois, de assegurar o recurso das decisões penais condenatórias e ainda, segundo certo entendimento, de quaisquer decisões que tenham como efeito afetar direitos, liberdades e garantias constitucionalmente reconhecidos. Quanto aos restantes casos, goza de ampla margem de manobra na conformação concreta do direito ao recurso, desde que não suprima em globo a faculdade de recorrer.». Concretamente no que concerne ao recurso de uniformização de jurisprudência, o Tribunal Constitucional, já no Acórdão n.º 574/98, afirmou que «não existe na Lei Fundamental um preceito ou princípio que imponha, dentro do processo civil, a existência de um recurso para uniformização de jurisprudência», sendo que a «Constituição não se refere “qua tale” sequer à garantia do duplo grau de jurisdição ou à previsão da existência de recursos em processo civil». Também no Acórdão n.º 359/86 o Tribunal Constitucional sustentou que «a Constituição não garantia um triplo grau de jurisdição, ou seja, o direito geral de recurso ao STJ», jurisprudência que foi, aliás, seguida nos Acórdãos n.os 202/90, 330/90, 83/2009 e 383/2009. Não existe nenhuma norma ou princípio constitucional que imponha a obrigatoriedade de recurso para o Supremo de todos os acórdãos proferidos pelas Relações, que estejam em contradição com outros, designadamente, de acórdão da Relação do qual não seja possível recorrer por motivo respeitante à alçada da Relação. Resulta, assim, da jurisprudência do Tribunal Constitucional, que o artigo 20.º da Lei Fundamental não impõe ao legislador a previsão de um mecanismo processual votado à uniformização de jurisprudência no âmbito civil, designadamente para dirimir contradições de julgados dos Tribunais da Relação. Prevalece, portanto, como critério orientador da interpretação das normas do CPC relativas aos recursos, a intenção legislativa de descongestionar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça e de requalificar as suas funções, articulada com a ratio do específico recurso para uniformização de jurisprudência de acórdãos das Relações, que o legislador pretendeu limitar aos casos em que se encontrem preenchidos os requisitos gerais do recurso de revista, nomeadamente o requisito do valor. Na verdade, este tipo de recurso para uniformização de jurisprudência das Relações não se prende com a justiça do caso concreto, isto é, não se destina a salvaguardar qualquer direito subjetivo do recorrente, o que decorre do facto de nos casos em que se não verifica contradição de julgados, a decisão da Relação ser irrecorrível. A ratio última deste recurso reside em evitar a propagação do erro judiciário e eliminar a insegurança jurídica gerada por jurisprudência contraditória; o interesse do recorrente na reapreciação da questão de direito é, bem vistas as coisas, apenas o pretexto para desencadear um mecanismo de superação de contradições jurisprudenciais cuja função é tutelar aqueles interesses objetivos (vide Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 253/2018). Há, pois, que ter presente que, não obstante se atribuir, prioritariamente, ao Supremo Tribunal de Justiça a função de uniformizar jurisprudência, assim acautelando valores como a segurança e certeza jurídica e a igualdade de tratamento, que justificam «a consagração de mecanismos que visem contrariar ou atenuar os efeitos da instabilidade ou da incerteza interpretativa, evitando que questões idênticas possam ser dirimidas por diferentes juízes de modo diametralmente oposto» (vide, Abrantes Geraldes, «Uniformização de Jurisprudência cível», in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I, Coimbra Editora, 2013, p. 621), tal não pode contribuir para congestionar e massificar a atividade de tal instância. Nesta conciliação de valores a acautelar é mister atender ao facto de que a Lei Fundamental não impõe que todas as questões sejam reapreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, porquanto dela não decorre um direito ao triplo grau de jurisdição nem tão pouco um direito ao recurso para uniformização de jurisprudência. Sendo assim, a imposição da verificação dos pressupostos do recurso de revista consagrados no artigo 671.º, n.º 1, do CPC para a admissibilidade do recurso de revista excecional baseado na contradição de julgados dos tribunais da Relação, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do mesmo diploma legal, não se afigura arbitrária ou aleatória, antes encontrando uma justificação objetiva na teleologia deste tipo de recurso – que visa, como referimos, a proteção do interesse geral na boa aplicação do direito e a segurança jurídica no âmbito de causas que legalmente se encontram impedidas, por motivo estranho à alçada, de ser submetidas à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça – conjugada com uma política de racionalização do acesso ao órgão de cúpula da ordem jurisdicional. Conclui-se, portanto, que não se verifica qualquer violação do artigo 20.º, n.os 1 e 4, da Constituição da República Português.”; - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Setembro de 2020 (relatora Graça Trigo), proferido no processo nº 100098/18.7YIPRT.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt.; - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 2020 (relator José Rainho), proferido no processo nº 383/17.3T8BGL.G1.S1, publicado in ECLI.pt; - o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2020 (relatora Rosário Morgado Rainho), proferido no processo nº 7459/16.2T8LSB-A.L1.S1, publicado in ECLI.pt; Pelo que não há lugar ao conhecimento do objecto do recurso que, nessa medida, se julga findo, nos termos gerais dos artigos 652º, nº 1, alínea b), e 679º do Código de Processo Civil. Pelo exposto: Julgo findo o presente recurso de revista, não havendo lugar ao conhecimento do seu objecto, nos termos dos artigos 652º, nº 1, alínea b), e 679º do Código de Processo Civil. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UCs”. Apresentou a recorrente reclamação para a Conferência nos seguintes termos: I. DA DECISÃO RECLAMADA 1. Em 09/04/2024, a ora Recorrente interpôs recurso de revista2 do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 19/03/2024, que, julgando procedente o recurso interposto pelo Autor, ora Recorrido, considerou não verificada a exceção dilatória de ilegitimidade processual ativa invocada pela Recorrente na Contestação. 2. O recurso interposto pela Recorrente fundou-se na contradição entre a interpretação sustentada pelo Tribunal a quo – no sentido de se justificar uma interpretação teleológica do artigo 82.º, n.º 3, alínea c), do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (“CIRE”), nos termos da qual “o artigo 82.º, n.º 3, alínea c), do CIRE permite que o credor proponha ações contra os responsáveis legais pela dívida do insolvente sempre que haja inércia do administrador da insolvência” – e a interpretação seguida pelo Tribunal da Relação do Porto, em recente acórdão de 04/04/2022 (Processo n.º 5038/20.9T8MTS.P1). 3. A Recorrente demonstrou estarem preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso exigidos pelo artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, justamente por se verificar manifesta contradição entre acórdãos proferidos por tribunais da Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, não cabendo recurso ordinário de revista por motivo estranho à alçada do tribunal. 4. Porém, por decisão proferida em 01/07/2024 – cujo sentido havia já sido antecipado no despacho de 14/06/20245 –, o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator julgou findo o recurso de revista interposto, entendendo que o mesmo não é admissível uma vez que “na situação sub judice o recurso de revista está sujeito, nos termos do artigo 17º, nº1, do CIRE, ao regime geral, inexistindo norma especial de irrecorribilidade que impeça, em termos gerais, o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça”, e, portanto, “a decisão judicial proferida pelo Tribunal da Relação que considera o A. parte legítima para prosseguir, nessa qualidade, a causa, não sendo uma decisão final, não é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça”. 5. Ou seja, o entendimento perfilhado na decisão de que se reclama é o seguinte: o recurso contemplado no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, além de estar sujeito aos requisitos de admissibilidade aí previstos, depende também da existência de norma especial que estabeleça a irrecorribilidade da decisão para o Supremo Tribunal de Justiça. 6. Isto apesar o n.º 2 do artigo 629.º apenas exigir que da decisão «não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal». 7. A Recorrente não pode concordar, nem se conforma, com a posição defendida na decisão reclamada, por ser flagrantemente contrária à letra e espírito da lei, ancorando-se numa interpretação que o artigo 9.º do Código Civil não admite. II. DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO 8. O artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, prevê o seguinte: “Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.”. 9. A letra do preceito é clara, fixando um regime de recorribilidade absoluta de decisões que contrariem decisões proferidas por tribunal da Relação, em que o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça está vedado por razões diversas da alçada do tribunal. 10. O preceito em análise não exige – como sustentado na decisão reclamada – que o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça esteja vedado por imposição de norma especial, mas tão-só que a irrecorribilidade da decisão não se funde no valor da alçada do tribunal. 11. A hipótese aventada pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator não tem, pois, apoio na letra da lei, tratando-se de uma visão restritiva que não reconstitui sequer o pensamento legislativo. 12. Com efeito, a intenção do legislador ao prever a admissibilidade de recurso do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação foi, muito claramente, a de evitar a propagação de decisões contraditórias, permitindo o acesso ao terceiro grau de jurisdição nos casos em que esse acesso estaria, em regra, vedado, 13. Mas, em todo o caso, garantir que o Supremo Tribunal de Justiça não é chamado a decidir questões de valor diminuto, inferior à alçada (e por aí se justifica a exigência de que o motivo de irrecorribilidade seja estranho à alçada). 14. Analisado o sistema de recursos nacional – designadamente, os fundamentos de recurso previstos no artigo 671.º, n.º 2, alínea b) e 672.º, n.º 1, alínea c), do CPC –, resulta evidente a preocupação do legislador em evitar divergências jurisprudenciais, precisamente porque a existência de tais divergências coloca em crise os princípios da igualdade e segurança jurídica, que são princípios basilares de um Estado de direito. 15. Conforme este douto Supremo Tribunal já explicou, a recorribilidade das decisões fundadas na existência de conflitos jurisprudenciais tem “uma razão de ordem teleológica que se prende com a finalidade do referido mecanismo, no sentido de visar uma uniformização não prioritariamente colimada à justiça de cada caso concreto, mas destinada a evitar a propagação, em escala, do erro de direito judiciário pela ordem jurídica, como garantia do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei na sua conjugação com o princípio da independência e liberdade interpretativa do julgador, na linha da directriz do n.º 3 do art.º 8.º do CC”. 16. A este respeito, veja-se JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS7, referindo que “vinculando o princípio da igualdade os próprios tribunais e resultado do artigo 2.º os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, é duvidoso que, ao contrário do que parece resultar dos Acs. N.os 574/98 e 261/02, se possa afirmar simplesmente que não existe na Constituição um princípio que aponte, dentro do processo civil, para a consagração de um regime de uniformização de jurisprudência (…)”. 17. É que a manutenção na ordem jurídica de soluções jurisprudenciais divergentes não só cria incerteza nos cidadãos quanto à aplicação da lei (em violação do princípio da confiança e segurança jurídica), como implica que cidadãos que tenham submetido ao poder judicial a mesma questão de direito tenham obtido soluções contrárias (em violação do princípio da igualdade). 18. E é precisamente isso que sucede nos presentes autos. 19. A Recorrente foi confrontada com uma decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa totalmente inédita e contrária àquele que era, até então, o entendimento estabilizado e unânime da jurisprudência, espelhado no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04/04/2022 (mas também, por exemplo, no acórdão do mesmo Tribunal da Relação de 26/01/20219, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07/04/2023 e no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06/06/2022). 20. Com efeito, o entendimento unânime da jurisprudência é de que “é o administrador da insolvência que, na pendência do processo, tem exclusiva legitimidade para instaurar ações de responsabilidade contra os sócios e gerentes da sociedade devedora”. 21. Em concreto, no referido acórdão do Tribunal da Relação do Porto, entendeu-se, bem, que “enquanto estiver pendente o processo de insolvência da sociedade devedora, encontra-se a autora privada de legitimidade ativa para propor ou fazer seguir ação balizada pelos apontados elementos objetivos da instância, na justa medida em que, filiando juridicamente a sua concreta pretensão de tutela jurisdicional no art. 501º do Cód. Das Sociedades Comerciais, a presente ação reconduz-se inequivocamente à fattispecie da al. c) do nº 3 do art. 82º do CIRE.”. 22. Já o Tribunal da Relação de Lisboa, confrontado com a mesma questão jurídica no âmbito do mesmo quadro fático que havia sido submetido ao Tribunal da Relação do Porto, afastou-se do entendimento aí sufragado e, mais grave, da letra e teleologia da norma, entendendo que “[j]ustifica-se, pois, uma interpretação que tenha em conta o sistema em que o preceito se insere, em ordem a considerar que assiste ao credor a faculdade de instaurar a ação judicial contra o responsável legal pelas dívidas do insolvente, agindo, pois, em defesa dos seus interesses e exercendo o direito que, substantivamente, a lei lhe confere, nos casos em que se patenteia a inércia do administrador da insolvência em exercer os poderes que lhe são conferidos pelo referido artigo, quando não a sua oposição, como também pode acontecer”, concluindo que “no circunstancialismo que o processo evidencia, o autor tem legitimidade (processual) para a instauração da ação.”. 23. Existe, pois, uma clara contradição jurisprudencial que, a manter-se a decisão reclamada – o que não se concede – irá cristalizar-se na ordem jurídica, gerando uma situação de inexplicável desigualdade entre cidadãos. 24. Em concreto, a Recorrente terá de se sujeitar à continuação de uma ação instaurada por quem não tem legitimidade processual para o fazer, ao passo que, nos autos subjacentes ao acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, a aí Ré MM..., Lda.12 Foi absolvida da instância precisamente por se ter reconhecido que “a legitimidade activa para a propositura da presente acção estava reservada ao administrador da insolvência”. 25. Ora, a alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC visa precisamente evitar desigualdades como a que se descreveu, consagrando um regime de uniformização de jurisprudência nos casos em que não é admissível recurso de revista – i.e., além do âmbito de aplicação dos artigos 671.º, n.º 2, alínea b) e 672.º, n.º 1, alínea c) do CPC. 26. Questionou a Recorrente, no requerimento apresentado em 27/06/2024, qual a justificação, atenta a teleologia da norma, para sustentar que o regime de uniformização de jurisprudência previsto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC apenas pode ser acionado “nas situações em que norma especial impõe, como regra, a inadmissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”. 12 A sociedade MM..., Lda. era Ré na ação declarativa proposta pela M..., Lda., no âmbito da qual foi proferido o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04/04/2022. 27. Afirmou a Recorrente não conseguir compreender por que razão seria admissível a resolução de conflito jurisprudencial entre acórdãos da Relação no contexto de procedimentos cautelares ou recursos em processo executivo – em que há efetivamente uma norma especial que veda o recurso ao Supremo Tribunal de Justiça –, mas já não no contexto de processos comuns em que a lei veda o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, como é o caso dos autos. 28. A este respeito, lê-se na decisão reclamada o seguinte: “Quando o conflito jurisprudencial se coloca em processo em que, por disposição especial, não é permitido o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, essa contradição nunca poderia, por isso mesmo, ser superada, permanecendo a perturbação e insegurança decorrente do facto de um Tribunal da Relação decidir uma coisa e outro, nas mesmas circunstâncias de facto e de direito, optar pela solução rigorosamente oposta. Daí a compreensível necessidade e a premente utilidade da interposição do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça ao abrigo do disposto no artigo 629º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil. Diferentemente, inexistindo norma especial que vede o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, a resolução do conflito jurisprudencial será com toda a normalidade assegurada pela interposição de revista excepcional nos termos do artigo 672º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil (caso exista dupla conforme, uma vez que não existindo esta estaremos perante uma situação de normal – ampla – recorribilidade nos termos do artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil). Tal conjugação é perfeitamente harmoniosa e coerente em termos sistemáticos, não se compreendendo a aparente estranheza manifestada pela recorrente”. 29. Ora, esta aparente “simples e linear” explicação contida na decisão reclamada parte de um grosseiro erro de direito. 30. É que, contrariamente ao que aí é afirmado, existem casos (como o presente) em que inexiste norma especial que vede o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, 31. A resolução do conflito jurisprudencial não pode ser assegurada pela interposição de revista excecional nos termos do artigo 672.º, n.º 1, alínea c) do CPC por inexistir dupla conforme, 32. E não estamos perante uma situação de ampla recorribilidade nos termos do artigo 671.º, n.º 1, do CPC, porque, como referido na decisão reclamada (!), “o acórdão recorrido não constituiu uma decisão final (de fundo ou de forma)”. 33. Ora, nestes casos, como nos casos em que “o conflito jurisprudencial se coloca em processo em que, por disposição especial, não é permitido o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça”, a contradição jurisprudencial não pode ser superada se não através da interposição do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça ao abrigo do disposto no artigo 629º, nº 2, alínea d), do CPC. 34. E, portanto, a coerência do sistema, o princípio da igualdade entre cidadãos e o princípio da segurança jurídica exigem que o recurso previsto na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC se aplique a todos os casos em que, por motivo estranho à alçada, não caiba recurso ordinário de decisão proferida por Tribunal da Relação em contradição com outra decisão proferida por Tribunal da Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito. 35. Aliás, é isso mesmo que resulta da letra da lei. 36. Neste sentido, vide o claríssimo entendimento de RAMOS DE FARIA e LUÍSA LOUREIRO que foi desconsiderado na decisão reclamada: “O preceito aplica-se aos casos em que a causa tem valor que permite o recurso, estando este vedado por motivo estranho à alçada do Tribunal. […] os antecedentes históricos da norma e os próprios termos do seu enunciado contido na alínea (já não no proémio), devem concluir que aqui não se prevê apenas um fundamento de admissibilidade do recurso “independentemente do valor da causa e da sucumbência”, mas sim um fundamento de admissibilidade absoluta do recurso, ou seja, de admissibilidade independente dos valores referidos no n.º1, como resulta do mencionado proémio, e independente do motivo especial (estranho a alçada) de irrecorribilidade a que o acórdão estaria sujeito”. 37. Também ABRANTES GERALDES perfilha tal entendimento, explicando que a solução contida na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º foi motivada “pelo objetivo de possibilitar a interposição de recurso de revista, quando o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça esteja vedado por razões estranhas à alçada da Relação, ou seja, em que o único impedimento a tal recurso se funde em motivos de ordem legal estranhos à interseção entre o valor do processo e o valor da alçada da Relação”. 38. A propósito da posição de ABRANTES GERALDES sobre esta questão, salienta-se na decisão recorrida a necessidade de “atentar no que o mesmo autor escreve in “Recursos em Processo Civil”, Almedina 2022, 7.ª Edição, a página 61”, citando-se de seguida um breve trecho dessa obra. 39. Sucede que tal citação está incompleta, sendo muito relevante o segmento omisso: “Foi, pois, reintroduzida a possibilidade de serem dirimidas pelo Supremo Tribunal de Justiça contradições jurisprudenciais emergentes do confronto de acórdãos da Relação em casos em que, apesar de o valor do processo ser superior à alçada da Relação, se encontra vedado ou condicionado o recurso de revista, por imposição de outra norma legal. Os casos paradigmáticos emergem dos procedimentos cautelares (artigo 370º, nº 2) ou dos processos de jurisdição voluntária (artigo 988º, nº 2), mas, como veremos, outras situações se podem ainda enquadrar na previsão legal. […] Para outra tese, que prefiro, a al. d) do n.º 2 do art. 629.º constitui uma norma geral que abarca qualquer acórdão da Relação que esteja em contradição com outro acórdão da Relação, em casos em que o acesso ao recurso de revista esteja vedado por razões não ligadas ao valor do processo ou ao valor da sucumbência. O seu âmbito de aplicação abarca também os acórdãos da Relação sobre decisões interlocutórias da 1.ª instância que apreciem questões emergentes da relação processual, como o explicita a al. a) do n.º 2 do art. 671.º. Bastando que o confronto se estabeleça com outro acórdão da Relação, tal permite que fiquem no radar do Supremo Tribunal de Justiça questões de direito adjetivo alvo de decisões divergentes das Relações.”. 40. Acresce que, sobre as decisões que não determinam o termo do processo e, portanto, não enquadráveis na revista ordinária do artigo 671.º, n.º 1 do CPC, ABRANTES GERALDES refere o seguinte: “Assim, sem embargo dos casos em que o recurso seja sempre admissível, estão excluídos do âmbito da revista: a) Os acórdãos da Relação que, revogando a sentença que absolveu o réu da instância, determinem o prosseguimento dos autos [esta é, precisamente, a situação dos presentes autos]”. 41. Já na jurisprudência, veja-se, a título exemplificativo, o recente acórdão deste Supremo Tribunal de 08/02/2024, Proc. n.º 10730/21.8T8SNT.L1-A.S116, em que se lê o seguinte: “Não se tratando de nenhum caso em que o recurso é sempre admissível (n.º 2 do artigo 629.º) nem de recurso interposto de acórdão da Relação que tenha conhecido de um recurso interposto de decisões interlocutórias da 1.ª Instância em matéria processual (n.º 2 do artigo 671.º), a admissibilidade da revista afere-se pelo disposto no n.º 1 do mesmo artigo 671.º.”. 42. Assim, dúvidas não restam de que o artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC prevê um mecanismo de recorribilidade absoluta e automática da decisão de Tribunal da Relação que seja irrecorrível nos termos gerais (por motivo estranho à alçada) e que esteja em contradição com outro proferido no âmbito da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, independentemente da natureza do processo, 43. Sendo inconstitucional a interpretação da alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC no sentido de “o artigo 629º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil apenas ser aplicável se o recurso de revista se encontrar excluído por força de disposição legal especial que impeça o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça”, por violação dos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança, da igualdade, da proporcionalidade e do direito de acesso aos tribunais ou princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrados nos artigos 2.º, 13.º, 18.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa. 44. A este propósito, lê-se na decisão reclamada o seguinte: “Não se descortina ainda como seja possível vislumbrar nesta interpretação das normas jurídicas em causa qualquer inconstitucionalidade por violação dos princípios da segurança, da protecção da confiança, da igualdade, da proporcionalidade e do direito de acesso aos tribunais ou princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrados nos artigos 2º, 13º, 18º e 20º da Constituição da República Portuguesa, quando a presente acção declarativa comporta, a final, a possibilidade de eventual interposição de revista excepcional com fundamento na interposição de revista excepcional nos termos do artigo 672º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil (tratando-se de uma questão técnica-jurídica – a resolução de uma situação de contradição de julgados – para a qual a Formação não dispõe da margem de liberdade de apreciação que as alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 672º do Código de Processo Civil permitem, por se tratar aí da consagração de conceitos abertos e relativamente indefinidos, a preencher casuisticamente)”. 45. Ora, como é por demais evidente, a Recorrente não poderá recorrer, a final, com fundamento na contradição entre o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/03/2024 e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04/04/2022. 46. A ser negada à Recorrente a possibilidade de, nesta fase processual, sindicar o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/03/2024, o entendimento aí perfilhado consolidar-se-á na ordem jurídica, transitando em julgado e constituindo caso julgado formal nos presentes autos. 47. Os autos serão remetidos à 1.ª instância para prossecução dos autos e, como é evidente, a existir recurso da decisão final, este será dirigido ao Tribunal da Relação de Lisboa, que não se voltará a pronunciar sobre a verificação da exceção dilatória de ilegitimidade processual ativa. 48. Não existe recurso a final de acórdãos do Tribunal da Relação de Lisbo proferidos na pendência da ação em primeira instância. 49. Existem, sim, recursos a final de “decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância” (cfr. n.º 3 e 4 do artigo 644.º do CPC). 50. In casu, a decisão proferida pelo tribunal de 1.ª instância foi no sentido de absolver a Ré da instância por considerar verificada a exceção de ilegitimidade ativa processual. 51. Trata-se, pois, de uma decisão que pôs termo à causa e, por isso pôde o Autor interpor recurso da mesma para o Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. artigo 644.º, n.º 1, alínea a) do CPC). 52. Em todo o caso, a resolução a final da contradição jurisprudencial em causa nos autos implicaria a prossecução dos mesmos, com a prática de diversos atos processuais pelas Partes, com a realização de audiência de julgamento e com a prolação de sentença pela 1.ª instância. 53. A prática destes atos poder-se-ia revelar, a final, inútil, caso (como se espera) a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/03/2024 viesse a ser revogada. 54. Recorda-se que, nos termos do artigo 130.º do CPC, “não é lícito realizar no processo atos inúteis”. 55. Acresce que a presente ação reveste inquestionável complexidade e extensão, quer devido à natureza das matérias aqui tratadas, quer devido à extensa prova que carecerá de ser realizada em sede de audiência de julgamento. 56. Recorda-se, aliás, que a ação declarativa intentada pelo Recorrido contra a INSOLVENTE teve início em 2009 e está, à data, pendente (!), tendo já sido interpostos diversos recursos de apelação e de revista da sentença final aí proferida, 57. O que é bastante revelador da complexidade e morosidade associada ao presente litígio. 58. A prosseguirem os presentes autos sem que seja solucionada a questão submetida ao Douto Supremo Tribunal de Justiça, serão investidos preciosos recursos financeiros e humanos na prática de atos que, a final, se poderão revelar inúteis. 59. O que, naturalmente, não é admissível. 60. Acresce que o processo de insolvência é caracterizado pela celeridade e economia processual, sendo aliás qualificado como um processo urgente (cfr. artigo 9.º do CIRE). 61. É, pois, insustentável que os presentes autos se arrastem por décadas quando poderão (deverão) ser imediatamente extintos por procedência da exceção dilatória de ilegitimidade ativa processual. Mais, 62. A hipótese ventilada na decisão reclamada redundaria numa situação efetiva de desigualdade entre as Partes. 63. Conforme se explicou em requerimento que antecede, de acordo com tal interpretação, a Recorrente não pode lançar mão de recurso de revista ordinário, porquanto no acórdão recorrido não se conhece do mérito da causa nem se põe termo ao processo, não sendo, pois, aplicável o fundamento de revista ordinária contido no artigo 671.º, n.º 1, do CPC, 64. E não poderá também lançar mão do recurso de revista extraordinário previsto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), por inexistir norma especial que vede o recurso ao Supremo Tribunal de Justiça. 65. Mas, tivesse o tribunal de 1.ª instância decidido a favor do Recorrido (julgando improcedente a exceção dilatória invocada pela Recorrente) e tivesse o Tribunal da Relação revertido tal decisão (julgando procedente a exceção dilatória invocada pela Recorrente), poderia o Recorrido livremente sindicar esse acórdão, nos termos gerais do artigo 671.º, n.º 1, do CPC. 66. Isto é, se a situação fosse diametralmente oposta, ao Recorrido seria reconhecido mais um grau de jurisdição, ao passo que à Recorrente esse grau é negado – e isto, note-se, quando a Recorrente apenas pretende ver resolvida uma clara contradição jurisprudencial. 67. Uma tal situação de desigualdade não poderá, naturalmente, ser admitida pelo douto Tribunal. 68. Entende-se na decisão reclamada que “a invocação de uma situação de efectiva desigualdade entre as partes constitui um patente equívoco”, porquanto “julgando-se improcedente essa mesma excepção dilatória e prosseguindo os autos, não estamos perante uma decisão final e, nessa medida, tal situação não se integra no nº 1 do artigo 671º do Código de Processo (o que não prejudica a possibilidade da interposição de revista contra a decisão final que venha a ser oportunamente proferida), aplicável a todos os casos, sem importar a identidade ou a posição processual das partes”. 69. Ora, conforme supra se adiantou, o recurso de revista a intentar contra a decisão final não poderá incidir sobre o acórdão do Tribunal da Relação proferido em 19/03/2024 que julgou improcedente a exceção dilatória invocada pela Recorrente. 70. Um tal recurso incidirá tão-só sobre a decisão final e sobre as decisões interlocutórias proferidas pelo tribunal de 1.ª instância, o que não está em causa nos autos. 71. Não procede, pois, a argumentação vertida na decisão reclamada a este propósito. Por outro lado, 72. É ainda referido na decisão reclamada que “a alusão ao pretenso regime de recorribilidade absoluta de decisões de 2.ª instância que contrariassem outras proferidas igualmente pelo Tribunal da Relação” retiraria “utilidade prática [à] previsão do artigo 672.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil”. 73. Esta afirmação apenas teria algum sentido útil se, como (erradamente) referido na decisão reclamada, as decisões do Tribunal da Relação fossem sempre suscetíveis de recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça – o que, reitera-se, não é o caso dos autos. 74. Mas, como não é essa realidade, o argumento esgrimido na decisão reclamada não procede. 75. É que a aplicação da alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC depende de estarem verificados os requisitos de recorribilidade previstos no n.º 1 do artigo 671.º do CPC, i.e., do acórdão da Relação ter sido proferido sobre decisão da 1.ª instância e conhecer “do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”. 76. Já a aplicação da alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC depende de não estarem verificados esses requisitos (não ser suscetível de recurso ordinário). 77. Trata-se de mecanismos alternativos que garantem a coerência sistemática do ordenamento jurídico português, concretizando ambos a clara intenção do legislador de minimizar a existência de divergências jurisprudenciais. Por fim, 78. A Recorrente reconhece que, conforme apontado na decisão reclamada, “não está aqui em causa o preenchimento da previsão normativa do artigo 671º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Civil”. 79. Com efeito, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 19/03/2024 não apreciou uma decisão interlocutória proferida pelo tribunal de 1.ª instância. 80. Por isso mesmo, a Recorrente não fundou a recorribilidade do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no preceituado no artigo 671.º, n.º 2, do CPC – nem procurou fazê-lo no seu requerimento de 27/06/2024. 81. Pelo contrário, no aludido requerimento, pretendeu a Recorrente demonstrar que a interpretação sustentada no despacho de 14/06/2024 – e confirmada na decisão reclamada – conduziria a que a aplicação da alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC ao recurso de acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que se debruçam unicamente sobre a relação processual fosse virtualmente impossível, 82. O que, naturalmente, não foi o que pretendeu o legislador, ao remeter expressamente para esse regime através da alínea a) do n.º 2 do artigo 671.º do CPC. 83. É que, conforme aí se explicou, a proceder a interpretação vertida na decisão reclamada, os referidos acórdãos da Relação apenas seriam recorríveis nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 671.º do CPC caso existisse uma norma especial que vedasse a sua recorribilidade. 84. Porém, a irrecorribilidade dos acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que se debruçam unicamente sobre a relação processual é imposta por uma regra geral (cfr. artigo 671.º, n.º 1, do CPC), inexistindo norma especial que vede a recorribilidade, o que tornaria inútil a remissão contida na alínea a) do n.º 2 do artigo 671.º do CPC, resultando a interpretação sustentada na decisão reclamada numa intolerável dislexia legal. Em suma, 85. Inexistem fundamentos que obstem ao conhecimento do objeto do recurso, estando verificado o fundamento de admissibilidade do recurso contido na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC, i.e., o acórdão recorrido está em contradição com acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 04/04/2022, Proc. n.º 5038/20.9T8MTS.P117 (“acórdão-fundamento”), no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, não cabendo recurso ordinário de revista (por não estarem verificados os pressupostos contidos no artigo 671.º, n.º 1, do CPC). 86. Existindo, porém, dúvidas por parte do Douto Tribunal – o que não se concede - convocam-se as pertinentes palavras de ABRANTES GERALDES que, a propósito do âmbito de aplicação do artigo 671.º, n.º 2, do CPC, refere que “resta evidenciar a necessidade de adotar, neste como noutros casos, a solução que se mostre mais favorável à recorribilidade das decisões. Ou seja, se a lei adjetiva não é clara relativamente à resolução de alguma questão, parece mais ajustada uma solução que favoreça a recorribilidade do que outra que a limite. Ou, de outro modo: os interessados devem ser confrontados com normas processuais claras, de modo que, numa situação nebulosa como a enunciada, as razões de segurança jurídica associadas à efetiva tutela jurisdicional devem tender para uma solução que amplie a recorribilidade das decisões nos diversos graus da jurisdição, em obediência ao brocardo "odiosa restringenda, favorabilia amplianda”18. 87. Encontram-se, assim, preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso exigidos pelo artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, devendo a decisão aqui reclamada ser revogada, admitindo-se o presente recurso de revista. Apreciando do mérito da reclamação apresentada nos termos do artigo 653º, nº 3, do Código de Processo Civil: Não assiste razão à reclamante, pelos motivos largamente desenvolvidos na decisão singular. No fundo, tudo se resume a duas razões essenciais que obstam ao conhecimento do mérito do recurso: 1ª – O acórdão do Tribunal da Relação que reconhece legitimidade activa ao A. não comporta recurso de revista por não se tratar de uma situação final (de fundo e de forma), sendo assim definitivo e não sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça. 2º - A alínea d) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil pressupõe que a revista não fosse admissível em virtude de disposição legal onde estivesse prevista a irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça (o que não sucede, in casu). De resto, na presente reclamação limitou-se a recorrente a repetir, sem qualquer novidade, tudo o que antes já havia referido, para além insistir, de forma algo deselegante, na utilização de contundentes, injustificadas e desnecessárias expressões como “erro grosseiro de direito” e “intolerável dislexia legal”, o que, beliscando as regras deontológicas da correcção e expectável cordialidade entre os agentes no domínio judiciário, não se pode deixar (infelizmente) de estranhar. Concorda-se, assim e inteiramente, com o despacho reclamado, para cujos fundamentos se remete. Pelo exposto, acordam, em Conferência, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível) em indeferir a reclamação apresentada, mantendo-se a decisão singular reclamada que decidiu o não conhecimento do objecto do recurso, nos termos dos artigos 652º, nº 1, alínea b), e 679º do Código de Processo Civil. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs. Lisboa, 17 de Setembro de 2024.
Luís Espírito Santo (Relator). Rosário Gonçalves Maria Olinda Garcia V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil. |