Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
9277/22.0T8PRT-A.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DA RELAÇÃO
MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 10/31/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
O artigo 662.º do CPC implica que a fundamentação do acórdão recorrido seja adequada e suficiente para que se possa concluir que o Tribunal da Relação reavaliou os meios de prova disponíveis, reponderou todas as questões de facto suscitadas para formar uma convicção própria e respondeu a todas as questões de facto suscitadas, fundamentando a sua resposta [cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.11.2023 (Proc. 10979/19.3T8LSB.L1.S1)].
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO

Recorrentes: AA, e BB

Recorrida: CC

1. Nos presentes autos de oposição à execução, em que são embargantes AA, e BB e embargada CC foi proferida sentença em que se decidiu:

Nestes termos, vistos os princípios expostos e as indicadas normas jurídicas:

a) Julgo os embargos de executado parcialmente procedentes e, em conformidade, julgo prescritos os juros vencidos mais de 5 anos e 160 dias antes de 22.05.2022, com a inerente absolvição do pedido executivo nessa parte,

b) Sendo os embargos improcedentes quanto ao remanescente.

c) Julgo improcedente o pedido de condenação da exequente como litigante de má fé

Custas pelos embargantes e pela exequente, na proporção do decaimento”.

2. Os embargantes interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação do Porto proferido Acórdão em cujo dispositivo pode ler-se:

Pelos fundamentos expostos, na improcedência do recurso, acordamos em:

a) Manter a decisão da 1.ª instância; e

b) Condenar os Recorrentes nas custas do recurso”.

3. Ainda inconformados, vêm agora os embargantes “interpor RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL para o Colendo Supremo Tribunal de Justiça, o qual tem subida imediata nos próprios autos ( cfr. artºs. 854º, e 672º, nºs.1, alínea a), e 2, alínea a), ambos do Cód. Proc. Civil )”.

Terminam com as seguintes conclusões:

I. Cumprindo o recorrente os requisitos previstos no artº.640º do Cód. Proc. Civil, o Tribunal da Relação deverá proferir Acórdão que cumpra os requisitos legais, de acordo com o previsto no artº.663º do Cód. Proc. Civil, cujo nº2 remete para os artºs.607º a 612º do mesmo diploma legal.

II. Não é legalmente admissível um tribunal superior fundamentar a sua decisão nos mesmos fundamentos constantes do tribunal que proferiu a decisão recorrida, através da simples reprodução e transcrição, da fundamentação de facto desta última.

III. Face a tudo o supra exposto, ao abrigo do disposto na alínea a), do nº1, do artº.672º, do Cód. Proc. Civil, deve ser admitido o presente recurso.

IV. In casu, o Venerando Tribunal a quo manteve na íntegra toda a factualidade provada, e não provada, pelo Meritíssimo Tribunal de primeira instância, sendo que, nessa parte, fundamentou a sua douta decisão nos exactos argumentos utilizados por este último.

V. A argumentação utilizada pelo Venerando Tribunal a quo para fundamentar a sua decisão de manutenção da matéria de facto provada em primeira instância, não é meramente similar à utilizada pelo Meritíssimo Tribunal de primeira instância, mas sim a mesma, sendo que toda a fundamentação da douta decisão de primeira instância relativa aos artigos 26 a 28 dos factos provados e alíneas a) a l) dos factos não provados, foi totalmente transcrita na douta decisão recorrida a qual, alicerçada na referida transcrição, decidiu manter totalmente inalterada a matéria de facto provada.

VI. Uma coisa é considerar que uma decisão é o resultado de uma correcta análise dos meios probatórios produzidos no processo, outra, totalmente distinta, é, na sequência de um recurso relativo a matéria de facto, a decisão de recurso reproduzir todos os fundamentos da decisão recorrida quanto à mesma matéria de facto e, a final, considerar que esta foi acertada.

VII. Considerando que a fundamentação da decisão da primeira instância é aquela que resulta da audiência de discussão e julgamento, e da análise e ponderação dos meios probatórios por parte do juiz de julgamento, e que a decisão de segunda instância nada acrescenta em matéria de fundamentação de facto, limitando-se apenas a transcrever integralmente a fundamentação da decisão de primeira instância para alicerçar a sua decisão de recurso, o vício de que esta última padece é de falta fundamentação de facto, na medida em que, nessa parte, o que dela consta é uma mera cópia da decisão recorrida, não sendo, por isso, possível perceber o seu o respectivo itinerário cognoscitivo e valorativo.

VIII. Por isso, face ao supra exposto, a douta sentença aqui em crise padece do vício de nulidade, previsto no artº.615º, nº1, alínea b), do Cód. Proc. Civil, nulidade essa que desde já aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

IX. Quando é colocada em causa a matéria de facto, a Relação tem de fazer um “novo julgamento”, limitados aos factos colocados em causa nas conclusões das alegações de recurso.

X. Por isso, quer a manutenção, quer a alteração da matéria de facto pela Relação, são tarefas que têm uma exigência dupla que se traduz não só na realização do novo julgamento, como também na justificação pormenorizada, em sede de fundamentação, das razões que a levam a concluir de forma idêntica, ou distinta, da 1ª instância.

XI. Sendo efectuada a referida análise, e justificada na fundamentação, de forma pormenorizada, as razões/motivos que levaram a Relação a concluir de forma idêntica, ou distinta, da 1ª instância em sede de matéria de facto, estarão reunidas todas as condições para aplicação em pleno do princípio da livre apreciação da prova, tornando-se nessa parte insindicável a decisão da Relação ( cfr. artº.662º, nº4 do Cód. Proc. Civil ).

XII. Na situação sub judice a douta decisão recorrida não contém qualquer fundamentação de facto relativamente ao recurso interposto pelos recorrentes, na medida em que, nessa parte, da mesma apenas consta uma transcrição da fundamentação da matéria de facto colocada em causa pelo recurso.

XIII. Na falta de análise, e sem estarem justificadas na fundamentação, de forma pormenorizada, as razões/motivos que levaram a Relação a concluir de forma idêntica, ou distinta, da 1ª instância em sede de matéria de facto, a decisão recorrida viola o disposto nas disposições conjugadas dos artºs.663º, nº2, e 607º, nºs.4 e 5, ambos do Cód. Proc. Civil, sendo passível de recurso”.

4. A exequente apresentou contra-alegações, apresentando como conclusões as alegações, que são as seguintes:

1 - Resulta da decisão da 1.ª instância e 2.ª instância que a soma do capital e juros devidos é inferior a €30.000,01,

2 - Pelo que , não é admissível o recurso para o STJ , por falta de alçada ;

3 - Que , e sem prescindir, é extemporâneo , por ter sido apresentado fora do prazo .

4 - Por outro lado , e sem prescindir , não deve ser admitido o recurso de revista excepcional para o STJ , porquanto não se verificam os pressupostos da admissibilidade da revista excepcional .

5 - Existindo dupla conforme .

6 - Inexistindo qualquer nulidade ; aliás , e sem prescindir, o prazo de arguição das nulidades é de 10 dias ( art. 149.º do C.P.C. ) ; daí a extemporaneidade , por ter sido ultrapassado esse prazo em mais de 20 dias.

7 - Acresce que , e sem prescindir , não merece qualquer censura o Acórdão proferido , que fez a correcta apreciação , bem como a correcta aplicação do direito .

8 - O presente recurso tem apenas intuitos dilatórios , como é óbvio , litigando os Recorrentes com manifesta má-fé .

9 - Julgando-se improcedentes todas e cada uma da conclusões .

10 - E julgando-se improcedente o recurso interposto”.

5. O Exmo. Desembargador Relator determinou a subida do recurso nos seguintes termos:

Ao presente processo foi fixado o valor de 44.000,00€.

Por outro lado, descontando o feriado municipal do Porto e observando as demais regras previstas nos artigos 248.º, n.º 1, e 638.º, n.º 1, do CPC, o presente, recurso mostra-se tempestivo.

Assim, sob esse ponto de vista, nada obsta ao conhecimento do recurso de revista excecional interposto pelo Embargante. Isto, ao contrário do sustentado pela Embargada.

Remeta, pois, os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, para apreciação de tal recurso”.


*


Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), a única questão a decidir, in casu, é a de saber se o Tribunal a quo fez mau uso dos poderes-deveres de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto.

*


II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:

1 – A exequente deduziu a presente execução em 17.05.2022,

2 – Sendo proferido despacho liminar em 31.05.2022,

3 – E vindo os executados a ser citados em 13.10.2022, conforme AR assinados nessa data e juntos na execução em 04.11.2022.

4 – A exequente apresentou, como título executivo, a escritura pública de confissão de dívida, outorgada em 12.06.2006, na qual DD figura como primeiro outorgante e a exequente figura como segunda outorgante, com o teor que aqui se dá por reproduzido, constando da mesma, além do mais, o seguinte:


5 – O referido DD apôs a sua assinatura no documento 2 do requerimento executivo, datado de 12.06.2006, sob o título “declaração”, com o teor que aqui se dá por reproduzido, correspondente ao seguinte:


6 – Em 05.09.2011, foi outorgada escritura de habilitação de herdeiros do referido DD, conforme escritura junta como documento 3 do requerimento executivo, com o teor que se dá por reproduzido, na qual se declarou, além do mais, o seguinte:


7 – Em 25.03.2022, foi outorgada escritura de habilitação de herdeiros AA, conforme escritura junta como documento 4 do requerimento executivo, com o teor que se dá por reproduzido, na qual se declarou, além do mais, o seguinte:

8 – O falecido DD outorgou, em 06.01.2011, o testamento junto como documento 4 do requerimento executivo, com o teor que se dá por reproduzido, constando do mesmo, além do mais, o seguinte:

9 – No âmbito de anterior processo executivo instaurado, em 09.09.2011, pela exequente contra AA (entretanto falecido) e outra, sob o n.º 5998/11.0..., do juízo de execução ...-J3, a exequente apresentou à execução o mesmo título executivo da presente execução, conforme requerimento executivo datado de 09.09.2011 junto com o requerimento de 20.02.2023, com o teor que aqui se dá por reproduzido,

10 – Vindo tal execução a ser declarada extinta, por deserção,

11 – E tendo nesse processo sido ainda proferido o seguinte despacho datado de 10.03.2022, conforme despacho junto com o requerimento de 20.02.2023:

12 – Até julho de 2006, o falecido AA (filho do anteriormente falecido declarante da confissão de dívida) foi Presidente do Conselho de Administração da sociedade denominada B..., S.A., pessoa coletiva nº ... ... .58, a qual se apresentou à insolvência no dia 6 de Junho de 2006, conforme registo comercial e petição inicial de insolvência juntos com os embargos.

13 – Em 2006, a herança aberta por óbito de EE, mãe do referido AA, ainda não tinha sido partilhada.

14 – A exequente residia, juntamente com o seu marido, com o falecido DD, há mais de 15 anos,

15 – Sendo paga para cuidar deste,

16 – E tinha acesso a todas as suas contas bancárias,

17 – podendo movimentar as mesmas livremente,

18 – gerindo todo o dinheiro do falecido DD,

19 – fazendo todo o tipo de pagamentos e recebimentos,

20 – bem como fazendo todas as compras relativas a alimentação, vestuário e calçado do falecido DD.

21 – O falecido DD não tinha dívidas junto da banca ou de qualquer entidade financeira,

22 – sendo os seus rendimentos anuais suficientes para as suas despesas quotidianas,

23 – sendo que, até à declaração da insolvência da B..., S.A., para além das rendas e das pensões, ainda recebia todos os meses um salário entre € 500,00 e € 700,00 pago por aquela.

24 – Os rendimentos do falecido DD eram superiores a € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) mensais.

25 – A exequente não entregou qualquer quantia monetária ao falecido DD, com intenção de a mesma lhe ser restituída.

26 – Em março de 2006, a exequente contratou o empreiteiro FF para realizar obras em prédio pertencente ao falecido DD, sito na Avenida ..., ...,

27 – tendo-lhe pago, pelas obras realizadas, quantia superior a € 17.000,00.

28 – O imóvel sito na Avenida ..., ..., corresponde ao imóvel objeto do contrato de arrendamento escrito junto em audiência de julgamento, com data de 01.02.2006, no qual o falecido DD figura como senhorio e o marido da exequente figura como arrendatário, com o teor que aqui se dá por reproduzido.

E são seguintes os factos considerados não provados no Acórdão recorrido:

a) A confissão de dívida outorgada pelo falecido DD foi feita apenas com a intenção do falecido documentar a existência de uma dívida para com a exequente CC,

b) sem que essa dívida existisse,

c) para, por essa via, no caso de os credores de AA avançarem sobre a herança, poder ter uma maior margem de manobra,

d) no sentido de, em termos de ativo, beneficiar do testamento de sua falecida mulher EE,

e) e dispor do “controlo” de um montante “aceitável”, a nível do passivo.

f) No entender do falecido DD, tal “controlo” era possível, na medida em que, independentemente do pagamento do salário à exequente, mantinha com esta uma relação quase marital.

g) A exequente sabia e sabe que a confissão de dívida em causa nos autos não tem subjacente qualquer dívida real,

h) Servindo apenas para prejudicar os credores de AA, filho do referido DD, se pretendessem penhorar o direito à herança do seu pai, ao criar artificialmente um passivo nessa herança.

i) A confissão de dívida em causa nos autos foi outorgada, por acordo entre o falecido declarante e a exequente, sem que o seu conteúdo correspondesse à vontade real dos mesmos,

j) Apenas com o objetivo de evitar que os credores do filho do falecido declarante pudessem obter o pagamento dos seus créditos através do seu direito à herança dos seus pais.

k) A exequente não pagou quaisquer obras em imóvel do falecido devedor,

l) Pelo valor de € 20.000,00.

O DIREITO

Sobre a admissibilidade e o objecto do presente recurso

Antes de abordar a questão que é objecto do presente recurso, considera-se pertinente deixar duas ou três esclarecimentos a propósito da sua admissibilidade e do seu objecto.

Como é sabido, a lei sujeita a admissibilidade dos recursos a determinados requisitos. Os requisitos gerais do recurso são a legitimidade (do recorrente) (cfr. artigo 631.º do CPC), a tempestividade (do recurso) (cfr. artigo 638.º do CPC) e recorribilidade (da decisão). Este último requisito desdobra-se em dois sub-requisitos: um primeiro respeitante ao valor da causa e ao valor da sucumbência (cfr. artigo 629.º, n.º 1, e artigo 44.º, n.º 1, da LOSJ), tendente a excluir o recurso as decisões quantitativamente insignificantes, e um segundo, respeitante ao conteúdo da decisão, tendente a excluir o recurso das decisões qualitativamente insignificantes.

No caso do recurso de revista, o sub-requisito respeitante ao conteúdo da decisão desdobra-se, por sua vez, num requisito positivo, exigindo-se que o Acórdão recorrido ser proferido sobre decisão de 1.ª instância que conheça do mérito ou ponha termo ao processo com absolvição da instância (cfr. artigo 671.º, n.º 1), e num requisito negativo, rejeitando-se que o Acórdão recorrido confirme sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente a decisão proferida na 1.ª instância (cfr. artigo 671.º, n.º 3), isto é, que exista dupla conforme.

A recorrida alega que o presente recurso não cumpre o requisito da tempestividade. Explica que “o prazo de arguição das nulidades é de 10 dias ( art. 149.º do C.P.C. ) ; daí a extemporaneidade , por ter sido ultrapassado esse prazo em mais de 20 dias.

Mas não é possível dar-lhe razão. A regra do artigo 149.º, n.º 1, do CPC não é aplicável aqui. Está reservada aos casos em que a nulidade é arguida perante o tribunal a quo (cfr. artigo 615.º, n.º 4, 1.ª parte, do CPC), não abrangendo o caso, como este, em que “o vício de nulidade, previsto no artº.615º, nº1, alínea b), do Cód. Proc. Civil”) é arguido no recurso, logo, perante o tribunal ad quem (cfr. artigo 615.º, n.º 4, 1.ª parte, do CPC).

Ao referir-se à “falta da alçada”, a recorrida parece alegar ainda que o presente recurso não cumpre o requisito da recorribilidade na vertente do valor da causa e da sucumbência. Explica que “a soma do capital e juros devidos é inferior a €30.000,01”.

Mas tão-pouco esta alegação colhe. Não colhe se se entender que a recorrida pretende dizer que o valor da causa não é superior à alçada do tribunal a quo porquanto a alçada deste tribunal é de € 30.000 e o valor da causa foi fixado no despacho saneador, proferido em 20.04.2023, em € 44.0001. Nem colhe se se entender que a recorrida quis dizer que o valor da sucumbência não é superior a metade da alçada do tribunal a quo porque o valor da sucumbência, ou seja, o valor em que os embargantes decaíram na decisão recorrida – in casu, a soma do valores do capital e dos juros devidos – é, como ela própria reconhece, superior a € 15.000 e isso basta.

Por fim, a recorrida sustenta que o recurso excepcional é inadmissível “porquanto não se verificam os pressupostos da admissibilidade da revista excepcional [ ] Existindo dupla conforme”.

Rejeita-se também esta alegação.

Desde logo, saliente-se que a dupla conforme não é um obstáculo intransponível; ele é superado se o recurso for admitido por via excepcional – justamente, a via que os recorrentes invocam.

Sucede que, quando a questão respeita a decisão resultante do exercício de poderes-deveres próprios da Relação, não existe – não pode logicamente existir – uma decisão anterior sobre a mesma questão, pelo que não existe – não pode logicamente existir – dupla conforme.

Tudo indica que é isto o que acontece neste caso.

Seguindo as alegações de revista, a questão suscitada no presente recurso é a de “saber se é legalmente admissível um tribunal superior fundamentar a sua decisão nos mesmos fundamentos constantes do tribunal que proferiu a decisão recorrida, através da simples reprodução e transcrição, da fundamentação desta última”. A questão suscitada no presente recurso respeita, então, à alegada falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.

Ora, contrariando o que os recorrentes parecem pensar (cfr. conclusões VII e VIII), a falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto não configura a hipótese de falta de fundamentação a que se refere o artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, que é geradora da nulidade do Acórdão.

Como pode ler-se no sumário do Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 21.06.2022 (Proc. n.º 558/15.0T8AGH.L1.S1):

A falta ou deficiente de motivação do julgamento da matéria de facto prevista no art. 607 nº 4 do CPC, traduzido na fixação dos factos provados e não provados não constitui uma nulidade da sentença nos termos do art. 615 nº 1 em qualquer uma das suas alíneas”.

Para haver nulidade por falta de fundamentação, é preciso que a decisão não contenha os fundamentos de facto e os fundamentos de direito que estão na base da decisão, o que, indiscutivelmente, não se verifica, estando o Acórdão recorrido, nessa medida, devidamente justificado.

Quanto à (distinta) situação de falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, que é a questão que, verdadeiramente, os recorrentes pretendem que seja apreciada, não pode este Supremo Tribunal de Justiça apreciá-la, uma vez que os seus poderes-deveres no que respeita à decisão sobre a matéria de facto são consideravelmente limitados.

Assim, como se explica no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 16.11.2023 (Proc. 10979/19.3T8LSB.L1.S1):

Estando em causa o controlo da fundamentação das decisões sobre a impugnação da matéria de facto, há uma diferença fundamental entre os poderes do Tribunal da Relação e os poderes do Supremo Tribunal de Justiça.

O Tribunal da Relação pode[d]eterminar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados” 2; o Supremo Tribunal não pode fazê-lo.O processo só volta ao tribunal recorrido quando o Supremo Tribunal de Justiça entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito” 3. Ora o Supremo Tribunal de Justiça tem deduzido da diferença entre os poderes do Tribunal da Relação e os poderes do Supremo Tribunal de Justiça que a questão da alegada nulidade, por falta de fundamentação da decisão sobre a impugnação da matéria de facto, seja afinal uma questão de não uso ou, em todo o caso, de mau uso dos poderes do Tribunal da Relação na decisão sobre a impugnação da matéria de facto4”.

Quer dizer: apesar de os recorrentes não se referirem expressamente ao (in)cumprimento do artigo 662.º do CPC, alegando que a decisão recorrida “viola o disposto nas disposições conjugadas dos artºs.663º, nº2, e 607º, nºs.4 e 5, ambos do Cód. Proc. Civil” (cfr. conclusão XIII), é possível reconduzir a questão àquela outra, mais ampla, respeitante ao modo de exercício dos poderes-deveres que o artigo 662.º do CPC atribui ao Tribunal da Relação no âmbito da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto – a única que é possível apreciar em sede de revista.

Chegados aqui, compreender-se-á por que, apesar de os recorrentes invocarem a via da revista excepcional, estando em causa o exercício de poderes-deveres próprios do Tribunal da Relação, o recurso é admitido como revista normal.

Do exercício, pelo Tribunal recorrido, dos poderes-deveres de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto

Veja-se, então, se há sinais de “mau uso”5 (uso indevido, insuficiente ou excessivo), pelo Tribunal recorrido, dos poderes-deveres que lhe são conferidos pelo artigo 662.º do CPC.

O artigo 662.º do CPC confere ao Tribunal da Relação certos poderes-deveres no âmbito da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto, dispondo:

"1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:

a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;

b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;

c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;

d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados (…)”.

O Tribunal a quo decidiu manter inalterada a matéria de facto, o que justificou assim:

Da impugnação da decisão em matéria de facto

2.3.1.

Segundo dispõe o art. 662.º, n.º 1 do CPCivil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos dados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

À luz deste preceito, “fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.

O Tribunal da Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância, nos termos consagrados pelo art. 607.º, n.º 5, do CPCivil, sem olvidar, porém, os princípios da oralidade e da imediação.

A modificabilidade da decisão de facto é ainda suscetível de operar nas situações previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 662.º do CPCivil.

De todo o modo, como vem sendo reiteradamente afirmado pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, “não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objeto de impugnação não forem suscetíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2.º, nº 1, 137.º e 138.º, todos do C.P.C.)”6.

Não esquecer, ainda, que o que se espera ver vertido no elenco dos factos relevantes são apenas factos concretos, e não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos (art. 607.º, n.º 4, do CPCivil). Ou seja, factos enquanto premissas de um juízo conclusivo, num ou noutro dos sentidos defendidos pelas partes, ou até eventualmente num terceiro sentido afirmado pelo tribunal por via do princípio do inquisitório.

Como se deixou bem sublinhado no Ac. da RE de 28.06.20187, “sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objeto da ação, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, o mesmo deve ser eliminado”.

Com efeito, pese embora no atual CPCivil não exista norma como a do n.º 4 do art. 646.º do CPCivil de 1961, que considerava “não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito”, tal “não significa, obviamente, que seja admissível doravante a assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou que seja possível, através de uma afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspetos que dependem da decisão da matéria de facto”8.

2.3.2.

A prova é “a atividade realizada em processo tendente à formação da convicção do tribunal sobre a realidade dos factos controvertidos”9, tendo “por função a demonstração da realidade dos factos” (art. 341.º do CCivil) – a demonstração da correspondência entre o facto alegado e o facto ocorrido.

Sendo desejável, em prol da realização máxima da ideia de justiça, que a verdade processual corresponda à realidade material dos acontecimentos (verdade ontológica), certo e sabido é que nem sempre é possível alcançar semelhante patamar ideal de criação da convicção do juiz no processo de formação do seu juízo probatório.

Daí que a jurisprudência que temos por mais representativa acentue que a “verdade processual, na reconstrução possível, não é nem pode ser uma verdade ontológica”, não podendo sequer ser distinta ou diversa “da reconstituição possível do passado, na base da avaliação e do julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos e princípios e regras estabelecidos”, os quais são muitas vezes encontrados nas chamadas “regras da experiência”10.

Movemo-nos no domínio do que a doutrina considera como standard de prova ou critério da suficiência da prova, que se traduz numa regra de decisão indicadora do nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira11.

Para LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, “pese embora a existência de algumas flutuações terminológicas, o standard que opera no processo civil é, assim, o da probabilidade prevalecente ou “mais provável que não”. Este standard consubstancia-se em duas regras fundamentais:

i. Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais;

ii. Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa.

Em primeiro lugar, este critério da probabilidade lógica prevalecente – insiste-se – não se reporta à probabilidade como frequência estatística mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis.

Em segundo lugar, o que o standard preconiza é que, quando sobre um facto existam provas contraditórias, o julgador deve sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis. Dito de outra forma, deve escolher-se a hipótese que receba apoio relativamente maior dos elementos de prova conjuntamente disponíveis”12.

Os meios de prova, enquanto “modos por que se revelam os factos que servem de fonte das relações jurídicas”13, encontram no Código Civil os seguintes tipos: a confissão (arts. 352.º a 361.º); a prova documental (arts. 362.º a 387.º); a prova pericial (arts. 388.º e 389.º); a prova por inspeção (arts. 390.º e 391.º); e a prova testemunhal (arts. 392.º a 396.º). O art. 466.º do CPCivil acrescenta a “prova por declarações de parte”.

Nos termos do preceituado no art. 607.º, n.º 5, do CPCivil, “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.

O cit. normativo consagra o chamado princípio da livre apreciação da prova, que assume carácter eclético entre o sistema de prova livre e o sistema de prova legal.

Assim, o tribunal aprecia livremente a prova testemunhal (art. 396.º do CCivil e arts. 495.º a 526.º do CPCivil), bem como os depoimentos e declarações de parte (arts. 452.º a 466.º do CPCivil, exceto na parte em que constituam confissão; a prova por inspeção (art. 391.º do CCivil e arts. 490.º a 494.º do C.PCivil); a prova pericial (art. 389.º do CCivil e arts. 467.º a 489.º do CPCivil); e ainda no caso dos arts. 358.º, nºs 3 e 4, 361.º, 366.º, 371.º, n.ºs 1, 2ª parte e 2, e 376.º, n.º 3, todos do CCivil.

Por sua vez, estão subtraídos à livre apreciação os factos cuja prova a lei exija formalidade especial: é o que acontece com documentos ad substantiam ou ad probationem; também a confissão quando feita nos termos do art. 358.º, nºs 1 e 2 do CCivil; e os factos que resultam provados por via da não observância do ónus de impugnação (art. 574.º, n.º 2, do CPCivil).

O sistema de prova legal manifesta-se na prova por confissão, prova documental e prova por presunções legais, podendo distinguir-se entre prova pleníssima, prova plena e prova bastante”14.

A prova pleníssima não admite contraprova nem prova em contrário. Nesta categoria integram-se as presunções iuris et de iure (art. 350.º, n.º 2, in fine do CCivil).

Por sua vez, a prova plena é aquela que, para impugnação, é necessária prova em contrário (arts. 347.º e 350.º, n.º 2, ambos do CCivil). Assim será com os documentos autênticos que fazem prova plena do conteúdo que nele consta (art. 371.º, n.º 1, do CCivil), sem prejuízo de ser arguida a sua falsidade (art. 372.º, n.º 1, do CCivil), e também com as presunções iuris tantum (art. 350.º, n.º 2, do CCivil).

Por último, a prova bastante carateriza-se por ser suficiente a mera contraprova para a sua impugnação, ou seja, a colocação do julgador num estado de dúvida quanto à verdade do facto (art. 346.º do CCivil). Assim se distingue prova em contrário de contraprova – aquela, mais do que criar um estado de dúvida, tem de demonstrar a não realidade do facto15.

2.3.3.

Conforme adiantámos supra, no entendimento dos Recorrentes, existirá contradição entre a factualidade vertida sob os pontos 25) – “A exequente não entregou qualquer quantia monetária ao falecido DD, com intenção de a mesma lhe ser restituída” –, 26) – “Em março de 2006, a exequente contratou o empreiteiro FF para realizar obras em prédio pertencente ao falecido DD, sito na Avenida ..., ...” – e 27 – “tendo-lhe pago, pelas obras realizadas, quantia superior a € 17.000,00” – do elenco dos factos provados, e o teor dos pontos 4) – “A exequente apresentou, como título executivo, a escritura pública de confissão de dívida, outorgada em 12.06.2006, na qual DD figura como primeiro outorgante e a exequente figura como segunda outorgante, com o teor que aqui se dá por reproduzido, constando da mesma, além do mais, o seguinte: (…)” – e 5) – “O referido DD apôs a sua assinatura no documento 2 do requerimento executivo, datado de 12.06.2006, sob o título “declaração”, com o teor que aqui se dá por reproduzido, correspondente ao seguinte: (…)” do mesmo elenco.

Com todo o respeito, não vislumbramos ponta de contradição, ou tão pouco ambiguidade ou ininteligibilidade na factualidade em apreço.

Como se deixou profusamente explicado na decisão recorrida: [A título prévio, importa atentar que, apesar de a confissão de dívida estar redigida tendo por alegada causa um empréstimo, a prova produzida apontou no sentido de não ter havido propriamente uma entrega de dinheiro pela exequente ao falecido para posterior restituição, mas antes no sentido de a confissão de dívida se dever ao seguinte afirmado pela exequente e corroborado pela testemunha GG: a exequente pagou com dinheiro seu obras de recuperação/melhoramento de um imóvel do falecido e este, para permitir que a exequente viesse a ser ressarcida do dinheiro por si gasto, nomeadamente em caso de óbito do mesmo, confessou a dívida em valor correspondente ao que a exequente havia pago pelas obras. Esta factualidade resultou nos seus exatos termos da prova produzida em audiência de julgamento, ainda que o próprio documento particular referido em 5 dos factos provados (e que não foi impugnado) se assumisse já como base consistente dessa mesma factualidade, tendo as partes tido oportunidade de sobre ela se pronunciarem, tanto mais que foi o depoimento inicial da exequente que a apresentou e a demais prova produzida e as alegações também se centraram na discussão da matéria em causa. Isto posto, se é certo que se provou que a confissão de dívida não tinha subjacente à mesma um verdadeiro empréstimo (entrega de quantia monetária, com obrigação de restituição de igual montante) seguindo a própria intenção real dos outorgantes, a verdade é que não se provou que a confissão de dívida em si mesmo tivesse sido outorgada sem que os declarantes tivessem efetiva intenção de que fosse reconhecida uma dívida inexistente para com a exequente, e apenas o tivessem feito para prejudicar terceiros, nomeadamente eventuais credores do filho do falecido declarante, reduzindo, no fundo, o valor do direito à herança deste. Na verdade, em primeiro lugar, não se mostra muito plausível que a confissão de dívida servisse um objetivo da natureza do alegado pelos embargantes, estando em causa uma perspetiva incerta de eventual execução do direito à herança do filho do falecido declarante, subtraindo, no fundo, à herança a quantia de € 20.000,00, isto se a exequente reclamasse tal crédito. E, no fundo, se a intenção era beneficiar o filho do declarante devedor, a ideia de criar ficticiamente um crédito a favor da exequente, para um futuro benefício daquele filho na partilha da herança, revela-se pouco lógica, para mais sem envolver nesse acordo “simulatório” o próprio filho ou sequer lhe dar conhecimento do mesmo (o próprio embargante BB afirmou que o seu pai – filho do falecido devedor DD – desconhecia a confissão de dívida e o que o falecido devedor teria feito para acautelar a herança), de tal forma que o filho do falecido devedor estaria apenas dependente da boa vontade da exequente revelar a confissão de dívida, reclamar o crédito numa possível partilha da herança, para, depois, entregar o valor ao filho herdeiro. Além disso, a este respeito, importa notar que, caso viesse a ser penhorado o direito à herança em causa, a existência do crédito a favor da exequente, quanto muito, teria a virtualidade de reduzir o valor do produto da venda do quinhão hereditário (o que, em rigor, até prejudicaria o filho do falecido, pois, sendo menor o produto da venda do quinhão hereditário, menor seria também a virtualidade de ser paga a dívida desse mesmo filho), sendo o crédito da exequente, verdadeiramente, apenas relevante na subsequente partilha (onde o filho do falecido até poderia já nem ser interessado, se o seu quinhão tivesse sido vendido em execução), para recuperar o valor de € 20.000,00. Em segundo lugar, não se pode considerar que € 20.000,00 fosse um valor pelo qual, atentas as condições dos envolvidos, valesse o esforço de simular uma dívida (outorgar uma escritura pública), permitindo, dessa forma, beneficiar de forma relevante o filho do falecido declarante numa possível execução do seu direito à herança dos pais. De facto, tendo em conta uma herança que era composta por imóveis (como alegaram os embargantes, sendo que, na verdade, apenas se justifica a discussão dos autos se existir património relevante a partilhar), no quadro de facto em que o filho do falecido era ... de empresa e, como disse o embargante BB (e foi corroborado nos termos acima referidos), tinha condições económicas para dar ao pai cerca de € 700,00 por mês (mesmo depois da insolvência da B..., S.A.) e pagar todas as despesas extraordinárias do pai (saúde, etc.), não se vislumbra que subtrair € 20.000,00 a tal herança constituísse uma especial vantagem dos herdeiros, nomeadamente do filho do falecido devedor, seguindo a própria lógica já exposta das implicações que tal poderia ter na execução do quinhão hereditário e na partilha. Em terceiro lugar, se o objetivo era prejudicar efetivamente os credores do filho do falecido devedor e considerando que o falecido se predispôs a outorgar uma escritura pública, então, seria muito mais lógico que, para além de se declarar uma dívida superior, o devedor (ainda que com a participação dos demais sucessores) tivesse constituído hipoteca sobre os imóveis da herança, o que não sucedeu. Acresce que, no caso, a prova produzida foi concludente no sentido de, antes da outorga da confissão de dívida, terem sido efetivamente realizadas obras no imóvel do falecido que consta como objeto do contrato de arrendamento referido nos factos provados, como disseram credivelmente a exequente e as testemunhas GG (neta da exequente, com o conhecimento de causa já acima exposto) e FF (o empreiteiro referido nos factos provados e que efetuou as obras), sem que, na verdade, tivesse sido produzida qualquer contraprova, tanto mais que o próprio embargante BB não as negou, limitando-se a dizer desconhecer a situação concreta do imóvel e as obras que possam ter sido aí realizadas, por não conhecer bem tal imóvel, que as partes apelidam de “caseta”. Acresce ainda que a prova também foi concludente no sentido de o falecido, apesar de ter dinheiro para os seus gastos quotidianos e imóveis (seus e do falecido cônjuge), não ter especial disponibilidade financeira para gastos extraordinários, tanto mais que, como disse o embargante BB, sendo corroborado pelas já mencionadas testemunhas HH e II, sempre que era necessário um gasto de saúde/habitação/transporte extraordinário, era o filho do falecido que pagava, para além de, inclusive, ter pago, pelo menos uma vez, o IRS a cargo do falecido, como disse a testemunha HH. E, na verdade, nenhuma prova foi produzida no sentido de o falecido devedor ter pago algum valor relativo a obras em imóvel de sua propriedade e/ou de ter solicitado ao filho para o fazer. Assim sendo, assente que foram realizadas obras no imóvel (“caseta” objeto do contrato de arrendamento em que o marido da exequente figura como arrendatário, conforme contrato junto em audiência) do falecido devedor e que não consta que este as tenha pago, a versão da exequente relatada em audiência, corroborada pelas testemunhas GG e FF, revela especial consistência, tornando absolutamente plausível que as obras tenham sido pagas pela exequente e que a confissão de dívida servisse para a ressarcir desse valor suportado. E o certo é que também nenhuma prova em sentido contrário foi produzida. Nesta parte, poderia suscitar-se a dúvida sobre as condições financeiras da exequente para suportar custos com obras no imóvel, na ordem dos € 20.000,00, tendo nomeadamente em conta que inexiste documento que ateste tal pagamento ou até elementos que revelem condições financeiras da exequente adequadas a tal. As declarações de IRS juntas (requerimento de 05.05.2023) revelam rendimentos declarados da exequente e seu marido inferiores a € 10.000,00 anuais e inexiste comprovativo de pagamento das obras ou registo bancário adequado a corroborar tal versão. No entanto, a exequente afirmou, sem prova contraditória, que, além dos rendimentos declarados, auferia ainda rendimento elevado da venda de peixe, o qual auferia em numerário e assim guardava em casa, tendo utilizado tal numerário para pagar as obras. Esta versão, para além de, como se disse, não ter sido contraditada, foi corroborada pela testemunha GG, sendo que a própria exequente não evidenciou sinais de falsidade nesta alegação. Além disso, a exequente afirmou que pagou as obras em numerário, com dinheiro que guardava em casa da venda do peixe, o que, pelo menos quanto ao pagamento em numerário, foi corroborado pela testemunha FF (o empreiteiro). Por fim, ainda que de forma meramente acessória (considerando que, como supra e infra exposto, a consistência dos saldos bancários ou o património imobiliário da exequente não influencia o resultado da prova; e tendo em conta que estão em causa, no essencial, elementos de data posterior à confissão de dívida, ainda que, apesar de tudo, não deixem de permitir estabelecer alguma ligação com a situação passada), como reforço da contraprova da alegada inexistência de condições financeiras da exequente, atende-se ainda aos movimentos bancários da exequente juntos em 29.06.2023 (comprovativos de depósitos de 50.000,00 em 30.11.2009 na conta da exequente; de 20.000,00 por débito em outra conta da exequente, em 24.08.2011; extrato de património da exequente na CGD, em 01.10.2019, nos valores de cerca de 5.000,00 depósito à ordem e € 15.000,00 em seguros financeiros) e ao património imobiliário da exequente e seu marido retratado nas cadernetas prediais de três imóveis juntas em 15.05.2023 e na escritura de compra e venda datada de 29.08.2011 junta em 29.05.2023. A factualidade provada resultou, assim, sem prova em sentido contrário, do acima exposto, em especial da conjugação do depoimento da exequente com os depoimentos coincidentes, neste sentido, das testemunhas GG (que era visita assídua da casa do falecido e conhecia o imóvel em causa e as obras realizadas) e FF (o empreiteiro referido nos factos provados e que realizou as obras), os quais prestaram depoimentos credíveis e convincentes, sem que, especialmente este último, tenham revelado algum interesse pessoal, direto ou indireto, no desfecho da causa. Atendeu-se ainda ao próprio contrato de arrendamento junto em audiência de julgamento, o qual, estando datado de 01.02.2006, reforça a convicção de que, a terem sido realizadas obras no imóvel – como se concluiu que foram -, as mesmas tenham sido contratadas e pagas pela exequente, enquanto arrendatária ou esposa do arrendatário (poderia ter sido pelo marido da exequente, pois este é que figura no contrato de arrendamento, mas, para além de tal não ser especialmente relevante, a prova por depoimentos referida indicou que foi a exequente que o fez). Quanto ao valor das obras, tendo a exequente referido mais de € 20.000,00 e a testemunha FF referido com segurança pelo menos € 17.000,00 (ainda que admitindo € 20.000,00 como possível, pois não recordava bem, atento o tempo decorrido e não haver registo documental do pagamento, na medida em que tudo foi, como disse, pago em numerário), o tribunal entende que, com segurança e porque o relato da exequente, quanto ao valor, não foi corroborado por qualquer outra prova, apenas se provou valor superior a € 17.000,00, sem prejuízo de também não ter sido produzida prova de que o valor de € 20.000,00 não corresponda à verdade. Resta salientar que, em face do exposto quanto à forma de obtenção (em numerário) e guarda (em casa) de rendimentos por parte da exequente e de pagamento das obras (em numerário), se mostra irrelevante a prova sobre os registos bancários da exequente, pois a conclusão do tribunal no sentido dos factos provados é independente da consistência dos saldos bancários da exequente. Ou seja, na sequência do que resultou da demais prova acima analisada, a conclusão seria sempre a mesma, tendo ou não a exequente saldo bancário consistente. Em sede de alegações, os embargantes colocaram algumas questões que, no seu entender, apontam para respostas reveladoras da simulação que arguiram. Os embargantes questionaram a razão de terem sido elaborados dois documentos com a mesma data, uma escritura de confissão e um documento particular a explicar a existência de obras em imóvel do falecido como causa do “empréstimo”. No entanto, não se vislumbra como tal circunstância indicia a simulação alegada, pois existem várias explicações possíveis e não associáveis a simulação para a existência de dois documentos, desde logo a possibilidade de só terem vislumbrado relevância na explicação do “empréstimo” após a outorga da escritura ou a possibilidade de não terem querido “complicar” a redação da escritura, entre outras explicações. E, aliás, o facto de existirem dois documentos até se mostra mais adequado a afastar a existência de acordo simulatório, pois não revela o planeamento mais rigoroso que normalmente se associa a um espírito simulatório, em que o agendamento da escritura é o culminar de uma pensada estratégia fraudulenta. Os embargantes suscitaram ainda a questão de o contrato de arrendamento prever que a realização de obras no arrendado não permitia ao arrendatário exigir do senhorio o seu valor. No entanto, também aqui não se vislumbram indícios de simulação, sendo que, por um lado, o contrato de arrendamento em causa configura um claro contrato tipo, em que as partes se limitam a preencher os dados em branco; por outro lado, nada obsta que, mesmo tendo celebrado o aludido contrato, o senhorio tenha acordado em permitir ao arrendatário/exequente recuperar o investimento, nomeadamente em caso de óbito do senhorio, para mais num quadro de relacionamento entre os envolvidos que pacificamente resultou da prova, em que a exequente cuidava do falecido, tendo até sido instituída por este como sua herdeira, de acordo com o testamento provado. Os embargantes suscitaram ainda estranheza quanto à origem do dinheiro para pagar as obras, nomeadamente tendo em conta que a testemunha FF (o empreiteiro) disse que, depois de ter sido paga uma primeira tranche, uma vez que foi assaltado, pediu outro pagamento à exequente, tendo esta sido apanhada desprevenida e tendo dito que iria tentar arranjar (nesta parte, importa notar que a testemunha em causa, apesar de ter referido inicialmente que a exequente teria dito que iria ao banco, depois esclareceu que era apenas uma suposição da testemunha, perante o que teria dito a exequente, mas sem ter por certo se disse que ia ao banco, a casa ou a outro local; e, em todo o caso, esta parte do depoimento da testemunha também seria irrelevante para se concluir algo quanto à efetiva origem do numerário depois entregue ao empreiteiro, seja porque, como disse a testemunha, desconhece a origem do dinheiro, se o banco, se a casa, se outro local, seja porque, na verdade, mesmo que a exequente tivesse dito que ia ao banco, mesmo tendo o dinheiro em casa, tal seria facilmente explicável com a ideia de segurança, não revelando a estranhos que mantinha dinheiro guardado em casa), aludindo os embargantes a alguns movimentos bancários estranhos. Ora, não se vislumbra como esta factualidade indicia a inexistência de causa para a confissão de dívida, tal como alegado pelos embargantes, antes pelo contrário, pois revela que foram realizadas obras contratadas e pagas pela exequente. E, na verdade, se o que os embargantes pretendiam era tentar demonstrar que o dinheiro das obras teve origem em dinheiro do falecido, nomeadamente por transferências das contas deste último e sem o seu consentimento, tal nunca seria revelador de algum acordo simulatório entre o falecido e a exequente a respeito da confissão de dívida, antes pelo contrário, ainda que pudessem estar em causa atos ilícitos da exequente e em prejuízo do falecido. De acordo com as dúvidas suscitadas pelos embargantes, o que poderia existir, num puro exercício de especulação, era uma atuação ilícita da exequente, porventura enganando o falecido e apropriando-se de dinheiro seu, mas estas questões extravasam a matéria dos presentes autos e nenhuma correspondência têm com a simulação arguida. Os embargantes ainda colocaram a questão de o falecido nunca ter contado nada aos seus familiares quanto à existência da dívida para com a exequente, o que, no seu entender, indicia também a simulação. Sucede que também não se vislumbra onde encontrar nesta factualidade indícios de simulação, antes pelo contrário. De facto, como acima já referido, se a simulação servia para beneficiar o filho do falecido devedor, então, seria lógico que o falecido tivesse contado ao mesmo o que havia feito no seu (do seu filho) interesse. Se não o fez, tal até é suscetível de indiciar que quis efetivamente constituir a dívida para com a exequente, porventura não pretendendo que o filho soubesse que o estava a fazer. E, aliás, nem sequer esta omissão de relato à família se pode entender como algo desconforme com a personalidade do falecido, pois, como referiu o próprio embargante, a família também desconhecia o arrendamento e a realização de obras, para além do testamento a favor da exequente e do casamento que acabou por ser anulado, para além de, não menos importante, desconhecer a própria confissão de dívida].

2.3.4.

As razões pelas quais a decisão recorrida julgou não provada a factualidade que integra as respetivas alíneas a) – “A confissão de dívida outorgada pelo falecido DD foi feita apenas com a intenção do falecido documentar a existência de uma dívida para com a exequente CC” –, b) – “sem que essa dívida existisse” – e g) – “A exequente sabia e sabe que a confissão de dívida em causa nos autos não tem subjacente qualquer dívida real” – integram a longa citação que deixámos consignada no ponto antecedentes.

Ora, tudo visto e ponderado, o juízo probatório que formulamos em nada diverge do que se apresenta como essencial à convicção alcançada pela 1.ª instância, que consideramos solidamente motivada.

Com efeito, a matéria de facto julgada não provada em apreço, coaduna-se inteiramente, a nosso ver, com um juízo probatório sobre o conjunto dos meios de prova produzidos, “sob o signo da probabilidade lógica – de evidence and inference, i. e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente, portanto, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis”. É certo que a convicção formada pelo tribunal diverge radicalmente da tese que os Recorrentes apresentam, mas é sem qualquer dúvida uma convicção objetiva, alicerçada numa perspetiva eminentemente “universalista” da prova produzida, ao invés da formada pelos Apelantes, compreensivelmente subjetiva, ancorada em fragmentos de prova convenientes e na vontade de fazer prevalecer a sua própria verdade.

2.3.5.

Na visão dos Apelantes, para além dos factos considerados pelo Tribunal a quo, outros existirão com relevância para a decisão da causa que, tendo por base os meios de prova que indicam, deveriam ter sido julgados provados.

Assim, entendem que com base na certidão junta aos autos, respeitante ao “processo que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central ..., J4, sob o nº 1980/14.4..., no qual foi declarado anulado o casamento entre o falecido DD e JJ, filha da recorrida, que também foi ré na referida ação”, deveria ter sido julgado provado que [a recorrida é herdeira da quota disponível do falecido DD, e que o filho deste, AA, intentou uma acção que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central ..., J4, sob o nº1980/14.4..., na qual foi declarado anulado o casamento entre o falecido DD e JJ, filha da recorrida, que também foi ré na referida acção, casamento esse que apenas foi conhecido pelos embargantes 4 ou 5 dias antes do falecimento deste último].

Por outro lado, tendo por base as declarações de parte do Apelante BB, assim como os depoimentos das testemunhas HH e II, nos segmentos que especificam, entendem os Apelantes que deveria o Tribunal de que vem o recurso ter julgado provada a factualidade alegada na petição inicial de embargos, sob os artigos 66.º, 67.º, 68.º, 77.º, 78.º, e 79.º, assim como a alegada no artigo. 5.º do articulado de resposta.

Vejamos.

No que concerne à factualidade emergente da dita certidão judicial, a mesma assume inquestionavelmente natureza instrumental, sendo certo que, por si ou em conjugação com os demais meios de prova produzidos, é insuscetível, em face da leitura que fazemos, de operar qualquer alteração no juízo probatório alcançado sobre os factos essenciais.

Daí a inutilidade de integrar no elenco dos factos provados a factualidade em apreço.

Relativamente ao alegado sob o art. 66.º da p. i. de embargos – “A dívida em causa nestes autos nunca existiu” –, é por demais evidente que se trata de matéria devidamente considerada como relevante pela decisão recorrida, a ponto de a considerar integrada no conjunto factual vertido sob as alíneas a), b) e g) do elenco dos factos não provados, pelas razões a que nos referimos e acolhemos supra.

Quanto à demais factualidade a que se referem os Apelantes (alegada nos artigos 67.º, 68.º, 77.º a 79.º da petição inicial de embargos, e 5.º do articulado de resposta), é clara a sua natureza meramente instrumental, sendo certo que a mesma foi considerada pelo tribunal em sede de formulação do juízo probatório, como facilmente se alcança da leitura da motivação consignada na sentença.

Não se vê, pois, também neste segmento, necessidade de operar qualquer aditamento ao elenco dos factos provados.

2.3.6.

Não vemos, pois, razões válidas para censurar a decisão da matéria de facto em qualquer dos segmentos impugnados, designadamente quanto à factualidade julgada não provada, porque sustentada num juízo de maior probabilidade do acontecer formulado pela 1.ª instância, com base no princípio da livre apreciação do conjunto de provas produzido, e favorecido pela imediação, dotado de racionalidade, objetividade e inteligibilidade bastantes.

Concluímos pela total improcedência do recurso em matéria de facto, pelo que mantemos inalterada a corresponde decisão prolatada pelo Tribunal a quo”.

Salta à vista, por um lado, que o Tribunal recorrido teve consciência do artigo 662.º do CPC, sendo a norma expressamente referida no enquadramento da apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Nada se vê, por outro lado, que permita dizer que o Tribunal recorrido ignorou, desconsiderou ou subvalorizou os poderes-deveres que aquela norma lhe confere, entre os quais se destaca o poder-dever de modificar a decisão sobre a matéria de facto.

O que resulta do Acórdão recorrido é, simplesmente, que o Tribunal decidiu manter a decisão sobre a matéria de facto proferida pela 1.ª instância por entender que isso era o (mais) acertado, não se vislumbrando qualquer sinal que permita duvidar que o Tribunal recorrido analisou livre e criticamente as provas e formou uma convicção própria sobre os factos.

Relativamente à paráfrase da sentença, que se verifica, em concreto, nalguns pontos – que não em todos – do Acórdão recorrido, diga-se que, tal como a remissão para os fundamentos da sentença, ela não significa que o Tribunal da Relação não tenha reflectido sobre todos e cada um dos pontos em crise, não tenha ponderado os meios de prova relevantes e não tenha desenvolvido o seu próprio raciocínio16; significa simplesmente que o Tribunal da Relação entendeu que o percurso lógico que o Tribunal de 1.ª instância expôs na sentença era suficientemente claro e desenvolvido – mais claro e desenvolvido que poderia resultar das suas próprias palavras – e por isso optou por reproduzi-lo.

Como se destaca no sumário do (já referido) Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 16.11.2023:

O art. 662.º do Código de Processo Civil implica que a fundamentação do acórdão recorrido seja adequada e suficiente para que se possa concluir que o Tribunal da Relação reavaliou os meios de prova disponíveis, reponderou todas as questões de facto suscitadas para formar uma convicção própria e respondeu a todas as questões de facto suscitadas, fundamentando a sua resposta”.

Em síntese, a fundamentação do Acórdão recorrido é adequada e suficiente nestes precisos termos, não havendo razão para considerar que o Tribunal recorrido não exerceu os poderes-deveres que lhe são legalmente conferidos no domínio da reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, devendo, em vez disso, concluir-se que decidiu não modificar esta decisão apenas porque entendeu que nada o tornava necessário nem conveniente.

Evidentemente, os recorrentes podem sempre dizer que o Tribunal recorrido não teve razão, que tomou partido pela versão errada dos acontecimentos. O que, todavia, importa é que não foi desrespeitada nenhuma das normas cujo desrespeito podia e devia ser apreciado neste recurso de revista e, como tal, deve a decisão recorrida ser confirmada.


*


III. DECISÃO

Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido.


*


Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.

*


Lisboa, 31 de Outubro de 2024

Catarina Serra (relatora)

Orlando Nascimento

Maria da Graça Trigo

______


1. Diz-se aí: “Fixo aos embargos o valor da execução (art. 304.º, n.º 1, do NCPC) - € 44.000,00”.

2. Cf. art. 662.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil.

3. Cf. art. 682.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

4. Cf. acórdãos do STJ de 21 de Junho de 2022 — processo n.º 558/15.0T8AGH.L1.S1 — e de 7 de Julho de 2022 — processo n.º 13589/19.1T8LSB.L1.S1 —: a alegada falta de fundamentação inscrever-se-ia “no domínio da sindicância sobre o uso dos poderes pelo Tribunal da Relação na reapreciação da decisão de facto impugnada”.

5. Partilha-se a expressão usada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.07.2015 (Proc. 284040/11.0YIPRT.G1.S1).

6. Cf. Ac. RG de 15.12.2016, relatado por MARIA JOÃO MATOS no processo 86/14.0T8AMGR.G1, acessível em www.dgsi.pt.

7. Relatado por FLORBELA MOREIRA LANÇA no processo 170/16.6T8MMN.E1, acessível em www.dgsi.pt.

8. Cf. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES e outros, ob. cit., p. 746.↩︎

9. Cf. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, As partes, o objeto e a prova na ação declarativa, Lex, 1995, p. 195.

10. Cf. Ac. do STJ de 06.10.2010, relatado por HENRIQUES GASPAR no processo 936/08.JAPRT, acessível em www.dgsi.pt.

11. Cf. LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, O Standard de Prova no Processo Civil e no Processo Penal, janeiro de 2017, acessível em http://www.trl.mj.pt/PDF/O%20standard%20de%20prova%202017.pdf.

12. Ob. cit.

13. Cf. TOMÉ GOMES, Um olhar sobre a prova em demanda da verdade no Processo Civil, in Revista do Centro de Estudos Judiciários, n.º 3, 2005, p. 152.↩︎

14. Cf. CASTRO MENDES, Do conceito de prova em processo civil, Ática, 1961, Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, p. 413.

15. Cf. PAIS DE AMARAL, Direito Processual Civil, 12.ª edição, Almedina, 2015, p. 293.

16. Dir-se-ia até: por maioria de razão.