Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA DO CARMO SILVA DIAS | ||
Descritores: | HABEAS CORPUS EXTRADIÇÃO SOBERANIA NACIONAL TRÂNSITO EM JULGADO NOTIFICAÇÃO DE ACÓRDÃO TRIBUNAL SUPERIOR ACÓRDÃO ASSINATURA INDEFERIMENTO | ||
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Data do Acordão: | 07/13/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
Decisão: | IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO | ||
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Sumário : | I. Não incumbe ao STJ sindicar a decisão proferida pelo STJ de Cabo Verde, no âmbito do processo de extradição, como pretende a peticionante, o que, aliás, seria absolutamente proibido por constituir uma interferência/ingerência inadmissível na soberania de outro país. II. Os acórdãos proferidos em recurso pelos tribunais superiores não têm de ser notificados pessoalmente ao arguido, mas apenas ao respetivo defensor ou advogado constituído, sendo estes que tem o dever de transmitir o resultado do recurso aos seus clientes. III. Ao contrário do que a requerente desta providência alega, o acórdão do STJ de 24.03.2021 não padece de qualquer vício (seja nulidade ou irregularidade) por não estar assinado pela Srª Conselheira Adjunta, pois, tal como dele consta (ainda que haja lapso de escrita quanto à identificação do diploma legal) foi feita declaração pelo Relator, nos termos do artigo 15º-A do DL 10-A/2020, de 13.03, na redação do art. 3.º do DL 20/2020, de 1 de Maio e não, como por lapso referiu, da Lei nº 207/2020. IV. De resto, a detenção e prisão da aqui peticionante foi motivada por facto que a lei permite, mantendo-se dentro do prazo legal, na sequência de decisão judicial, proferida nos termos legais, não se verificando os fundamentos do art. 222.º do CPP, antes se verificando um uso claramente abusivo desta providência excecional, podendo concluir-se que a petição de habeas corpus é manifestamente infundada, justificando-se a condenação nos termos do art. 223.º, n.º 6, do CPP. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I Relatório
1. A peticionante AA através do seu Advogado, requereu esta providência de Habeas Corpus (ao abrigo dos arts. 222.º e 223.º do CPP), alegando estar presa ilegalmente e, em consequência, pede a sua imediata libertação. Para tanto, invoca, o seguinte no requerimento que apresenta: 1.º Antes de mais, a arguida invoca a presente providência de Habeas Corpus, por forma a ver tutelado o seu direito à liberdade individual ambulatória, que deve ser interpretado como um direito fundamental da pessoa e da sua própria dignidade como pessoa humana, tanto é que o referido instrumento é também proclamado em diversas legislações internacionais. 2.º A Declaração Universal dos Direitos Humanos assegura expressamente que ninguém pode ser arbitrariamente detido, razão pela qual não pode, igualmente, ser mantida a privação da liberdade com base em uma ordem de prisão ilegal, que desrespeitou o devido processo legal. 3.º O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos assegura especificamente que todo o indivíduo tem direito à liberdade pessoal, pelo que segue terminantemente proibida a detenção ou prisão arbitrárias, que só poderia ser mitigado se fundamentado por lei e desde que respeitados os procedimentos legalmente estabelecidos. 4.º No mesmo sentido, é assegurado o direito a recorrer a um Tribunal a toda a pessoa que seja privada de liberdade em virtude de detenção, a fim de que este se pronuncie, com a maior brevidade, sobre a legalidade da sua prisão e em caso de prisão ilegal, deve ordenar a sua liberdade. 5.º A Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais resguarda ainda que toda a pessoa tem direito à liberdade, pelo que ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo se for preso em cumprimento de condenação, decretada por tribunal competente e desde que tal prisão seja determinada de acordo com o procedimento legal. 6.º Já a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 27.º, n.º 1, reconhece e garante os direitos à liberdade individual, à liberdade física e à liberdade de movimentos e, expressamente, consagra no artigo 31.º, a providência do Habeas Corpus como sendo uma garantia extraordinária, expedita e privilegiada contra a prisão arbitrária ou ilegal, a ser decidida no prazo de 8 dias. 7.° Quanto à competência para decidir sobre a providência liberatória em referência, não pairam quaisquer dúvidas de que tal incumbência recai ao Supremo Tribunal de Justiça, conforme entendimento que decorre do disposto no artigo 222.º do CPP. 8.º Nesse sentido, a arguida reivindica através do presente remédio excepcional a intervenção do poder judicial para imediatamente fazer cessar as ofensas ao seu direito de liberdade, eis que a manutenção da prisão é ilegal e reveste-se de notórios abusos de autoridade, razão pela qual pretende ver restituída a sua liberdade, pois encontra-se ilegalmente privada da sua liberdade física. 9.º Portanto, através do presente Habeas Corpus, a arguida pretende discutir, em última análise, a legalidade da prisão que lhe foi imposta arbitrariamente, apreciação que deve ser confrontada à luz das normas que estabelecem o regime da admissibilidade da prisão, ressaltando que a determinação da prisão foi feita de maneira inadmissível e, consequentemente, deve ser considerada ilegal. 10.º A Arguida nunca foi notificada pessoalmente do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no dia 24/03/2021 e não teve sequer conhecimento do alegado trânsito em julgado, certificado em 16/04/2021, situação que consubstancia um vício na tramitação processual penal e nítida afronta aos Direitos e Garantias de Defesa e viola o CPP e a CRP. 11.º A arguida não teve cabal conhecimento da Decisão Condenatória que a seu respeito foi tomada pelo Supremo, diligência que constituía uma Obrigação e um Dever do Estado de fornecer esse cabal conhecimento, em observância às Garantias de Defesa que o processo criminal deve respeitar. 12.º Nesse contexto, a arguida invoca o n.s 6 do artigo 425.º do CPP, que determina que: "O acórdão é notificado aos recorrentes, aos recorridos e ao Ministério Público", diligência que jamais foi cumprida, uma vez que a arguida nunca foi notificada do Acórdão proferido no dia 24/03/2021. 13.º Ainda que se pondere que a Notificação do Acórdão tenha sido dirigida ao Mandatário que representava a arguida, a verdade é que tal notificação deveria também ter sido direcionada à arguida, conforme determina o disposto no artigo 113.º, n.º 5 do CPP. 14.º O Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça possui uma superior relevância, por determinar o destino da arguida e representa uma decisão de grande impacto na esfera jurídica da pessoa do condenado, motivo pelo qual deveria ser notificado pessoalmente. 15.º No âmbito do presente processo, não foi resguardado os princípios idealizados pelo due process of law, isso porque a arguida teve indevidamente suprimida a possibilidade de se defender. 16.º A faculdade de recorrer, impugnar e de demonstrar o seu inconformismo com uma decisão condenatória está inserida no complexo de garantias que consagram o direito de defesa dos arguidos em processo penal. 17.º Pois bem, não foi adequadamente disponibilizado à arguida a possibilidade legítima de exercer os seus direitos, na vertente de propiciar o Direito de Defesa do Arguido, assim como na prossecução do Direito ao Exercício do Recurso, que acabou mitigado e até afastado pela falta de envio de notificação à arguida do Acórdão do STJ contra si proferido. 18.º Assim, a nulidade ora invocada segue evidenciada pela leitura conjunta dos artigos 113.s, n.º 5 e 425.º, n.º 6, ambos do CPP, isso porque a falta de notificação do Acórdão do STJ à arguida comprometeu irremediavelmente o seu direito ao contraditório e à ampla defesa e violou um processo equitativo. 19.º Não foi assegurado à arguida um processo equitativo, uma vez que o Tribunal desprezou os seus direitos mais básicos, tudo com base em uma ânsia inquisitorial, que desobedeceu a Lei Fundamental Portuguesa e concretamente ao seu artigo 32.º, com particular enfoque no seu n.º 1, violando claramente o Constitucionalmente garantido Direito de Defesa do Arguido no decurso de toda a tramitação processual penal. 20.º A possibilidade de exercício do seu direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das Garantias de Defesa do Arguido no âmbito do Processo Penal, pelo que constitui uma Garantia essencial de Defesa. 21.º Por estar constitucionalmente reconhecido, o Direito ao Recurso representa um inegável limite ao alegado direito sancionatório do Estado. 22.º Para sancionar um arguido, o Estado deve ter sempre um compromisso intransponível de assegurar todos os seus direitos e garantias. 23.º Ao negligenciar a notificação da arguida quanto ao Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça e sem sequer assegurar essa diligência, acabou por surpreender imotivadamente à arguida, que nem sequer tinha conhecimento de já ter sido proferida uma decisão condenatória que lhe afeta e causa inúmeros transtornos, o que representou uma decisão surpresa. 24.º Ao expedir mandados de detenção sem comunicar à arguida o resultado do Acórdão, o Tribunal desrespeitou a Lei e suprimiu direitos à condenada. 25.º Por conta da ausência de notificação do Acórdão do STJ, a arguida acabou por ser presa, sem sequer ter o conhecimento prévio da decisão proferida pelo referido Tribunal Superior, o que viola os ideais de um processo equitativo e despreza a paridade de armas entre acusação e defesa. 26.º Dentre os direitos e garantias fundamentais da arguida, assumem ainda especial relevância o Direito ao Recurso e a Garantia de Defesa, que atendem como função primordial precisamente a prevenção da condenação injusta, mas, ainda assim, era imprescindível dar o conhecimento prévio à arguida da decisão desfavorável que lhe foi aplicada pelo STJ. 27.º A omissão da notificação do Acórdão à arguida, para além de impossibilitar o conhecimento e manifestação da condenada, inviabilizou a adoção de qualquer instrumento no sentido de impedir, atenuar ou até mesmo de propiciar uma preparação à arguida, do ponto de vista emocional, familiar e até profissional, para o cumprimento da pena imposta. 28.º A ausência de comunicação prévia do Acórdão proferido pelo STJ, implicou uma açodada restrição forçada da liberdade da arguida, que sequer teve disponibilizada a hipótese de reação à condenação, pelo que restou violado o direito ao recurso enquanto valor de garantia, próprio e único, enquanto uma das Garantias de Defesa Constitucionalmente asseguradas. 29.º Não estamos apenas diante de uma mera violação à Lei Processual, mas perante uma nulidade insanável, com violação de garantias constitucionais. 30.º Nesse sentido, invocamos o disposto no artigo 18º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, que enaltece que os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias do cidadão são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 31.º O Acórdão proferido pela 3a Secção do Supremo Tribunal da Justiça, no dia 24/03/2021, não foi assinado por todos os Juízes Conselheiros que compuseram a Sessão em Conferência. 32.º Sucede que a Exma. Senhora Juíza Conselheira Adjunta, Dr.ª BB nunca assinou o referido Acórdão. 33.º Pese embora conste nos autos uma Certidão de Trânsito em Julgado, datada de 16/04/2021, o referido Acórdão do STJ não foi sequer assinado por todos os Juízes Conselheiros que compuseram a Sessão em Conferência, o que representa uma nulidade insanável. 34.º A alegada concordância da Exma. Senhora Juíza Conselheira Adjunta, Dr.ª BB, com o teor do Acórdão jamais pode ser presumida ou hipotética, pelo que demandaria a produção de prova robusta e contundente, que não existe nos presentes autos e revela flagrante nulidade. 35.º A falta de assinatura de um dos Juízes na Decisão Colectiva integra evidente nulidade, na forma do art. 668.º-l-a), 666.º-3 e 157.º-1, todos do CPC, pois estamos diante de uma omissão de um requisito externo, de forma da decisão, que não foi cumprido adequadamente. 36.º O presente processo enferma outra grave nulidade, decorrente do facto de a arguida não ter estado assistida por Advogado ou Defensor Oficioso, desde o dia 27/09/2022 até 19/06/2023, ou seja, por quase 09 meses, pelo que esteve sem qualquer assistência jurídica no momento da sua extradição e também da prisão, situação que a impediu de impugnar, reclamar e até mesmo de recorrer. 37.º Pese embora a arguida tenha expressamente revogado poderes ao Advogado Dr. CC, no dia 26/09/2022, conforme documento de revogação constante dos autos, a verdade é que a arguida acabou por ser presa e extraditada para Portugal, sem sequer poder exercer os seus princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, pois não tinha advogado constituído, tampouco defensor oficioso. 38.º Sucede que mesmo após a revogação de poderes, o referido Advogado, Dr. CC, continuou a ser o único a ser notificado pelo Tribunal no presente processo judicial. 39.º Tanto é assim que, quando a Procuradoria-Geral da República expediu o Pedido de Extradição da arguida, tal determinação ocorreu após a revogação de poderes do antigo advogado, ficando a arguida completamente desassistida, lembrando que os documentos da extradição foram expedidos e recebidos em Outubro de 2023. 40.º Até ao dia 19/06/2023, foi apenas o antigo Advogado da arguida que continuou a ser notificado no processo, mesmo sem possuir quaisquer poderes para intervir nos autos, sendo certo que as últimas notificações foram expedidas nas datas de 15/06/2023,30/05/2023,15/05/2023 e 24/04/2023. 41.º O Tribunal jamais notificou a arguida para regularizar a sua representação processual, tampouco nomeou Defensor Oficioso para assegurar a sua defesa, pelo que a arguida segue totalmente desassistida e sem ter salvaguardado o acesso à justiça, o que a prejudica totalmente e acarreta sérios danos processuais. 42.º O direito da arguida a escolher um advogado ou a ser assistido por um defensor, em todos os actos do processo, tem consagração no arts 32s, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, sendo certo que beneficia igualmente de protecção no art. 6, n.º 3, al. c) da CEDH e encontra-se previsto no art. 61.º, ns 1, alíneas e), f) e j), do CPP. 43.º Portanto, o processo contra a arguida apresenta uma flagrante violação e nulidade, por violação às regras que salvaguardam um processo equitativo, pois esta não teve sequer condições de se defender, recorrer ou de qualquer outra forma impugnar a decisão que lhe ordenou, determinou e, por fim, deu cumprimento a sua extradição de Cabo Verde para Portugal. 44.º Quando a arguida foi presa, em Cabo Verde, esta não estava sequer representada por Advogado nos autos do presente processo, uma vez que o antigo mandatário teve os seus poderes expressamente revogados no dia26/09/2022, facto que diminuiu e até mesmo impediu o exercício das suas garantias de defesa, o que atinge a equidade do processo. 45.º Nesse contexto, a arguida não pôde dispor de efectiva assistência jurídica, sequer por um defensor oficioso, situação que lhe causou prejuízos significativos, pelo que se reflete violação dos direitos consagrados no artigo 6.º n.º 3 alínea c) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 32.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa. 46.º De acordo com o artigo 18º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis, assim como as normas previstas na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que devem ser consideradas como direito interno e, como tal aplicadas pelos Tribunais Portugueses, em conformidade com o disposto no artigo 8.º da Lei fundamental. 47.º Para além das nulidades previstas no Código do Processo Penal enquanto vícios processuais, na forma dos artigos 118.º a 123.º, não poderão deixar de ser considerados também como afectados de nulidade todos os actos processuais que infrinjam ou desrespeitem direitos e garantias consagrados na Constituição e nos Tratados. 48.º O antigo mandatário, Dr. CC, é Réu em um Processo Cível ajuizado pela arguida, isso porque abusou da confiança desta, para celebrar um contrato de compra venda e transferiu 02 imóveis que eram da arguida para o nome do próprio advogado, mas nunca pagou o preço de 100.000,00 €. 49.º O Processo n.º 9962/23.... foi ajuizado pela arguida contra o seu antigo advogado e corre termos no Juízo Central Cível ... - Juiz ..., sendo certo ainda que a arguida também formalizou Participação Disciplinar na Ordem dos Advogados contra o antigo advogado. 50.º Para além disso, a arguida também fez uma participação contra o Advogado no DIAP ... e comunicou que o seu antigo advogado praticou um crime de abuso de confiança, pelo facto de ter transferido 02 (dois) imóveis que eram da arguida para o seu nome, apropriando-se ainda indevidamente do valor de 100.000,00€, que jamais foram pagos à arguida, situação que traduz evidente enriquecimento sem causa. 51.º Logo, a arguida perdeu completamente a confiança que algum dia teve no seu antigo mandatário e este jamais poderia ter continuado a receber notificações do presente processo após transcorrer cerca de 09 meses depois dos poderes terem sido revogados pela arguida. 52.º A verdade é que o Tribunal tomou conhecimento da revogação de poderes do Dr. CC e se limitou a ignorar tal situação, pelo que desprezou o pedido da arguida e se absteve de nomear um defensor oficioso, privando a arguida não apenas do apoio técnico-jurídico, mas também humanitário, que tem como função garantir a observância da lei e da justiça de toda e qualquer decisão judicial, inserindo-se no conspecto de um processo equitativo. 53.° Ainda que a arguida não tenha expressamente solicitado a nomeação de um defensor oficioso, a verdade é que esta foi extraditada de Cabo Verde, sendo obrigada a regressar a Portugal, País onde não tem mais familiares e se viu desesperada, pois teve que deixar o seu companheiro naquele País, pelo que seria imprescindível ter a sua defesa técnica garantida. 54.º A ausência de defensor à arguida compromete irremediavelmente as suas hipóteses de reação processual e repercute a impossibilidade do exercício do direito de defesa pleno e eficaz, sendo certo que para tutelar eficazmente as garantias legais e constitucionais, deve ser reconhecida a nulidade insanável de todos os actos processuais praticados após o dia 27/09/2022. 55.º O Tribunal, mesmo tendo conhecimento da revogação de poderes, preferiu ignorar a situação e continuar a enviar Notificações ao Advogado que teve os seus poderes revogados, olvidando-se que no caso específico da arguida poderia ter sido acionado o sistema de acesso ao direito e aos tribunais, que destina-se a promover que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, de conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos. 56.º O processo que determinou a extradição da arguida padece de nulidades insanáveis, em decorrência da violação não apenas da Lei Portuguesa, mas, também por desrespeito à própria legislação cabo-verdiana, inclusivamente porque a arguida jamais foi notificada pessoalmente do referido pedido de extradição, tampouco foi-lhe dado conhecimento do Despacho que o admitiu, impossibilitando ainda que esta fosse ouvida na fase judicial da extradição. 57.° Não foi realizada sequer a notificação do advogado da extraditanda para deduzir oposição, situação que era legalmente exigível, mas, que foi negligenciada no âmbito do processo de extradição. 58.º A arguida deveria ter sido notificada pessoalmente do pedido formal de extradição, assim como do despacho judicial que o admitiu, razão pela qual teve mais uma vez os seus direitos e garantias fundamentais vilipendiados. 59.° Já o Acórdão que determinou a extradição da arguida, não se pronunciou sobre os argumentos invocados pela Recorrente e tangenciou completamente a questão da nulidade da falta de notificação pessoal do pedido de extradição e desprezou a obrigatoriedade de notificação do Despacho que o admitiu. 60.º Antes de ser promovida a extradição da arguida, deveria ter sido dada a oportunidade de esta se manifestar previamente sobre o pedido de extradição e até de apresentar a sua oposição. 61.º A arguida foi ouvida apenas nos autos de Detenção Provisória n.º 03/2022, que culminou com a aplicação da medida de detenção provisória, mas, que jamais poderia ser suficiente para impedir que esta fosse devidamente ouvida e que tivesse disponibilizada a oportunidade de confrontar contrariamente ao pedido de extradição formulado. 62.º A audição da arguida para aplicação da medida de detenção provisória não se confunde com a audição da extraditanda no bojo do processo judicial de extradição, após o decurso da fase administrativa, razão pela qual concluímos que foi frontalmente violado o direito de defesa da extraditanda. 63.º Ao não convocar a arguida para ser ouvida no âmbito do processo judicial de extradição, foram violados direitos e garantias fundamentais, que configuram nulidades insanáveis e que convertem à ilegalidade da prisão, assim como determina a nulidade da extradição e contaminam de ilegalidade o acto de entrega da cidadã, ora arguida, às autoridades portuguesas. 64.º A ausência de audição da arguida na fase judicial do processo de extradição caracteriza uma evidente omissão e nulidade insanável, por evidente cerceamento de defesa e supressão à possibilidade do contraditório, negligência processual que viola às regras do processo equitativo. 65.º Portanto, a tramitação do processo de extradição revelou-se ilegal e inconstitucional, por flagrante violação aos direitos e garantias fundamentais da arguida, que não teve resguardada a possibilidade de exercer adequadamente a sua defesa pessoal e técnica, por nítida desídia processual. 66.º O processo de extradição não respeitou a legislação cabo-verdiana, violou as leis portuguesas, a própria Constituição e até os princípios estabelecidos pela Convenção de Extradição Entre os Estados dos Países de Língua Portuguesa (CLCP). 67.° Enquanto o presente processo esteve a correr, os pais e avós da arguida acabaram por falecer e sem sequer ter conhecimento do desfecho dos autos, a arguida decidiu ir viver para Cabo Verde, em fevereiro de 2021. 68.º Como já não tinha família em Portugal, optou por migrar para Cabo Verde e desenvolveu fortes laços afetivos, emocionais e sociais naquele País. 69.º Tanto é assim que passou a viver maritalmente com o Sr. DD, cidadão de nacionalidade cabo-verdiana. 70.º A arguida passou a viver em comunhão de cama, mesa e habitação com o Sr. DD, compondo o mesmo agregado familiar, tendo ambos decidido se casar e começaram a tratar da documentação necessária para o casamento ainda no ano de 2021. 71.º Entretanto, infelizmente, por ter sido ilegalmente presa e extraditada, a arguida não conseguiu contrair o matrimónio, mas, a verdade é que vivia em união de facto, que deveria ter sido respeitada como entidade familiar. 71.º Infelizmente, a decisão que determinou a extradição da arguida ignorou a sua condição de vida e a sua família devidamente constituída. 73.º Para além de ser privada da liberdade, a arguida ficou totalmente relegada e sem qualquer rede de apoio familiar, lembrando que os pais e avós da arguida já faleceram e que esta não tem irmãos. 74.º Ao ser sorrateiramente extraditada, com base em um processo que não respeitou minimamente os seus direitos e garantia fundamentais, a arguida foi privada de manter a sua família, o que é injusto e extremamente ilegal. 75.º Desde que foi extraditada para Portugal, a arguida ficou impossibilitada de conviver com o seu companheiro, que integra hoje em dia, a sua verdadeira família e não pode contar com o seu apoio direto. 76.° Ao ser determinada a extradição da arguida, infelizmente, esta acabou por ficar relegada ao isolamento, pois não tem mais familiares em Portugal, situação que lhe causa imensa tristeza, ansiedade e apreensão. 77.° A extradição jamais poderia ter sido determinada, com base nos pactos internacionais e normativos legais portugueses e cabo-verdianos. 78.° Não existiria sequer reciprocidade entre os referidos Países se a situação fosse inversa, razão pela qual a ordem de extradição foi injusta e desleal. 79.° Como já informado nos presente autos, em Portugal, a arguida possui apenas bens imóveis, especificamente 27 bens imóveis, mas, infelizmente, em Portugal, não tem qualquer familiar ou amigos, uma vez que a arguida optou por conseguir refazer toda a sua vida em Cabo Verde. 80.º Em Cabo Verde, a arguida tinha a sua família, constituída pelo seu companheiro, estava inserida socialmente, tinha amigos e pessoas estimadas, que seriam uma verdadeira rede de apoio e de integração social. 81.º A arguida estava às vias de casar com o seu companheiro, cidadão de nacionalidade cabo-verdiana, mas, todos esse contexto foi ignorado e desprezado no âmbito do processo de extradição, que culminou com a prolação de uma decisão ilegal, desleal e injusta. 82.º Caso a arguida estivesse com o seu companheiro, teria todo o seu incondicional apoio, mas, infelizmente, o processo de extradição desleal acabou por romper indevidamente os vínculos familiares, razão pela qual consideramos a existência de uma flagrante nulidade na extradição. 83.º A arguida opôs-se à extradição e invocou os seus fortes laços familiares que criou em Cabo Verde, ao contrário do que acontece em Portugal, motivação pela qual esta nunca poderia ter sido extraditada. 84.º O Estado Português possui um dever constitucional de preservar a integridade dos laços afectivos, que jamais poderiam ter sido rompidos com base em um processo de extradição desleal e que viola à Constituição da República Portuguesa, que tutela e protege a manutenção da família. 85.º No mesmo sentido, a Constituição da República de Cabo Verde também assegura o dever constitucional de preservar a integridade dos laços afectivos e de proteção da família, conforme artigos 82, 87 e 88 da CRCV. 86.º O processo de extradição vilipendiou o direito à proteção da família, situação que afronta o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, que possui respaldo tanto na Constituição da República Portuguesa, quanto na Constituição da República de Cabo Verde, conforme seu Artigo l.º. 87.º Pois bem, por razões humanitárias, a extradição de Cabo Verde para Portugal jamais deveria ter ocorrido, pelo facto de o processo de extradição estar enfermo de gravíssimas nulidades. 88.º Como já enfatizado, não existiria reciprocidade entre os Países se a situação da arguida fosse inversa e a extradição seria denegada, do ponto de vista da denegação facultativa, pois não se justifica a alegada cooperação internacional entre os Países quando se põe em causa a supremacia de outros valores constitucionais que assumem maior relevância jurídica. 89.º Portanto, as patentes nulidades que enfermam o processo de extradição devem ser reconhecidas, para declarar que a prisão e extradição da arguida foi ilegal, por desrespeitar direitos e garantias fundamentais, inclusive com alçada constitucional no ordenamento jurídico português e cabo-verdiano. 90.º A extradição jamais poderia ter sido autorizada no caso da arguida, diante das inúmeras nulidades constatadas nos presentes autos e reclamadas na presente medida de Habeas Corpus, devendo ser declarada ilegal a prisão. CONCLUSÃO: Diante do exposto, devem ser reconhecidas todas as nulidades invocadas, que acarretam a ilegalidade da prisão da arguida, razão pela qual a arguida requer a Vossas Excelências, o deferimento do pedido de Habeas Corpus, e, em consequência, deverá ser ordenada a imediata libertação da Sra. AA.
2. O Senhor Juiz prestou a informação a que se refere o art. 223.º, n.º 1, do CPP, nos seguintes termos: Requerimento de 05/07/2023 Vi a petição de habeas corpus que antecede. Tendo em consideração os motivos alegados pela condenada, no confronto com o processado nos autos, verifica-se terem sido cumpridas as formalidades legais, estando o trânsito devidamente certificado, com respeito pelo direito de defesa, bem como da assistência jurídica da arguida, estando a tramitação de acordo com os trâmites legais, pelo que é entendimento deste Tribunal que inexiste prisão ilegal, pelo que não se determina a pretendida libertação. Consequentemente, constitua apenso de habeas corpus do qual constarão, por certidão: - o pedido agora formulado; - o presente despacho; - o acórdão proferido nestes autos e os acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa e pelo Supremo Tribunal de Justiça; - a certidão de fls. 2562 - as notificações de fls. 2558-2561; - o despacho de fls. 2568; - o processado a fls. 2568-2630; -os requerimentos contendo procurações pela arguida, e as notificações a esta efetuadas, bem como na pessoa da Il. defensora desde a notificação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça; -os ofícios de 26/09/2022 e 17/10/2022, 06/01/2023 e 16/03/2023; - o despacho de liquidação da pena Desde já se concede acesso eletrónico aos autos e apensos para efeitos de consulta no âmbito do apenso a constituir. Constituído tal apenso, deverá o mesmo, de imediato, ser remetido ao Exm.º Juiz Conselheiro, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. 3. Tendo entrado a petição neste Supremo Tribunal, após distribuição, teve lugar a audiência aludida no art. 223.º, n.º 3, do CPP, pelo que cumpre conhecer e decidir. II. Fundamentação
4. Factos Com interesse para a decisão deste habeas corpus, extrai-se da certidão junta aos autos, bem como da consulta feita ao processo, o seguinte: - A arguida AA foi condenada na pena de 17 anos de prisão (sendo 16 anos por um crime de homicídio qualificado p e p. nos art. 132 .º n.º 1 e n.º 2, al. b) e j) do CP e 4 anos e 6 meses por um crime de incêndio p. e p. no art. 272.º, n.º 1, do CP), por acórdão de 12.03.2018 proferido processo comum (coletivo) n.º 1711/16.4S6LSB, do Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., da comarca de Lisboa, sendo (no que aqui interessa) negado provimento ao recurso da arguida por ac. do TRL de 18.09.2018, mas, entretanto, por ac. do STJ de 9.05.2019, foi declarada a nulidade da decisão recorrida nos termos do art. 379.º ex vi do art. 424.º, n.º 3 do CPP, o que deu lugar a que fosse elaborado o ac. do TRL de 22.09.2020, que veio a suprimir a nulidade apontada e voltou a negar provimento ao recurso da arguida, sendo que por ac. do STJ de 24.03.2021, foi o recurso da arguida rejeitado em parte e noutra parte julgado improcedente. - Esse acórdão do STJ de 24.03.2021 foi assinado pelo relator e, nele consta, igualmente a Declaração feita nos termos do artigo 15º-A da Lei nº 207/2020, de 1 de Maio: O acórdão tem a concordância da Exma. Senhora Juíza Conselheira Adjunta, Dr.ª BB, não assinando, por o julgamento, em conferência, haver sido realizado por meios de comunicação à distância. - O mencionado acórdão do STJ de 24.03.2021 foi notificado ao Ministério Público e aos respetivos mandatários, incluindo ao da arguida, intervenientes, tendo transitado em julgado em 8.04.2021, conforme consta da respetiva certidão datada de 16.04.2021. - Entretanto, foi emitido um mandado de detenção internacional e pedida a sua extradição a Cabo Verde, por ter sido conhecido que ali passara a residir, sendo a arguida detida naquele país, onde correu o respetivo processo de extradição, ali apresentando a respetiva defesa e não concordando com o Acórdão do STJ de Cabo Verde n.º 186/2022 de 15.12.2022, dele recorreu, sendo proferido novo Acórdão pelo mesmo STJ n.º 27/2023, em 16.02.2023, o qual transitou em julgado em 08.03.2023, tendo sido negado provimento ao recurso interposto pela arguida e confirmou, para todos os efeitos, a autorização para se extraditar a recorrente para Portugal. - Depois de extraditada para Portugal, foi feita a liquidação da pena de 17 anos de prisão, por despacho de 18.04.2023, confirmado por despacho de 29.05.2023, na sequência de reclamações apresentadas pela arguida (atingindo o meio da pena em 9.11.2028, 2/3 em 9.09.2031; 5/6 em 2034; e o fim da pena estando previsto para 9.05.2037), estando, por isso, atualmente em cumprimento dessa pena única à ordem do processo comum (coletivo) n.º 1711/16.4S6LSB, do Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., da comarca de Lisboa. - Em 19.06.2023 a arguida, através do seu novo Advogado, que elaborou o presente habeas corpus e o apresentou em 5.07.2023, juntou a respetiva procuração e apresentou revogação de anteriores advogados que a representavam nos presentes autos (Dr. EE e Dra. FF), sendo que quanto ao Advogado Dr. CC foi no processo de extradição, que correu termos em Cabo Verde, que juntou o instrumento de revogação da procuração em 27.09.2022.
5. Direito Invoca a peticionante, em resumo, que devem ser reconhecidas todas as nulidades invocadas (relacionadas com os factos que alega, em resumo, nunca ter sido notificada pessoalmente do ac. do STJ de 24.03.2021, desconhecendo o seu trânsito em julgado, não ter sido o mesmo acórdão assinado pela Srª Juíza Conselheira Adjunta Drª BB, terem sido preteridos todas as suas garantias de defesa, incluindo direito ao recurso e o acesso a um processo justo e equitativo, sendo expedido o mandado de detenção sem lhe darem conhecimento do resultado do acórdão, além de não ter sido assistida por defensor oficioso durante quase 9 meses, uma vez que revogou a procuração ao Dr. CC em 26.09.2022 e desde 27.09.2022 até 19.06.2023 esteve sem advogado, sendo as notificações feitas para aquele Dr. CC – contra o qual apresentou um processo cível, uma participação disciplinar na Ordem dos Advogados e uma participação no DIAP ... por abuso de confiança - tendo ficado completamente desassistida desde que foi expedido o pedido de extradição e respetivos documentos, não lhe sendo nomeado qualquer defensor oficioso, por o tribunal ter ignorado a revogação de poderes ao Dr. CC, padecendo o processo de extradição que correu em Cabo Verde de nulidades insanáveis, tendo sido privada do seu direito à proteção da vida familiar em Cabo Verde), que na sua perspetiva acarretam a ilegalidade da sua prisão e determinam o deferimento do pedido de habeas corpus, devendo, em consequência, ser ordenada a sua libertação de imediato. Pois bem. 6. Dispõe o artigo 222.º (habeas corpus em virtude de prisão ilegal) do CPP: 1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus. 2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de: a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial. São taxativos os pressupostos do habeas corpus (que também tem assento no art. 31.º da CRP), o qual não se confunde com o recurso, nem com os fundamentos deste. Aliás, como diz Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, Lisboa: Editorial Verbo, 1993, p. 260, o habeas corpus “não é um recurso, é uma providência extraordinária com a natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto espaço de tempo a uma situação de ilegal privação de liberdade”. Convém ter presente, como se refere no art. 31.º, n.º 1 CRP, que “Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.” Ou seja, esta providência, que inclusivamente pode ser interposta por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos (art. 31.º, n.º 2, CRP), tem apenas por finalidade libertar quem está preso ou detido ilegalmente e, por isso, é uma medida excecional e muito célere. De resto, quando se aprecia a providência de habeas corpus não se vai analisar o mérito da decisão que determina a prisão ou o mérito da decisão que determinou a detenção para extradição, nem tão pouco eventuais erros procedimentais ou meros lapsos (cometidos v.g. pelo tribunal ou pelos sujeitos processuais) já que esses devem ser apreciados em sede de recurso, mas tão só incumbe decidir se ocorrem quaisquer dos fundamentos indicados no art. 222.º, n.º 2, do CPP. 7. Apreciação E, o que é que se passa neste caso concreto? A peticionante deste habeas corpus foi detida em Cabo Verde na sequência de Mandado de Detenção Internacional e de Pedido de Extradição feito por Portugal, com vista à sua extradição para Portugal, para cumprir a pena única de 17 anos de prisão em que fora condenada por acórdão transitado em julgado e, no respetivo processo de extradição que correu termos em Cabo Verde, não concordando com o Acórdão do STJ de Cabo Verde n.º 186/2022 de 15.12.2022, dele recorreu, sendo proferido novo Acórdão pelo mesmo STJ n.º 27/2023, em 16.02.2023, o qual transitou em julgado em 08.03.2023, tendo sido negado provimento ao recurso interposto pela arguida e sendo confirmado, para todos os efeitos, a autorização para se extraditar a recorrente para Portugal, o que veio a ser concretizado, estando atualmente a arguida em cumprimento daquela pena única no nosso país. Ora, não incumbe a este STJ sindicar a decisão proferida pelo STJ de Cabo Verde, como pretende a peticionante, o que, aliás, seria absolutamente proibido por constituir uma interferência/ingerência inadmissível na soberania de outro país. Portanto, o que a peticionante/requerente deste habeas corpus alegou nessa matéria (nomeadamente questões que coloca nessa área), relativa ao processo de extradição que correu termos em Cabo Verde, não cabe nos poderes de cognição deste STJ e, muito menos no âmbito desta providência excecional de habeas corpus. Quanto ao que alega de não ter sido notificada pessoalmente do acórdão do STJ de 24.03.2021 e de, por isso, ter visto os seus direitos de defesa, incluindo o direito ao recurso e o acesso a um processo justo e equitativo, altamente prejudicados, também não lhe assiste qualquer razão. Para além de, como sabido por qualquer jurista, a providência do habeas corpus não servir para arguir nulidades ou irregularidades (as quais devem ser suscitadas nos respetivos processos e, sendo admissível, impugnadas pelos meios próprios e atempadamente as decisões proferidas desfavoráveis), podemos esclarecer que o ac. do STJ foi notificado ao MP e aos respetivos Advogados intervenientes nos autos, incluindo ao que então representava a arguida. Acresce que, constitui entendimento uniforme das Relações e do STJ que os acórdãos proferidos em recurso pelos tribunais superiores não têm de ser notificados pessoalmente ao arguido, mas apenas ao respetivo defensor ou advogado constituído[1]. O Tribunal Constitucional[2] já se pronunciou repetidas vezes no sentido de que "as garantias constitucionais de defesa do arguido não exigem que uma sentença ou acórdão sejam sempre e necessariamente a ele pessoalmente notificadas, podendo sê-lo ao seu defensor", desse modo concluindo pela não inconstitucionalidade do artigo 113.°, n.° 10, do CPP quando interpretado no sentido de que a notificação da decisão tomada pelos tribunais superiores em via de recurso poder ser feita ao defensor do arguido, não tendo, assim, de ser notificada pessoalmente ao arguido. O que é perfeitamente compreensível, uma vez que se pressupõe que a decisão de recurso não tem de ser notificada pessoalmente ao arguido por se inserir no âmbito da chamada "defesa técnica", que está a cargo e é da responsabilidade do Advogado, sendo, por isso, a este que incumbe, após a sua notificação da respetiva decisão superior, comunicar ao cliente tudo o que for relevante, assim como discutir a estratégia a seguir futuramente, sendo que, se for necessário, faz intervir tradutor/intérprete da sua confiança, para uma melhor comunicação com o arguido. Questão diferente, que já se colocou, tendo sido levada à apreciação do TEDH, é a que ocorre quando os advogados não transmitem, como é seu dever, o resultado do recurso aos seus clientes, deixando-os na ignorância quanto ao destino do mesmo, o que não será este o caso, pois a arguida, além de se ter defendido no processo de extradição (nomeadamente apresentando recurso, ainda que não tenha sido procedente), também quando foi notificada da liquidação da pena (pena única que não questionou, após trânsito do ac. do STJ de 24.03.2021), veio apenas contestá-la em termos de controlar se estavam a ser feitos todos os descontos (de tempo de prisão anteriormente sofrido) a que, na sua perspetiva, teria direito. Portanto, não há dúvidas que o referido acórdão do STJ de 24.03.2021 transitou em julgado (tendo a arguida todas as possibilidade de defesa, incluindo de recurso e o acesso a um processo justo e equitativo) e, por isso, por entretanto se ter ausentado para Cabo Verde[3], apenas foi depois de detida e extraditada para Portugal, que passou a estar em cumprimento de pena única (17 anos) de prisão em que foi condenada, a qual foi liquidada nos termos acima indicados e dos quais teve pessoalmente conhecimento. Ao contrário do que a requerente desta providência alega, o acórdão do STJ de 24.03.2021 não padece de qualquer vício (seja nulidade ou irregularidade) por não estar assinado pela Srª Conselheira Adjunta, pois, tal como dele consta, ainda que haja lapso de escrita quanto à referência do diploma legal, foi feita declaração pelo Relator, nos termos do artigo 15º-A do DL 10-A/2020, de 13.03, na redação do art. 3.º do DL 20/2020, de 1 de Maio e não, como por lapso referiu, da Lei nº 207/2020, nos seguintes termos: O acórdão tem a concordância da Exma. Senhora Juíza Conselheira Adjunta, Dr.ª BB, não assinando, por o julgamento, em conferência, haver sido realizado por meios de comunicação à distância. Com efeito, dispunha então o art.15.º-A (A Recolha de assinatura dos juízes participantes em tribunal coletivo) do DL 10-A/2020, de 13.03, na redação do art. 3.º do DL 20/2020, de 1 de Maio, o seguinte: A assinatura dos outros juízes que, para além do relator, tenham intervindo em tribunal coletivo, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 153.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na sua redação atual, pode ser substituída por declaração escrita do relator atestando o voto de conformidade dos juízes que não assinaram. Ora, atenta a data de prolação do referido acórdão do STJ (24.03.2021), não há dúvidas que foi cumprido o referido formalismo e, portanto, não existe a apontada falta de assinatura da Srª. Conselheira Adjunta, pelo que incorreu em manifesto erro a peticionante, não ocorrendo a nulidade apontada ou qualquer outro vício da mesma decisão do STJ. A peticionante deste habeas corpus foi sempre notificada na pessoa do seu mandatário e, se em Cabo Verde, no processo que ali corria, juntou revogação do mandato ao advogado Dr. CC, datada de 26.09.2022, tal não contende com o trânsito em julgado do acórdão do STJ proferido nos autos principais, que ocorreu anteriormente, em 8.04.2021 (em plena vigência da procuração que passara ao mesmo advogado). E, que foi assistida no processo de extradição, também não haverá dúvidas, uma vez que inclusivamente apresentou recurso, ainda que tivesse sido julgado improcedente, como acima se referiu, por acórdão do STJ de Cabo Verde n.º 27/2023, em 16.02.2023, o qual transitou em julgado em 08.03.2023 (no qual foi confirmado, para todos os efeitos, a autorização para ser extraditada a recorrente para Portugal, o que veio a ser concretizado, estando atualmente a arguida em cumprimento da pena única de 17 anos de prisão no nosso país.) Obviamente que a partir do momento em que foi detida em Cabo Verde, em execução do Mandado de detenção Internacional, ficou privada dos contactos com família que ali tivesse constituído, o que (ao contrário do que alega), uma vez que tudo se passou no quadro legal acima apontado, não se traduz em qualquer ofensa do seu direito “à proteção da família” ou ofensa à dignidade da pessoa humana ou a qualquer outro direito fundamental protegido por normas nacionais ou por legislação internacional. A arguida deu entrada no EP ... em 25.03.2023, data em que naturalmente foi junto aos autos o respetivo expediente relativo à extradição (ver despacho de 27.03.2023, em que a Srª. Juiz toma conhecimento desse processado). Questões que a peticionante queira colocar sobre a notificação da liquidação da pena ter sido feita ao advogado Dr. CC, terá que apresentar na 1ª instância e não neste habeas corpus, uma vez que não é no âmbito desta providência que incumbe decidir essa matéria. Com efeito, tudo o que invoca na petição deste habeas corpus quanto a notificações ao anterior Advogado (Dr. CC) que terão sido feitas no processo principal, depois de ter sido revogado o mandato (o que fez no expediente relativo à extradição, que apenas foi junta aos autos principais em 27.03.2023), terão de ser colocadas no processo principal, na 1ª instância. O habeas corpus é providência inadequada para esse efeito (uma vez que as matérias invocadas na petição desta providência ora em apreciação não integram qualquer dos fundamentos do art. 222.º do CPP, que são taxativos). De resto, a providência de habeas corpus não sequer é o meio próprio para discutir o mérito das decisões que recaíram ou vierem a recair sobre quaisquer requerimentos que formule no processo principal ou no expediente de extradição que correu em Cabo Verde, relativo às matérias que invoca no requerimento em apreciação, que não cabem no âmbito do art. 222.º do CPP. A peticionante não pode utilizar indevidamente este habeas corpus (que não é um recurso) nem pretender que através dele o STJ se pronuncie sobre matérias que extravasam os seus fundamentos, que são taxativos. De resto, como acima já se viu, a detenção e prisão da aqui peticionante foi motivada por facto que a lei permite, mantendo-se dentro do prazo legal, na sequência de decisão judicial, proferida nos termos legais. Assim, não foram violados os princípios e as disposições legais invocados pela peticionante deste habeas corpus, antes tudo revelando que foi feito um uso claramente abusivo desta providência excecional, podendo concluir-se que a petição de habeas corpus é manifestamente infundada, justificando-se a condenação nos termos do art. 223.º, n.º 6, do CPP. III - Decisão Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a providência de habeas corpus aqui em apreciação. Custas pela peticionante, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC`s, a que acresce, a condenação no pagamento da soma de 9 UC`s, nos termos do art. 223.º, n.º 6, do CPP. Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo assinado pela própria, pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos e pelo Senhor Juiz Conselheiro Presidente da Secção. Supremo Tribunal de Justiça, 13.07.2023 Maria do Carmo Silva Dias (Relatora) Ernesto Vaz Pereira (Adjunto) Pedro Branquinho Dias (Adjunto) Nuno Gonçalves (Presidente da Secção) _____ [1] Ver, entre outros, ac. do STJ de 11.12.2014, processo 1049/12.6JAPRT-C.S1 e de 03.05.2012, proferido no Processo n° 61/09.9TASAT-C.S1 (em www.dgsi.pt), neste último esclarecendo-se: “Porém, como tem sido entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores, maxime deste Supremo Tribunal, o regime das notificações não tem de ser idêntico para as sentenças de Ia instância e para os acórdãos proferidos em recurso pelos tribunais superiores, do mesmo passo que é diferente o regime, por exemplo, para efeitos de contagem do prazo de interposição do recurso num e noutro caso ou o tipo de intervenção do arguido que, diferentemente do que sucede com a audiência realizada em 1a instância, para a audiência destinada a conhecer do recurso interposto para o tribunal superior não é convocado (número 2 do artigo 421.° do Código de Processo Penal). Por via disto, vem o Supremo Tribunal de Justiça entendendo, pacificamente, que a norma do número 10 do artigo 113° do Código de Processo Penal, que impõe como excepção a necessidade de notificação pessoal do arguido, não se aplica, em sede de recurso, aos tribunais superiores, mas tão-só à 1a instância.». Nas Relações, ver, por todos, ac. do TRL 7.12.2021, processo 18/20.7JELSB.L1-5. |