Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
9452/18.1T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
SEGREDO DE CORRESPONDÊNCIA
CORREIO ELECTRÓNICO
TELEVISÃO
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
VIOLAÇÃO DE SEGREDO
CONCORRÊNCIA DESLEAL
CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM
DIREITOS DE PERSONALIDADE
PESSOA COLETIVA
OFENSA DO CRÉDITO OU DO BOM NOME
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS PATRIMONIAIS
RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REC. AUTORES - PARCIALMENTE PROCEDENTE;
REC. RÉUS FCP, FCP SAD, FCP MÉDIA PARCIALMENTE PROCEDENTE;
RÉ A..., SA - NEGADA
Sumário :
I - Contemporizando com a doutrina prevalecente, a contradição lógica entre os fundamentos e a decisão determinativa da nulidade da sentença, traduz uma contradição intrínseca da decisão, entre a linha argumentativa percorrida pelo tribunal (de facto e/ou de direito) conduzir, em termos logicamente inequívocos, a uma conclusão oposta ou diferente da adotada pelo julgador.

II - Na circunstância em que a linha de argumentação jurídica invocada e debatida nos articulados, incluiu os fundamentos jurídicos da motivação da decisão, inexiste “efeito surpresa” em violação do princípio do contraditório, não tendo o tribunal a quo extrapolado o enquadramento jurídico delineado pelas partes, ou alcançado solução jurídica inopinada, que justificasse, de alguma forma, a sua audição prévia.  

III -Verificando-se a denominada confissão ficta da factualidade questionada, não tendo o tribunal a quo atendido ao efeito cominatório da falta de impugnação desse facto, a coberto da previsão do artigo 574º, nº2, do CPC, corresponde inobservância de lei processual e assim sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça

IV - Tendo os réus se apropriado dos segredos de negócio das autoras, por meio ilícito, apesar do grau de diligência razoável que as mesmas incutiram para preservar a matéria reservada e restrita, incorrerem na responsabilidade pelos danos causados com previsão no artigo 318º do CPI de 2003.

V -Apesar de o Réu ter acedido à informação por interposto sujeito, e não directamente, aprestou-se na sua divulgação, mantendo a característica do “secretismo” da informação, privada e confidencial envolvida, consistente na apropriação dos segredos de negócio e cuja informação obtiveram através da violação da correspondência daqueles.

VI - Seja pelo caminho do direito especial de personalidade, imediatamente extraído do artigo 34.º da CRP, de acordo com um princípio de primazia da Constituição e da “eficácia irradiante das normas constitucionais”, ou, através da mediação da norma -tutela geral da personalidade, consagrada no artigo 70º, nº1, do Código Civil, a ordem jurídica reconhece aos autores a titularidade do direito ao sigilo de correspondência.

VII - Direito ao sigilo de correspondência que resultou desrespeitado por via da divulgação pública pelos réus dos conteúdos difundidos ao longo das vinte sessões do programa televisivo transmitido no “P...”.

VIII - A forma, duração temporal e edição dos conteúdos divulgados, não permite afirmar a veracidade da descrição, na divulgação parcial do teor das comunicações, sobre factos indiciadores da prática de atos ilícitos por parte dos autores, a circunstância de não estar em causa o exercício de atividade jornalística, à revelia dos critérios que a norteiam.

IX - O modo em que a divulgação dos emails se processou – em programas televisivos, ao longo de vários meses, num espaço de divulgação da atividade de um clube concorrente, com um conteúdo determinado por este e através de pessoas com estreitas ligações à orbita dos réus – revela-se desproporcionado ao fim visado de denúncia de tais supostos actos, de fácil alcance, através da apresentação às entidades competentes para a sua investigação.

X - Não releva a alegada natureza fidedigna do conteúdo factual dos e-mails, pois, a própria divulgação de conteúdo reservado consubstancia, de per se uma violação do direito tipicamente ilícita, a também a divulgação descontextualizada e truncada dos conteúdos compromete a genuinidade da informação difundida.

XI - Em lugar paralelo, aos actos de devassa da vida privada, a verdade dos factos da informação reservada não exclui a ilicitude da sua divulgação, que configura a danosidade social destas condutas e fundamenta a sua ilicitude material, estando em causa um ilícito de indiscrição e, não um delito contra a honra.

XII - Perante o exercício ilegítimo do direito de liberdade de expressão, também, no plano civilista, não se equaciona causa de exclusão de ilicitude da conduta.

XIII - No âmbito da responsabilidade civil extracontratual, a pluralidade de sujeitos lesantes implica solidariedade entre os responsáveis em clara protecção dos interesses do lesado, que poderá reclamar de cada um dos lesantes o cumprimento integral da obrigação de indemnizar.            

XIV -Pode afirmar-se que a pessoa colectiva é lesada na sua imagem, enquanto projecção social análoga ao bom nome e à reputação; admitir a existência de (alguns) direitos de direitos de personalidade das pessoas colectivas, não parece implicar, ipso facto, que em caso de afectação, resultem necessariamente danos não patrimoniais.

XV - Enquanto pessoas colectivas, dificilmente se poderá afirmar que os autores são passíveis de sofrer danos não patrimoniais, apontando outrossim, para a tipologia dos danos patrimoniais, ainda que indirectos, cujo cálculo do valor da reparação por equivalente monetário observa o disposto nos artigos 562º e 566º do CC.          

XVI - A ré, na qualidade de operadora de televisão, tinha o dever específico de impedir a divulgação da correspondência dos autores, conforme previsão do artigo 486.º do Código Civil, reforçada à luz do n.º 1 do art. 34.º da Constituição.

XVII -No âmbito da delimitação da  responsabilidade extracontratual dos administradores das sociedades comerciais , concretamente na  aplicação do disposto no artigo 78º do CSC de 2003, no que se refere à imposição de que o dano seja causado diretamente na esfera jurídica de terceiros – variante que releva para a análise do presente caso, em que os autores assumem a qualidade de “terceiros”, por serem sujeitos que não se confundem com a sociedade nem como os administradores ou sócios (enquanto tais) da mesma sociedade.

XVIII - A responsabilidade imputada aos  administradores das sociedades comerciais segundo a previsão do artigo 79.º, nº1, do CSC, suportado no regime legal da responsabilidade civil extracontratual, exige a verificação de todos pressupostos previstos no artigo 483º do Código Civil.

XIX - Da factualidade provada não se extrai, acção própria, concreta e exclusiva    atribuídas aos réus administradores das rés sociedades comerciais, capaz de produzir desvio ao princípio do direito societário, segundo o qual os actos praticados pelo órgão de administração são de imputar na esfera jurídica da pessoa coletiva.  

Decisão Texto Integral:

   Autores: Sport Lisboa e Benfica e Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD

   Réus: Futebol Clube do Porto, Futebol Clube do Porto, SAD, FCP Media, S.A., A..., S.A., AA, BB, CC, e DD                                                  

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Acordam os Juízes no Supremo Tribunal da Justiça                                                      


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I - Relatório

 1. A Acção

Sport Lisboa e Benfica e Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD intentaram a presente acção comum contra, Futebol Clube do Porto, Futebol Clube do Porto, SAD, FCP Media, S.A., A..., S.A., AA, BB, CC e DD, pedindo a condenação dos Réus a:

 - Pagarem aos autores o montante de €17.000.000,00 (dezassete milhões de euros), a título de indemnização equitativa pelos danos de difícil quantificação causados aos autores até à presente data, acrescido dos juros vincendos desde a citação às taxas legais aplicáveis até efetivo e integral pagamento;

- Pagarem aos autores o montante de €784.579,56 (setecentos e oitenta e quatro mil quinhentos e setenta e nove euros e cinquenta e seis cêntimos), a título de indemnização pelos custos e despesas diretamente incorridos para mitigar os efeitos das lesões aos autores até à presente data, bem como no pagamento das quantias que se vencerem futuramente e em que os autores tenham de incorrer com a mesma finalidade, acrescido aquele montante dos juros vincendos desde a citação às taxas legais aplicáveis até efetivo e integral pagamento;

- Absterem-se de aceder, por qualquer meio, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, à correspondência (ou suposta correspondência) privada dos autores, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio@.... .pt - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados dos autores e todos os documentos contendo segredos de negócio dos autores;

- Absterem-se de publicar, ou divulgar, por qualquer meio, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, a correspondência (ou suposta correspondência) privada dos autores, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @.... .pt - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados dos autores e todos os documentos contendo segredos de negócio dos autores;

- Absterem-se de dar acesso por qualquer meio, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, à correspondência (ou suposta correspondência) privada dos autores, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @.... .pt - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados dos autores e todos os documentos contendo segredos de negócio dos autores; e ainda de relatar ou transmitir o seu conteúdo, por qualquer forma ou meio, a terceiros;

- Retirarem e apagarem todos os suportes de comunicação dos réus que se encontrem (ou venham a ser) publicados, seja em meios digitais e/ou em papel, controlados pelos réus ou por terceiros, incluindo Youtube e outras plataformas similares, contendo alusões à correspondência (ou suposta correspondência) privada dos autores, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @.... .pt - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados dos autores, e todos os documentos contendo segredos de negócio dos autores;

- Entregarem ao Tribunal, nos termos e para os efeitos do art. 338º-C, n.º 1 do CPI, todos os suportes em seu poder, contendo correspondência (ou suposta correspondência) privada dos autores, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @.... .pt - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados e segredos de negócio dos autores;[1]

- Entregarem ao Tribunal, nos termos e para os efeitos dos artigos 338º-C e 338º-H do Código da Propriedade Industrial, a listagem com a identificação das entidades às quais os suportes referidos na alínea g) anterior foram – total ou parcialmente – entregues ou transmitidos;

- Publicarem, a suas expensas, nos termos do disposto no artigo 338º-O do CPI, em dois jornais diários de circulação nacional e grande tiragem, o extrato da sentença condenatória, contendo a identificação dos autores e dos réus, bem como o teor integral das decisões condenatórias, no prazo máximo de 5 dias após o respetivo trânsito em julgado e, bem assim, através de nota lida no programa … – da … (ou, se este deixar de existir, o programa sucedâneo de cariz similar), ordenando-se concomitantemente a sanção pecuniária compulsória de €30.000,00 (trinta mil euros) por cada dia de atraso no cumprimento tempestivo da obrigação de publicação declarada;

- Pagarem as quantias adicionais que vierem a ser reclamadas, a título de indemnização pelos danos supervenientes que a atuação dos réus continuará a causar aos autores, incluindo designadamente a título de aproveitamento de segredos de comércio das Autores, remetendo-se a sua liquidação para momento oportuno - após o seu conhecimento ou a sua ocorrência – ou em sede de execução de sentença, tudo com juros e o mais que for de lei;

- Pagarem, ao abrigo do artigo 338º-N, n.º 4, do CPI e do artigo 829.º-A, do Código Civil, a sanção pecuniária compulsória para garantia do cumprimento do(s) pedido(s) condenatório(s) nas alíneas c) a h) supra, em valor que se sugere não inferior a €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), por cada infração da decisão judicial e/ou das injunções nela determinadas que venha a ocorrer desde a data da sua notificação aos Réus.

Em síntese abreviada, alegam que os Autores e os 1ºe 2º Réus são concorrentes nas competições desportivas nacionais e internacionais e, os dois clubes constituídos por múltiplas sociedades comerciais. Sucede que, os RR., de forma concertada, divulgaram e prometem continuar a divulgar, factos contidos em correspondência privada, trocada entre membros dos órgãos sociais e administradores das AA, distorcendo de forma intencional frases ou excertos, atribuindo-lhes sentidos que deslustram a reputação e a sua imagem.

Comportamentos que reputam de ilícitos à luz dos arts. 317º e 318º do Código da Propriedade Industrial e identificam os seus principais patrocinadores.

Confirmam que, para a prossecução da sua atividade dispõem de um sistema informático e serviços de comunicações, que contêm dados sigilosos, e que o acesso, aproveitamento ou divulgação por terceiros da informação privilegiada secreta da SLB SAD, seriam idóneos a influenciar o preço dos valores mobiliários ou dos instrumentos subjacentes ou derivados; e ainda que, a divulgação de correspondência e comunicações privadas resulta de uma estratégia concertada do Grupo Futebol Clube do Porto, que tem como objetivo imediato a descredibilização desportiva e social e o enfraquecimento económico das requerentes.

Elencam ainda factualidade destinada a demonstrar a subordinação dos réus ao grupo FCP e seus interesses e, a inexistência de causa de exclusão da ilicitude da conduta ancorada na liberdade de expressão e de imprensa.

Por fim, alegam factualidade que compreende os invocados danos já causados aos AA, acções a que deram causa, foram necessárias para mitigar a situação e seus custos, bem como os perigos de lesão grave e irreparável e, os danos existentes e potenciais do simples acesso e divulgação dos seus segredos.

Os Réus contestaram, pugnando pela sua absolvição.

Em sua defesa argumentam sumariamente, que os e-mails revelados pelo réu AA, foram obtidos de um modo lícito, por fonte anónima, não tendo havido qualquer acesso ilegítimo por este ou outro réu, à correspondência ou comunicações dos autores, de natureza privada e confidencial.

De entre os milhares destes e-mails, o réu AA apenas divulgou uma ínfima parte, após análise e triagem do conteúdo, em função do seu interesse público; e mesmo em relação aos e-mails e anexos, que foram selecionados, com o cuidado de não divulgar partes do teor irrelevante do ponto de vista do interesse público ou referentes à vida íntima, familiar e sexual, de pessoas neles referidas.

Vindo a concluir, que não existe ilicitude nos actos imputados aos RR atenta a veracidade das informações divulgadas, o interesse público inerente ao conteúdo das respetivas correspondência e comunicações, o estatuto de figura pública dos visados, a sua qualidade de pessoa coletiva, a circunstância de a divulgação ter ocorrido através de um órgão de comunicação social e de aos mesmos factos ter sido dada cobertura por outros meios de comunicação social e, o cuidado na seleção da informação com proteção da vida privada dos próprios e de terceiros.

Acrescentam que a ter existido acto de concorrência desleal, só poderia o mesmo traduzir-se num acto de «intromissão na concorrência», e que não foi praticado, tendo a Ré A…, S.A. e o Réu AA como propósito exclusivo, informar o público em geral e os participantes ativos no mercado da indústria do futebol, em especial, sobre acontecimentos relevantes para a formação de opinião, agindo no exercício do seu direito de informar.

Em adicional alegam que, na hipótese de se considerar a prática de acto de concorrência, também, não seria desleal ou ilícito, não tendo sido divulgados factos falsos e, ainda assim, os e-mails sempre viriam a público, em virtude da pendência dos processos-crime em curso e dos respetivos desenvolvimentos, pois tendo aqueles réus parado com a divulgação dos e-mails, continuaram a surgir manchetes de jornal com o caso dos “e-mails do SLB”.

A Ré FCP, SAD. deduziu reconvenção contra a Autora Benfica SLB SAD, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia a liquidar oportunamente, alegando para tanto e, em síntese, que os e-mails em causa revelam um quadro de comportamento da autora, violador das regras de probidade, lealdade e verdade desportiva, causador à Ré de perda da chance de ganhar as competições desportivas e assim diminuídas as suas receitas resultantes do patrocínio e sponsorização.

A reconvinda contestou a reconvenção, concluindo pela respetiva absolvição. 

                                                              *

Seguidos os trâmites subsequentes da instância, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual os autores apresentaram articulado superveniente e liquidaram a quantia ilíquida peticionada.

Vindo o tribunal a proferir sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, improcedente a reconvenção da Ré FCP SAD, nos termos do dispositivo que se transcreve: “Pelo exposto o tribunal julga a presente acção parcialmente procedente por provada e por via disso: 1. Absolve os RR A…, S.A; BB; CC; e DD, de todos os pedidos contra si formulados; 2. Condena as RR. FUTEBOL CLUBE DO PORTO; FUTEBOL CLUBE DO PORTO, SAD; FCP MEDIA, S.A.; e AA A PAGAREM ÀS AUTORAS A QUANTIA DE 523.023,04 EUROS (QUINHENTOS E VINTE E TRÊS MIL, VINTE E TRÊS EUROS E QUATRO CÊNTIMOS), ACRESCIDOS DE JUROS DE MORA DESDE A CITAÇÃO ATÉ INTEGRAL PAGAMENTO À TAXA CIVIL, A TÍTULO DE DANOS EMERGENTES; 3. CONDENA as RR. FUTEBOL CLUBE DO PORTO; FUTEBOL CLUBE DO PORTO, SAD; FCP MEDIA, S.A.; e AA A PAGAREM ÀS AUTORAS A QUANTIA DE 1.430.000,00 (UM MILHÃO QUATROCENTOS E TRINTA MIL EUROS), ACRESCIDA DE JUROS À TAXA CIVIL DESDE O TRÂNSITO DA DECISÃO ATÉ INTEGRAL PAGAMENTO, A TÍTULO DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS PELA DIVULGAÇÃO DA SUA CORRESPONDÊNCIA.4. CONDENA as RR. FUTEBOL CLUBE DO PORTO; FUTEBOL CLUBE DO PORTO, SAD; FCP MEDIA, S.A NO PAGAMENTO DA QUANTIA QUE SE LIQUIDAR EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA RELATIVAMENTE AO DANO CAUSADO ÀS AA PELA APROPRIAÇÃO DESDE abril DE 2017 ATÉ À DATA DA LIQUIDAÇÃO, DOS SEGREDOS DE NEGÓCIO CONSTANTES DOS FACTOS PROVADOS NSº128 A 134 E DOS ELEMENTOS CLÍNICOS DE ATLETAS CONSTANTES DO FACTO PROVADO Nº 133.5. JULGA-SE EXTINTO POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE O PEDIDO FORMULADO EM G) NOS TERMOS DO ART. 276º, AL E), DO CPC.6. JULGAM-SE IMPROCEDENTES TODOS OS DEMAIS PEDIDOS FORMULADOS PELA AUTORA ABSOLVENDO OS RESTANTES RR EM CONFORMIDADE.7. JULGA-SE IMPROCEDENTE POR NÃO PROVADO O PEDIDO RECONVENCIONAL FORMULADO E POR VIA DISSO ABSOLVE-SE A RECONVINDA DO MESMO.8. TODAS AS INJUNÇÕES DO PROCEDIMENTO CAUTELAR MANTÊM A SUA VALIDADE ATÉ AO TRÂNSITO EM JULGADO DESTA DECISÃO.”        

                                                            *

2. As apelações        

Inconformados, os autores e os réus Futebol Clube do Porto, Futebol Clube do Porto, SAD, FCP Media, SA e AA interpuseram recurso da sentença na parte que decaíram.

Os (quatro) recursos anteriormente interpostos e admitidos com subida em separado, foram objecto de apreciação conjunta.[2]

                                                      *

O Tribunal da Relação do Porto proferiu acórdão,  julgando os recursos interpostos da sentença , talqualmente consta do dispositivo que se transcreve: “Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar parcialmente procedentes os recursos de apelação interpostos pelos autores Sport Lisboa e Benfica e “Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD” e pelos réus Futebol Clube do Porto, “Futebol Clube do Porto, Futebol, SAD”, “FCP Media, S.A.” e AA e, em consequência: 1. Absolvem-se os réus BB, CC e DD de todos os pedidos contra si formulados; 2. Condenam-se os réus Futebol Clube do Porto, “Futebol Clube do Porto, SAD”; “FCP Media, S.A., “A..., S.A.” e AA a pagarem aos autores a quantia de 605.300,90€ (seiscentos e cinco mil e trezentos euros e noventa cêntimos), acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento à taxa civil, a título de danos emergentes; 3. Condenam-se os réus Futebol Clube do Porto, “Futebol Clube do Porto, SAD”; “FCP Media, S.A., “A..., S.A.” e AA a pagarem aos autores a quantia de 1.000.000,00 (um milhão de euros), acrescida de juros à taxa civil desde o trânsito da decisão até integral pagamento, a título de danos não patrimoniais pela divulgação da sua correspondência; 4. Condenam-se os réus Futebol Clube do Porto, “Futebol Clube do Porto, SAD” e “FCP Media, S.A.” no pagamento da quantia que se liquidar em execução de sentença relativamente ao dano causado aos autores pela apropriação desde abril de 2017 até à data da liquidação, dos segredos de negócio constantes dos factos provados nsº128 a 134 e dos elementos clínicos de atletas constantes do facto provado nº 133; 5.Condenam-se os réus Futebol Clube do Porto, “Futebol Clube do Porto, SAD”;“FCP Media, S.A., “A..., S.A.” e AA a absterem-se de aceder, por qualquer meio, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, à correspondência privada dos autores, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @.... .pt - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados dos autores e todos os documentos contendo segredos de negócio dos autores; 6. Condenam-se os réus Futebol Clube do Porto, “Futebol Clube do Porto, SAD”; “FCP Media, S.A., “A..., S.A.” e AA a absterem-se de publicar, ou divulgar, por qualquer meio, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, a correspondência privada dos autores, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @.... .pt - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados dos autores e todos os documentos contendo segredos de negócio dos autores; 7. Condenam-se os réus Futebol Clube do Porto, “Futebol Clube do Porto, SAD”; “FCP Media, S.A., “A..., S.A.” e AA a absterem-se de dar acesso por qualquer meio, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, à correspondência privada dos autores, nomeadamente a relacionada com e-mails com o domínio @.... .pt - ou identificados como tal - ou qualquer tipo de comunicações e documentos privados e/ou confidenciais dos autores, incluindo a correspondência e comunicações contendo dados dos autores e todos os documentos contendo segredos de negócio dos autores e ainda de relatar ou transmitir o seu conteúdo, por qualquer forma ou meio, a terceiros; 8. Condenam-se os réus Futebol Clube do Porto, “Futebol Clube do Porto, SAD”; “FCP Media, S.A., “A..., S.A.” e AA a pagarem, ao abrigo do art. 829.º-A do Cód. Civil, sanção pecuniária compulsória para garantia do cumprimento das condenações efetuadas em 5., 6. e 7. no valor de 200.000,00€ (duzentos mil euros) por cada infração ao judicialmente determinado naqueles pontos; 9. Julga-se extinto por inutilidade superveniente da lide o pedido formulado em g) nos termos do art. 277º, al e), do CPC; 10. Julgam-se improcedentes todos os demais pedidos formulados pelos autores absolvendo-se os réus em conformidade; 11. Julga-se improcedente por não provado o pedido reconvencional formulado e por via disso absolve-se a reconvinda do mesmo.”


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3. As Revistas

 O acórdão da Relação motivou a impugnação múltipla pelas partes, estando    admitidos para apreciação e julgamento os recursos de revista que se enunciam:[3]       

- Revista  apresentada pelos autores, no referente à impugnação da matéria de facto provada (decisão de não aditamento doa “facto dois”, “facto onze” e “facto doze”); e, no referente à redução do valor da condenação dos Réus “FCP Media, S.A., “A..., S.A.” e AA a pagarem aos autores a quantia de 1.000.000,00 (um milhão de euros), acrescida de juros à taxa civil desde o trânsito da decisão até integral pagamento, a título de danos reputacionais pela divulgação da sua correspondência, quantum da compensação, a título de danos reputacionais dos autores;[4]

- Revista interposta pelos AA para apreciação da questão relativa à determinação da responsabilidade dos Réus administradores, BB, CC e DD;[5]

- Revista apresentada pelos réus quanto à condenação no pagamento aos autores da quantia de 605.300,90€ (seiscentos e cinco mil e trezentos euros e noventa cêntimos), acrescida de juros de mora, desde a citação até integral pagamento à taxa civil, a título de danos emergentes; [6]

- Revista apresentada pela ré A…, S.A.;[7]

- Revista interposta pelos réus Futebol Clube do Porto, Futebol Clube do Porto, SAD; FCP Media, S.A. e, AA para apreciação das questões relacionadas com a aplicação ao caso do art. 34º da Constituição da República Portuguesa e do art. 318º do Código da Propriedade Industrial de 2003.[8]

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 3.1. Alegações recursivas dos Autores

Em suporte das suas pretensões recursivas formularam no final das alegações as conclusões que se transcrevem: [9]

3.1.1. Primo, pugnam pela revogação do acórdão da Relação e a condenação de todos os Réus nos termos formulados na petição inicial:      

«1. As Autoras formulam as suas conclusões, em conformidade com o disposto no artigo 639.º do CPC, sendo o presente recurso interposto enquanto recurso de revista normal e, subsidiariamente, enquanto revista excecional, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. 2. Contudo, sem prescindir, para o caso de se decidir que o douto acórdão recorrido não admite revista normal, quanto à decisão de absolvição dos Réus Administradores (tratada no ponto 6 supra), entendem também as Autoras que a mesma parte dispositiva suscita (i) uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica (quer pela sua manifesta complexidade, quer por gerar importantes divergências), é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, e concita igualmente vários interesses de particular relevância social. 3. Para o efeito, as Autoras, começam por invocar como fundamento da admissão do recurso o disposto nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 672º do CPC. 4. No contexto desta apreciação e demais efeitos do presente recurso, com vista à mais fácil apreensão e enquadramento geral das decisões do acórdão recorrido e da 1ª Instância, tendo em conta a sua respetiva dimensão, quer no que respeita à extensão da matéria de facto dada como assente, quer quanto aos seus respetivos fundamentos e decisões, as Autoras apresentam as tabelas que se juntam ao presente recurso e aqui se dão por integralmente reproduzidas nos seguintes termos: (i) tabela comparada da matéria de facto dada como assente em cada um dos arestos (Anexo I); (ii) tabela comparada da fundamentação essencialmente diversa enunciada pelo acórdão recorrido (Anexo II); e (iii) tabela comparada das decisões em cada um dos arestos (Anexo III). 5.  O douto acórdão da Relação do Porto decidiu a absolvição dos Réus BB, CC e DD (doravante também referidos como “Réus Administradores”), todos eles membros dos conselhos de …. das sociedades Rés, todas condenadas, o que assenta numa interpretação redutora das normas jurídicas aplicáveis ao caso, em especial da norma do artigo 79.º, n.º 1, do CSC. 6. De facto, nos termos do artigo 79º, n.º 1, do CSC, os gerentes e administradores respondem, “nos termos gerais”, para com terceiros “pelos danos que diretamente lhes causarem no exercício das suas funções”.7. Trata-se de uma responsabilidade por violação de direitos absolutos ou por inobservância de normas de proteção, nos termos do artigo 483.º, n.º 1 do CC, contendo uma especial delimitação: apenas cobre os danos diretamente causados. 8. Na sua fundamentação, o acórdão recorrido enuncia a dado passo o problema interpretativo em causa: «No art. 79º, nº 1 do Cód. das Sociedades Comerciais estatui-se o seguinte: “Os gerentes ou administradores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que diretamente lhes causarem no exercício das suas funções. “Pronunciando-se sobre esta norma legal, Menezes Cordeiro (in “Direito das Sociedades”, I, Parte Geral, 5ª ed., pág. 903) diz-nos que temos aqui uma responsabilidade por violação de direitos absolutos ou por inobservância de normas de proteção, nos termos do art. 483º, nº 1 do Cód. Civil. Porém, do seu texto, resulta logo uma especial delimitação para esta responsabilidade: apenas cobre os danos diretamente causados. [cfr. Ac. Rel.Coimbrade 15.5.2018, proc. 423/14.8TBCBR.C1, relator Moreira do Carmo, disponível in www.dgsi.pt] “Pode acontecer e aos mais diversos títulos, que administradores no exercício das suas funções, causem danos a sócios e a terceiros. Estes “terceiros” englobam, designadamente: o Estado, os trabalhadores, os fornecedores e stakeholders em geral e os próprios credores (…). Quando isso suceda: a sociedade é responsável, mercê dos nexos de imputação orgânica. O administrador, enquanto tal, não é incomodado. Num desvio à lógica da personalidade coletiva, a Lei admite, porém, que os administradores sejam demandados quanto a danos que causem diretamente.” A questão estará então em saber como se interpreta este advérbio.» 9. Como bem refere o acórdão recorrido, a questão está precisamente em saber como interpretar (e aplicar), no caso em apreço, a expressão “directamente causados” contida no artigo 79.º, n.º 1, do CSC (doravante a “questão” ou “questão suscitada”). 10. As Autoras entendem que a apreciação da questão suscitada, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. 11. A interpretação e fundamentação do acórdão recorrido quanto a esta questão comprova desde logo a necessidade da sua apreciação, a título excecional, para uma melhor aplicação do direito, em razão da seguinte conclusão: “Cabe, de resto, realça que, a perfilhar-se a tese avançada pelos autores/recorrentes, tal teria como consequência considerar-se que os administradores dos réus surgiriam, perante terceiros, como uma espécie de garantes face a todas as atuações ilícitas das sociedades que administram, solução que não se coaduna com o espírito do ordenamento jurídico societário, que se funda na personalidade jurídica das sociedades comerciais e na responsabilidade civil destas pelos atos praticados por quem legalmente as representa (cfr. art. 6º, nº 5 do Cód. Das Sociedades Comerciais).”12. Em termos gerais, em suma, um gerente ou administrador que atue no exercício das suas funções e pratique - por ação ou omissão - determinado facto ilícito, doloso e culposo que viole certos direitos absolutos e/ou interesses legalmente protegidos de terceiro, dos quais resultem danos provados para esse terceiro, é responsável pelos danos causados a esse terceiro? Ou é responsável apenas se o facto for praticado “sem interferência – total ou parcial – da sociedade”? Ou é responsável apenas se o facto for praticado “sem interferência – total ou parcial – da sociedade” e além disso consubstanciar a um “ato isolado”? 13. A questão suscitada pelas Autoras não está assente por acórdão de uniformização, nem em corrente de jurisprudência consolidada, como resulta aliás referido no acórdão referido. Verifica-se uma divergência jurisprudencial no âmbito da apreciação desta questão nos tribunais portugueses, de que faz eco e expressão a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, conforme é conhecido e resulta evidenciado, por economia processual, na fundamentação de cada um dos seguintes dois arestos: 14. Por um lado, temos a seguinte linha interpretativa jurisprudencial: Ac. STJ de 11.07.2013, proc. 5118/06.3 TVLSB.L1. S2, relator Granja da Fonseca, a par de outros exemplos de aplicação da interpretação realizada por este douto aresto, das várias Instâncias, contendo a mesma fundamentação e subsunção jurídica da questão suscitada. 15. Por outro lado, apresenta-se a seguinte linha interpretativa jurisprudencial bem distinta: Acórdão 28.01.2016, proc. nº 1916/03.8 TVPRT.P2. S1, relator Orlando Afonso, a par de outros exemplos de aplicação da interpretação realizada por este douto aresto, das várias Instâncias, contendo a mesma fundamentação e subsunção jurídica da questão suscitada. 16. Da apreciação que é realizada no âmbito da questão suscitada, verifica-se também que as doutas decisões das Instâncias, quer a sentença do Tribunal de 1ª Instância, quer o douto acórdão recorrido, encontram-se ao arrepio do entendimento dominante da doutrina, designadamente das posições expressas por António Menezes Cordeiro e Coutinho de Abreu. 17. De facto, no âmbito do seu Parecer junto aos autos, Coutinho de Abreu trata concretamente a responsabilidade dos Réus Administradores ao abrigo do disposto no artigo 79.º, n.º 1, do CSC, tendo por referência à decisão de 1ª Instância, reiterada pelo acórdão recorrido, por isso com inteira aplicação atual, que faz nos seguintes termos resumidos: “A Sentença condenou duas sociedades por danos causados pela divulgação de correspondência das Autoras e pela apropriação durante mais de dois anos de segredos de negócios das mesmas. Sociedades cujos conselhos de administração eram compostos por BB, DD e CC (facto provado nº 38.). Ora, tais danos são danos diretamente causados às Autoras: não resultam indireta ou reflexamente de qualquer dano sofrido pelas sociedades condenadas – aliás, estas sociedades lucraram com os atos ilícitos praticados. 2.3. E esses danos foram causados por comportamentos ilícitos dos mencionados administradores no exercício das suas funções. Tendo em vista a remissão do art. 79º, 1, do CSC para o art. 483º do CCiv., a conduta dos administradores é ilícita, designadamente, quando viola direitos (absolutos) de terceiros, ou normas legais de proteção de terceiros. Não se duvida, com certeza, de que a divulgação de correspondência confidencial sem autorização das Autoras ofende direitos absolutos destas. E ficou provado que essa divulgação resultou “de uma estratégia conhecida e autorizada pela administração do Grupo Futebol Clube do Porto”, que integra os três mencionados administradores (facto provado nº 30.).E ficou provado que estes administradores “definiram e definem a estratégia de comunicação das Rés FCP Clube, FCP Porto SAD, FCP Media, P…, o seu posicionamento no caso dos ‘emails’ […], incluindo designadamente todas as atividades e atos de divulgação, que seguiram a orientação e determinação (genérica) dos Réus Sr. BB, Dr. DD e Dr. CC, sob a liderança do primeiro” (facto provado nº 56.). Expressivas são também algumas afirmações públicas do administrador BB em 2017: “. acredito que é possível, mesmo com os fatores extra de outros, que continuaremos a denunciar”; “[m]ostrámos os e-mails e depois entregámos à polícia”. Não podia ser de outro modo. Atos continuados de tamanha gravidade e impacto como a divulgação de correspondência confidencial de terceiros não podiam ser executados sem autorização ou consentimento dos órgãos de administração das sociedades Rés. Por outro lado, a apropriação de segredos de negócios de terceiros constitui ofensa, se não de direitos absolutos, pelo menos de normas legais de proteção de terceiros (cfr. o art. 318º do CPI anterior e os arts. 313º, s. do CPI atual). E não se concebe que segredos de negócios das Autoras estejam mais de dois anos na posse das sociedades Rés sem que os respetivos administradores tenham disso conhecimento e aprovem ou consintam nessa posse ilícita. Por outro lado, ainda: um dos exemplos que venho apresentando a propósito da responsabilidade dos administradores por violação de normas legais de proteção de terceiros é exatamente o de uma sociedade praticar ato de concorrência desleal por ordem ou participação direta (consentimento expresso ou tácito) dos seus administradores. Pois bem, ao invés da Sentença (p. 114), continuo a entender convictamente que as sociedades Rés fizeram concorrência desleal às Autoras. E, mais uma vez, ficou provado que os administradores das sociedades RR. consentiram essa concorrência. 2.4. Outro pressuposto da responsabilidade dos administradores para com terceiros é, “nos termos gerais”, a culpa (dolo ou negligência). Parece evidente que os referidos factos ilícitos são imputáveis aos administradores mencionados a título de dolo (direto). 2.5. A responsabilidade dos três administradores é solidária (art. 73º, 1, do CSC, para que remete o art. 79º, 2). Não simplesmente por todos eles serem membros dos conselhos de administração das sociedades RR., mas por culpa e factos próprios. Cada um dos administradores autorizou e/ou consentiu na divulgação de correspondência confidencial e na apropriação de segredos de negócios das Autoras. Ponhamos, entretanto, a hipótese de as práticas ilícitas executadas através das sociedades RR. terem sido objeto de deliberação em conselho de administração (não constante de ata…) e de um dos três administradores não ter participado na deliberação, ou ter votado vencido. Em tal hipótese, dir-se-ia que este administrador não é responsável – nº 3 do art. 72º, para que remete o nº 2 do art. 79º. Contudo, todos os “factos provados” pertinentes evidenciam a concordância dos três administradores com as referidas práticas ilícitas e danosas."18. Se considerarmos o aditamento realizado pela Relação do Porto dos factos 198, 199, 200 e 201 à matéria provada e dada por assente, as conclusões expedidas quanto ao sentido e alcance da norma contida no artigo 79.º, n.º 1 do CSC, seriam seguramente reforçadas.19. De igual modo, em sentido convergente, António Menezes Cordeiro e A. Barreto Menezes Cordeiro, no âmbito da consulta pedida pelas Autoras especificamente para o presente caso61, são também da opinião que os Réus Administradores devem ser responsabilizados e condenados solidariamente e nos demais termos dos restantes réus: “III. A responsabilidade é direta quando os danos resultem do facto ilícito, sem nenhuma intervenção de quaisquer outros eventos. Em termos valorativos, isso redundará: (1) ou em práticas dolosas dirigidas à consecução do prejuízo verificado; (2) ou em práticas negligentes grosseiras, cujo resultado seja, inelutavelmente, a verificação do dano em causa. Nestas condições, compreende-se que seja difícil a verificação da hipótese prevista no artigo 79.º/1. Logicamente: pois a assim não ser, de pouco valeria a própria ideia de personalidade coletiva. Digamos que existe aqui uma hipótese de levantamento da personalidade: ex lege. (…) Como explicámos, a restrição aos danos “diretos” explica-se mercê do nexo de organicidade: os malefícios que os administradores perpetrem, em nome e por conta da sociedade, são imputáveis a esta, a qual responde. Os administradores apenas podem ser demandados, por má gestão, pelos sócios. IV. Quando, porém, independentemente desse nexo, os administradores entrem em campo e causem danos a terceiros, eles respondem, nos termos gerais. Ora, de acordo com os factos 198 e 200, acima transcritos, verifica-se que o Presidente BB agiu nomine proprio, subscrevendo, a esse título, a atuação dos demais Réus. Aqui não opera o privilégio da imputação (apenas) às pessoas coletivas. Os também acima transcritos factos 30, 46, 47, 48, 55 e 56 denotam um plano concertado entre os administradores demandados no sentido de lançarem o esquema da divulgação pública dos e-mails ilicitamente apropriados. Estas condutas, não têm a ver com o objeto social das sociedades envolvidas nem concitam qualquer poder de representação. Vale o “teste de resistência”: não haver sociedades, os factos em jogo poderiam ser praticados pelos visados, com os mesmos perfis e as mesmas consequências. Tudo se conjuga para a aplicação do artigo 79º/1 do Código das Sociedades Comerciais. Estamos em face de uma situação de responsabilidade aquiliana: a responsabilidade dos envolvidos é solidária, nos termos dos artigos 490º e 497º do Código Civil, a responsabilidade de todos é solidária. (…) 29. Os factos apurados dizem-nos que os três administradores demandados praticaram ou subscreveram os factos ilícitos, sem agir em nome e por conta das sociedades que lhes foram confiadas; logo, os danos causados foram-no diretamente, devendo ser responsabilizados, por via do artigo 79º/1, do Código das Sociedades Comerciais.”20. Coutinho de Abreu havia já avançado em 2019 com uma explicação razoável para esta dissensão e que será, no modesto entender das Autoras, provavelmente la raison d’etre da divergência existente, quer entre decisões judiciais, quer entre várias destas e o pensamento de António Menezes Cordeiro “2.2. Não é, pois, correto dizer como diz também a Sentença (§ 18 da matéria de Direito, transcrito na Consulta) – que a conduta (ilícita, culposa e) danosa dos administradores ocorre sem a interferência da sociedade. A sociedade está necessariamente presente, a responsabilidade perante terceiros é a ela imputável – mas não só a ela: verificados os vários pressupostos, também os administradores atuando “no exercício das suas funções” de administração da sociedade respondem. A incorreção decorre da formulação (ou de certa interpretação dela) avançada por Menezes Cordeiro (citando um autor alemão): a responsabilidade dos administradores “ocorre pelos danos causados, em termos que não são interferidos pela presença da sociedade”. A sociedade, repito, está necessariamente presente. Tive já oportunidade de referir a “equivocidade” dessa formulação; e de aludir à contradição com o escrito pelo mesmo autor meia dúzia de linhas antes (na mesma página), ainda a propósito do art. 79º,1: “tudo passa pela sociedade, pessoa autónoma” (afirmação também equívoca). 21. Voltemos novamente ao douto acórdão no preciso momento em que enuncia a sua interpretação da questão suscitada, reiterando o sentido da sentença de 1ª Instância: “esta norma excepcional pressupõe e exige que a conduta pessoal dos Administradores tenha uma participação essencial no processo causal que provocou o dano sem interferência (total ou parcial) da sociedade. Nesta medida Menezes Cordeiro afirma que na sua previsão estão em causa danos causados pelos administradores sem a interferência da pessoa colectiva. Ora, no presente caso e face aos factos provados é evidente que todos os actos danosos foram praticados através das sociedades não tendo as AA demonstrado qualquer acto isolado dos RR administradores.” (sublinhados nossos) 22. Constata-se, pois, que o silogismo interpretativo destas decisões pode ser representado pelas seguintes equações: “directamente causados” = “atos praticados pelo administrador sem interferência da sociedade” “atos praticados pelo administrador sem interferência da sociedade” ≠ “atos praticados através da sociedade” 23. Retomemos a interpretação expressa no Parecer de António Menezes Cordeiro e A. Barreto Menezes Cordeiro, para o contrastar com a interpretação confluente feita pelos referidos arestos, de acordo com o qual, “atos praticados pelo administrador sem interferência da sociedade” são os “atos praticados pelo administrador fora do objeto social” (..)em suma, fora do interesse social. 24. Os poderes de administração são naturalmente adstritos à realização do interesse social, obrigando os administradores a agirem em conformidade. É neste plano que se concitam os seus poderes de representação e se circunscrevem os limites legais da sua atuação de administração. Mas quando, como no caso em apreço e em todos os demais casos análogos apreciados pelos tribunais, os gerentes ou administradores, por ação ou omissão, agindo enquanto tal, mas fora do objeto social, com preterição dos poderes-deveres legais de representação, causem danos aos sócios ou a terceiros, são responsáveis pelos danos causados. 25. O douto acórdão recorrido considerou não ser de subsumir o caso vertente na previsão normativa do artigo 79.º, n.º 1, do CSC, porque na interpretação que faz do termo “diretamente causados” os atos danosos em causa teriam sido praticados “através das sociedades"; termo este equívoco e que também não encontra no texto legal o mínimo de correspondência. 26. Para que a norma do artigo 79.º, n.º 1 do CSC opere modelarmente “a sociedade está necessariamente presente, a responsabilidade perante terceiros é a ela imputável – mas não só a ela: verificados os vários pressupostos, também os administradores atuando “no exercício das suas funções” de administração da sociedade respondem.” (cfr. Parecer de Coutinho de Abreu, junto aos autos, pág. 11). 27. Nestes termos, e como salientado criticamente no seu douto parecer junto aos autos “não é, pois, correto dizer – como diz também a Sentença (§18 da matéria de Direito, transcrito na Consulta) – que a conduta (ilícita, culposa e) danosa dos administradores ocorre sem a interferência da sociedade. A sociedade está necessariamente presente, a responsabilidade perante terceiros é a ela imputável – mas não só a ela: verificados os vários pressupostos, também os administradores atuando “no exercício das suas funções” de administração da sociedade respondem.” 28. Não se trata assim de inconformismo perante a decisão recorrida, trata-se de atalhar caminho e evitar decisões contraditórias. A utilização do termo “através da sociedade” deverá assim ser recusada para efeitos da clarificação normativa modelar no âmbito da apreciação necessária da questão suscitada. 29. “O presente caso suscita questões jurídicas complexas e muito relevantes. Jogam-se direitos de personalidade, direitos fundamentais, reflexos de decisões europeias e, em geral, a defesa das pessoas contra práticas invasivas. Além disso, pergunta-se até que ponto é possível responsabilizar os decisores pelas opções que assumam enquanto dirigentes desportivos, formalmente encabeçados como administradores de sociedades. Se confrontarmos as situações nas quais a jurisprudência do Supremo veio concretizar os conceitos indeterminados do artigo 672º/2, a) do CSC afigura-se que as questões debatidas neste processo estão claramente no topo das matérias que merecem a atenção do Supremo” (cfr. Parecer de António Menezes Cordeiro e A. Barreto Menezes Cordeiro, junto com o presente recurso). 30. De facto, atendendo aos temas que têm sido considerados pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito de revista excecional, verificamos que as matérias aqui em causa e outras análogas (transponíveis) têm merecido a atenção do Supremo Tribunal de Justiça, com a consequente necessidade de uma apreciação excecional com o objetivo de encontrar uma solução orientadora de casos semelhantes (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-02-2020, Revista  n.º 1981/14.2TBOER.L1.S2(..): Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.10.2021,Revista n.º 4995/17.7T8LRA.C2.S2.; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 23.10.2001, proc. 01B2875). 31. Está também em causa a responsabilização de “decisores pelas opções que assumam enquanto dirigentes desportivos, formalmente encabeçados como administradores de sociedades”, com a consequente necessidade de uma apreciação excecional com o objetivo de encontrar uma solução orientadora de casos semelhantes. O fenómeno da empresarialização do futebol profissional, transversal e internacional, levou à aprovação de novos regimes legais de exercício da atividade, de que são exemplos a aprovação de regulação legal específica em 2007 e a consequente proliferação de inúmeras sociedades comerciais desportivas (SAD’s), algumas das quais se encontram cotadas em bolsas de valores (e.g. proteção dos pequenos investidores), decorrência de uma alteração económica, social e cultural profundas, que merecem cada vez maior atenção. 32. A questão suscitada deve, assim, ser apreciada, por a mesma concitar a sua aplicação em múltiplos casos e situações da vida real, das empresas nas relações umas com as outras, mas também das empresas em relação com o mercado e com os consumidores, no quadro dos direitos absolutos e interesses legalmente protegidos transversais a estes sujeitos, onde se incluem, nomeadamente, a proteção da correspondência privada, as condições de acesso e divulgação de dados pessoais, a difusão pública de informações privadas ou de valor concorrencial, apropriação de segredos de negócio, o direito ao bom nome, à concorrência leal, etc. (artigo 8.º, n.º 3 do CC). 33. Nestes termos, é manifesto que a apreciação da questão suscitada pelo Supremo Tribunal de Justiça é necessária para uma melhor aplicação do Direito, também por estarem em causa, não apenas o tratamento dos casos análogos, múltiplos interesses de particular relevância social. 34. A apreciação controversa da questão suscitada, nos termos realizados pelas Instâncias, afeta a tranquilidade sócio-cultural, pondo em causa a eficácia e a credibilidade do direito. 35. O problema não é prima facie a dimensão mediática nem o valor económico da demanda, nem sequer a importância sócio-cultural, o número de sócios e simpatizantes, a circunstância de estarem envolvidas duas das mais representativas organizações sócias desportivas nacionais. 36. Este caso não é apenas sobre os interesses que se confrontam do SLB e do FCP. Este caso é sobre o modo como devemos regular, preservar e defender o nosso modo de vida coletivo, a quem confiamos a guarda dos direitos absolutos consagrados pela Constituição e pela Lei a cada um de nós. 37. Veja-se os casos tão atuais e preocupantes do acesso e utilização dos dados pessoais pelas redes sociais e plataformas empresariais (direitos dos consumidores), a devassa informática ao abrigo de princípios de promoção do bem comum e da “transparência”, o segredo de negócio, mas também o segredo médico, o segredo profissional, etc. 38. A interiorização do padrão normativo enquanto padrão (ético) do nosso comportamento em sociedade, de cada um de Nós para com cada um dos Outros, especialmente em posições de mando, é essencial para a compreensão de que o Estado de Direito Social assenta no Estado de Direito Democrático. 39. A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça é também justificada, subsidiariamente, a título excecional, porquanto a questão suscitada em apreço reveste-se de elevada relevância jurídica, sendo que a sua apreciação é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (artigo 672.º, n.º 1, alínea a), do CPC), bem como estão em causa interesses de particular relevância social (artigo 672.º, n.º 1, alínea b), do CPC). 40. Ainda no quadro da apreciação excecional, importa trazer à colação a nulidade de que padece o acórdão recorrido e que a seguir se detalha em conformidade. É indiscutível que a nulidade constitui um vício da decisão suscetível de apreciação em sede de recurso, incluindo nomeadamente, quer em sede de recurso de revista normal, quer em sede da sua apreciação a título excecional. Neste sentido, fora de dúvida, enuncia-se o entendimento de Abrantes Geraldes 65: “b) Se for interposto recurso de revista excecional, as nulidades integrarão o respetivo objeto (art. 674. °, n.° 1, al. c)), embora a sua apreciação pelo Supremo fique dependente da admissão dessa revista. Sendo esta admitida, como revista excecional (art. 672. °, n.° 3) ou como revista normal (art. 672. °, n.° 5), o Supremo, quando tiver de apreciar o objeto do recurso, conhecerá também das nulidades. Se o recurso não for admitido, nem como revista excecional (por falta dos requisitos especiais do art. 672. °), nem como revista normal (por falta dos pressupostos gerais), o processo terá de ser devolvido à Relação para que nesta sejam apreciadas as nulidades que no mesmo foram invocadas.” 41. Assim, sem prescindir, invocar-se-á seguidamente o vício de nulidade de que padece o acórdão recorrido, quer no âmbito da apreciação do recurso de revista excecional, feita a título subsidiário, quer no âmbito do recurso de revista normal, o que se deixa invocado sem prescindir. 42. A fundamentação contida no acórdão recorrido está também em oposição com a decisão de absolvição dos Réus Administradores e com esta não se compadece, o que constitui uma nulidade (artigo 615.º, n.º 1, alínea c), ex vi artigo 674.º, n.º 1, alínea c), do CPC). 43. A Relação do Porto determinou a absolvição dos Réus Administradores por considerar não ser possível subsumir o caso dos autos à previsão normativa do artigo 79.º, n.º 1, do CSC. Face aos factos dados como provados (nomeadamente, factos provados n.ºs 30, 55, 56, 198, 200 e 201), não poderia ter sido essa a decisão. 44. O facto provado n.º 56 seria suficiente, por si só, para responsabilizar os Réus Administradores, porquanto ficou provado que os Réus Administradores definiram todas as atividades e atos de divulgação da correspondência e comunicações privadas das Autoras, que seguiram a sua orientação e determinação. 45. O mesmo se verifica com o facto n.º 30, segundo qual a divulgação da correspondência em causa teve origem numa estratégia conhecida e autorizada pela administração do Grupo Futebol Clube do Porto. 46. Assim, é manifesto que a conduta pessoal dos Réus Administradores em causa teve uma participação absolutamente determinante, pontoa ponto, no processo causal que provocou os danos das Autoras, tendo a prática de atos isolados dos Réus Administradores ficado demonstrada. 47. Estamos perante uma nulidade do acórdão, por contradição entre os fundamentos e a decisão, uma vez que “os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, de sentido diferente”, i.e., condenação dos Réus Administradores (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.04.2021, referente ao processo n.º 3167/17.5T8LSB.L1.S1), nulidade que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais, nos termos dos disposto nos artigos 615.º, n.º 1, alínea c), e n.º 4, e 617.º do CPC, e que, conforme referido supra, serve também de fundamento ao presente recurso, nos termos do artigo 674.º, n.º 1, alínea c), do CPC. 48. Em consequência, deve a decisão (§ 1) de absolvição dos Réus Administradores ser revogada e substituída por outra que condene os Réus Administradores, solidariamente com os demais Réus condenados, pelos factos ilícitos em causa, no ressarcimento das Autoras e nas demais condenações indicadas nos § 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8 do douto acórdão recorrido. 49. O acórdão recorrido altera de modo essencialmente diverso a sentença de 1.ª Instância, quer no que respeita à matéria de facto provada e não provada, quer no que respeita à fundamentação jurídica e ao sentido de algumas das condenações, conforme resulta patente das Tabelas I, II e III, que se juntaram supra ao presente recurso, como seus anexos complementares (Anexos I, II e III), e que aqui se dão por integramente reproduzidas para todos os efeitos. 50. As Autoras consideram que se encontram reunidos os pressupostos da revista normal relativamente à decisão do acórdão recorrido no que respeita à fixação da indemnização por danos não patrimoniais (decisão n.º 3 do acórdão). 51. A Relação do Porto decidiu reduzir a indemnização devida às Autoras, de € 1.430.000,00 para € 1.000.000,00, incluindo adicionalmente a condenação da Ré “A…, SA”, que havia sido absolvida em 1.ª Instância, pelo que a decisão tomada é desfavorável às Autoras, pelo que, considerando o valor da sucumbência, tal obsta à verificação da dupla conformidade. 52. Também não se verifica uma situação de dupla conforme quanto à decisão da Relação do Porto que absolveu os Réus BB, CC e DD - decisão § 1 do acórdão –, nem quanto à decisão relativa à fixação da indemnização por danos não patrimoniais – decisão § 3 do acórdão. 53. O acórdão recorrido altera de modo essencialmente diverso a sentença de 1.ª Instância, quer no que respeita à matéria de facto provada e não provada, quer no que respeita à fundamentação jurídica e ao sentido de algumas das condenações (cfr. Anexo 2). 54. No que respeita à decisão de absolvição dos Réus Administradores, as alterações existentes, quer no que respeita à matéria de facto provada e não provada, quer no que respeita à fundamentação jurídica, bem como ao sentido das novas condenações, inviabilizam a dupla conforme, por alterarem os pressupostos da decisão da 1.ª Instância no que respeita à conduta destes Réus nos termos do artigo 671.º, n.º 3, do CPC. 55. A novel condenação da Ré “A…, SA” tem impacto determinante para esta decisão, considerando que os Réus Administradores são também administradores desta sociedade Ré (facto provado n.º 38), determinando as atividades, atos e negócios desta. 56. Os novos fundamentos avançados pelo Tribunal a quo com respeito a essa decisão – e que também impactam na questão aqui em causa, desde logo por se referirem à atuação específica daqueles Réus Administradores nos factos em apreço e envolverem uma fundamentação essencialmente diversa –, traduzem-se num percurso jurídico distinto levado a cabo no acórdão recorrido, o qual tem necessariamente implicação para a análise da questão da absolvição dos Réus Administradores. Além de inovatório, é qualitativamente distinto relativamente às demais sociedades Rés e com estes não se confunde. 57. Veja-se, neste contexto, a defesa apresentada pelos Réus, na sua contestação, para justificar a antena aberta do P… e os gravíssimos atos ilícitos cometidos comprovadamente reveladores das suas verdadeiras intenções e propósitos: “[…] não existe uma relação de concorrência entre os autores dos atos de revelação dos e-mails (o réu AA e o P…) e a SLB SAD […]” – art. 285º da contestação; “Pelo que é absolutamente justificável (e lógico) o comportamento do Réu AA e do P… que, conscientes do agudíssimo interesse público dos factos, os decidem dar a conhecer no meio de comunicação social que tinam para esse efeito” – art. 555º da contestação. 58. A fundamentação avançada no acórdão recorrido para justificar a condenação da Ré “A…, SA” consubstancia uma verdadeira alteração ao nível dos pressupostos da decisão no que respeita à conduta dos respetivos Réus Administradores, uma fundamentação essencialmente diferente que contamina necessariamente a decisão da sua absolvição. Em consequência, essa alteração tem de ser considerada para a apreciação da responsabilidade daqueles Réus Administradores e para a medida em que devem responder pelos danos que diretamente causaram às Autoras. 59. A Relação do Porto concluiu que a Ré “A…, SA” tinha o dever de impedir a divulgação da correspondência das Autoras, que se prolongou por mais de dez meses, e nada fez, donde para estas resultaram danos, considerando especificamente que “a ré “A…, S.A.”, através dos seus administradores, que também o são dos demais réus [nº 38], não poderia ignorar o conteúdo ilícito das sucessivas sessões do programa “… – …” e nada fez para impedir o prosseguimento desta atividade e para remover ou minorar os danos que eram causados aos autores.” 60. Para além disso, importa considerar as modificações verificadas ao nível da matéria de facto, especialmente os factos n.ºs 198, 199, 200 e 201 que foram aditados pela Relação do Porto à matéria dada por provada, que dizem respeito à atuação concreta dos Réus Administradores nas condutas ilícitas e danosas em apreço que causaram diretamente os danos suportados pelas Autoras que foram provados. 61. A propósito do facto provado n.º 198, a Relação do Porto sustenta que “poderá ter interesse para a boa decisão da causa quanto ao papel do réu BB no desenvolvimento das atividades que lesaram os autores”. Quanto ao facto provado n.º 199, a Relação do Porto realça que “poderá ter interesse para a boa decisão da causa no que tange ao papel desempenhado pelos administradores da FCP SAD na atividade aqui em apreciação”. Já no que respeita aos factos provados n.ºs 200 e 201, a Relação do Porto refere que “poderão ser relevantes para a decisão, tal como até resulta da própria citação feita na sentença recorrida”. 62. A inexistência de dupla conforme da decisão recorrida, conforme acima demonstrado, requer e determina a apreciação deste recurso, com os fundamentos seguintes:(i) A nulidade do acórdão recorrido, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), e n.º 4, e 617.º do CPC, por existir oposição entre os fundamentos e a decisão de absolvição dos Réus Administradores, nos termos do artigo 674.º, n.º 1, alínea c), do CPC. (ii) A violação de lei processual expressa, por violação do disposto no artigo 574.º, n.º 2, e 607.º, n.º 4, do CPC, sendo que, nos termos da segunda parte do artigo 674.º, nºs 1, alínea b) e 3, do mesmo diploma, na revista pode ser invocado qualquer erro de direito na fixação dos factos; e (iii) A violação da lei substantiva, por errada interpretação e aplicação dos artigos 8.º, n.º 3, 494.º, 496.º, n.º 4, 562.º e 566.º, n.º 3, todos do CC, e artigo 79.º do Código das Sociedade Comerciais, nos termos do artigo 674.º, n.º 1, alínea a), do CPC. 63. Assim, relativamente ao ponto (i), declarada a nulidade, supra invocada, deve a decisão (§ 1) de absolvição dos Réus Administradores ser revogada e substituída por outra que condene os Réus Administradores, solidariamente com os demais Réus condenados, pelos factos ilícitos em causa, no ressarcimento das Autoras e nas demais condenações indicadas nos § 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8 do douto acórdão recorrido, quer a apreciação seja realizada subsidiariamente, a título excecional, quer a mesma seja, como deve ser, apreciada no âmbito da revista normal. 64. O douto acórdão recorrido errou também ao não aditar à matéria provada determinados factos que haviam sido alegados pelas Autoras e admitidos pelos Réus, conforme sustentado no recurso das Autoras para a Relação do Porto, incorrendo o acórdão recorrido em violação da lei processual, incluindo especificamente a violação do disposto nos artigos 574.º, n.º 2, e 607.º, n.º 4, ex vi artigo 674, n.º 1, alínea b), e n.º 3, do CPC. 65. Esta circunstância serve assim também de fundamento ao presente recurso, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 674.º, n.º 1, alínea b), e n.º 3, do CPC, uma vez que existe violação da lei processual, designadamente dos referidos artigos 574.º, n.º 2, e 607.º, n.º 4, do CPC, materializada no erro ao nível da fixação da matéria de facto. 66. Com efeito, foram vários os factos invocados pelas Autoras que, apesar de terem sido admitidos pelos Réus, foram julgados como não provados. 67. O acórdão recorrido errou ao não aditar à matéria provada os seguintes factos: “Facto Dois, a aditar”, “Facto Onze, a aditar” e o “Facto Doze, a aditar”; estes factos foram alegados pelas Autoras e admitidos pelos Réus, conforme sustentado no recurso das Autoras para a Relação do Porto. 68. Como tal, o acórdão recorrido incorreu em violação da lei processual, incluindo a violação do disposto nos artigos 574.º, n.º 2, e 607.º, n.º 4, do CPC, o que exige a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, no que concerne à delimitação da matéria de facto, nos termos do referido artigo 674.º, n.º 3, do CPC. 69. Nas suas alegações de recurso, as Autoras requereram o aditamento do seguinte facto à matéria dada por provada, com os fundamentos que se seguem: «Facto Dois, a aditar: “No programa do dia 27.06.2017, os Réus retomam, por outro lado, as acusações anteriores de corrupção e tráfico de influências, recorrendo à imagem do “polvo” e anunciam novas “revelações”: [00:20:18] Pela dimensão de tudo isto, pela dimensão de tudo isto. Nós já revelámos muita coisa, já expusemos vários dos tentáculos do polvo, mas o melhor está para vir. Isto é o maior escândalo da história do futebol português, as pessoas podem continuar a assobiar para o lado, assobiem quando quiser, a imprensa amiga pode continuar a assobiar para o lado, os comentadores amigos, oficialmente afetos ou oficiosamente afetos, podem continuar a assobiar para o lado, as instituições do futebol podem continuar a assobiar para o lado, mas este é o maior escândalo da história do futebol português e, repito, o melhor está para vir.” Fundamento: O facto em apreço tem relevância central para a boa decisão da causa, uma vez que indica a intenção concertada dos Réus, expressa aqui pelo Réu AA, no sentido de continuar a divulgar correspondência privada das Autoras ou, pelo menos assim alegada, que os Réus confessam ter ainda em seu poder contra a vontade das Autoras, da qual é ilustrativa a expressão “o melhor está para vir”. Este facto foi alegado no art. 177.º da petição inicial, não foi impugnado pelos Réus, sendo que consiste numa declaração do Réu AA no programa “… – …”, transmitido no P…., de … de junho de 2017 (cuja transcrição e respetiva gravação em CD se encontram junto aos autos como Documentos n.º 11 e n.º 12 do requerimento inicial do procedimento cautelar). Este facto foi dado por provado no Acórdão TRP – cfr. facto sob o ponto 32, págs. 72 e 73 do Acórdão TRP.»70. Este facto – que diz respeito a declarações do Réu AA no programa “… – …”, transmitido no P…, de … de junho de 2017 – não foi impugnado pelos Réus, sendo relevante para o caso em apreço por indicar a intenção concertada dos Réus no sentido da continuação da divulgação ilícita e a admissão de posse daqueles elementos, contra a vontade das Autoras. O facto é de tal maneira relevante para os autos que foi dado por provado no Acórdão do TRP no processo n.º 17448/17.4… referente ao procedimento cautelar (facto sob o ponto 32).71. Para além desse, as Autoras requereram o aditamento do seguinte facto à matéria dada por provada, com os fundamentos que se seguem: «Facto Onze, a aditar: “O próprio presidente do clube, o Réu BB, manifestou o seu apoio no que toca à divulgação contínua de alegados emails, através de entrevistas à imprensa desportiva – cfr. a título de exemplo, Documento n.º 31 junta com a petição inicial: Renascença Online, edição de … .12.2017, BB: “Quando é o Benfica, o Governo assobia para o lado”, BB critica o Governo português por nada fazer perante as denúncias que o FC Porto tem apresentado. O presidente portista já perdeu a esperança numa intervenção política, porque, assinala em entrevista ao jornal "…", "quando é o Benfica, o Governo assobia para o lado". Em causa está o caso dos e-mails divulgados pelo FC Porto e a ilegalidade das claques do Benfica. "O Governo assobia para o lado. Não espero nada do Governo, mas da Polícia Judiciária espero, porque sei que estão a trabalhar no assunto. Pelos dados que nos têm pedido estão a trabalhar com seriedade e rigor", sublinhou. Em relação aos e-mails, BB defende que a sua divulgação "veio contribuir para a moralização do futebol". "Não fizemos suposições, mostrámos factos concretos. Mostrámos os e-mails e depois entregámos á polícia", acrescentou.” Fundamento: O facto em apreço é relevante para a boa decisão da causa porquanto demonstra a liderança direta do Réu BB, na prossecução pelos Réus das atividades ilícitas que lesaram as Autoras. Nestas declarações públicas, o Réu BB assume que “[nós] não fizemos suposições, mostrámos factos concretos. Mostrámos os e-mails e depois entregámos à polícia”. Esta declaração pública, considerada conjuntamente com declarações do Réu AA e com outras posições públicas assumidas pelo Réu BB acima referidas (v. Factos Cinco, Seis, Sete, Oito, Nove e Dez, todos a aditar), demonstram o envolvimento direto da estrutura diretiva do Grupo Futebol Clube do Porto, em particular do seu presidente, na determinação das atividades ilícitas em causa nos presentes autos. Este facto foi alegado no art. 275.º da petição inicial e deve ser dado como provado porquanto consiste numa declaração pública do Réu BB, noticiada pela Rádio Renascença, no dia … de dezembro de 2017, a qual se encontra documentalmente comprovada nos autos, designadamente no Documento n.º 31, junto com a petição inicial, não tendo igualmente o teor da notícia sido impugnado especificamente, nem sequer alegado pelos Réus que fosse falso ou deturpado.» 72. Este facto respeita a declarações proferidas pelo Réu BB, em entrevista concedida ao jornal “…” a … de dezembro de 2017, e que foram repercutidas em várias notícias, entre as quais pela Rádio Renascença, em que este Réu referiu designadamente o seguinte: “Não espero nada do Governo, mas da Polícia Judiciária espero, porque sei que estão a trabalhar no assunto. Pelos dados que nos têm pedido estão a trabalhar com seriedade e rigor (…) Não fizemos suposições, mostrámos factos concretos. Mostrámos os e-mails e depois entregámos à polícia". 73. O teor da notícia não foi impugnado pelos Réus (vide artigo 47.º da contestação), nem tão-pouco os mesmos alegaram que fosse falsa ou deturpada. Trata-se de um facto relevante para a boa decisão da causa porquanto demonstra a liderança direta do Réu BB, na prossecução pelos Réus das atividades ilícitas que lesaram as Autoras e que demonstra o envolvimento direto da estrutura diretiva do Grupo Futebol Clube do Porto, em particular do seu presidente, na determinação das atividades ilícitas em causa nos presentes autos. 74. As Autoras requereram ainda o aditamento do seguinte facto à matéria dada por provada, com os fundamentos que se seguem: «Facto Doze, a aditar: “Nesta fase, mais uma vez no cumprimento de uma estratégia concertada e coordenada pelo FC Porto, o próprio presidente do clube, BB, na revista “…”, profere as seguintes declarações: «O ano que está prestes a terminar fica marcado pela revelação do chamado escândalo dos emails, mas que hoje ninguém duvida que é muito mais do que isso, tratando-se de um colossal esquema de condicionamento e manipulação de pessoas e instituições a favor do Benfica», ao que prossegue insinuando «Percebe-se agora porque é que tanta coisa estranha sucedeu nos últimos anos e o nosso insucesso das últimas épocas também se explica pelo controlo irregular, à margem da lei e dos regulamentos, que o Benfica exerce no futebol. É tempo, de uma vez por todas, de todos se dedicarem aos conteúdos revelados, porque já ninguém põe em causa a veracidade das informações tornadas públicas», conforme notícia junta como Documento n.º 33 da petição inicial.” Fundamento: Este facto é relevante para a boa decisão da causa porquanto demonstra o apoio e o compromisso públicos do Réu BB na prossecução pelos Réus das atividades ilícitas que lesaram e lesam as Autoras. Este facto foi alegado no art. 278.º da petição inicial e consiste numa declaração pública do Réu BB, na última edição de 2017 da revista “…”, replicada no Jornal …, de … de dezembro de 2017, constante do Documento n.º 33 da petição inicial, não tendo sido impugnado pelos Réus e o facto de se tratar (“de uma estratégia concertada e coordenada pelo FC Porto”) é corroborado pelos §§30, 47, 56 e 69 da matéria de facto provada.» 75. Este facto diz respeito a declarações proferidas pelo Réu BB, publicadas na última edição de 2017 da revista “…” e que foram reproduzidas no Jornal … de … .12.2017. Este facto não foi impugnado especificamente pelos Réus, nem tão-pouco os mesmos alegaram que fosse falso ou deturpado, tratando-se de um facto relevante para a boa decisão da causa porquanto demonstra o apoio e compromisso públicos do Réu BB na prossecução pelos Réus das atividades ilícitas que lesaram as Autoras e que demonstra o envolvimento direto da estrutura diretiva do Grupo Futebol Clube do Porto, em particular do seu Presidente, na determinação das atividades ilícitas em causa nos presentes autos. 76. Os três factos mencionados deveriam ter sido aditados pela Relação do Porto à factualidade assente, nos termos do disposto nos artigos 574.º, n. º2, e 607.º, n. º4, do CPC, por admitidos por acordo, dizendo respeito a declarações pessoais dos Réus, logo tratando-se de factos confessados por estes. Por conseguinte, a Relação do Porto violou também o princípio da prova vinculada, vertido no artigo 674.º, n.º 3, do CPC. 77. Quanto à justificação para não aditar o “Facto Onze, a aditar” e o “Facto Doze, a aditar” – por supostamente conterem considerações conclusivas –, a jurisprudência tem admitido que a seleção factual possa conter expressões de cariz fático-jurídico, quando sobre tais factos exista acordo entre as partes (vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.04.2022, referente ao processo n.º 9338/21.2T8LSB.L1-2). 78. Por outro lado, decorre também da jurisprudência que, se necessário, devem os factos provados ser expurgados de valorações, locuções metafóricas ou excessos de adjetivação, pelo que deveria a Relação do Porto ter expurgado dos referidos factos as considerações que julgava “conclusivas”, levando os mesmos à factualidade assente, expurgados de tais considerações, como aliás fez em relação aos factos provados 25, 78, 102, 103 e 113. 79. Pelo exposto, deverá o Supremo Tribunal de Justiça aditar os três factos aqui mencionados à matéria assente (Facto Dois, a aditar”, “Facto Onze, a aditar” e “Facto Doze, a aditar”), os quais são essenciais para os efeitos da apreciação da conduta ilícita dos Réus Administradores, o que se requer nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 574.º, n.º 2, 607.º, n.º 4, do CPC, 674.º, n.º 1, alínea b), e n.º 3, do CPC. 80. Conforme acima alegado, as Autoras não podem também conformar-se quanto à seguinte decisão do acórdão recorrido de 13.09.2022: em §3 da decisão, uma vez que consideram que os Réus devem ser condenados no montante de € 17.000.000,00 e juros, conforme peticionado, a título de indemnização equitativa pelos danos não patrimoniais, devendo o caso análogo ser considerado unicamente como limiar mínimo da indemnização. 81. No que respeita à decisão relativa à fixação da indemnização por danos não patrimoniais, a Relação do Porto reduziu o montante que tinha sido fixado em 1.ª Instância, a título de danos não patrimoniais, de € 1.430.000,00 para € 1.000.000,00. 82. A Relação do Porto considerou acertado o “percurso argumentativo” seguido pela 1.ª Instância, no sentido de se apoiar no caso análogo fornecido pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de março de 2007, mas entendeu que se justificava “uma maior contenção indemnizatória”, “de forma a alcançar uma solução mais justa e equitativa e a também melhor respeitar a jurisprudência europeia”, com o decidido pelo TEDH em acórdão de 07.12.2010. 83. A Relação do Porto decidiu reduzir para metade o valor individual da indemnização atribuída pela 1.ª Instância por cada email, por referência aos primeiros três grupos de emails (no primeiro grupo de emails, reduziu o valor de € 40.000,00 para € 20.000,00; no segundo grupo de emails, reduziu o valor de € 20.000,00 para € 10.000,00; no terceiro grupo de emails, reduziu o valor de € 10.000,00 para € 5.000,00), determinando, em consequência, a redução da indemnização por danos não patrimoniais para € 1.000.000,00 (veja-se em §3 da decisão). 84. Esta decisão não pode prevalecer, assentando numa errada interpretação e aplicação dos artigos 8.º, n.º 3, 494.º, 496.º, n.º 4, 562.º e 566.º, n.º 2 e n.º 3, todos do CC. Por outro lado, as circunstâncias que justificam o entendimento constante do citado acórdão do TEDH não se verificam no caso concreto, pelo que não podem fundamentar uma diminuição do montante indemnizatório. 85. O Tribunal considera o valor arbitrado no caso análogo, ajustado à inflação, multiplicando o mesmo pelo número de sessões, para alcançar o valor que é depois considerado o limite máximo indemnizatório, baseando-se para tal no artigo 494.º do CC. 86. Sucede que as circunstâncias elencadas no artigo 494.º do CC devem ser atendidas como critério mínimo e não em termos de limite máximo, não se podendo ignorar que este artigo funciona como uma cláusula de limitação do dano indemnizável nos estritos casos em que, verificando-se mera culpa, e considerando os fatores nele elencados, se justifique precisamente uma limitação da indemnização. 87. Tal não se verifica no caso vertente, uma vez que é matéria assente que: (i) a atuação dos Réus foi feita com dolo “na modalidade mais intensa”, tendo em conta a gravidades dos atos, a sua intensidade e o seu caráter reiterado; (ii) os Réus mantêm uma boa situação económica; (iii) e os danos causados foram reconhecidamente altíssimos. 88. O artigo 496.º, n.º 4, do CC deve ser interpretado no sentido de o Tribunal fixar equitativamente os danos de acordo com o seu melhor juízo, podendo sempre ter em consideração outros critérios para além dos enunciados no artigo 494.º do CC, salvaguardando que os danos infligidos com dolo não tenham uma indemnização menor do que a que teriam em caso de mera culpa. 89. Tal como reconhecido pela Relação do Porto este é um caso de gravidade bem superior em relação ao caso análogo, em que estava em causa apenas uma difusão de uma notícia da qual resultava que uma entidade desportiva tinha dívidas fiscais. 90. A Relação do Porto errou ao considerar o caso análogo como referencial máximo, com base em suposta necessidade de uniformização com jurisprudência europeia, uma vez o caso análogo deve constituir unicamente um limiar mínimo e nunca um referencial máximo, pelos motivos apontados. 91.Veja-se as conclusões de Paula Costa e Silva e Nuno Trigo dos Reis, no Parecer, junto aos autos com o recurso de apelação (sob doc. n.º 6): “99. O vector dogmático primeiro do direito da obrigação de indemnizar é o ressarcimento integral dos danos. Na ausência de alguma norma que consinta num desvio a este princípio, a indemnização deve ser fixada prestada de uma forma tal que, na medida do possível, coloque o lesado na situação em que estaria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 562.º CC). 100. Pergunta-se: verifica-se no caso em análise alguma circunstância que fundamente a fixação judicial do quantum respondeatur em montante inferior ao dano real? Constatámos já que a existência de uma pluralidade de agentes (eventualmente, de pessoas responsáveis) pelos danos não configura uma das situações típicas em que a responsabilidade civil pode excepcionalmente ser atenuada. Haverá alguma outra que se verifique no caso? Um dos mais relevantes desvios à lógica do tudo-ou-nada do ressarcimento integral dos danos traduz-se na faculdade de o juiz fixar a indemnização em valor inferior ao dano real nos termos do art. 494.º CC. Como vem sendo notado, trata-se não de uma liberdade ou de uma discricionariedade judicial, mas antes de um” princípio moderador” que o juiz deve chamar a si sempre que as diferentes razões de justiça que ele incorpora se verifiquem no caso concreto. Algumas dessas razões ou critérios são necessariamente objecto de uma ponderação a realizar pelo decisor, como acontece com a «situação económica das partes», o «grau de culpabilidade do agente», e a cláusula aberta das «demais circunstâncias relevantes do caso». Há, contudo, um elemento que se encontra subtraído daquele juízo de ponderação e que constitui um limite à «cláusula do razoável» instituída por aquela disposição: a mera culpa do agente. Tendo o agente actuado com dolo, em qualquer das suas modalidades (directo, necessário ou eventual), estará afastada a possibilidade da fixação judicial da indemnização em montante inferior ao do dano real. 101. A ressalva que acabamos de fazer é determinante para a apreciação dos problemas postos pelo Caso. Isto porque o Tribunal considerou provada a intencionalidade lesiva dos Réus, o que obriga a qualificar a sua conduta como (directamente) dolosa. Ora, sendo o comportamento dos Réus doloso e não meramente negligente, não pode haver lugar à atenuação especial da indemnização segundo o disposto no art. 494.º CC. (…) Quer dizer, se a mera culpa do lesante é um pressuposto e um limite ao poder funcional de atenuação da indemnização face ao dano real, daqui se extraem duas consequências:(i) que o Tribunal pode fixar a indemnização em valor inferior ao dano real quando o agente tiver actuado de forma negligente (conquanto se encontrem verificados os demais pressupostos de aplicação da norma); (ii) que o Tribunal não pode fixar a indemnização em valor inferior ao dano real quando a conduta do agente for dolosa (ainda que se encontrem presentes no caso os restantes pressupostos de aplicação do preceito). 102. Sucede que, enquanto considerou demonstrada a actuação dolosa dos Réus, o Tribunal decidiu condená-los no pagamento de uma indemnização em montante inferior ao dano real. Com isso, porém, fez o Tribunal tábua rasa das valorações subjacentes ao art. 494.º CC e da forma como elas traduzem a forma de harmonização de interesses conflituantes recebida pelo nosso Sistema. De nada adianta expressar formalmente o juízo de não aplicação de uma regra ao mesmo que se decide de acordo com as razões da norma que se afirmou excluída. O problema colocar-se-á, então, ao nível da fundamentação decisória, por manter encoberta a interpretação-aplicação da norma como verdadeira razão da decisão. No Caso, a moderação equitativa da indemnização traduz uma violação, ainda que «indirecta» ou «latente», da norma presente no art. 494.º CC.” 103. A Relação do Porto interpretou erradamente o disposto nos artigos 494.º e 496.º, [10]n.º 4, e, em consequência, também o 566.º, n.º 3, do CC, por errada fixação do limite máximo da indemnização. 104. A Relação do Porto desrespeitou também o princípio da proporcionalidade, uma vez que o montante arbitrado a título de danos não patrimoniais não se afigura proporcional à gravidade reconhecida dos factos, à sua intensidade, ao seu caráter reiterado e altamente danoso para as Autoras com repercussões altíssimas para a reputação das Autoras. 105. As repercussões do “caso dos e-mails do Benfica” nos meios de comunicação social portugueses e estrangeiros foram (e continuam a ser) numerosas e graves, não tendo havido um único dia seguinte à transmissão do programa “… – …” sem que passassem nos jornais, rádios e televisões, generalistas ou desportivos, amplas referências ao tema, geralmente em tom sensacionalista, ou sem que se transmitissem debates e comentários sobre o “Benficagate”, um anátema atroz que se catapultou contra as Autoras (mas também diretamente contra os seus dirigentes, colaboradores, sócios e simpatizantes) – vide, por exemplo, os factos provados n.ºs 102, 103, 104, 105, 106, 107, 109, 110, 111, 122, 124, 125 e 126). 95. Já na sentença da 1.ª Instância se lia que “face ao número de meses (10), número de sessões de divulgação (20), [o valor máximo fixado] só pecará por diminuto, tendo em conta os valores correntes da actividade das RR”; e que a quantia indemnizatória então determinada é “diminuta tendo em conta os valores do sector de atividade das RR”. Esse entendimento é atestado no acórdão recorrido, que refere o “quadro de gravidade bem superior [da situação em apreço em relação ao caso análogo]”. 106. A indemnização deve ser fixada em montante proporcional aos danos, o que a Relação do Porto não teve em conta, tendo optado por reduzir um montante indemnizatório já de si reconhecidamente diminuto (neste sentido vide os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 10.12.2019, processo n.º 5937/17.5T8VIS.C1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 08.04.2021, processo n.º 99/16.8SRLSB.L1-9; do Tribunal da Relação de Coimbra de 19.12.2018, processo n.º 762/15.0T8LRA.C1; ou do Tribunal da Relação de Guimarães de 08.04.2019, processo n.º 344/12.9TAFAF.G1).97. Do exposto resulta que a indemnização no valor de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), a título de danos não patrimoniais, não se afigura minimamente proporcional à gravidade dos danos causados, por serem estes evidentemente de muito maior monta do que o valor indemnizatório fixado. 107. A Relação do Porto desconsiderou uma qualquer eventual situação de concausalidade (que havia sido considerada pela 1.ª Instância para efeitos da redução dos montantes indemnizatórios), por referência à divulgação mediática das imputações produzidas pelos Réus, mas não refletiu tal entendimento no que respeita ao montante fixado a título de danos não patrimoniais. 108. Veja-se o entendimento de Paula Costa e Nuno Trigo dos Reis constante do Parecer, junto aos autos com o recurso de apelação (sob doc. n.º 6): “6.ª As condutas lesivas assumidas por terceiros, outros órgãos de comunicação social que reproduziram a correspondência das Autoras, deram origem a prejuízos adicionais por referência aos danos provocados pelas primeiras divulgações ilícitas promovidas pelos Réus. Apesar de decorrerem imediatamente de condutas de terceiros, tais prejuízos são imputáveis aos Réus, na medida em que estes, ao colocarem em circulação na comunicação social o conteúdo das correspondências das Autoras, praticaram um facto idóneo, de acordo com os juízos da experiência comum, a induzir outros órgãos de comunicação social a reproduzirem esses documentos e, com isso, a repetirem a ingerência abusiva na vida privada das lesadas. Noutra perspectiva, a conduta dos terceiros constitui a concretização do risco ilicitamente criado pelos Réus, ao divulgarem publicamente a correspondência electrónica do lesado pela primeira vez, o epicentro do "caso do email" que abalou a opinião pública: um risco lesivo que se encontra coberto pelo escopo de protecção das normas que reconhecem o direito à inviolabilidade da correspondência e à reserva da intimidade sobre a vida privada. 7.ª Ao contrário do que resulta da decisão recorrida, o concurso de condutas lesivas não configura uma hipótese de «concausalidade cumulativa» ou de «co-autorias paralelas». O Caso configura, antes, uma hipótese de causalidade mediata ou indirecta, ante a qual o autor de um primeiro evento lesivo deve responder pelas consequências emergentes de um evento posterior, sob a forma de um comportamento de um terceiro. 8.ª As existências de condutas lesivas de terceiros não justificam uma atenuação da responsabilidade dos Réus, antes impõem, precisamente, o resultado contrário. A responsabilidade dos Réus é, na verdade, agravada pelo facto de certos órgãos de comunicação social terem posteriormente reproduzido os emails e terem, com isso, amplificado as consequências prejudiciais da devassa primeiramente cometida. 9.ª Todas as reproduções por terceiros dos email do Sport Lisboa e Benfica e das notícias lesivas da reserva da vida privada e do seu bom nome, tenham estas origem em órgãos de comunicação social nacionais ou estrangeiros, não podem deixar de contar a se como eventos danosos (art. 496.º, n.º 1 CC) ou, pelo menos, como «circunstâncias do caso» que justificam o agravamento da compensação, por sinalizarem um especial desvalor do resultado da conduta dos Réus e uma dimensão agravada dos prejuízos do lesado (arts. 496.º, n.º 4 e 494.º CC).”109. A Relação do Porto errou ao não refletir a desconsideração da eventual concausalidade na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, o que se impunha em face dos artigos 494.º, 496.º, n.º 1 e 4, 562.º e 566.º, n.º 2, todos do CC. Caso o tivesse feito, o valor fixado seria forçosamente superior àquele arbitrado em 1.ª Instância, o que não se verificou, com prejuízo para as Autoras. 110. A Relação do Porto deveria ter considerado a repercussão da atuação dolosa e ilícita dos Réus para efeitos da agravação da compensação devida às Autoras a título de danos não patrimoniais, pelo que interpretou erradamente o disposto nos artigos 562.º e 566.º, n.º 2, do CC, que impõem o ressarcimento integrado dos danos. 102. Acresce que, quanto ao facto da metodologia subjacente ao cálculo da indemnização pelos danos não patrimoniais assentar numa atenuação derivada do suposto conteúdo dos emails, tal fator não pode concorrer para uma limitação da indemnização, o que acarreta a violação do artigo 34.º da CRP e também dos artigos 496.º, n.º 1 e n.º 4, e 494.º do CC: “10.ª A fixação da indemnização devida pelos Réus em valor inferior aos danos reais sofridos pelas Autoras não pode ser justificada pelo argumento de que a danosidade das condutas lesivas se deveu também ao conteúdo dos email e de que esta circunstância só pode ser imputadas às próprias lesadas. 11.ª A correspondência das Autoras não pode ser valorada na presente acção de modo a fundar a convicção do decisor quanto a factos que lhe são desfavoráveis, como são os factos que implicam a redução da responsabilidade ou que permitem que a indemnização seja fixada em montante inferior ao dano real.(…)14.ª Na sentença recorrida incorreu-se no equívoco de confundir a genuinidade dos email, conclusão com a qual a Parte nos informa não se conformar, com a veracidade do respectivo conteúdo. Com efeito, na presente acção foi efectivamente demonstrado que os documentos a que os Réus se referiam nas suas comunicações públicas eram efectivamente mensagens de correio electrónico pertencentes às lesadas. Não ficou, contudo, provado que as descrições que fizeram quanto ao conteúdo desses documentos eram verdadeiras: pelo contrário, provou-se inclusivamente que parte importante dos emails foram truncados e adulterados no seu sentido através de actos imputados aos Réus. Menos ainda se pode dizer ter sido provada na acção a realidade da prática de condutas ilícitas pelas lesadas: a alegação, pelos Réus, de que esses factos podiam ser inferidos da correspondência das lesadas foi, de resto, inequivocamente considerada não demonstrada pelo próprio Tribunal. 15.ª Sem prejuízo das razões que antecedem, a prova da veracidade do conteúdo dos emails jamais poderia justificar a exclusão ou atenuação da responsabilidade. A exceptio veritatis não pode justificar a exclusão ou a atenuação da responsabilidade fundada na violação do direito à protecção da correspondência e da reserva da vida privada. A protecção contra a devassa não cessa perante a prova de que são verdadeiros os factos que o agente logrou ilicitamente subtrair ao domínio exclusivo do lesado. 16.ª O facto de a devassa cometida pelos Réus não ter como objecto documentos falsos, mas antes a verdadeira correspondência do Sport Lisboa e Benfica não é uma razão para reduzir a sua responsabilidade, mas antes para agravá-la, mormente no tocando à compensação devida pelos danos não patrimoniais, justamente porque ela vem revelar ser, afinal, maior a gravidade do dano e o merecimento da sua tutela (art. 496.º, n.º 1 CC) e mais gravoso o ilícito cometido (arts. 496.º, n.º 4 e 494.º CC). 17.ª A circunstância de os emails conterem informação potencialmente sensível para a esfera reputacional das Autoras não pode ser valorada como uma hipótese de «culpa do lesado» Não é possível identificar qualquer comportamento do próprio lesado que, estando provado na presente acção, seja merecedor de um juízo de censura e possa por isso fundamentar uma «repartição equitativa» do dano entre ambas as partes da relação obrigacional de indemnização. Acresce que o imperativo de protecção da reserva da privacidade vale com razão reforçada relativamente às informações potencialmente indesejáveis ou desfavorecedoras para o respectivo titular, pois é justamente quanto a elas que mais se justifica a necessidade de proteger a confiança do próprio na preservação do domínio exclusivo sobre a informação.” (sob doc. n.º 6). 111. À luz de critérios de justa adequação, equidade e proporcionalidade, o caso análogo apontado deverá ser considerado unicamente como o limiar mínimo de partida do juízo de valoração dos danos não patrimoniais causados pelos Réus, considerando a reconhecida gravidade dos factos, respetiva intensidade e caráter reiterado, aliados à altíssima danosidade dos mesmos para a esfera das Autoras. 112. O caso análogo utilizado diz respeito a uma situação em que um jornal de grande tiragem nacional imputou o incumprimento de dívidas fiscais a um grande clube de futebol, de contornos não comparáveis com o caso vertente, tal como reconhecido pela 1.ª instância e reforçado pela Relação do Porto: (i) não havia, como aqui há, dolo direto de prejudicar o lesado; (ii)não havia imputações movidas por aspetos puramente comerciais/concorrenciais de afetação do mercado ou de puro descrédito; (iii) houve diligências jornalísticas associadas; (iv) e havia um clima de falta de precisão quanto à situação jurídica da questão noticiada. 105. O princípio da igualdade justifica que o presente caso seja decidido de forma apartada do caso análogo, em termos deste último servir de mero ponto de partida (artigos 13.º da CRP e 8.º, n.º 3, do CC). 113. A situação vertente não é comparável com uma imputação isolada de uma suposta dívida fiscal, realizada por um jornal e jornalistas. A afetação exponencial causada às Autoras é evidentemente muitíssimo superior. 107. A conduta dolosa e ilícita dos Réus constitui um ataque de dimensões nunca vistas na justiça portuguesa; um ataque dirigido, planeado sistematicamente, com vista a remover um concorrente do caminho, retirar-lhe patrocinadores, decapitar a sua estrutura diretiva, enfim promover uma fissura indelével e permanente, uma nódoa irreparável, uma vergonha jamais sublimada para todos os adeptos e simpatizantes das Autoras! Esse ataque orquestrado contra as Autoras foi sintetizado pelo Réu AA nos seguintes termos: “Isto é uma guerra!” 114. Face à comprovada ausência de casos desta dimensão e gravidade na prática nacional, justifica-se a consideração do caso análogo unicamente como ponto de partida do juízo equitativo necessário à compensação pelos danos não patrimoniais, ficando, assim, à vista a desproporcionalidade da indemnização arbitrada pela Relação do Porto. 1115. O Supremo Tribunal deve corrigir esta solução, devendo ser arbitrada uma justa compensação pelos danos não patrimoniais causados que, partindo daquele caso análogo como limiar mínimo, seja verdadeiramente proporcional à gravidade dos danos causados, o que se impõe em nome dos princípios da igualdade e proporcionalidade e também do artigo 8.º, n.º 3, do CC, os quais foram violados pela Relação do Porto. 116. Também não pode ser considerada a circunstância do Réu AA, supostamente não possuir meios económicos para satisfazer a mesma, porque numa situação de obrigação com vários sujeitos, não podem as Réus pessoas coletivas beneficiar da precariedade patrimonial da Réu pessoa singular, o que se impõe face ao estatuído nos artigos 526.º, n.º 1, 500.º e 497.º, n.º 2, do CC, que foram incorretamente interpretados. 117. Pelo contrário, a solidariedade nos casos de responsabilidade por relação comitente-comissário, aqui em causa, pretende salvaguardar o ressarcimento do lesado (artigos 500.º e 497.º, n.º 2 do CC). 118. Adicionalmente a Relação do Porto considerou o acórdão do TEDH de 07.12.2010 (relativo à queixa n.º 39324/07) para reduzir a indemnização por danos não patrimoniais, no entanto os alicerces daquele acórdão do TEDH não podem fundamentar uma tal redução nos presentes autos. 119. O acórdão do TEDH não tem aqui qualquer aplicabilidade, desde logo face às diferenças existentes entre as circunstâncias do caso análogo e a situação em apreço (conforme referido supra). 120. Acresce ainda que os fundamentos do acórdão do TEDH não são transponíveis para o caso vertente: (i) o assunto sobre o qual versou a notícia foi considerado de interesse geral para a comunidade, sobre o qual a imprensa deveria poder transmitir informações; (ii) estava em causa o dever de informar que impende sobre os jornalistas e jornal; (iii) considerou-se que uma eventual obrigação do jornal renunciar à publicação apenas com base no desmentido do visado consubstanciaria uma limitação aos direitos dos jornalistas a transmitirem informações; (iv) os jornalistas tiveram acesso a documento do Ministério das Finanças que atestava as alegadas dívidas noticiadas e essa informação foi confirmada por uma fonte; (v) nunca se colocou a questão do documento ter sido obtido através do recurso à dissimulação ou à ameaça; (vi) os jornalistas recolheram, antes da publicação do artigo, a posição do Clube e da Administração Fiscal sobre o assunto e publicaram o desmentido do Clube no dia seguinte; (vii) considerou-se que os jornalistas tinham base factual suficiente para a publicação do artigo e que não desrespeitaram deveres deontológicos; (viii) concluiu-se que o montante de indemnização arbitrado naquele caso poderia dissuadir os jornalistas de contribuírem para a discussão pública de questões de interesse para a vida da comunidade e poderia impedir a imprensa de cumprir o seu papel de informar. 121. Não existe qualquer risco ao nível da dissuasão de jornalistas de contribuírem para a discussão pública de questões de interesse ou ao nível de qualquer impedimento do papel reservado à imprensa, pois os factos ilícitos praticados pelos Réus não têm natureza jornalística, são estranhos a qualquer atividade noticiosa (vide os factos provados n.ºs 33, 52 e 144), o que foi sublinhado em várias passagens da sentença e do acórdão recorrido. 122. De tudo o que vem sendo exposto resulta que a Relação do Porto errou ao reduzir a indemnização por danos não patrimoniais para € 1.000.000,00 (um milhão de euros), tendo interpretado erradamente o disposto nos artigos 8.º, n.º 3, 494.º, 496.º, n. º4, 562.º e 566.º, n.º 2 e n.º 3, todos do CC. 120. A medida da valoração dos danos não patrimoniais causados pelos Réus deve, pois, computar-se no montante de € 17.000.000,00 (dezassete milhões de euros), nos termos designadamente do disposto nos artigos 8.º, n.º 3, 494.º, 496.º, n.º 4, 497.º, n.º 2, 500.º, 562.º e 566.º, n.ºs 2 e 3, todos do CC. 121. O acórdão recorrido, na decisão relativa à fixação da indemnização devida a título de danos não patrimoniais, deve ser revogado e substituído por outro que declare a condenação dos Réus a indemnizar as Autoras no montante peticionado de € 17.000.000,00 (dezassete milhões de euros). 122. No que respeita à decisão de absolvição dos Réus Administradores, a mesma viola a lei substantiva, por errada interpretação e aplicação do artigo 79.º, n.º 1, do CSC, assentando numa apreensão errónea do sentido e alcance da matéria de facto provada e numa subsunção redutora das normas jurídicas aplicáveis ao caso. 123. Conforme avançado pela Relação do Porto, a responsabilidade prevista no artigo 79.º, n.º 1, do CSC é uma responsabilidade extracontratual comum, resultante de factos ilícitos, culposos e danosos praticados pelos administradores no exercício das suas funções. Ora, tal verifica-se no caso em apreço, o que se mostra corroborado pelos factos provados, incluindo pelos n.ºs 30, 55, 56, 81, 198, 199, 200 e 201. 124. Resulta dos factos provados antes referidos que os Réus Administradores conheciam e autorizaram a estratégia de comunicação da correspondência privada das Autoras, executada consecutivamente ao longo de mais de dez meses no P… (meio sobre o qual detinham também o poder funcional de direção e condução), tendo praticado factos ilícitos, culposos e danosos, porque poderiam e deveriam ter agido conforme ao direito, determinando a cessação imediata dessa estratégia e da consequente divulgação – comprovadamente ilícita – da correspondência e comunicações privadas das Autoras, prevenindo e/ou evitando a continuação dos danos causados às Autoras, o que não fizeram. 125. A Relação do Porto considerou ainda que os administradores apenas poderiam ser responsabilizados quando violem deveres no tráfico a que pessoalmente estejam obrigados, ou seja, quando desrespeitem o dever jurídico de atuar sobre aspetos da organização ou do funcionamento empresarial-societário que constituam fontes especiais de risco para terceiros, e que não serão responsáveis por toda e qualquer deficiência organizativo-funcional da sociedade geradora de danos. 126. Dos factos provados 113, 114 e 115 resulta que a divulgação da correspondência e comunicações privadas das Autoras, executada nos termos acima referidos não poderá ser considerada “uma qualquer deficiência organizativo-funcional da sociedade”; ao invés: constituiu o eixo central da sua programação ao longo dos mais de dez meses em que foi previamente organizada, propositadamente montada, realizada e difundida. 127. No presente caso não tem aplicação a problemática do “dano reflexo”, conforme resulta da matéria provada, incluindo por exemplo dos factos 113, 114 e 115, sendo que as sociedades Rés beneficiaram sobremaneira com a atividade ilícita desenvolvida, nomeadamente em termos económico-financeiros, mas também desportivos; em contraponto, as Autoras sofreram e continuam a sofrer pesados danos diretamente causados pelos Réus. 128. Considerou a Relação do Porto que os danos causados diretamente pelo gerente aos sócios ou a terceiros são aqueles que, assentes em responsabilidade delitual comum, ocorrem em termos que não são interferidos pela presença da sociedade, sendo irrelevante para a produção de tais danos, ainda que invocada, a representação da sociedade. 129. Diferentemente da exegese das fontes doutrinárias realizada pelo douto acórdão, António Menezes Cordeiro e António Barreto Menezes Cordeiro, na análise que fazem do caso em apreço, refletida no Parecer, junto ao presente recurso como Documento n.º 1 (pp. 57 e ss. e 81 e 82), considera que os Réus Administradores devem ser responsabilizados e condenados, nos seguintes termos: “I. A responsabilidade dos administradores para com os sócios e terceiros é remetida, igualmente, para o regime geral da responsabilidade aquiliana. Dispõe o artigo 79.º/1: Os gerentes ou administradores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que diretamente lhes causarem no exercício das suas funções. À primeira vista, temos uma responsabilidade por violação de direitos absolutos ou por inobservância de normas de proteção, nos termos do artigo 483.º/1, do Código Civil. Todavia, tal responsabilidade sofre uma especial delimitação: apenas cobre os danos diretamente causados. (…) III. A responsabilidade é direta quando os danos resultem do facto ilícito, sem nenhuma intervenção de quaisquer outros eventos. Em termos valorativos, isso redundará: (1) ou em práticas dolosas dirigidas à consecução do prejuízo verificado; (2) ou em práticas negligentes grosseiras, cujo resultado seja, inelutavelmente, a verificação do dano em causa. Nestas condições, compreende-se que seja difícil a verificação da hipótese prevista no artigo 79.º/1. Logicamente: pois a assim não ser, de pouco valeria a própria ideia de personalidade coletiva. Digamos que existe aqui uma hipótese de levantamento da personalidade: ex lege. IV. Também neste domínio, o artigo 79.º/2 procede a uma teia de remissões semelhantes às acima examinadas quanto ao artigo 78.º/5: remete para os artigos 72.º/2 a 6, 73.º e 74.º/1. Valem as considerações então feitas, com especial tónica no lapso que representa, também aqui, o apelo ao business judgement rule. Não se entende como uma realidade interna, exclusiva da sociedade, possa permitir, aos administradores, vir causar danos diretos aos sócios ou a terceiros. (…) Como explicámos, a restrição aos danos “diretos” explica-se mercê do nexo de organicidade: os malefícios que os administradores perpetrem, em nome e por conta da sociedade, são imputáveis a esta, a qual responde. Os administradores apenas podem ser demandados, por má gestão, pelos sócios. IV. Quando, porém, independentemente desse nexo, os administradores entrem em campo e causem danos a terceiros, eles respondem, nos termos gerais. Ora, de acordo com os factos 198 e 200, acima transcritos, verifica-se que o Presidente BB agiu nomine proprio, subscrevendo, a esse título, a atuação dos demais Réus. Aqui não opera o privilégio da imputação (apenas) às pessoas coletivas. Os também acima transcritos factos 30, 46, 47, 48, 55 e 56 denotam um plano concertado entre os administradores demandados no sentido de lançarem o esquema da divulgação pública dos e-mails ilicitamente apropriados. Estas condutas, não têm a ver com o objeto social das sociedades envolvidas nem concitam qualquer poder de representação. Vale o “teste de resistência”: a não haver sociedades, os factos em jogo poderiam ser praticados pelos visados, com os mesmos perfis e as mesmas consequências. Tudo se conjuga para a aplicação do artigo 79º/1 do Código das Sociedades Comerciais. Estamos em face de uma situação de responsabilidade aquiliana: a responsabilidade dos envolvidos é solidária, nos termos dos artigos 490º e 497º do Código Civil, a responsabilidade de todos é solidária. (…) 29. Os factos apurados dizem-nos que os três administradores demandados praticaram ou subscreveram os factos ilícitos, sem agir em nome e por conta das sociedades que lhes foram confiadas; logo, os danos causados foram-no diretamente, devendo ser responsabilizados, por via do artigo 79º/1, do Código das Sociedades Comerciais.”130. A Relação do Porto considerou ainda que não seria possível subsumir o caso dos autos à previsão normativa do artigo 79.º, n.º 1, do CSC, face a um conjunto de exemplos de aplicação do disposto na referida norma (exemplo do bar, exemplo da oficina de reparação automóvel, etc.). 131. Sucede que as condutas dos Réus Administradores no caso em apreço não são análogas, nem reconduzíveis aos exemplos esquemáticos apresentados, bastando para o efeito atentar nalgumas das suas variações possíveis. 132. No exemplo do bar: e se o administrador passar pelo bar da sociedade todas as noites, para conviver com conhecidos e fregueses, apreciadores de música alta e fumadores, ali permanecendo algumas horas, sem, contudo, agir, como impõe o direito, em nome e representação da sociedade, assim consentindo e concorrendo para o resultado dos ruídos e fumos que ofendem o direito geral de personalidade e o direito à saúde de quem habita no andar de cima? E se o administrador não agir, ou determinar o empregado de serviço a manter a música alta e a consentir o fumo também com o fito de atrair mais clientela, incluindo clientela dos bares concorrentes? 133. No exemplo da oficina de reparação automóvel: e se o encarregado da oficina encontrar dentro do mesmo automóvel entregue para reparação diversa correspondência privada da principal oficina concorrente e o administrador, conhecedor desse facto, consinta ou determine que o mesmo encarregado divulgue, de modo reiterado, essa correspondência aos fornecedores e clientes da oficina, bem como aos fornecedores e clientes da principal oficina concorrente, daí resultando o menoscabo da oficina concorrente, a perda de fornecedores e clientes e acesso a múltiplos segredos de negócio? 134. Coutinho de Abreu tem subsumido os casos em que “Por iniciativa ou consentimento dos administradores, a sociedade utiliza sem licença patente ou marca de outrem (cfr. CPI, p. ex. arts. 316º, 321º, s.)”; ou “Por ordem ou participação direta dos administradores, a sociedade acorda com outra restringirem a concorrência (v.g., recusa de venda de bens a terceiro – cfr. O art. 9º, 1, da L 19/2012, de 8 de maio), ou pratica ato de concorrência desleal (v. o art. 317º do CPI)” na norma do artigo 79.º, n.º 1, do CSC.” [in (coord.), Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. 1, 2.ª ed., 2017, pp. 972 – 973] – estes possivelmente mais adequados ao caso em apreço. 135. No âmbito do seu Parecer, já junto aos autos (pp. 12 – 15), Coutinho de Abreu trata concretamente a responsabilidade dos Réus Administradores ao abrigo do disposto no artigo 79.º, n.º 1, do CSC, nos seguintes termos resumidos: “Os administradores não respondem para com terceiros por quaisquer danos decorrentes do funcionamento da sociedade; respondem somente “pelos danos que diretamente lhes causarem”. Quer isto dizer que os danos hão de produzir-se diretamente no património dos terceiros, não relevando, portanto, os danos meramente reflexos, derivados de danos sofridos (diretamente) pela sociedade. A Sentença condenou duas sociedades por danos causados pela divulgação de correspondência das Autoras e pela apropriação durante mais de dois anos de segredos de negócios das mesmas. Sociedades cujos conselhos de administração eram compostos por BB, DD e CC (facto provado nº 38.). Ora, tais danos são danos diretamente causados às Autoras: não resultam indireta ou reflexamente de qualquer dano sofrido pelas sociedades condenadas – aliás, estas sociedades lucraram com os atos ilícitos praticados. 2.3. E esses danos foram causados por comportamentos ilícitos dos mencionados administradores no exercício das suas funções. Tendo em vista a remissão do art. 79º, 1, do CSC para o art. 483º do CCiv., a conduta dos administradores é ilícita, designadamente, quando viola direitos (absolutos) de terceiros, ou normas legais de proteção de terceiros. Não se duvida, com certeza, de que a divulgação de correspondência confidencial sem autorização das Autoras ofende direitos absolutos destas. E ficou provado que essa divulgação resultou “de uma estratégia conhecida e autorizada pela administração do Grupo Futebol Clube do Porto”, que integra os três mencionados administradores (facto provado nº 30.). E ficou provado que estes administradores “definiram e definem a estratégia de comunicação das Rés FCP Clube, FCP Porto SAD, FCP Media, P…, o seu posicionamento no caso dos ‘emails’ […], incluindo designadamente todas as atividades e atos de divulgação, que seguiram a orientação e determinação (genérica) dos Réus Sr. BB, Dr. DD e Dr. CC, sob a liderança do primeiro” (facto provado nº 56.). Expressivas são também algumas afirmações públicas do administrador BB em 2017: “(…) acredito que é possível, mesmo com os fatores extra de outros, que continuaremos a denunciar”; “[m]ostrámos os e-mails e depois entregámos à polícia”. Não podia ser de outro modo. Atos continuados de tamanha gravidade e impacto como a divulgação de correspondência confidencial de terceiros não podiam ser executados sem autorização ou consentimento dos órgãos de administração das sociedades Rés. Por outro lado, a apropriação de segredos de negócios de terceiro constitui ofensa, se não de direitos absolutos, pelo menos de normas legais de proteção de terceiros (cfr. o art. 318º do CPI anterior e os arts. 313º, s. do CPI atual). E não se concebe que segredos de negócios das Autoras estejam mais de dois anos na posse das sociedades Rés sem que os respetivos administradores tenham disso conhecimento e aprovem ou consintam nessa posse ilícita. Por outro lado, ainda: um dos exemplos que venho apresentando a propósito da responsabilidade dos administradores por violação de normas legais de proteção de terceiros é exatamente o de uma sociedade praticar ato de concorrência desleal por ordem ou participação direita (consentimento expresso ou tácito) dos seus administradores. Pois bem, ao invés da Sentença (p. 114), continuo a entender convictamente que as sociedades Rés fizeram concorrência desleal às Autoras. E, mais uma vez, ficou provado que os administradores das sociedades RR. consentiram essa concorrência. 2.4. Outro pressuposto da responsabilidade dos administradores para com terceiros é, “nos termos gerais”, a culpa (dolo ou negligência). Parece evidente que os referidos factos ilícitos são imputáveis aos administradores mencionados a título de dolo (direto). 2.5. A responsabilidade dos três administradores é solidária (art. 73º, 1, do CSC, para que remete o art. 79º, 2). Não simplesmente por todos eles serem membros dos conselhos de administração das sociedades RR., mas por culpa e factos próprios. Cada um dos administradores autorizou e/ou consentiu na divulgação de correspondência confidencial e na apropriação de segredos de negócios das Autoras. Ponhamos, entretanto, a hipótese de as práticas ilícitas executadas através das sociedades RR. terem sido objeto de deliberação em conselho de administração (não constante de ata…) e de um dos três administradores não ter participado na deliberação, ou ter votado vencido. Em tal hipótese, dir-se-ia que este administrador não é responsável – nº 3 do art. 72º, para que remete o nº 2 do art. 79º. Contudo, todos os “factos provados” pertinentes evidenciam a concordância dos três administradores com as referidas práticas ilícitas e danosas.” 136. O acórdão recorrido faz depender a responsabilização dos administradores pelos danos que diretamente causem a terceiros da prova de qualquer “acto isolado” dos Réus Administradores, de uma “conduta pessoal” sem interposição de uma qualquer conduta societária; tais formulações não têm correspondência na norma do artigo 79.º, n.º 1, do CSC. 137. A subsunção da norma do artigo 79.º, n.º 1, do CSC, feita pela Relação do Porto, é redutora do seu sentido e alcance, do efeito normativo dissuasor e preventivo subjacentes, abrindo caminho a uma desresponsabilização formal dos gerentes e administradores das sociedades: para tanto poderia bastar que a conduta ilícita do administrador fosse interposta pela sociedade e esta fosse executada por agentes de mão… Se assim fosse, as condutas omissivas ilícitas seriam excluídas do crivo da norma, simplesmente porque não seria possível descortinar em tais condutas omissivas a prática de um “acto isolado”, ou a prática de uma “conduta pessoal”. 138. As condutas dos Réus Administradores são qualificáveis, e responsabilizam os administradores diretamente pelos danos causados às Autoras, porque as suas condutas implicaram necessariamente – por ação e/ou omissão – a atuação ilícita das sociedades Rés fora do objeto social e sem interposição do respetivo desiderato societário (vide Parecer de António Menezes Cordeiro E A. Barreto Menezes Cordeiro, pp. 81, 82 e 86). 139. Face à matéria dada como provada (designadamente, factos provados n.ºs 30, 46, 55, 56, 198, 199, 200 e 201), é errónea a conclusão do acórdão recorrido, que considerou não ter ficado provada qualquer ação própria, concreta e exclusiva por parte dos Réus Administradores. 140. Ficou, de facto, provado que: a divulgação da correspondência e comunicações privadas das Autoras resultou de uma estratégia conhecida e autorizada pelos Réus Administradores (facto 30); que os Réus Administradores sempre exerceram de direito e de facto o poder de determinar, e determinam, as atividades, atos e negócios das Rés FCP CLUBE, FCP PORTO SAD, FC Media, P…, bem como do seu funcionário Réu AA (facto 55); e que os Réus Administradores definiram e definem a estratégia de comunicação das Rés, o seu posicionamento no caso dos “emails”, as relações institucionais e empresariais daqui decorrentes, incluindo designadamente todas as atividades e atos de divulgação, que seguiram a orientação e determinação (genérica) dos Réus Administradores (facto 56). 141. Foram também provados o apoio e reconhecimento públicos do Réu BB nas atividades do Réu AA, incluindo, por exemplo, a atribuição do prémio de funcionário do ano (vide factos 198, 199, 200 e 201).142. Não estamos aqui perante um mero erro de gestão que se situe no âmbito do mérito, mas perante verdadeiros – e graves – ilícitos que se situam no âmbito da legalidade, e que produziram dano direto na esfera das Autoras em que surgem os Réus Administradores como coautores ou, pelo menos, cúmplices ou instigadores, o que nos termos gerais da equiparação do artigo 490.º CC, terá os mesmos efeitos jurídicos: responsabilidade civil. 143.O artigo 79.º, n.º 1, do CSC abrange qualquer caso em que, por dolo ou mera culpa, por ação ou omissão, o(s) administrador(es) contribuem, nos termos do artigo 490.º do CC, para que se perpetrem as referidas condutas ilícitas (como de violação de direitos absolutos e/ou violação de normas de proteção, como as de proteção da concorrência), respondendo cumulativa e solidariamente a sociedade. 144. Os Réus Administradores autorizaram e/ou consentiram na divulgação de correspondência confidencial e na apropriação de segredos de negócios das Autoras, como evidenciado pelos factos provados (vide, nomeadamente, os factos provados n.ºs 30, 46, 55, 56, 198, 199, 200 e 201). 145. Ao contrário do sustentado pela Relação do Porto, o sentido e o alcance da norma do artigo 79.º, n.º 1, do CSC não comportam qualquer risco hipotético de responsabilizar os administradores com fundamento numa geral “posição de garante”, promover o êxodo de pessoas qualificadas, a obrigação de contratar um seguro a preços mais elevados e, no limite, o prejuízo para o bom desempenho das empresas. 146. Houve uma concertação entre todos os Réus para a divulgação ilícita em causa, com o fito de denegrir um Clube rival e concorrente, o que atingiu o direito ao bom nome do Sport Lisboa e Benfica. 147. Não houve durante os anos de 2017/2018, à data dos factos provados, nem há atualmente, em Portugal, qualquer problema de liberdade de imprensa que justifique, da parte dos tribunais, uma compressão ou uma ablação do direito ao bom nome. 148. Os Réus Administradores, para além de contribuírem diretamente para a violação dos direitos das Autoras, também nada fizeram para impedir a continuação da conduta ilícita, nem para remover ou minorar os danos causados às Autoras. 149. Neste sentido, os Réus Administradores omitiram intencionalmente, de modo reiterado ao longo de mais de dez meses (cf. factos provados n.ºs 57 e 91) os seus deveres pessoais, enquanto administradores, de impedir a divulgação da correspondência das Autoras (cf. artigo 34.º, n.º 1, CRP e artigos 76.º e 483.º, n.º 1, do CC) – na qual se recorria a “técnicas folhetinescas”, em que no fim do programa programas se fazia referência a novas revelações em próximos programas. Os Réus Administradores decidiram, pessoalmente e intencionalmente, não o fazer e a sua omissão foi essencial e necessária para infligirem diretamente os mais graves e reiterados danos. 150. Relevam também as considerações do acórdão recorrido a propósito da novel condenação da Ré “A…, SA”, onde é patente a conduta direta dos referidos administradores, determinante necessária e adequada dos danos das Autoras: “Com efeito, se se mostra provado que são os administradores dos demais réus (FCP Clube; FCP SAD e FCP Media) que também determinam as atividades, atos e negócios da “P…”, ou seja, da ré “A…, SA.”, de que também são administradores [nº 38], não se vê como não poderá esta ré ser igualmente responsabilizada pela divulgação dos mails no referido programa televisivo”. “Ou seja, de todo este cenário flui que a ré “A…, S.A.”, através dos seus administradores, que também o são dos demais réus [n.º 38], não poderia ignorar o conteúdo ilícito das sucessivas sessões do programa “… – …” e nada fez para impedir o prosseguimento desta atividade e para remover ou minorar os danos que eram causados aos autores”. 151. Neste sentido, tanto os atos concretos, pessoais e diretos dos Réus Administradores, como a sua anuência, durante meses e meses a fio, constituem condutas ilícitas subsumíveis à norma do artigo 79.º, n.º 1, do CSC. 152. O padrão de conduta exigível ao Réus Administradores obrigaria à abstenção estrita da divulgação dos emails das Autoras, à imediata paralisação inicial das lesões continuadas que foram provocadas aos direitos absolutos das Autoras, ao cumprimento estrito de um dever de reserva. Não foi nada disso o que aconteceu, bem pelo contrário. 153. O sentido e alcance do acórdão recorrido, na parte que decide a absolvição dos Réus Administradores, contribui para elevar a incerteza quanto ao padrão de conduta exigível aos administradores das sociedades comerciais. 154. Pelo exposto, o acórdão recorrido merece censura quanto à absolvição dos Réus Administradores, decisão que viola a lei substantiva, por errada interpretação e aplicação do artigo 79.º, n.º 1, do CSC, impondo-se a sua revogação e a consequente declaração de condenação dos Réus Administradores ao cumprimento das decisões indicadas nos § 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, solidariamente com os demais Réus ali indicados. 155. O acórdão recorrido viola a lei substantiva, por errada interpretação e aplicação dos artigos 8.º, n.º 3, 494.º, 496.º, n.º 4, 562.º e 566.º, n.º 3, todos do CC, e artigo 79.º do CSC, no que respeita às seguintes decisões: (i) absolvição dos Réus BB, CC e DD; (ii) e redução do valor da indemnização, a título de danos não patrimoniais, de € 1.430.000,00 para € 1.000.000,00.»

                

 3.1.2. Secundo, se improceder a pretensão enunciada em a), pugnam pela revogação do acórdão recorrido, decidindo-se pela fixação da indemnização equitativa global no valor de €17.000.000,00 e juros legais.[11]

         

Para tal desiderato, concluem os AA. nas alegações:

«1. Em 18.11.2022, os Réus interpuseram recurso, inter alia, do ponto 4 do dispositivo do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 13.09.2022, que confirmou a sentença do Tribunal de primeira instância que havia condenado os «réus Futebol Clube do Porto, “Futebol Clube do Porto, SAD” e “FCP Media, S.A.” no pagamento da quantia que se liquidar em execução de sentença relativamente ao dano causado aos autores pela apropriação desde abril de 2017 até à data da liquidação, dos segredos de negócio constantes dos factos provados nsº128 a 134 e dos elementos clínicos de atletas constantes do facto provado nº 133» 2. Nas suas contra-alegações de recurso apresentadas na presente data, as Autoras tiveram oportunidade de expor que consideram que tal recurso é inadmissível, já que o Acórdão recorrido confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância, pelo que tem aplicação a regra da dupla conforme, decorrente do artigo 671.º, n.º 3, do CPC, que obsta à recorribilidade desta decisão. 3. Invocam os Réus que o recurso seria admissível ao abrigo das três alíneas do artigo 672.º, n.º 1, do CPC, argumentação da qual as Autoras discordam, como mais bem explanado em sede de contra-alegações. 4. Assim, este recurso é interposto por mera cautela de patrocínio, para o caso de o Supremo Tribunal de Justiça aceitar o recurso interposto pelos Réus no que toca ao ponto 4 do dispositivo, caso em que, com os mesmos fundamentos invocados pelos Réus no que toca à admissibilidade de tal recurso, se requer que seja igualmente aceite e apreciado o presente recurso. 5. Mais, este recurso é interposto para ser julgado apenas caso o Supremo Tribunal de Justiça considere que andou mal o Tribunal da Relação do Porto ao relegar para execução de sentença a liquidação dos danos relativos à apropriação pelos Réus, desde abril de 2017 até à data da liquidação, dos segredos de negócio das Autoras (ponto 4 do dispositivo do Acórdão recorrido), caso em que deverá então julgar procedente o pedido das Autoras para que tal liquidação seja feita no processo de declaração por via da aplicação da equidade, nos termos previstos no artigo 566.º, n.º 3 do CC. 6. Perante a impossibilidade de prova da extensão concreta dos danos (e, consequentemente, o recurso ao artigo 609.º, n.º 2, do CPC) deve ser fixada uma indemnização equitativa, nos termos do artigo 566, n.º 3, do CC, de acordo com a doutrina e jurisprudência citadas nas alegações. 7. Os danos patrimoniais diretos das Autoras estão suficientemente provados nos autos e os restantes danos são de natureza não patrimonial ou patrimonial indireta, ficando impossibilitado, pela natureza das coisas, o recurso ao artigo 609.º, n.º 2, do CPC, pelo que se deve fixar o quantum indemnizatório pela equidade (cfr. artigo 566.º, n.º 3, do CC). 8. Relativamente aos segredos de negócio, deve tomar-se por padrão de direito constituído o artigo 338.º-L, n.ºs 5 e 6, do CPI 2003, que, embora diga respeito aos direitos de propriedade intelectual, pela analogia que os juízos de equidade reclamam, também aos segredos de negócio se deve aplicar, sendo certo que tal analogia surge na Diretiva (UE) 2016/943, que foi transposta para o CPI 2018. 9. O artigo 338.º-L, n.ºs 5 e 6, do CPI 2003 estabelece que para a equidade o juiz deve tomar em conta: (i) as remunerações que teriam sido auferidas pelas Autoras se os Réus tivessem solicitado acesso aos segredos de negócio; (ii) os encargos suportados com a proteção dos segredos de negócio em consequência do ilícito praticado; (iii) as despesas com a investigação e cessação da conduta lesiva do seu direito (cfr. n.º 5), bem como (i) ao lucro obtido pelo infrator e aos danos emergentes e lucros cessantes sofridos pela parte lesada (ii) à importância da receita resultante da conduta ilícita do infrator; (iii) aos danos não patrimoniais causados pela conduta do infrator, que de resto já são indemnizáveis pelo disposto nas regras gerais do Código Civil (cfr. n.º 6). 10. Na fixação da indemnização pela equidade relativamente aos atos de descrédito devem ainda servir de critério os casos análogos (cfr. artigo 8.º, n.º 3 do CC), devendo considerar-se os casos existentes a nível internacional, pela similitude de causas e efeitos, considerando nomeadamente a dimensão das entidades em presença, a globalização do fenómeno desportivo, as relações económicas e desportivas transnacionais estabelecidas em que o Benfica e o FC Porto participam regularmente, bem como a evidente internacionalização das suas marcas, dispersão geográfica dos adeptos e sócios, assim como a natureza global dos patrocinadores, do mercado dos jogadores, merchandising e publicidade. 11. As repercussões do “caso dos e-mails do Benfica” continuam a ser numerosas e graves, não só no que concerne aos danos reputacionais que foram causados às Autoras, mas também por terem envolvido o conhecimento e o aproveitamento da sua organização e da sua informação privada e confidencial, incluindo valiosos e inestimáveis segredos de negócio coligidos ao longo de anos e anos de esforço, conhecimento aplicado e forte investimento de meios e recursos, os quais nunca serão reparáveis em toda a sua extensão – sobre o tema, vejam-se os factos 18 a 30, 46, 48, 81, 102, 128 a 134, 154 e 155 da matéria de facto assente. 12. A medida desta apreciação equitativa no caso em apreço deverá traduzir-se na condenação solidária dos Réus ao pagamento às Autoras de uma indemnização de €17.000.000,00, consubstanciando o limiar mínimo da afetação causada pelos Réus. 13. O valor do segredo de negócio (e, portanto, o valor do dano) não se afere pelos meios utilizados a produzir o dito segredo, pelo que os elementos contabilísticos a que se refere o Tribunal de 1.ª instância (entendimento que foi sufragado pelo Tribunal a quo) não serão decisivos ou idóneos a servir de critério adicional e/ou bastante, face ao que já existe nos autos, para a liquidação dos danos relativos ao segredo de negócio (aquisição, uso e tomada de conhecimento). 14. O Tribunal ao aventar que em sede de liquidação surjam elementos idóneos a fazer uma tal avaliação está, afinal, a impor às Autoras ou aos peritos o tal ónus de relativa arbitrariedade ou adivinhação a que se referia: é uma questão de natureza das coisas e o Tribunal não pode tomar uma tal decisão pois que se trata de um non liquet oculto e proibido pelo artigo 8.º, n.º 1, do CC. 15. O Tribunal de 1.ª instância aproximou-se de um valor, ainda que insuficiente, pela equidade, ao referir que os segredos de negócio “tiveram um custo indeterminado, mas assinalável. Basta dizer que o Benfica gastará anualmente 6 milhões em salários de não atletas e que 10% a 30% do tempo destes é usado nesses segredos, que demoraram 3 a 4 anos a ser criados. Assim obtemos um valor médio indeterminado de 3,6 milhões de euros, para além dos 3,5 milhões que uma testemunha refere ter sido o custo de aquisição do projeto informático e do plano de negócios.” – cfr. pp. 70 e 71 da sentença. 16. Em face do exposto, deveria o Tribunal a quo ter fixado indemnização equitativa, nos termos do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, atendendo à inutilidade do processamento de um novo incidente de liquidação – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11.10.2017 (proc. n.º 228/15.9 T8ELC1) e conclusões 8-10 do Parecer de Lebre de Freitas que se juntou como Documento n.º 7 com o recurso de apelação interposto pelas Autoras. 17. Considerando todos os meios de prova apreciados, designadamente aqueles que resultaram da admissão da entrega do acervo de comunicações e documentação das Autoras efetuada pelos Réus, e da sua aferição e comprovação em sede de julgamento, bem como os depoimentos das testemunhas, e tendo em conta que a aplicação da equidade deve ser feita num quadro da boa prudência, da justa medida das coisas, ponderando a realidade da vida, o contexto nacional e as instituições em causa, a justa medida desta apreciação equitativa no caso em apreço se mostra plenamente robustecida e permite a necessária certeza moral da condenação solidária dos Réus ao pagamento às Autoras, a título de indemnização equitativa, no montante inicialmente peticionado de €17.000.000,00, tal como consta do incidente de liquidação oportunamente apresentado.»

                                                                

                                                               *


3.3. Alegações recursivas dos Réus             

Das conclusões que encerram as respetivas alegações, enunciamos aquelas que serão objecto de apreciação por este tribunal, nos termos do apartado 3: [12]

3.3.1 «(…) Ponto VII da Alegação (Da não verificação dos requisitos previstos no art.º 318º do C.P.I.): XLVII –Julgou-se no Acórdão recorrido “4. Condenam-se os réus (…) no pagamento da quantia que se liquidar em execução de sentença relativamente ao dano causado às AA. pela apropriação desde abril de 2017 até à data da liquidação, dos segredos de negócios constantes dos factos provados n.ºs 128 a 134 e dos elementos clínicos de atletas constantes no facto provado n.º 133” (número 4 do dispositivo do Acórdão recorrido), com o que os Recorrentes não se conformam porquanto os Recorridos não provaram, como era seu ónus (cfr. art.º 342º do C. Civil), os requisitos cumulativos estabelecidos no art.º 318º do C.P.I. na versão, entretanto revogada, mas aplicável, pertinente in casu como é pacífico, emergente do Decreto-Lei n.º 36/2003, de 05.03.

LVIII - O blog Mercado de Benfica esteve, confessadamente (cfr. requerimento e documentos juntos pelos Recorridos sob a ref.ª …975 e art.º 465º do Cód. Proc. Civil que expressamente se invoca), a divulgar as informações em causa durante, pelo menos, mais de um ano (!), entre 11/12/2017 e até 19/01/2019 e tal divulgação não só não foi, por um lado, impossibilitada pelos Recorridos que, falsamente (cfr. facto julgado provado enunciado sob 193), alegaram que as informações eram “falsos no conteúdo e nos endereços referidos”, como também, por outro lado, sem nunca referirem que não consentiam na divulgação de tal informação. XLIX - Assim, se as informações em causa eram “secretas” a sua divulgação generalizada, tornado aquelas livremente acessíveis, designadamente e confessadamente, em sentido técnico-jurídico, no blog Mercado de Benfica e, bem assim, por quem a elas acedeu e as divulgou, para além dos demais ao Recorrente AA, retirou-lhes tal qualidade, pelo que as mesmas deixaram necessariamente de o ser. L-Atento o exposto, forçoso é concluir que não se verifica, desde logo, o primeiro dos referidos requisitos, estabelecido no art.º 318º, al. a) do Cód. da Propriedade Industrial. LI – Relativamente às “diligências razoáveis, atendendo às circunstâncias, para preservar a sua sigilosidade” (art.º 318º, al. c), do C.P.I.), os Recorridos apenas provaram (cfr. Art. º342ºdoC. Civil) os factos enunciados sob os pontos 18, 20, 21, 22, 26, 27 e 28 da factualidade julgada, os quais, genéricos e mesmo conclusivos e, em qualquer caso insuficientes, não demonstram a celebração de adequados instrumentos de reforço ou constituição de obrigações de sigilo, estabelecimento de barreiras físicas e acessos condicionados. LII – E no que respeita a barreiras eletrónicas, embora se aluda à existência de passwords, nada se provou relativamente às características das mesmas, designadamente grau de segurança e duração, e nada se provou quanto ao registo de acessos e às informações e respetivo controlo, nem quanto à possibilidade de cópia das informações por via de acessos autorizados. LIII – Acresce, a este respeito de implementação de barreiras impeditivas de acesso externo que resistam a ciber-ataques, a mera referência a protocolos e standards internacionais e a aparelhos e programas antifraude para prevenir intromissões ilícitas e ilegítimas os quais visam robustecer os sistemas contra os ataques cibernéticos e outros acessos ilícitos são absolutamente genéricas e conclusivas, não permitindo que o declaratário afira o respetivo concreto conteúdo e possa concluir pela razoabilidade e adequações efetivas das mesmas . LIV - Aliás, se os Recorridos efetivamente tivessem promovido as diligências razoáveis para preservar a sigilosidade das informações (art.º 318º, al. c), do C.P.I.) não teriam de ter procedido - já depois de terceiro ou terceiros, integrantes, ou não, da organização dos Recorridos terem acedido às mesmas – nos termos enunciados nos respetivos factos provados enunciados sob 118 e sob 119. LV - Se os Recorridos efetivamente tivessem promovido as diligências razoáveis para preservar a sigilosidade das informações (art.º 318º, al. c), do C.P.I.) não teriam de ter procedido - já depois de terceiro ou terceiros, integrantes, ou não, da organização dos Recorridos terem acedido às mesmas - (i) a contratação de serviços de terceiros (entre Abril de 2017 e Março de 2018), nos quais despenderam a quantia total de €265.080,00; (ii) protecção e reforço dos seus sistemas informáticos e melhoria da segurança das suas bases de dados informáticas, as Autoras pagaram a empresa especializada acima indicada a quantia total de €188.080,00 e (iii) reforçar a sua estrutura interna com as mesmas finalidades (reforço do departamento informático, de comunicação, de marketing e jurídico), através da contratação de 18 novos colaboradores. LVI – Se as Recorridas assim tiveram de proceder foi porque se lhes afigurou que tal era necessário para preservar a sigilosidade das informações em causa e foi porque não o haviam feito antes e foi, portanto, porque não haviam promovido todas as diligências razoáveis para preservar a sigilosidade das informações em causa e, por isso, inevitavelmente não se verifica o requisito previsto no artigo 318º, al. c), do C.P.I. (e art.º 39º, n.º 2, al. c) do TRIPS), pelo que não podia a ação ter procedido na parte aqui em causa. LVII - Conclui-se, pois, na sequência do exposto, que deve ser revogado o Acórdão recorrido na parte em que condenou os Recorrentes “no pagamento da quantia que se liquidar em execução de sentença relativamente ao dano causado às AA. pela apropriação desde abril de 2017 até à data da liquidação, dos segredos de negócios constantes dos factos provados n.ºs 128 a 134 e dos elementos clínicos de atletas constantes no facto provado n.º 133” (número 4 do dispositivo do Acórdão recorrido) por não se verificar o previsto no art.º 318º do Cód. Prop. Industrial, máxime nas respetivas alíneas a) e c), que foi, assim, violado.

 

3.3.2. Ponto VIII da Alegação- Da (in)aplicabilidade do artigo 34º da Constituição

LVIII – A respeito dos pontos 2 e 3 do respetivo dispositivo do Acórdão recorrido, o Tribunal a quo reconheceu que “nos articulados nunca se aludiu” (sic.) à norma do art.º 76º, nº 1, do Código Civil, posto que neles se encontrem “referências a normas legais que se reportem à confidencialidade da informação privada e ao sigilo da correspondência, conforme se alcança, por exemplo, dos arts. 349.º, 362.º, 462.ºa 466.º, 515.ºe 516.º da petição inicial”, aditando que no “Acórdão da Relação do Porto de 21.2.2018 que decretou a providência cautelar conexa com os presentes autos, se fez alusão expressa ao dito art. 76.º do Cód. Civil”. LIX - Não obstante, o Tribunal recorrido não alicerça a responsabilização dos aqui Recorrentes em uma alegada violação do supra referido art.º 76º do Cód. Civil, trilhando uma via diversa, buscando fundar a responsabilidade civil dos Recorrentes pela divulgação dos e-mails “em exclusivo na violação do direito à inviolabilidade e ao sigilo da correspondência das autoras constitucionalmente consagrado no art. 34º da Constituição da República, e consequentemente na cláusula geral do art. 483º do Cód. Civil”, o qual, contudo, no entendimento dos Recorrentes não encontra aplicabilidade neste caso concreto, por duas ordens de razão: LX - Primo, as mensagens de correio eletrónico divulgadas, visto que consubstanciam e-mails já armazenados no sistema informático do Grupo SL Benfica, não são “meios de comunicação” para efeitos da norma constitucional e Secundo, porquanto se trata in casu de particulares em situação de paridade, o preceito da Constituição não é imediatamente mobilizável à revelia do regime do direito civil. LXI - Em primeiro lugar, decorre do próprio teor literal do art.º 34º, nº 1, da Constituição-, scilicet, que o âmbito de aplicação da norma constitucional não se limita à correspondência em sentido estrito, estendendo-se a “outros meios de comunicação”, sendo que, contudo, as mensagens de correio eletrónico divulgadas não se reconduzem a tal conceito, pois que apenas há telecomunicação com a existência de um fluxo, de uma circulação de sinais, a qual, uma vez terminada, acarreta o cessar da telecomunicação. LXII - Esse é o entendimento pacífico da jurisprudência do Tribunal Constitucional, segundo o qual só há de facto telecomunicação quando – e enquanto – se verifique uma transmissão de dados entre pessoas, ficando, consequentemente, fora da definição as trocas de dados digitais entre máquinas ou entre uma pessoa e uma máquina, uma vez que lhes falta a necessária componente de intersubjetividade. LXIII - Por um lado, no correio eletrónico que é armazenado e gerido por um e-mail Provider, que guarda ou replica os e-mails nos seus servidores, sendo que o facto de as mensagens não se encontrarem guardadas no dispositivo dos utilizadores em nada influencia para a caracterização das mensagens como de telecomunicações uma vez findo o fluxo comunicacional entre remetente e destinatário e, por outro lado, quanto, aos e-mails armazenados em cloud, tal não pressupõe relação intersubjetiva alguma, pelo que, em ambos os casos, podendo haver transmissões de dados relativos a tais mensagens as mesmas consubstanciarão tão somente transmissões entre máquinas, ou, alternativamente, entre um utilizador e uma máquina . LXIV - Em conclusão, encontrando-se as mensagens de correio eletrónico acedidas por terceiro(s) desconhecidos(s) no sistema informático do Grupo SL Benfica já armazenadas nesse sistema informático, não podem tais mensagens ser qualificadas como telecomunicações e, consequentemente não é aplicável ao caso sub judice o artigo 34.º da Constituição da República, porquanto as mensagens de correio eletrónico armazenadas no serviço de webmail não consistem em meios de comunicação para efeitos do preceito constitucional. LXV – Mesmo que assim não se entenda, e em segundo lugar, sempre seria inaplicável in casu o art.º 34º da Constituição, desatendendo o regime próprio do direito civil e os art. ss 76º e 484º do Cód. Civil e o art.º 317º, nº 1, al. b) do C.P.I. considerando in casu as partes têm a qualidade de entes privados, colocados em condição de paridade. LXVI - Uma tal compreensão da eficácia do direito fundamental em questão, no que concerne ao seu modo de aplicação no âmbito de relações paritárias entre privados, tem como consequências a rigidez, a inautenticidade e o irrealismo exagerados e uma manifesta violação do princípio – também ele fundamental – da segurança jurídica. LXVII – Em terceiro lugar, o Tribunal a quo reconhece que a liberdade de expressão é “um valor constitucional cimeiro”, agasalhado pelo art.º 37º, nº 2, da CRP, pelo que haveria in casu uma situação de colisão de direitos fundamentais, diante da qual se deve necessariamente reconhecer a prevalência concreta da liberdade de expressão dos Recorrentes, LXVIII -Tanto mais que no Acórdão recorrido se reconhece que “os juízos factuais e as opiniões veiculadas pelos réus estarão legitimados”, o que é certo, porquanto, de uma banda, os e-mails são de facto genuínos (facto julgado provado enunciado sob 193), à verdade correspondendo, desse modo, os juízos de facto formulados pelo Recorrente AA (exceptio veritatis), e porque, de outra banda, o conteúdo das mensagens revelada constitui base sólida bastante para alicerçar os comentários críticos proferidos por este Recorrente, afastando, necessariamente, qualquer ilicitude porquanto o comportamento dos Recorrentes se encontrava legitimado, na prevalência do seu direito de liberdade de expressão. LXIX - Decerto não poderiam os Recorrentes exercer o seu direito de liberdade de expressão, sem divulgar o conteúdo dos e-mails – aliás, de apenas uma ínfima parte dos milhares de e-mails recebidos, “que totalizam um volume de cerca de 20 gigabytes” (facto julgado provado enunciado sob o ponto 152), isso apenas “depois de o correspondente conteúdo ser analisado e triado, em função dos interesses das RR, da sua danosidade para as AA e nalguns casos do que aquele réu considerou ser de interesse público” (facto julgado provado enunciado sob o ponto 155), ou, nas palavras do acórdão recorrido, “sem leitura de qualquer mail ou de passagem deste ”. LXX – Tanto mais que “não foram divulgadas partes do seu teor que dissessem respeito à vida íntima, familiar e sexual, de pessoas neles referidas” (facto 156) e que os sujeitos visados são “figuras públicas” cujo estatuto obriga a uma maior tolerância no que concerne à divulgação de informações de interesse público, não se podendo escudar do escrutínio dos demais clubes concorrentes, dos seus sócios, patrocinadores e adeptos, e mesmo do público em geral, considerando que se trata de sociedade cotada em bolsa emitente de valores mobiliários transacionáveis, o que impõe uma necessidade imperiosa de submissão ao escrutínio público (facto 105), ocorrendo dispêndio de quantias avultadas em praticas de bruxaria (facto 153) e indícios da prática de ilícitos com relevância penal, bem como de diversos e reiterados atos de concorrência desleal em prejuízo dos seus mais diretos competidores, incluindo os Recorrentes FCP e FCP SAD. LXXI – Em síntese, conforme foi julgado provado, os e-mails divulgados são genuínos, documentando comunicações trocadas entre os respectivos remetentes e destinatários com o exacto teor neles plasmado e a divulgação do respetivo conteúdo, para além de ter sido levada a cabo com a convicção plena de que os e-mails e os ficheiros a eles anexados são verdadeiros, serve a prossecução do interesse público, sempre com respeito pelos deveres e responsabilidades inerentes ao exercício legítimo do direito à liberdade de expressão e de imprensa, pelo que, por consequência, fica afastada a responsabilidade civil dos Recorrentes por faltar o requisito da ilicitude do seu comportamento na divulgação dos e-mails. LXXII – Em quarto lugar, dos antecedentes três seguimentos de considerações vertidos nas antecedentes conclusões extrai-se, em conclusão, que porquanto a responsabilidade civil dos Recorrentes não pode fundar-se diretamente numa alegada violação do art.º 34º da CRP, à revelia do regime do direito civil, e, sem prescindir, porque, de todo o ponto, atuaram os Recorrentes sempre ao abrigo do interesse público e sustentados no direito fundamental à liberdade de expressão (art.º 37º CRP), os Recorrentes devem ser absolvidos dos pedidos deduzidos contra eles, revogando-se o Acórdão Recorrido. Ponto VIX da Alegação (Da condenação dos recorrentes a título de danos emergentes e de danos não patrimoniais: da inexistência de prova dos factos necessários ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil): LXXIII – Não se conformam os Recorrentes com a respetiva condenação enunciada sob 3 e 4 do dispositivo do Acórdão recorrido, entendendo que efetivamente não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil, pois que não praticaram qualquer facto ilícito, inexiste nexo de causalidade e, bem assim, quanto ao dano, inexiste fundamento para a sua condenação no pagamento de uma indemnização pelos gastos suportados pelos Autores no reforço do seu sistema de segurança informática, já que os Recorrentes não invadiram o sistema informático dos Recorridos (cfr. pontos 29 e 150 da matéria de facto dada como provada) e, por fim, em qualquer caso, sempre seriam excessivos os montantes em que foram condenados, pelo facto de ocorrer concurso de culpas e concausalidade. LXXIV – Em primeiro lugar, como já referido nestas conclusões (cfr. conclusões LXIII a LXVIII que, por economia processual aqui se dão por reproduzidas), e conforme julgado provado, as informações divulgadas são verdadeiras e reportam-se a atividades de interesse público, que chegaram ao conhecimento do Recorrente AA por fonte anónima e inesperadamente, e que viriam a suscitar, pela sua evidente sustentação fáctica, interesse público, sendo a mesma informação divulgada, para além de pelo blog Mercado de Benfica, pela generalidade dos meios de comunicação social, nacional e estrangeira (incluindo o prestigiadíssimo jornal The New York Times) LXXV - A divulgação dos emails ocorreu no legítimo exercício do direito de liberdade de expressão e informação, realizando um interesse legítimo, um interesse geral que é um interesse público assim se concluindo pela exclusão da ilicitude quanto aos factos praticados. LXXVI – Também como referido supra, o interesse público das informações reveladas, considerando o concreto conteúdo dos factos divulgados e a natureza dos sujeitos visados – figuras públicas, cotadas em bolsa, emitentes de valores mobiliários e participantes em importantes competições desportivas de interesse generalizado da comunidade – implica necessariamente maior tolerância na admissibilidade da divulgação excluindo qualquer ilicitude subjacente à mesma. LXXVII – Em suma, provou-se que os e-mails são genuínos, respeitam a emails trocados entre os respetivos remetentes e destinatários com o exato teor neles plasmado a divulgação do respetivo conteúdo, levada a cabo com a convicção plena de que os e-mails e os ficheiros a eles anexados são verdadeiros, servindo a prossecução do interesse público, com respeito pelos deveres e responsabilidades inerentes ao exercício legítimo do direito à liberdade de expressão e de imprensa, determina que não se verifique ilicitude e, consequentemente, nenhuma responsabilidade podendo ser assacada aos Recorrentes, pelo que, na procedência da Revista, deve ser revogado o Acórdão recorrido na parte aqui em causa (pontos 2 e 3 do dispositivo). LXXVIII – Em segundo lugar, sem prescindir, no que respeita à condenação enunciada em “2” do dispositivo do Acórdão recorrido, desde logo discordam os Recorrentes da sua condenação no valor integral do quantum indemnizatório por aplicação, no Acórdão recorrido, do disposto no artigo 497º, nº 1, do Cód. Civil. LXXIX - Certo é que, a existir possibilidade de subsistir responsabilidade solidária in casu, apenas podem responder solidariamente, entre si, os Recorrentes (conforme infra melhor se referirá), sendo despropositado que todos os Recorrentes se responsabilizem solidariamente pela atividade de terceiros que lhes são completamente alheios, tanto mais que inexiste comprovado concerto dos intervenientes na prática dos factos. LXXX – É certo que critério de “1/3” utilizado pelo Tribunal de 1ª Instância, para além de arbitrário, e não suportado por nenhuma regra de experiência, já era manifestamente exagerado, e não traduzia minimamente a realidade dos factos, desconsiderando que os Recorrentes não entraram no sistema informático dos Recorridos e que os emails foram divulgados pelo blog Mercado de Benfica por outros diversos órgãos de comunicação social (cfr. facto 170) sendo forçoso concluir que a haver dano – o que se concebe, sem conceder -múltiplos fatores contribuíram para o mesmo, sendo, aliás, o fator primordial a comprovada veracidade do teor dos mesmos, dando, aliás, origem a diferentes processos de natureza criminal (cfr. Decisões recorridas). LXXXI – Acresce, ainda, a óbvia insuficiência da proteção do respetivo sistema informático os Recorridos que permitiu a intromissão no mesmo de terceiro ou terceiros (cfr. factos 29 e 150). LXXXII – Mais, como resulta da factualidade provada supra evidenciada, os atos praticados pelos Recorrentes, por um lado, e os atos praticados pelos diversos terceiros – incluindo os Recorridos -, por outro lado, são autónomos uns em face dos outros, não estando alegado, nem provado – nem se tendo efetivamente verificado – uma atuação concertada, comum ou, sequer, qualquer cooperação entre aqueles. LXXXIII - Nem os Recorridos alegaram nem as instâncias entenderam, que os Recorridos e os terceiros tenham atuado de forma concertada, combinada, em cooperação ou, sequer, conjuntamente por forma a produzir o resultado que tenha sido danoso para os Recorridos, sendo que, em vez disso, os factos ou as condutas foram perfeitas e absolutamente independentes, autónomas e isoladas. LXXXIV - Resulta, também, da factualidade julgada, a culpa da Ré (cfr. art.º 570º, nº1, do Código Civil) pois que o mediatismo em torno da divulgação dos emails deveu-se, antes de tudo, ao próprio ao conteúdo dos mesmos emails que, como supra se mencionou, foram julgados “genuínos, documentando efectiva correspondência trocada entre os respectivos remetentes e destinatários nos dias e horas neles consignados, com o exacto teor neles plasmado.” . LXXXV – Atento o exposto, forçoso é concluir que, a haver dano, sempre ocorreria concurso de culpas e, havendo culpa de vários intervenientes, cada um deles teria de responder pelos danos correspondentes ao facto que praticou (art.º 483º, n.º 1, do Cód. Civil). LXXXVI – Ocorre, in casu, concausalidade, pelo que aos Recorrentes não pode ser assacada a” total ”responsabilidade na produção dos pretensos danos, tendo em devida conta os factos praticados por terceiros e pelos próprios Recorridos (estes verdadeiramente culposos e causais em exclusivo de quaisquer prejuízos pela mesma eventualmente sofridos), com a consequente exclusão de qualquer indemnização ou, no limite, o valor a pagar pelos Recorrentes a título de danos emergentes, deve ser de, no máximo, 1/29 (vinte e nove avos) do valor da condenação considerando, em particular, a apontada divulgação publica dos emails durante mais de um ano no blog Mercado de Benfica e ulterior divulgação na comunicação social. LXXXVII - Ainda a este propósito, é particularmente incompreensível a condenação dos Recorrentes em indemnização aos Recorridos decorrente das despesas que os mesmos tiveram no reforço do seu sistema de segurança informática, uma vez que se provou que aqueles não invadiram o sistema informático dos Autores (cfr. pontos 29 e 150 da matéria de facto dada como provada) pelo que o eventual dano não pode ser imputado aos Recorrentes, não existindo qualquer nexo de causalidade entre o mesmo e a sua conduta, o que sempre determinará a necessária revogação do Acórdão recorrido, nessa parte, na procedência da presente Revista. LXXXVIII – No que respeita à condenação enunciada sob “4” no Acórdão recorrido, emerge a mesma de o Tribunal a quo ter agrupado os e-mails divulgados em 4 categorias, fixando o quantum indemnizatório do respetivo entendimento quanto à preponderância do interesse público do respetivo conteúdo e do entendido fim visado pelos Recorrentes ou da forma, motivo e datas da sua divulgação, desconsiderando absolutamente a veracidade dos e-mails em causa. LXXXIX – Estriba-se o Tribunal na jurisprudência vertida no Acórdão deste Supremo Tribunal de 08.03.2007 (proc. n.º 07B566, in www.dgsi.pt), que condenou um órgão de comunicação social no pagamento de uma indemnização de € 75.000,00 pela revelação da existência de uma dívida fiscal de um outro clube de futebol e que viria a ser considerada pelo TEDH como excessiva. XC – Dando aqui por reproduzido o suprarreferido a respeito de estar, in casu, em causa a divulgação de factos com interesse legítimo (por serem de interesse público, entendido como um interesse social relevante), tendo sido feita prova da sua absoluta veracidade, tal basta, senão para a exclusão da ilicitude da divulgação – o que não se consente –, ao menos para ditar a redução da indemnização arbitrada, sendo irrazoável e desproporcional afixação desta em € 1.000.000,00. XCI – A condenação dos Recorrentes jamais poderia ultrapassar no (i) primeiro grupo de emails, respeitante a situações que não a Relação entendeu não possuir interesse público, o valor individual da indemnização em metade de 20.000,00€, portanto 10.000,00€; (ii) no segundo grupo de emails, em que já reconhece a existência de interesse público, o valor da indemnização por email seria reduzido para metade de 10.000,00€, portanto 5.000,00€ e (iii) no terceiro grupo de emails, onde a Relação reconheceu existir efetivo interesse público têm os Recorrentes de ser absolvidos do pagamento de qualquer quantia indemnizatória. XCII – Por último, quanto aos emails divulgados que envolveram contratos de bruxaria, como já supra se referiu, tem-se como indubitável o interesse público no conhecimento da disponibilidade manifestada pelo Presidente do Conselho de Administração de uma sociedade comercial cotada em bolsa e emitente de valores mobiliários transacionáveis para pagar quantias avultadas por serviços de bruxaria, o que interessa seguramente a todos os stakeholders dessa sociedade comercial e aos investidores em geral e suscetível, por isso, de sujeição a escrutínio público, não podendo, consequentemente, os Recorrentes ser condenados no pagamento de qualquer quantia. XCIII – Reiterando que se comprovou a genuinidade e não adulteração de nenhum dos dois referidos emails - apenas dois de entre os cerca de 20 gigabytes de e-mails que chegaram à posse do Recorrente AA -, devem os Recorrentes ser, também, absolvidos do pagamento das quantias de 80.000,00€ e 160.000,00€ relativas aos emails em causa. XCIV – Refira-se, por último, subsidiariamente, a este propósito, que se, não obstante, for entendido que se justifica condenar os Recorrentes pela divulgação destes específicos e-mails, cumpre, pelo menos, reduzir significativamente o quantum indemnizatório respetivo, pois que a imposição de indemnizações desta ordem de grandeza é simplesmente ofensiva para os Recorrentes e para as inúmeras pessoas que vêm vendo fixados em valores não superiores a € 100.000,00 (cfr. o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 15-09-2016 , Revista n.º 492/10.0TBBAO.P1.S1 - 7.ª Secção, in referido em https://www.stj.pt/): XCV - Quantificar o dano pela divulgação dos e-mails num valor superior à perda da vida de uma pessoa humana é um desconchavo. XCVI - Aliás, com o rigor que se impõe, as afirmações que se dizem ter sido indevidamente expurgadas não foram sequer proferidas por algum administrador ou trabalhador dos réus, a partir de um endereço de correio eletrónico do domínio @.... .pt; mas antes por um indivíduo de seu nome EE, externo à estrutura do grupo SL Benfica, pelo que não se percebe a que título se justificaria indemnizar os Recorridos pela divulgação de e-mails remetidos por terceiros. Ponto X da Alegação (Da condenação da recorrente A…, S.A.): XCVII – Não se conformam, também, os Recorrentes com a condenação da Recorrente A…, S.A., desde logo considerando o disposto no art.º 70º da Lei da Televisão, no qual se estabelece um regime – próprio - de responsabilidade civil emergente de factos cometidos através de serviços de programas televisivos ou de serviços audiovisuais a pedido. XCVIII – Se no nº 1 de tal preceito se estabeleceu que a responsabilidade civil emergente de factos cometidos através de serviços de programas televisivos observa os princípios gerais (art.º 483º do Cód. Civil), já no nº 2 e especificamente quanto aos operadores de televisão, refere-se que estes respondem solidariamente – por facto ilícito próprio – com os responsáveis pela transmissão de materiais previamente gravados, com exceção dos transmitidos ao abrigo do direito de antena, de réplica política, de resposta e de retificação ou no decurso de entrevistas ou debates protagonizados por pessoas não vinculadas contratualmente ao operador, sendo, pois, esta uma disposição especial no que respeita especificamente aos operadores de televisão. XCIX – À luz do princípio lex specialis derogat legi generali. É forçoso concluir que os operadores de televisão respondem solidariamente com os responsáveis pela transmissão de conteúdos de materiais previamente gravados, mas não respondem quando transmitidos, para o que aqui importa, no decurso de entrevistas ou debates protagonizados por pessoas não vinculadas contratualmente ao operador – precisamente por inexistir a possibilidade de controlo e supervisão prévios sobre o conteúdo do programa. C - Conforme resulta dos factos provados, nomeadamente dos factos n.ºs29, 30, 31, 34, 38, 46, 47, 48, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 144, 157 e 194 – que aqui se dão por reproduzidos – não existia à data dos factos um vínculo contratual entre o Recorrente AA e a Recorrente A…, SA e, bem assim, a Recorrente A…, SA nenhuma intervenção teve sequer no conteúdo do programa em causa, designadamente na sua conceção e direção, razão pela qual tal não constado elenco dos factos julgados provados. CI – Conclui-se que não tendo ficado demonstrada a existência de um vínculo contratual entre o Recorrente AA e a Recorrente A…, SA não podia ter sido assacada a responsabilidade civil desta última, atento o disposto no art.º 70º, nº 2, da Lei da Televisão, devendo, consequentemente, ser, também nesta parte, revogado o Acórdão recorrido e absolvida a Recorrente A..., S.A. o que se peticiona. CII – Acresce que, em qualquer caso, para concluir no sentido da responsabilização da Recorrente A…, SA, ancorou-se o Tribunal da Relação no “simples” facto de aquela “partilhar” com o FCP Clube e as restantes sociedades Recorrentes, FCP SAD e FCP Media dos seus (diretores e) administradores, numa espécie de “responsabilidade por conexão em efeito de dominó” das pessoas coletivas pelas pessoas dos seus administradores, o que não apenas carece de fundamento legal como também contraria o respeito pelas distintas personalidades jurídicas, que o ordenamento jurídico (positivo) consagra. CIII - A responsabilidade civil extracontratual, funda-se, como é sabido, nos termos regulados no art.º 483º do Cód. Civil que estabelece os respetivos pressupostos imperativos e cumulativos da responsabilidade civil e que são o facto voluntário, o dano, o nexo de causalidade entre o facto e o dano, a culpa e a ilicitude, pelo que para se concluir pela pretendida responsabilidade civil da Recorrente – rectius, para concluir pelas responsabilidades de cada um dos Réus ora Recorrentes - tinha, o Tribunal da Relação de considerar a verificação, ou não, daqueles pressupostos, não se limitando a invocar dois preceitos – os art.ºs 490º e o art.º 497º, ambos do Cód. Civil e sendo, como é, omisso quanto à verificação daqueles. CIV - Aliás, não se percebe sequer – face à mera referência indistinta que é feita ao disposto no art.º 490º do Cód. Civil – em que qualidade - isto é, como autora, instigadora ou auxiliar -, foi a Recorrente solidariamente responsabilizada, sendo certo que não há como sustentar que a Recorrente atuou –ativa e positivamente na divulgação dos emails –quer como autora, quer como instigadora, quer como auxiliar, uma vez que não resultou provado que tenha tido qualquer intervenção no conteúdo do programa, cuja conceção e direção não lhe competia em função de um acordo prévio de repartição de espaços e tempos de emissão. CV –Acresce que o facto imputável à Recorrente –rectius os factos imputáveis às Recorrentes – geradores da respetiva responsabilidade teria necessariamente de ser ilícito, sendo que do Acórdão recorrido não resulta qual foi o direito subjetivo concretamente infringido pela mesma ou qual a disposição destinada a proteger interesses alheios violada e devido (em consequência causal) a que concreta conduta, que responsabilizaria a mesma, o que desde logo inquina irremediavelmente a condenação, devendo, por isso, ser revogado o Acórdão da Relação do Porto recorrido, na parte em que condenou a Recorrente, o que se peticiona. CVI – Quanto à culpa, não pode a Recorrente ser civilmente responsabilizada, desde logo, porque a entender-se que interveio de alguma forma na divulgação dos emails jamais poderá considerar-se tal intervenção culposa pois que considerando a factualidade provada, não se afigura possível, ou pelo menos razoável, afirmar que a Recorrente podia e devia ter agido de outro modo, nomeadamente impedindo a divulgação. CVII - Acresce que quanto aos pretensos danos ocorridos na esfera jurídica das Recorridas, é impossível estabelecer-se um nexo de causalidade com o facto alegadamente “praticado” pela Recorrente nos termos decididos no Acórdão recorrido (art.º 490º do Cód. Civil), desde logo porque inexiste (facto), não tendo a Recorrente tido intervenção por qualquer forma na divulgação em causa. CVIII - Não obstante, sempre teria de se concluir no sentido da exclusão da ilicitude subjacente àquela divulgação porque as informações difundidas são, sem margem de dúvidas, de interesse público, nos termos supra alegados nestas conclusões e que por economia processual aqui se dão por reproduzidas. CIX - Assim, não estando provados factos bastantes para a verificação em concreto dos pressupostos da responsabilidade civil da Recorrente, não podia a mesma ter sida condenada, devendo, por isso, na procedência da Revista, revogando-se o Acórdão recorrido, manter-se a absolvição daquela conforme julgado em primeira instância. CX –Refira-se que a consideração de que a responsabilidade civil das sociedades Recorrentes “anda de mãos dadas” – ou seja, sendo afastada a responsabilidade de uma delas, a responsabilidade das demais terá o mesmo destino – vale, por identidade de razão, quando a exclusão da ilicitude da divulgação decorre da não violação dos art. ss 318º (ou 317º) do Cód. Prop. Industrial e 34º da CRP, no caso de se entender – contra o que aqui se deixou alegado – que a ilicitude não é excluída pelo interesse público subjacente à própria divulgação. CXI – Também por economia processual se dá aqui por reproduzido o supra referido quanto à pretendida responsabilização da Recorrente nos termos do art.º 490º do Cód. Civil e atenta a relação umbilical estabelecida entre os art.ºs 490º e 497º do Cód. Civil, ficando irremediavelmente prejudicada a sua responsabilidade solidária com os demais Recorrentes, pois eu não se provou que a mesma tenha acedido às informações, nem que delas tinha conhecimento, nem que tinha qualquer ligação contratual com o Recorrente AA; nem que estava na sua esfera de competência sequer estabelecer a grelha de programas do P…, tampouco a política de exploração do mesmo e/ou que teve qualquer intervenção no conteúdo do programa cuja determinação, direção e conceção lhe era completamente alheia, pelo que, na procedência da Revista deve ser revogado o Acórdão recorrido, absolvendo-se a Recorrente A…, SA. CXII – Ainda por economia processual mais se dá aqui por reproduzido, também, o supra vertido nas presentes conclusões quanto à insusceptibilidade legal de ser a pretensa a responsabilidade civil da Recorrente estribada direta e imediatamente no art.º 34º da CRP, acrescendo não poder a mesma ser responsabilizada por omissão porquanto inexistia sobre si o dever de esta impedir a divulgação da correspondência e, existindo, nada fez. CXIII - Não pode, também, a Recorrente ser responsabilizada nos termos previstos no art.º 486º do Cód. Civil porquanto não tinha o dever de impedir a divulgação dos emails, pelas razões referidas, impondo-se, assim, a sua absolvição, o que se requer com as devidas e legais consequências. CXIV – Por último, também não poderia ser a Recorrente responsabilizada pelo risco ao abrigo do art.º 500º do Cód. Civil pois que, atentos os factos provados enunciados sob os n.ºs 29, 30, 31, 34, 38, 46, 47, 48, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 144, 157 e 194, não existia uma relação de comissão entre aquela e o Recorrente AA, nem qualquer vínculo e nem tampouco ficou demonstrado que aquele Recorrente atuou por conta e sob a direção da Recorrente. CXV – Em conclusão, deve a Recorrente ser absolvida, revoando-se o Acórdão recorrido, porquanto: (i) - Não tendo ficado demonstrada a existência de um vínculo contratual entre o Recorrente AA e a Recorrente não lhe poderá ser assacada responsabilidade civil ao abrigo do disposto no art.º 70º, nº 2, da Lei da Televisão; (ii) ainda que se entenda que a aplicação do art.º 70º, nº 2, da LT não derroga a aplicação do art.º 70º, n.º 1, da mesma, logo, não afasta o regime geral da responsabilidade civil, não se encontram verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual previstos no art.º 483º do Cód. Civil, não podendo, por isso, ser a Recorrente responsabilizada nos termos dos art.ºs 490º e 497º do Cód. Civil; (iii) também não pode a Recorrente ser responsabilizada nos termos previstos no art.º 486º do Cód. Civil desde logo porque não tinha o dever de impedir a divulgação da correspondência e, por último (iv) nem mesmo ao abrigo do art.º 500º do Cód. Civil podia a Recorrente ser responsabilizada pois não existia à data dos factos, nem existe, uma relação de comissão entre a mesma e o Recorrente AA. CXVI – O Acórdão recorrido violou os preceitos identificados nas antecedentes conclusões.»

                                                     *

Responderam as contrapartes, concluindo nas contra-alegações pela improcedência das pretensões recursórias e a argumentação discursiva alinhada com os fundamentos que invocam, enquanto recorrentes.[13]


II. Objecto dos recursos - Tema decisório  [14]

A análise das conclusões dos recorrentes, na esfera das pretensões recursivas admitidas pelo acórdão intercalar e, o proferido pela Formação, em interface com o acórdão sob escrutínio, convocam a apreciação e decisão das seguintes questões:

1. Do procedimento adjetivo

· A nulidade do acórdão recorrido por alegada oposição entre os fundamentos e a decisão de absolvição dos réus administradores;

· A nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia por alegada violação do princípio do contraditório, através da prolação de uma decisão-surpresa;

· A violação de regras de direito probatório material e adjetivo no julgamento da matéria de facto, em sede de impugnação.

 

2. De direito substantivo

· A condenação dos Réus Futebol Clube do Porto, Futebol Clube do Porto, SAD e FCP Media, S.A, alicerçada no artigo 318º, al.  c) do Código da Propriedade Industrial de 2003, invocando a não verificação dos requisitos legais subordinados à aplicação daquele normativo;

· A ilicitude enquanto pressuposto da responsabilidade civil extracontratual, firmada na violação do direito ao sigilo da correspondência consagrado no artigo 34.º, nº1, da Constituição da República Portuguesa;  

· Da causa de exclusão da ilicitude e o exercício do direito à liberdade de expressão no interesse público;

· O quantitativo da indemnização atribuída aos autores a título de danos emergentes;

· O valor da compensação atribuída a título de danos reputacionais;   

· A condenação solidária da Ré A..., S.A., na qualidade de operadora de televisão;

· A invocada responsabilidade civil dos Réus administradores e a previsão do artigo 79.º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais.

                                                      

                                                    *


III. Fundamentação    

A. Os Factos[15]

 Das instâncias vem provado:

 1. O Sport Lisboa e Benfica e o Futebol Clube do Porto são concorrentes diretos, nomeadamente no âmbito das competições desportivas nacionais e internacionais que disputam, incluindo competições de futebol profissional (Campeonato Nacional da Primeira Liga, Taça de Portugal, Taça da Liga e Supertaça, e competições europeias organizadas pela UEFA) bem como nos negócios e atividades comerciais conexos prosseguidos.[16]

2. O “Grupo Sport Lisboa e Benfica” e o “Grupo Futebol Clube do Porto” são constituídos por uma multiplicidade de sociedades comerciais especializadas nas diversas vertentes do fenómeno desportivo (desporto profissional, merchandising, comunicação e media, promoção de eventos, patrocínio comercial, etc.), as quais oferecem produtos e serviços nos mercados concorrenciais em que se inserem, disputando entre si jogadores, negócios, clientela, patrocínios, com vista à afirmação desportiva, económica e social continuada dos seus projetos empresariais.

3. As Autoras detêm a propriedade e/ou os direitos de exploração económica da Marca da União Europeia (mista) SPORT LISBOA E BENFICA, nº …83 que se junta como Documento n.º 1, e de outros direitos e sinais distintivos (e respetivos produtos e serviços indicados que se promovem), conforme certificados de registos de marcas e de logótipos que se juntam igualmente como Documento nº 1.

4. As sociedades Rés FCP CLUBE e FCP SAD detêm a propriedade e/ou os direitos de exploração dos seguintes direitos e sinais distintivos (e respetivos produtos e serviços indicados), incluindo os certificados de registos de marcas e de logótipos que se juntam como Documento nº 2.

5. As Autoras e as sociedades Rés concorrem diretamente no domínio empresarial prosseguindo múltiplas atividades concorrentes, oferecendo produtos e serviços que disputamos mesmos mercados, a mesma clientela, patrocinadores e parceiros comerciais, desde as competições oficiais desportivas com participação das suas equipas nos campeonatos nacionais de futebol, hóquei em patins, basquetebol, andebol, natação, etc., passando pela organização de eventos desportivos e comerciais, publicidade, comunicação comercial e emissão de canais de televisão por cabo, jornais, revistas, publicidade, aluguer de espaços comerciais, exploração de merchandisig (equipamento desportivo, etc.), sponsorship (patrocínio de produtos e serviços), educação, formação desportiva, publicidade, restauração, organização de viagens, entre muitas outras atividades conexas e complementares.

6. Em 21 de Fevereiro de 2018 foi julgada parcialmente procedente a providência cautelar que correu termos sob o Processo nº 17448/17.4… do Juízo Central Cível …. (Juiz 4), conforme decisão cujo restante teor se dá por reproduzido.

7. O SLB CLUBE é uma agremiação desportiva de utilidade pública, fundada em 1904 e reconhecida ao longo dos anos como uma das mais prestigiadas instituições desportivas portuguesas.

8. O SLB CLUBE tem como finalidade o fomento e a prática do futebol nas suas diversas categorias e escalões e, complementarmente, a prática e desenvolvimento de outras modalidades desportivas, desempenhando também atividades de natureza recreativa, cultural e social, conforme resulta do art. 3.º dos Estatutos da Autora e da certidão comercial permanente com o nº. 8…2-5…7-0061, cujas cópias se juntaram como documentos n.º 1 e 2 do requerimento inicial da providência cautelar.

9. A SLB SAD é uma sociedade anónima desportiva, criada em 10 de fevereiro de 2000 pelo SLB CLUBE para competir no campeonato nacional de futebol profissional, conforme resulta de cópia da certidão comercial permanente com o n.º 7…6-3…3-1418 que se juntou como documento n.º 3 do requerimento inicial da providência cautelar.

10. Os estatutos da SLB SAD dispõem, quanto ao objeto social, o seguinte: “1. A sociedade tem por objecto a participação nas competições profissionais de futebol, a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada da modalidade de futebol (...) conforme resulta da certidão comercial permanente junta como documento n.º 3 do requerimento inicial da providência cautelar.

11. O SLB CLUBE enquanto acionista maioritário detém, direta ou indiretamente mais de 50% do capital social da SLB SAD, para além de ser titular de ações de categoria A, que lhe conferem direitos especiais, conforme documento n.º 4, 5 e 6 do requerimento inicial da providência cautelar e o Relatório e Contas consolidado da SLB SAD relativo ao exercício económico anual de 2016/2017, [que] se reproduz como Documento n.º 2-A.

12. A SLB SAD detém 100% do capital social das sociedades B…, S.A. (“B…”) e B T, S.A. (“B.T”), 50% do capital social da sociedade Clínica S…, Lda. (“Clínica S…, Lda”) e 2% do capital social da sociedade B Seguros, Lda. (“B Seguros”), conforme resulta do Relatório de Gestão junto como documento 4 supra (pág. 3) do requerimento inicial da providência cautelar.

13. A equipa de futebol profissional sénior da SLB SAD compete no campeonato nacional da 1.ª Liga, competição organizada pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

14. No âmbito das principais competições desportivas nacionais e europeias em que participam, as Autoras apresentam o seguinte palmarés: 2 Taças dos Clubes Campeões Europeus; 36 Campeonatos Nacionais; 7 Taças da Liga; 26 Taças de Portugal; 3 Campeonatos de Portugal; 7 Supertaças Cândido de Oliveira; e 1 Taça Latina, conforme resulta da informação oficial disponibilizada pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, conforme documento nº 7 junto com o requerimento inicial da providência cautelar e aqui se dá por reproduzido.

15. O SLB CLUBE é uma instituição de prestígio nacional e internacional, constituindo um exemplo cívico e de responsabilidade social, reconhecido através das condecorações e ordens honoríficas com que foram agraciadas, conforme documento nº 8 junto com o requerimento inicial da providência cautelar e aqui se dá por reproduzido.

16. As Autoras têm como patrocinador oficial principal a companhia aérea FLY EMIRATES, multinacional com sede no …, Emirados Árabes Unidos, empresa que patrocina ao nível europeu um reduzido número de equipas de futebol profissional, nomeadamente AC Milan (Itália), Real Madrid (Espanha), Paris Saint-Germain (França) e Arsenal Football Club (Inglaterra).

17. As Autoras têm ainda como patrocinador oficial a cerveja SAGRES, insígnia de grande notoriedade da SCC — Sociedade Central de Cervejas e Bebidas, S.A., e como patrocinador técnico (equipamentos, etc.) a ADIDAS, multinacional alemã de vestuário desportivo. Para além dos patrocinadores acima identificados, são ainda patrocinadores e/ou parceiros das Autoras a CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, a COCA-COLA, a REPSOL, a LEASEPLAN, a HOSPITAL DA LUZ, BETCLIC, NORAUTO, NOS, CARMM, CIN, DIELMAR, HUBLOT, PROZIS, HUAWEI, SEGURADORA FIDELIDADE, entre outras empresas de prestígio e mérito comercial e/ou industrial reconhecidos nos sectores de atividade em que atuam.

18. Para assegurar o desenvolvimento da sua atividade e a proteção conforme da sua informação comercial e dados de negócio, reservados as Autoras dispõem de um sistema informático, de bases de dados e de um domínio próprio (@.... .pt), sendo as contas de email dos diversos colaboradores da SLB SAD registadas nesse domínio.

19. As Autoras dispõem também, para o exercício e desenvolvimento da sua atividade, de serviços de comunicações telefónicas fixas e móveis (telefonia e mensagens) para realização das comunicações entre as Autoras e os seus colaboradores e terceiros, as quais são privadas e sigilosas.

20. No sistema informático da SLB SAD são guardados todos os documentos proprietários e confidenciais relativos ao negócio desta, incluindo comunicações, correspondência e contratos com os respetivos patrocinadores, atletas, treinadores, propostas de negócio, projeções de desenvolvimento empresarial e desportivo, planos e estratégias empresariais, dados estatísticos, proveitos, custos e investimentos, acordos com a Banca e demais stakeholders (partes interessadas numa organização ou empresa), investimentos e parcerias nacionais e internacionais, entre outras.

21. Os dados e informações das Autoras, bem como as suas comunicações, têm valor económico e concorrencial porque são secretos (eram) apenas conhecidos das Autoras e dos seus colaboradores internos e altos responsáveis diretamente envolvidos.

22. Os termos e condições dos contratos de patrocínio, os valores envolvidos, as condições da sua renovação ou melhoria, a correspondência e comunicações entre as Autoras e os seus patrocinadores, as respetivas comunicações e mensagens são valiosos segredos de negócio e são-no também porque são sigilosos e apenas conhecidos das partes contratantes.

23. Tais dados, caso tenham sido acedidos ou conhecidos de outros concorrentes ou por terceiros, ou tornados públicos, (podem ser) de imediato usados como argumento concorrencial e como fator de perturbação económico-financeira e desportiva das Autoras.

24. O mesmo se aplica às comunicações, correspondência e contratos com jogadores, treinadores e outros colaboradores, dados pessoais sensíveis e anotações de fichas médicas, ao know-how sobre metodologias de treino e outras técnicas desportivas, à evolução de desempenho, às anotações e observações de jogadores, ao scouting desportivo (pesquisa e recrutamento de potenciais jogadores), às ações de formação e liderança, aos planos e estratégias desportivas, bem como aos demais dados de negócio, incluindo designadamente sobre os proveitos e custos das diversas rubricas de exploração, sócios, campanhas de marketing e desenvolvimento comercial, investimentos, serviços e produtos transacionados, relações com fornecedores e clientes, relações com instituições bancárias e financeiras, empréstimos e financiamentos, condições contratuais sobre todos os negócios desenvolvidos, relações com agentes de jogadores, relações e parcerias com outros clubes de futebol e parceiros desportivos ou empresariais, correspondência institucional (...).[17]

25. O acesso, mesmo na forma de contacto, o aproveitamento ou divulgação por terceiros de informação privilegiada da SLB SAD de caráter secreto (não tornada pública), ou mesmo a divulgação ou suspeita pública dessas práticas, influenciam (e serão idóneos a influenciar) de maneira sensível o preço desses valores mobiliários.

26. As Autoras investiram uma quantia indeterminada, mas superior a um milhão de euros, no desenvolvimento e segurança do seu sistema informático, do seu sistema de comunicações e dos respetivos equipamentos necessários, nomeadamente para guarda e tratamento reservados dos seus dados e negócios, adquiriram equipamentos de segurança, de acesso e gestão de informação, contrataram fornecedores de serviços de guarda, manutenção e segurança e técnicos especializados de informática e comunicações especializados que estão ao seu serviço de forma permanente e exclusiva, para zelar pelo funcionamento adequado dos seus arquivos e dados informáticos e segredos de negócio.

27. O acesso aos sistemas, comunicações, correspondência e demais dados das Autoras depende de autenticações e certificações específicas; ainda assim - adicionalmente - os dados dos diversos departamentos são guardados de modo estanque, com acesso autorizado apenas a alguns poucos colaboradores da mais alta confiança, devidamente identificados, não dispondo os responsáveis dos diversos departamentos operacionais de acesso aos dados de outros departamentos congéneres.

28. Os servidores de dados encontram-se instalados em locais reservados e protegidos, com regras de acesso e circulação estritas, sujeitas a protocolos e standards internacionais, assegurados pelos diversos prestadores de serviços contratados pelas Autoras; as redes de comunicação e correspondência obedecem igualmente aos mesmos princípios, o acesso a informação e os dados são protegidos por níveis de responsabilidade profissional; e, foram adquiridos aparelhos e programas antifraude para prevenir intromissões ilícitas e ilegítimas os quais visam robustecer os sistemas contra os ataques cibernéticos e outros acessos ilícitos.

29. O Réu AA acedeu a essas informações através de um contacto prévio via email com pessoa desconhecida, que lhe enviou alguns emails para amostragem, convencido do interesse e veracidade dos mesmos pediu a remessa de mais emails que recebeu inicialmente no seu email oficial do FCP SAD e mais tarde num email encriptado criado para o efeito.

30. A divulgação da correspondência e comunicações privadas das Autoras resulta de uma estratégia conhecida e autorizada pela administração do Grupo Futebol Clube do Porto, para quem o Réu AA trabalha, e no qual exercem funções de … ao mais alto nível os Srs. BB, Dr. CC e Dr. DD conforme o documento nº 9 junto com o requerimento inicial da providência cautelar e aqui se dá por reproduzido.[18]

31. O Réu AA apresenta-se como “Diretor de … do FC Porto”, e nisso consente e reconhece o Grupo Futebol Clube do Porto.

32. No dia … de outubro de 2017, foi atribuído ao AA o prémio Dragão de Ouro para Funcionário do Ano.

33. O Réu AA não detém atualmente a profissão de jornalista, conforme o documento nº 10 junto com o requerimento inicial da providência cautelar e aqui se dá por reproduzido.

34. A Ré P…, sob a designação social de “A…, SA”, é detida maioritariamente, segundo o Relatório e Contas de 2016/2017 da FCP, SAD, por esta última, conforme o documento n.º 9 do requerimento inicial da providência cautelar e aqui se dá por reproduzido.

35. A FCP MEDIA é uma sociedade comercial que integra a “FC Porto Holding”, sendo considerada uma “unidade de gestão”, tendo como Presidente … de Administração a mesma pessoa que preside à FCP SAD.

36. Fazem parte do Grupo Futebol Clube do Porto, todas as sociedades demandadas, sendo que o FCP Clube detém 74,59% das ações da FCP, SAD e esta, por sua vez, detém 98,81% da FCP Media, SA. e 81,42% da A…, SA.

37. A Direção do FCP CLUBE apresenta a seguinte composição: “Presidente: BB; Vice-presidentes: DD, FF, GG, HH e CC (pelouro financeiro); Vogais: II, JJ, KK, LL, MM e NN.”

38. Os RR BB, DD e CC são Presidente e … do FCP SA e da Ré P… e da Ré FCP Media.

39. O FCP CLUBE é uma agremiação desportiva de direito privado e utilidade pública que tem como fins: “a) Promover a educação física dos seus associados; b) Desenvolver a prática dos desportos e proporcionar meios de recreio e de cultura aos seus associados; c) Fomentar a acção social que pelos Estatutos lhe for cometida.”, Cfr. Art. 2.º dos seus Estatutos juntos como documento n.º 15 do requerimento inicial da providência cautelar e que aqui se dá por reproduzido.

40. A FCP SAD tem por objeto a participação, na modalidade de futebol, em competições desportivas de carácter profissional, a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de atividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada da referida modalidade.

41. As equipas de futebol profissional da SLB SAD e da FCP SAD são adversárias na mesma competição desportiva profissional, e são os principais concorrentes diretos na luta pelos mesmos objetivos, nomeadamente a vitória nas três competições nacionais em que participam (campeonato da 1.ª Liga, Taça de Portugal e Taça da Liga).

42. Para além da disputa pela vitória nas competições nacionais, as equipas de futebol profissional da SLB SAD e da FCP SAD concorrem ainda no acesso à Liga dos Campões Europeus, competição internacional organizada pela UEFA e que garante aos participantes o acesso a receitas extraordinárias de vários milhões de euros, para além de uma visibilidade à escala mundial, face às elevadas audiências que tal competição atrai nos cinco continentes.

43. A partir da época desportiva 2018/19, o acesso direto à Liga dos Campeões estará limitado apenas a uma equipa portuguesa - aquela que terminar no primeiro lugar da 1.ª Liga portuguesa na época desportiva 2017/18 em curso - o que reforça o carácter competitivo da prova e reforça a rivalidade existente.

44. A época desportiva 2017/18 é decisiva, porquanto o primeiro classificado da Liga portuguesa, ao garantir o acesso direto à Liga dos Campeões, ganhará uma muito relevante vantagem desportiva e financeira sobre os outros concorrentes.

45. Em 23 de Junho de 2017, no seu sítio institucional na internet, o FCP e FCP SAD publicaram um comunicado com o seguinte teor: Comunicado - O FC Porto informa que, através do seu Diretor de …, satisfez o pedido da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária e entregou-lhe toda a documentação disponível em suportes originais do denominado dossiê e-mails de e para o SL Benfica, conforme documento nº 20 junto com o requerimento inicial da providência cautelar e [que] se dá por reproduzido.

46. O FCP CLUBE e a FCP SAD reconhecem a sua ligação a AA e a sua responsabilidade quanto à divulgação da correspondência alegadamente existente e revelada por este, assumindo formalmente terem na sua posse a alegada correspondência das Autoras, a qual foi sendo divulgada pelo seu Diretor de …, AA, através da P….

47. AA, na qualidade de Diretor de … do FCP CLUBE e da FCP SAD, atuou sempre em coordenação com estas, todos eles possuindo e divulgando a correspondência privada imputada a terceiros, sem autorização destes, executando uma estratégia de divulgação.

48. O FCP CLUBE e a FCP SAD divulgaram emails e demais correspondência relativa ao domínio @.... .pt, bem como as comunicações (telefónicas e mensagens de texto) e detêm em seu poder informação comercial/segredos de negócio das Autoras, ainda que o façam através do seu Diretor de … (AA), no canal de televisão por si detido e controlado (i. e., o canal de televisão P… da Ré P…).

49. A FCP Media tem por objeto social a “concepção, criação, desenvolvimento, produção, realização, promoção, comercialização, aquisição, exploração de direitos, gravação, distribuição e difusão de obras e programas audiovisuais, multimédia, televisão, vídeo, cinema, canais temáticos, internet, eventos turísticos, culturais e desportivos em quaisquer formatos e sistemas; gestão, exploração e prestação de serviços nas áreas de gravação, produção e comunicação de obras audiovisuais, programas de televisão, sons, imagens, multimédia e quaisquer outros audiovisuais; edição de [publicações] periódicas, de livros e de multimédia.”, conforme resulta da certidão comercial permanente n.º 6…1-7…3-1205.

50. A FCP Media é a entidade patronal de AA, sendo responsável pela publicação da newsletter do Futebol Clube do Porto, “…”.

51. A Ré P… tem por objeto o “exercício da actividade de televisão, concepção, produção, realização e comercialização de programas relativos a quaisquer eventos, aptos a serem objecto de difusão por qualquer meio, nomeadamente televisão, rádio, internet e multimédia, comercialização de direitos sobre programas relativos a quaisquer eventos aptos a serem objecto de difusão por qualquer meio, nomeadamente televisão, rádio, internet e multimédia, exploração de publicidade e de quaisquer actividades de valorização comercial de objectos e figuras ligadas a actividades desportivas, artísticas, culturais e, em geral, de entretenimento, prestação de serviços de assessoria, consultadoria e outros, directa ou indirectamente relacionados com as actividades referidas anteriormente”, conforme cópia da certidão comercial permanente n.º 2…1-2…7-5737 que se juntou como documento n.º 26 do requerimento inicial da providência cautelar.

52. A Ré P… é um serviço de programas televisivos, autorizado pela Entidade Reguladora da Comunicação Social, em setembro de 2006, através da Deliberação 8-A/2006.O seu programa “… - …”, é um programa de entretenimento de promoção comercial do grupo do Futebol Clube do Porto, das suas atividades e dos seus interesses, não constituindo um programa noticioso. Os demais intervenientes actuam como comentadores, sendo adeptos do FC Porto. Nem os protagonistas, nem o programa, nem o serviço de televisão “P…” exercem neste contexto qualquer atividade noticiosa de natureza jornalística.

53. A P…. é proprietária de um canal de televisão por cabo, emitido em sinal aberto, comercialmente designado por “P…”.

54. AA, trabalhador da FCP Media, desempenha as funções de Diretor de … do Futebol Clube do Porto, incluindo FCP CLUBE e FCP SAD, tendo sido declarado insolvente por decisão de 18 de novembro de 2016.

55. No exercício das suas funções, os Réus Sr. BB, Dr. DD e Dr. CC exercem de direito e de facto o poder de determinar, e determinam, as atividades, atos e negócios das Rés FCP CLUBE, FCP PORTO SAD, FCP Media, P…, bem como do seu funcionário Réu AA.

56. Os Réus Sr. BB, Dr. DD e Dr. CC, através da liderança do primeiro, e a concordância e a adesão solidária dos segundos, definiram e definem a estratégia de comunicação das Rés FCP CLUBE, FCP PORTO SAD, FCP Media, P…, o seu posicionamento no caso dos “emails”, as relações institucionais e empresariais daqui decorrentes, incluindo designadamente todas as atividades e atos de divulgação, que seguiram a orientação e determinação (genérica) dos Réus Sr. BB, Dr. DD e Dr. CC, sob a liderança do primeiro.

57. No dia … de Abril de 2017, AA divulgou no P… um alegado e-mail (que estava disponível num blog) remetido alegadamente pelo Sr. OO, Chefe da Segurança da Primeira Requerente, ao Dr. PP, Administrador da SLB SAD, no qual alegadamente se demonstraria o apoio material das Autoras às pretensas claques do clube, em especial através do pagamento de aluguer de automóveis e pagamento de gasolina nas deslocações dos seus membros para jogos da equipa do Benfica na condição de visitante.

58. Em … de Abril de 2017, AA divulgou através do mesmo P…, no mesmo programa “…”, um e-mail trocado entre QQ (Presidente da Associação Portuguesa de … de Futebol, de ora em diante designada por “APAF”) e RR (Diretora de Relações Públicas da SLB CLUBE), estando copiado PP (Administrador da Segunda Requente SLB SAD). Neste e-mail, QQ, na qualidade de Presidente da Mesa da Assembleia-Geral do Centro Recreativo de …, “solicita bilhetes baratos” para um jogo a realizar no Estádio do Sport Lisboa e Benfica. No dito programa televisivo “…”, AA acusou o Benfica de "procurar comprometer o presidente da APAF", acrescentando, "Isto não é excesso de cortesia, é outra coisa mais grave e o Ministério Público deve pegar nisto".

59. No dia … de junho de 2017, em consequência do acesso ilegítimo ao conteúdo de mensagens de correio eletrónico que têm por domínio “@.... .pt”, bem como correspondência e comunicações das Autoras, de natureza privada e confidencial, AA faz, entre outras, as seguintes afirmações no programa de televisão “…”, transmitido no canal de televisão “P…” da P… [00:29:54] Não temos de ter ilusões sobre isto. Isto é um esquema de corrupção de árbitros a favor do Benfica; [00:33:58] Portanto, não podemos fingir que isto não existe, não se passa nada Passam-se, passam-se coisas muito graves no futebol português e nós se queremos na próxima época ter um campeonato…; [00:34:08] … em que os diferentes competidores têm igualdade de oportunidades, é preciso acabar com isto [00:43:45] Eu acho que a Federação tem que se preocupar com isto, a Federação superintende o futebol em Portugal, não pode enterrar a cabeça na areia e fingir que nada acontece, porque senão, corremos o risco de para a semana vir outra revelação e para a semana outra revelação, e o que é que… continua revelação após revelação a destapar-se a careca dum sem número de procedimentos errados, condenáveis e irregulares do Benfica e nada acontece? Ao Benfica tudo é permitido? [00:47:43] É, é, este polvo que há muito sabemos que existe, aos poucos tem de ir sendo destapado. Hoje destapamos o EE, teremos de continuar a destapar para deixar tudo isto a nu. [00:48:00] É fundamental, é deixar esta vergonha a nu.

60. Nesse mesmo programa televisivo do dia 13 de junho de 2017, AA faz as seguintes afirmações: [00:32:02] “O que é isto? Que vigarice vem a ser esta? Que cambalachos são estes? O Benfica não está implicado nisto? [00:43:32] Isto é indissociável uma coisa da outra, portanto, o Benfica, claramente, está implicado num esquema que envolve arbitragem, um esquema que adultera a verdade desportiva. [00:51:39] Representam os interesses do Benfica. Os árbitros são umas marionetas nas mãos destas pessoas que trabalham a favor do Benfica. [01:03:52] Isto é uma vergonha. Isto é o futebol português em 2017, comandado, telecomandado, orquestrado pelo Benfica, pelo Sr. SS, pelo Sr. TT, pelo Sr. UU, pelo Sr. EE, pelo Sr. VV e por mais não sei quantas pessoas que não sabemos, os EE e os VV por aí espalhados que estão ao serviço do Benfica, para fazerem este tipo de joguinhos, de vigarices, de esquemas. Tudo antirregulamentar. [01:05:04] Nós estamos a prestar um enorme serviço ao futebol português. [01:05:06] Estamos a prestar um enorme serviço ao futebol português, estamos a desmascarar a maior mentira do futebol português.”

61. No programa, AA leu um conjunto de e-mails que, segundo afirmou, corresponderiam a trocas de mensagens entre o ex-árbitro EE e TT, advogado e assessor jurídico da SLB SAD, e entre o então presidente da Liga Portuguesa de …, WW, e SS (Presidente da Direção da SLB CLUBE e Presidente do Conselho de … da SLB SAD). Numa dessas mensagens, sempre segundo AA, constava uma lista de árbitros de segunda categoria que iriam para estágio para eventualmente passarem à primeira categoria, a qual teria chegado às mãos de TT. [00:25:40]” Não. O TT é uma pessoa muito importante no Benfica. Toda a gente sabe. Ainda ontem esteve na assembleia geral da Liga. Puderam ver todos na televisão, que passaram imagens e ele estava lá. Ele é uma pessoa com responsabilidades no Benfica. Responsabilidades muito grandes, muito fortes, com dependência direta do presidente do Benfica, SS, e da administração do Benfica…”

62. No dia … de junho de 2017, no programa de televisão designado por “…”, transmitido no canal de televisão “P…” da P… AA faz as seguintes afirmações, entre outras: [00:44:31] É assim, nós ao longo dos últimos programas temos vindo a desmascarar o polvo do futebol português. Um sem número de comportamentos. Uns censuráveis do ponto de vista ético, outros do meu ponto de vista que configuram ilícitos graves, desportivos e não só desportivos [00:47:36] Agora, sei uma coisa. O Benfica monitoriza os SMS do presidente da Federação Portuguesa de Futebol. [00:49:37] Isto é uma vigarice, o futebol português é uma mentira e a mentira tem uma razão de ser, é o Benfica, é esta corja de gente que faz este tipo de coisas. É tudo a mesma coisa. Estão enterrados até ao pescoço. Estão enterrados até ao pescoço com estas coisas, é uma vergonha. Monitorizar o presidente da federação? O presidente da liga? Mas o que é isto? Mas que vigarice vem a ser esta? Alguém acredita nestas coisas... no futebol português assim? Alguém acredita que há um competidor... alguém acredita que o Benfica é um competidor sério? Não é, é um competidor falso, anda a vasculhar as coisas e depois andam todos ofendidinhos porque nós lhes descobrimos a careca. Nós estamos a prestar um serviço ao futebol português, o futebol português precisa de uma operação mãos limpas e varrer com esta gente toda. [00:51:36] Cabe ao Benfica prestar esclarecimentos cabais sobre estas coisas. Cabe ao Sr. UU explicar isto. Cabe ao Sr. YY explicar e cabe ao presidente do Benfica explicar este... porque isto são demasiadas coisas. Nós aqui já revelámos apoio ilegal às claques. Já relevámos coisas muito comprometedoras com oito árbitros, se calhar os árbitros não têm culpa nenhuma, não sei, nem me interessa, investigue-se isso, não nos cabe a nós investigar. Já revelámos tanta e tanta coisa, isto há um padrão comportamental muito mau, muito censurável, isto vale tudo. Vale tudo, é uma vergonha. [00:57:20] O que não vale a pena acreditar é naqueles que não têm clube, quem está no futebol, tem evidentemente as suas simpatias. Agora, tem de desempenhar os seus lugares da mesma maneira que os árbitros, nós aceitamos todos que os árbitros tenham um clube, agora que quando estão a apitar que esqueçam isso. E apitem, portanto, isto é, um fartar vilanagem. É uma coisa de proporções bíblicas. Isto é uma coisa de proporções bíblicas, este polvo do Benfica é uma coisa de proporções bíblicas. [01:02:06] Andam a brincar connosco. Controlam tudo, dominam tudo, fazem este tipo de coisas. Isto é, repito, é uma vergonha. E tudo isto é verdade, tudo isto que nós aqui revelamos aconteceu mesmo. É uma chatice. É uma chatice descobrir-lhes as carecas [01:02:52] É para permitir que toda a gente saiba e para permitir fazer uma limpeza no futebol português, porque é urgente, o próximo campeonato não pode começar com estas pessoas a terem este tipo de comportamentos, as pessoas têm de ser... estas pessoas que andam mortinhas que eu tenha castigos de anos, estas pessoas é que têm de ser castigadas por anos e anos.”

63. Nesse mesmo programa, AA acusou as Autoras de monitorizar os SMS de CC. Segundo ele, o diretor da Benfica TV, UU, recebeu um conjunto de ficheiros com centenas de mensagens através de YY, então presidente da Assembleia Geral da Liga de Clubes. AA citou, para o efeito, um e-mail de YY para UU: Os ficheiros são de SMS do CC. Chamo à atenção das mensagens enviadas ao XX, em que declara eterno amor ao azul e branco. Eu tenho as SMS, centenas, enviadas pelo senhor YY para o UU. Ele acha que uma alegada violação de correspondência é diferente em 2017 relativamente a 2014. O Benfica monitorizou mensagens do Dr. CC em 2014. Isto é uma vergonha. Este é o comportamento do Benfica. Não revelo as SMS - são pessoais. Há muitas de índole profissional e muitas de índole pessoal. Isto é o Benfica que faz, através de quem? Do UU e do YY. Há muitos e-mails do YY para o UU a dizer, por exemplo, quando os clubes queriam retirar WW, que o avisava assim que tivesse uma decisão sobre os requerimentos. É uma vergonha

64. No dia … de junho de 2017, AA revelou ainda no mesmo programa de televisão designado por “…”, e-mails trocados entre SS e ZZ, apresentado como Comissário Nacional da Polícia da …, e que diriam respeito pagamentos por serviços de bruxaria: [01:02:17] Estamos a falar de bruxaria, portanto. Mas uma bruxaria de uma forma que eu nunca vi. [01:02:32] Isto foram cento e muitos mil euros que o Benfica gastou em bruxaria. [01:02:55] … eu nem sei o que é que devo pensar disto, porque é assim, isto põe em causa quem? [01:02:59] Põe em causa os jogadores, o treinador, mas põe em causa outras pessoas… [01:03:11 ] … o UU, o WW. Então, anda-se a criar um polvo para quê? Então, anda-se a fazer… a criar este monstro que tudo permite ao Benfica e nada permite aos outros, que cria um clima de benefício permanente e depois vai-se fazer a bruxaria?

65. No “Jornal de Notícias”, na edição de … de junho de 2017, era citado o Réu AA, o qual referia “Estamos a falar de bruxaria. Depois, o responsável azul e branco avançou com uma conclusão. "Estamos a falar de bruxaria", garantiu, defendendo que, ao todo, na última temporada, o Benfica terá pagado 136 mil euros por estes serviços. "Nem sei o que dizer. Isto põe em causa os jogadores, os treinadores. Anda-se a criar um polvo para quê? Quando o polvo não funciona... De facto, vale tudo para ganhar", rematou, em tom jocoso”, conforme o documento n.º 43 junto com o requerimento inicial da providência cautelar e que aqui se dá por reproduzido.

66. No dia … de Junho de 2017, AA tecera considerações diversas sobre o Diretor de Comunicação das Autoras, AAA, nomeadamente afirmando que “É mentira e até me surpreende que um profissional de comunicação experiente e tão bem pago embarque numa falsidade destas" (em declarações proferidas ao jornal “O …”, conforme o documento n.º 44 junto com o requerimento inicial da providência cautelar e que aqui se dá por reproduzido, acrescentando: “principescamente pago” (em declarações proferidas à “Agência Lusa”, conforme o documento n.º 45 junto com o requerimento inicial da providência cautelar e que aqui se dá por reproduzido). AA reagia deste modo a declarações do referido AAA, que havia afirmado que aquele recebia uma avença da FCP CLUBE enquanto ainda desempenhava as funções de editor do Desporto da Agência Lusa.

67. No dia … de agosto de 2017, AA e P… divulgaram no mesmo programa “…”, indicados “novos emails” e “comunicações” relacionando-os com as Autoras e com a prática por estas de atos ilícitos e criminais, conforme resulta das notícias da imprensa escrita de 9 de Agosto de 2017 – cfr. documento n.º 14 e a gravação em CD que se juntou como documento n.º 14 A do requerimento inicial da providência cautelar.[19]

68. No dia … de agosto de 2017, ao minuto 00:43:40, o Réu AA divulga um e-mail de BBB para TT relativo a um relatório de observação do árbitro de futebol CCC, com o intuito claro de associar as Autoras a esquemas de corrupção e tráfico de influências junto das equipas de arbitragem - cfr. gravação desta emissão que se junta em formato CD, como Documento n.º 4. No seguimento, em tom sensacionalista, o Réu AA faz as seguintes afirmações, [47:58] Como é que é possível que um árbitro da primeira liga esteja a utilizar o senhor VV, que sabe-se bem quem é que ele é, como intermediário para fazer chegar coisas ao Benfica? [48:51] Fica mais uma vez visível, muito visível, que o VV é um intermediário das comunicações entre o árbitro CCC e o Benfica, através do TT. E como é que uma coisa destas é possível? É admissível? Não é admissível! Seja com que clube for. Mas isto está aqui! Vão continuar a fingir que não existe? [49:32] Este silêncio é uma confirmação de procedimentos muito errados, muito, muito, muito errados, de práticas muito condenáveis. E a federação não pode continuar de braços cruzados. As autoridades não podem continuar de braços cruzados perante isto. Repito: fica muito claro e muito visível que o senhor VV, com todo o perfil que é possível traçar dele, que é terrível e de ligação ao Benfica - ele próprio diz: “eu quero ser o menino querido de vocês”, referindo-se ao TT e ao SS -, pode estar a desempenhar este papel de intermediário de comunicações entre CCC e o TT?

69. AA volta a divulgar novos emails, no programa “…” do dia … .08.2017, conforme Documento n.º 7que se junta. Denunciando uma troca de emails entre o antigo delegado da Liga, VV, e TT. Durante este programa, além de implicar que o árbitro DDD teria ligações ao Benfica, AA diz [46:23] Acabamos de estabelecer mais um árbitro com uma ligação ao Benfica, através de um intermediário. A comunicação entre o senhor DDD e o senhor TT era estabelecida através de um intermediário chamado VV e o senhor DDD utilizava um pseudónimo, um outro nome. [47:03] Cada cavadela, cada minhoca! Isto - volto a repetir - tem proporções bíblicas! E alguém tem de pôr mão nisto. As entidades desportivas têm que de facto se preocupar com isto de forma muito séria, porque qualquer dia… eu não sei o que é que acontece. Mas isto é um polvo gigantesco! [48:15] Isto é um escândalo! É um escândalo! E alguém tem de fazer alguma coisa. Tem de se olhar para isto! O Futebol Clube do Porto está a fazer um papel em defesa do futebol português que tem de ser louvado, porque o Futebol Clube do Porto está a desmontar a falsidade que há! É uma falsidade gigantesca!

70. AA voltou a tecer acusações no programa do dia … .09.2017 do “…” revelando nova leva de emails trocados entre vários dirigentes benfiquistas, dizendo: [52:34] “Isto levanta um problema, porque isto não é só ter-se influência sobre um determinado órgão de comunicação social. É mais do que isso. Isto é o poder absoluto! (…) E a relação do jornal A Bola com o Benfica sempre foi uma relação de proximidade. Mas uma coisa é a proximidade, uma coisa é um determinado órgão ter uma tendência - é criticável, mas é aceitável -, outra coisa é a subserviência absoluta! Eu trago hoje aqui umas coisas para partilhar com vocês e com os nossos espetadores, para elucidar sobre um grande embuste a que todos os anos assistimos no jornal A Bola. (…)”

71. No dia … .10.2017, AA volta a divulgar emails, referindo-se desta vez a correspondência eletrónica entre EEE, TT e uma outra pessoa, escondida atrás de alter-ego, conforme gravação em CD que se junta como Documento n.º 13. [34:44] Nós hoje trazemos aqui uma coisa muito engraçada, que mostra o que é o modus operandi do Benfica em relação a algumas pessoas. Nós escolhemos aqui divulgar uma coisa que envolve um antigo árbitro, portanto que é uma pessoa que já não está em atividade, a sua atividade de árbitro já há muitos anos que não está, portanto não estamos a pôr em causa alguém… Mas reparem: se fazem isto a um antigo árbitro que hoje em dia é comentador de arbitragem, imaginem quando são outras coisas.”

72. O Réu AA publicou na sua conta da rede social Twitter o suposto e-mail em causa, enviado por EEE a TT, publicação que alcançou impacto imediato na comunicação social dos dias seguintes, como se pode verificar nos vários excertos que se juntam como Documento n. º17:

73. Foi criada pressão mediática em torno das Autoras, que chegou ao ponto de o capitão da equipa de futebol sénior do Benfica, FFF, ser questionado, no decorrer de entrevista concedida a propósito dos 14 anos que atingiu enquanto jogador do Benfica, acerca do “caso dos emails”, conforme trecho da entrevista que se transcreve e que se junta como Documento n.º 18:

74. No dia … de outubro de 2017, no programa “…”, transmitido no canal de televisão “P….” da P… (cuja gravação em CD se junta como Documento n.º 19), AA, (dizendo) que “todo este caso dos e-mails resulta de uma investigação do …”, e que [29:40] Eu queria só recordar dois dos e-mails de que já aqui falamos… Temos aqui muitos, muitos, muitos e-mails com o TT, mas eu gostaria só de lembrar aquele célebre e-mail em que o SS lhe diz: “TT, devíamos participar deste artista pois brincou com o Benfica, temos de dar-lhe cabo da nota”, referindo-se ao GGG e depois o GGG teve a maior descida de sempre de uma nota em Portugal. Perante isto, é legítimo que eu pense que houve uma interferência clara do Benfica na descida da nota. É legítimo, desculpem lá mas é legítimo que eu pense isso. O presidente do Benfica diz ao TT que têm de dar cabo da nota e depois dão de facto cabo da nota. E ela acontece. Isto foi em 15 do… Até porque sabemos quem deu cabo da nota: HHH que também terá sido hoje um dos alvos de buscas. Isto foi a 15 de maio de 2014. Mais de 2 anos depois, a 6 de junho de 2016, numa troca de e-mails entre o EE e o TT - o EE terá sido outra das pessoas que terá sido alvo de buscas hoje mesmo -, ele enviou e-mail a TT e diz: “Junto envio a lista dos melhores candidatos a assistentes” - portanto isto são os árbitros candidatos a árbitros assistentes para a Primeira Liga - “Força nisso, e cuidado teste escrito abraço”. Cuidado teste escrito? A que propósito, qual é a interferência do TT nos testes escritos dos candidatos à promoção para árbitro assistente? Eu daqui, é legítimo que eu interprete que o TT consegue ter interferência nos testes escritos. Mas o TT não é examinador, não faz parte disso, como é que o TT consegue ter interferência?”

75. No dia … .10.2017, em declarações a um conhecido órgão de comunicação social, AA afirma: «O senhor AAA e as declarações do senhor AAA são um bom exemplo do polvo. Como meio de defesa, larga toda a tinta que pode, para esconder o que o Benfica fez. E foi o que hoje [sexta-feira] voltou a fazer, para esconder o facto indesmentível de o Benfica, de vários dirigentes e funcionários oficiais e oficiosos estarem a ser investigados por corrupção activa e passiva. Como ontem foi confirmado pela Procuradoria Distrital de Lisboa. O AAA segue a cartilha e não diz uma palavra sobre os factos que demonstram práticas que nos habituámos a relacionar com a máfia e outras organizações do género. Até hoje, ninguém do Benfica se pronunciou sobre o que está de facto em causa, que é o conteúdo dos e-mails que temos revelado», conforme Documento n.º 20.

76. No dia … de outubro de 2017, novamente no programa “…”, AA revela um alegado e-mail, que leu em direto, enviado por III a SS em … de junho de 2016, conforme gravação em CD junta como Documento n.º 22.

77. No programa do dia … de novembro de 2017, ao minuto 01:16:12, JJJ, faz referência a e-mails já revelados em programas anteriores reforçando desse modo a ideia de que as Autoras prestam apoio financeiro às claques não registadas do Benfica - cfr. gravação desta emissão que se junta em formato CD, como Documento n.º 24. [01:16:07] “Deixem-me recordar que já aqui, no …, lhe trouxemos e mostramos documentos que provam esse apoio do Benfica às claques ilegais. Mostramos documentos através de e-mails que aqui divulgamos e estamos de resto a ver alguns desses e-mails que aqui divulgamos e que atestam precisamente esse apoio concreto que existe, desde combustíveis pagos, desde carrinhas alugadas, como por exemplo estas que estamos a ver. São todas estas as situações que acontecem, portanto mesmo assim há quem acredite que a lei está a ser cumprida e mesmo assim há quem acredite que todos os clubes são tratados da mesma forma.”

78. Em … de Novembro de 2017, AA por ocasião do lançamento do seu livro intitulado “O Polvo …”, inteiramente dedicado ao tema, renova um conjunto de gravíssimas acusações fundadas no conteúdo dos e-mails que vem divulgando no seu programa do P…, sendo a capa e a contracapa as que constam do doc nº 25, cujo teor se dá por reproduzido.[20]

79. A colocação de uma imagem e representação significante de um “polvo” - animal cefalópode, viscoso e tentacular e que simbolicamente representa a Máfia - organização criminosa retratada numa série de televisão que ficou famosa em Portugal “O Polvo” -, teve por finalidade imputar às Autoras, aos seus corpos gerentes, diretores e colaboradores, a participação numa organização criminosa de tipo mafioso. Dessa publicação consta, conforme Documento n.º 25: “[…] Os tentáculos do Polvo Encarnado chegam a todos os recantos da sociedade, manipulando a verdade desportiva e fomentando um clima de ódio entre os clubes.”

80. O lançamento do livro “O Polvo …”, assim como o seu teor, tiveram imediata repercussão em diversos meios de comunicação social, conforme se verifica nas seguintes passagens noticiosas, […], cuja cópia se junta como Documento n.º 26:

81. Os Réus possuem outros documentos privados e confidenciais das Autoras de natureza contratual com parceiros, fornecedores, funcionários, de comunicações/correspondência privada nas suas diversas formas com esses terceiros, contendo dados e informações de natureza confidencial, conforme doc nº 10 junto aos autos e cujo teor se dá por reproduzido.

82. No dia … de novembro de 2017, no mesmo programa ao minuto 00:45:30, o Réu AA, diz conforme gravação desta emissão que se junta em formato CD, como Documento n.º 27. [45:25] O senhor VV, só para recordar os mais esquecidos, o senhor VV dizia “obrigado amigo doutor, apenas quero ser um menino querido para vocês e fazer bem o meu trabalho e que o homem confie em mim tal como o doutor” - o homem é o primeiro-ministro SS, convém recordar isso. Ou então lembrar que foi o VV que enviou para o TT no dia 9 de março de 2014 umas coisas do árbitro DDD, ou que foi o VV que enviou sistematicamente informação sobre árbitros, ou que foi o VV que enviou dados pessoais da vida íntima de árbitros ou de outras pessoas que estão ligadas à arbitragem para o TT. Isso está tudo documentado. [46:48] E fica aqui a promessa: nós para a semana vamos fazer divulgações de material novo que envolve o VV. Fica aqui desde já a promessa. Na próxima semana teremos no mesmo programa e na terça-feira iremos fazer divulgação de material que nunca foi revelado do VV enviado para o TT.”

83. Posteriormente, no dia … de dezembro de 2017, novamente no programa de televisão designado por “…”, AA revela três e-mails, um dos quais enviado por VV a TT, datado de 14 de abril de 2015, que conteria em anexo várias informações atinentes a árbitros de futebol, com dados pessoais dos mesmos - cfr. gravação desta emissão que se junta em formato CD, como Documento n.º 29. [1.07.16]”. Isto é espionagem! Isto é espionagem! Isto é espionagem a favor de um clube, para que esse clube retire vantagens. O clube agora tem de explicar qual é a vantagem. E as autoridades do futebol têm de se debruçar sobre isto… ou isto é normal? E é normal isto? (…) [1.07.55] Isto é feito por gente que trabalhava para o Benfica. Acho que é claro para toda a gente hoje. Acho que não há uma pessoa em Portugal que preste um mínimo de atenção ao futebol que não ache que VV trabalhava para o Benfica.”

84. Em … de dezembro de 2017, voltou AA a ler e interpretar em direto no P… emails das Autoras, nomeadamente correspondência electrónica entre SS e UU.

85. No dia … de dezembro de 2017, em nova edição do programa …, ao minuto 00:19:40, o Réu AA, sem revelar nem remetente nem destinatário, alega um conteúdo em que supostamente a Federação Portuguesa de Futebol cedia bilhetes para o final da taça de Portugal de futsal, atribuindo 300 bilhetes ao grupo “No Name Boys”. No mesmo programa, no mesmo dia, ao minuto 00:32:19, o Réu AA revela um e-mail enviado por PP a TT, no dia 21 de setembro de 2009, em que o primeiro remetia uma mensagem sobre um contrato realizado pelo Benfica com a Federação Portuguesa de Futebol, relativo ao jogo Portugal vs. Hungria, a realizar no Estádio da Luz, - cfr. gravação desta emissão que se junta em formato CD, como Documento n.º 34,:[00.16.02] O mail é enviado por OO, diretor de segurança e organização de jogos do Benfica, para o PP e com conhecimento de TT. E diz assim: “Caro Dr., tal como falado, [portanto previamente falado], havia uma estratégia montada para retardar a entrada dos adeptos do Futebol Clube do Porto. Estratégia essa que incluía a participação da PSP, dada que foi instalada uma segunda linha de revista por parte dos spotters PSP”. Ora eu escuso de ler mais deste mail. Este mail é uma vergonha para os responsáveis do Benfica, que ostensivamente preparam uma estratégia para demorar a entrada dos adeptos do Futebol Clube do Porto (…). [00.19.31] Está impedido porque as claques não estão legalizadas. Mas faz isso! Há vários mails, como um outro mail que é a final da Taça de Portugal de Futsal, em que a Federação cede mil bilhetes ao Benfica, portanto isto é um jogo em pavilhão, não sei a lotação do pavilhão, são cedidos 400 bilhetes à casa do Benfica na Bairrada, imagino que o jogo fosse naquela região do país, e depois 300 bilhetes foram entregues aos No Name; 50 bilhetes irão ser entregues ao KKK, não sei quem é o KKK, nem interessa para o caso. Aqui o que interessa é que 300 bilhetes foram entregues aos No Name. Não podem entregar bilhetes aos No Name!”

86. No programa “…” de dia … .12.2017, AA voltou a divulgar emails, referentes a correspondência eletrónica entre LLL e AAA: [01.02.11] “O que trazemos cá é um mail de LLL enviado para o AAA, no dia 7 de Setembro de 2016, às 10:57. Este dia é um dia…relevante dizer isto, porque é um dia em que o SS deu uma entrevista à noite à TVI. Portanto, o LLL envia para o AAA um mail que diz assim: “AAA, vê as questões que fiz para enviar ao MMM e dá-me a tua opinião.” O MMM é o ex-jogador, magnífico jogador, ainda me lembro dele, mas, atualmente comentador pró-Benfica, em vários canais, na BTV, na TV…, e então eu vou ler aqui uma das perguntas que o LLL sugeriu ao AAA enviar ao MMM.” Cfr. gravação desta emissão que se junta em formato CD, como Documento n.º 35.

87. Em entrevista ao Jornal Record no dia … .01.2018, o Presidente do Sporting, NNN, aproveitando os sucessivos emails divulgados por AA, presta declarações relativas ao caso, reiterando, nomeadamente, que o Benfica deveria descer de divisão, e que está sujeito inclusivamente a que lhe sejam retirados alguns títulos de campeão nacional, entrevista divulgada, sendo notícia nos principais meios de referência, nomeadamente, Expresso, Observador, Diário de Notícias e Correio da Manhã, no Documento n.º 38, que ora se junta.

88. No dia … de janeiro de 2018, no programa “…”, do P…, o Réu AA revela um email datado de 14 de março de 2017, em que OOO remete para SS uma mensagem em que aconselha que seja mantido o trabalho de “teia do poder” junto de instituições, clubes e imprensa - cfr. gravação desta emissão que se junta em formato CD, como Documento n.º 39. [00.02.51] (…) Isto acontece num email enviado em Março, portanto menos de um ano, a 14 de Março de 2017, pelo OOO (…). E é ele que envia um extenso mail, na altura ainda referente às modalidades, que era a responsabilidade dele até ao final da época passada, em que ele faz uma extensa análise e como é que o Benfica há de fazer para ganhar. E num dos pontos aconselha o SS no seguinte: “continuar o trabalho de teia do poder que temos conseguido com instituições, clubes, imprensa, para que se possam somar pequenas vitórias em todos os campos. Empréstimos de jogadores, relações com a Federação, Conselhos de Arbitragem e afins.” Portanto o OOO está aqui a assumir continuar o trabalho de teia do poder, portanto o Benfica tem um trabalho, faz um trabalho já há longos anos, para ter o controlo sobre um sem número de coisas. [00.30.25] Em 2010, o PPP encaminha para o TT, QQQ, RRR e PP um mail que tinha recebido dos No Name. E o mail é assim: “SSS, Rua … (…), carro BMW 320D, novo, deste ano, um filho da [ ] que não tinha onde cair morto, que andava a imitar o [ ] do Quim Barreiros nos programas da … e sem dentes, o filho da [ ], mas calha-lhe agora. Matrícula: 21, tal tal tal tal. Estes [] pensam que brincam com o Benfica, mas estão enganados! É para haver bronca e da grossa. É que este artista, que tão bem conhecemos, se levar com um carregamentozinho a sério, ‘amocha’. Se ninguém lhe fizer nada é que continuamos na mesma. Porque esta corja quando se sente apertada, e a família, pensa duas vezes antes de ousar brincar connosco. Paguem-lhe o que lhe pagarem, pensa duas vezes! Em honra do nome Sport Lisboa e Benfica, divulguem esta m(...) O … vai para a próxima. Um abraço”.

89. No dia 09.01.2018, no programa …, AA divulga vários emails relacionados com dirigentes da estrutura do Benfica cfr. gravação desta emissão que se junta em formato CD, como Documento n.º 41. Um dos emails divulgados por AA foi enviado por VV, à data delegado da Liga, para TT, em que o primeiro terá assinado como “técnico de arbitragem do Benfica”. [00.13.00] Na sexta-feira, … de Novembro de 2013, o SS encaminhou um mail para o UU, sem qualquer texto. O mail tinha apenas um anexo. O anexo era um documento Word, que tem um texto que não é particularmente relevante, o texto procura…debruça-se sobre os observadores dos jogos, vem na sequência de um Benfica-Sporting arbitrado pelo árbitro TTT (…). O que é que este documento tem de particular? É que analisando as propriedades do documento, nós podemos informar que quem escreveu este texto, que o SS encaminhou para o UU, foi o senhor EE. [00.16.42] Acabei de receber há pouco um email de VV, de segunda-feira, 4 de março de 2013, numa altura em que ele era Delegado da Liga.” (…) Ele envia um email para o TT, com uma análise de arbitragem, uma daquelas coisas que não era suposto ele fazer enquanto Delegado da Liga, e o mail está assinado desta forma: “VV, sócio …42, técnico de … do SL Benfica.” É assim que o mail está assinado! Deixemo-nos de brincar ao futebol! O que estas pessoas do Benfica, com o SS à cabeça, TT, depois os UU, os VV, os EE, etc, tentaram criar …tentaram e conseguiram, como nós sabemos, um esquema de interferência na arbitragem.”

90. No programa “…”, de 06.02.2018, AA diz: [00.20.33] “A partir de 2010 começa a haver uma troca de mails entre o mail alternativo do TT, que é um email “slbenficapg@ qualquer coisa”, com um email “regressoaopassado@ qualquer coisa”. Nessa extensa troca de mails, eu tenho aqui alguns, mas como podem ver são muitos muitos muitos muitos mails, as pessoas fazem questão de manter o anonimato. Nunca se tratam pelo nome. Os assuntos normalmente são de cariz jurídico-disciplinar, mas não é possível chegar a quem é o regresso ao passado, porque as pessoas são cuidadosas e nunca escrevem os nomes, nunca se identificam. [00.26.34] Fica claro como o UUU desde sempre teve uma ligação íntima ao Benfica. E a forma como era efetuado o contacto era em si mesmo muito reveladora. Porque se o Dr. UUU e o Dr. TT não tivessem problemas, não teriam de criar mails alternativos para conversar. E não tinham de ter o cuidado de nunca pôr o nome um do outro. [00.30.22] Ganhem vergonha na cara! Este mesmo Dr. UUU, que no tempo em que era Presidente da … da Liga, o Diabo de … apertou o pescoço ao árbitro assistente, resolveu aquilo com uma multa. Sabem porquê? Porque o jogo a seguir com o Benfica, que devia ter sido realizado à porta fechada, era com o Sporting. (…) É este tipo de gente que está a mais no futebol português. E o Dr. UUU que venha agora falar em público sobre isto, que venha esclarecer isto!” - Cfr. gravação desta emissão que se junta em formato CD, como Documento n.º 43.

91. No programa “…” do dia 20.02.2018 AA divulgou novamente emails, sugerindo que o Benfica terá pagado a defesa em tribunal de um elemento dos No Name Boys, através de um escritório de advogados. [00.30.07]”. Desta vez vamos um bocadinho mais longe. Vamos demonstrar que o Benfica recorre a um expediente miserável, muito pouco ético, para pagar a defesa criminar, a defesa jurídica em processos-crime, de elementos dos No Name Boys. E aqui o que está em causa são mails de 2010. Um dos mails enviados pelo VVV, do escritório de advogados do advogado WWW, um dos mais proeminentes advogados da área criminal do nosso país, e que vemos muitas vezes na televisão quando são assuntos relevantes (…). E o advogado VVV envia para o YYY, do escritório do XXX, do ZZZ e tal, envia um mail a solicitar-lhe o pagamento do caso dos No Name Boys por parte deste escritório. [00.36.27] Passam-se coisas muito graves! Como isto! Fazer pagamentos a sociedades de advogados, ter sociedades de advogados veículo, para fazer um pagamento final. Isto não é legítimo, não é razoável. Não podemos aceitar que na sociedade portuguesa continuem a existir procedimentos destes. E o Benfica não pode estar acima da Lei! Não pode! Portanto as autoridades que tomem atitudes!” Cfr. gravação desta emissão que se junta em formato CD, como Documento n.º 45.

92. Estes comportamentos deliberados dos Demandados visam criar intencionalmente a dúvida em milhões de adeptos, simpatizantes e desportistas sobre a lisura da competição.[21]

93. O Réu AA durante o programa de televisão “…”, transmitido no “P…”, de … de junho de 2017 afirmou:” O segredo de justiça impede a qualquer pessoa que, de alguma maneira seja interveniente num processo, de divulgar tudo o que obtém conhecimento por ser parte integrante do processo, agora, eu já tinha conhecimento daquilo prévio, portanto, o que eu já tenho conhecimento prévio não estou impedido e, neste mesmo programa, nós hoje vamos fazer algumas revelações (...) [01:18:06] Sim, voltamos em Agosto e para a despedida recordar só que o melhor está para vir.” Esta mesma afirmação (“o melhor está para vir”) foi corroborada e repetida pela Ré FCP Clube na sua newsletter diária, “…”, na edição do dia … de julho (conforme notícias do jornal “A Bola” e do “Jornal de Notícias”, cfr. Documentos n.ºs 57 e 58 juntos com o requerimento inicial da providência cautelar).

94. O exercício económico anual das Autoras decorre do primeiro dia de julho de um ano de calendário ao último dia de junho do ano de calendário seguinte.

95. O último exercício anual das Autoras foi encerrado com efeitos reportados até ao dia 30 de junho de 2017.

96. Os Réus iniciaram os atos visando as Autoras no dia … de abril de 2017, durante a emissão do programa …, foi nesse programa revelado publicamente que os Réus disporiam de informação confidencial das Autoras, tendo feito alusão a emails entre colaboradores e a administração da SLB SAD.

97. Esta atividade foi retomada na semana seguinte e, após esta, novamente no dia … de junho de 2017, tendo, portanto, ocorrido uma interrupção durante todo o mês de maio de 2017.

98. Excluído, conforme acórdão recorrido.[22]

99. Os resultados económicos e financeiros do exercício de 2016/2017, constam do Documento n.º 2-A que se dá por integralmente reproduzido, sendo que “- O resultado líquido ultrapassa os 44,5 milhões de euros, o que equivale a um crescimento de 118,4% face ao exercício transato, no qual já tinha atingido resultados positivos no valor de 20,4 milhões de euros, correspondendo ao quarto exercício consecutivo em que a Benfica SAD apresenta lucros;- Os resultados operacionais (incluindo transações de direitos de atletas) atingem os 62,9 milhões de euros, o que significa uma melhoria de 65,5% face ao período homólogo; - Os rendimentos operacionais (excluindo transações de direitos de atletas) ascendem a 128,2 milhões de euros, o que representa um crescimento de 1,7% face ao período homólogo, sendo este crescimento principalmente justificado pelo aumento das receitas decorrentes do contrato celebrado com a NOS, que entrou em vigor no presente exercício, e que permitiu compensar o natural decréscimo de rendimentos originado pelo facto de não se ter alcançado os quartos-de-final da Liga dos Campeões, o que sucedeu em 2015/2016;- Os rendimentos operacionais (incluindo transações de direitos de atletas) atingem os 251,2 milhões de euros, o que representa um aumento de 20,8% face ao período homólogo e ultrapassa pela primeira vez a barreira dos 250 milhões de euros. O capital próprio consolidado da Benfica SAD apresenta um saldo de 67,7 milhões de euros e o capital próprio individual ascende a 70,3 milhões de euros, o que significa que em ambos os casos superam os 57,5 milhões de euros, que corresponde a 50% do capital social da Sociedade.

100. A situação económica das Autoras e o valor da sua marca, decorrente dos seus desempenhos desportivos, mas também dos resultados associados às atividades e negócios conexos, têm sido objeto de classificação e avaliação pela auditora internacional KPMG - a par de outros clubes de futebol de europeus -, designadamente com referência às épocas desportivas de 2015/2016 e 2014/2015, que se junta como Documento n.º 48 (fls. 552 e segs).

101. Nos últimos dois anos, referentes à análise das épocas desportivas de 2015/2016 e 2014/2015, a avaliação da A. teve um valor máximo de 353 milhões de euros: Esta avaliação da KPMG não reflete o desempenho económico e financeiro decorrente de toda a atividade das Autoras, designadamente a decorrente das demais modalidades desportivas profissionais (hóquei em patins, basquetebol, voleibol, andebol, futsal), nem considera as receitas geradas pela quotização paga pelos Sócios do Benfica, pelas vendas nas lojas do Benfica, pelo merchandising, licenciamento e royalties da marca Benfica. Estas atividades e receitas, se considerados, permitiriam incrementar a avaliação do Grupo Sport Lisboa e Benfica, para um valor indeterminado, mas que se situa pelo menos em 400M€ (quatrocentos milhões de euros).

102. A atuação dos Réus tem sido fonte de danos para as Autoras, que viram a sua correspondência e comunicações privadas devassadas e a sua informação comercial confidencial acedida.[23]

103. Os Réus acusam as Autoras de factos integrativos de corrupção, tráfico de influência, manipulação e instrumentalização de instituições desportivas e de arbitragem, o que afetou o seu bom nome e reputação.[24]

104. A atividade desenvolvida pelos Réus, de modo consistente e reiterado a partir de abril de 2017, visa diretamente atingir - e atinge - a reputação e o bom nome comercial das Autoras com reflexos diretos no desempenho comercial do Grupo Sport Lisboa e Benfica, com afetação relevante da respetiva posição económico-financeira.

105.As ações da SLB SAD, admitida[a]s à cotação em bolsa de valores, (https://www.bolsadelisboa.com.pt/products/equities/PTSLB0AM0...0-XLIS),sofreram variações de cotação, algumas das quais negativas em altura coincidente com a divulgação de alguns dos emails.

106. Em 24.5.2019 a sua cotação atingiu 2,72 euros; em 11.4.2017 a sua cotação atingiu 1,017 euros, tendo descido de 1,60 euros; em 5.10.2017 para 1,126; em 24.11.2017, conforme gráfico da euronext lisboa oficiosamente acedido https://www.euronext.com/pt-pt/products/equities/PTSLB0AM...0-XLIS.

107. As cotações das ações da SLB SAD desvalorizaram (por vezes) na sequência da atividade dos Réus (e de outros factores nomeadamente resultados desportivos) ao longo de todo o período considerado até à decisão judicial de proibição de divulgação proferida no âmbito dos presentes autos em sede cautelar - cfr. Documento n.º 50, que ora se junta e dá por integralmente reproduzido. Estas desvalorizações oscilaram entre 9,26% (máximo) e 0,6% (mínimo), com variações frequentes na ordem dos 3% ou valores superiores.

108. As Autoras desenvolveram múltiplas ações (comerciais e de marketing, de comunicação com os seus adeptos, patrocinadores, acionistas e parceiros em geral) tendentes a reduzir/estancar os impactos danosos verificados a todos os níveis.

109. As acusações feitas ao Benfica tiveram repercussão na imprensa internacional (vide, por exemplo, a notícia do jornal Espanhol “AS”, de 7 de junho, junto como Documento n.º 49 com o requerimento inicial da providência cautelar).

110. Esta associação do desempenho desportivo, mais especificamente a contratação de serviços de bruxaria para a “compra” de resultados desportivos é altamente vexatória e corrosiva para a reputação desportiva e empresarial das Autoras e teve larguíssima repercussão na imprensa desportiva internacional, designadamente: “Torto accuse rivais Benfica of using sorcery to win past two seasons” (Porto acusa o rival Benfica de usar bruxaria para ganhar nas duas épocas anteriores). “BENFIXER Porto accuse bitter rivais Benfica of hiring a WITCH DOCTOR in … to help them win title.” (BENFIXA Porto acusa o rival Benfica de contratar um Bruxo na … para ajudar a ganhar títulos) - cfr. THE SUN - “Benfica accused of serious corruption - and hiring a witch doctor” (Benfica acusado de corrupção grave - e de contratar um bruxo) - cfr. SBNATION. “Benfica Have Been Accused Of Spending £65,000 On "Witchcrafi" To Win The Portuguese League” (Benfica foi acusado de gastar £65.000 em “Bruxaria” para ganhar o Título Português) - cfr. ESQUIRE - Cfr. Documento n.º 51.

111. Essas notícias lesaram o prestígio nacional e internacional de que gozam as Autoras.

112. O Benfica realizou na Liga dos Campeões a pior participação desportiva de todo o seu historial, e com isso acabou por protagonizar também a pior participação desportiva do historial do futebol português. Não obteve qualquer ponto em seis jogos realizados, e as receitas e prémios financeiros quedaram-se pelos 16,5 milhões de euros (sendo que a parte mais substancial, 12,7 milhões de euros, corresponde ao prémio de participação na competição).

113. As audiências do “P…” aumentaram nos dias em que foi transmitido o programa “…”, palco de eleição para a atuação dos Réus, o qual equivale, por sua vez, a uma maior receita publicitária (cfr. Documento n.º 53 junto com o requerimento inicial da providência cautelar), mas sem resultados económicos significativos e quantificáveis pois a receita desse canal deriva fundamentalmente do seu patrocínio anual efetuado por uma empresa de comunicações.

114. No dia … de junho de 2017, o programa atingiu o seu melhor desempenho de sempre, liderando as audiências do cabo no Norte do país e sendo o segundo programa mais visto em todo o país (cfr. Documento n.º 54 junto com o requerimento inicial da providência cautelar).

115. O programa “…” que, por regra, não chegava aos 30.000 espectadores, conseguiu mais do que duplicar a audiência no programa do dia 13 de junho e manteve-se sempre acima das audiências médias em todas as restantes edições do mês de junho.

116. O réu AA afirmou que a divulgação foi efectuada no âmbito de uma “investigação” da P…, este editou conjuntamente com a testemunha AAAA o livro “O Polvo …” junto aos autos como doc nº 25, no qual afirma ter auferido como lucro líquido até à data do julgamento a quantia de aproximadamente 7 mil euros para os dois autores.

117. No exercício económico de 2016/2017, a FCP SAD apresentou o relatório de contas que consta do Documento n.º 54, cujo restante teor se dá por reproduzido, no qual declara que: obteve receitas na ordem dos 65 milhões de euros com as transacções de passes de diversos futebolistas; que investiu 75,2 milhões de euros na aquisição dos direitos desportivos de atletas.

118. As Autoras efectuaram esforços para mitigar o resultado danoso, que incluíram a contratação de serviços de terceiros (entre Abril de 2017 e Março de 2018), nos quais despenderam a quantia total de €265.080,00 (duzentos e sessenta e cinco mil e oitenta euros), dos quais: Em protecção e reforço dos seus sistemas informáticos e melhoria da segurança das suas bases de dados informáticas, as Autoras pagaram a empresa especializada acima indicada a quantia total de €188.080,00 (cento e oitenta e oito mil e oitenta euros) – cfr. faturas que se juntam sob o Documento n. º 55; em comunicação digital da marca Benfica e do Grupo Sport Lisboa e Benfica, as Autoras pagaram também à empresa acima indicada a quantia total de €56.000,00 (cinquenta e seis mil euros) – cfr. faturas que se juntam sob o Documento n. º 55. No trabalho de confirmação das despesas incorridas pelo Grupo Benfica no âmbito deste processo, as Autoras pagaram à empresa PWC acima indicada a quantia total de €21.000,00 (vinte e um mil euros) – cfr. fatura que se junta sob o Documento n. º 55;[25]

119. Devido à divulgação das suas comunicações foi necessário reforçar a sua estrutura interna com as mesmas finalidades (reforço do departamento informático, de comunicação, de marketing e jurídico), através da contratação de 18 novos colaboradores, conforme doc nº 56, cujo teor se dá por reproduzido.

120. Estes colaboradores foram contratados, após o início da atividade dos Réus e os custos apresentados respeitam a salários, contribuições e honorários até 31 de Março de 2018, ascendendo nesta data ao montante de €340.220,90 (trezentos e quarenta mil duzentos e vinte euros e noventa cêntimos).

121. Os custos incorridos com ações mitigadoras das lesões causadas pelas Rés ascenderam assim, até à data, ao montante global de €605.300,90 (seiscentos e cinco mil trezentos euros e noventa cêntimos).[26]

122. Devido à conduta das RR as AA tiveram dificuldades na negociação de novos contratos comerciais, parcerias, contratos desportivos, contratos com colaboradores, etc, ou negociação dos atuais, como o celebrado em 2015 com a FLY EMIRATES com termo em 3 anos contados da sua celebração.

123. Existem múltiplos casos, ao nível do desporto internacional, em que entidades desportivas são afetadas, a nível de patrocínios, por estarem associadas a imputações de corrupção.

124. A FLY EMIRATES, patrocinador das AA foi alvo de comentários nas redes sociais, por parte de pessoas de variados pontos do mundo, questionando como era possível uma sociedade comercial de tanto prestígio manter-se ligada comercialmente a um clube que, alegadamente, na versão dos Réus, domina um esquema de corrupção desportiva em Portugal.

125. Em qualquer negociação em curso ou futura, sempre as Autoras estarão, em consequência direta do comportamento dos Réus, em posição de desvantagem, nomeadamente na angariação de mais verbas resultantes do contrato de patrocínio desportivo ou na obtenção de qualquer outra vantagem de cariz comercial dessas sociedades.

126. É desonrosa a associação das Autoras a atividades de bruxaria para obtenção de resultados desportivos, constituindo tal episódio uma fonte adicional de descredibilização junto de patrocinadores e de outros parceiros, tais patrocinadores encaram com grande incómodo a associação a parceiros que, direta ou indiretamente, se entregam a atos de bruxaria.

127. Pelo menos parte das imputações continuam a estar disponíveis publicamente na web.

128. Os termos e condições dos contratos de patrocínio, os valores envolvidos, as condições da sua renovação ou melhoria, a correspondência e comunicações entre as Autoras e os seus patrocinadores, as respetivas comunicações e mensagens, os contratos dos jogadores, etc. são segredos de negócio e são-no também porque são sigilosos e apenas conhecidos das Autoras e das partes diretamente contratantes.

129. Entre esses elementos contam-se as metodologias de treino dos seus jogadores, os contratos celebrados com estes e com treinadores e pessoal técnico, os contratos com os seus parceiros de marketing e comunicação, contratos com os demais trabalhadores e colaboradores e ainda, sem preocupação de exaustão, contratos de transferência de direitos de jogadores, contratos com agentes desportivos, contratos de patrocínio, entre outros contratos celebrados pelo Grupo Sport Lisboa e Benfica.

130. Essa informação aqui em causa abarca não só conhecimentos tecnológicos, como dados comerciais, planos de negócio, estudos, estratégias de mercado, planos de treino, planos de scouting, etc, informação essa que se traduz num valor comercial indeterminado.

131. Essa informação é resultado de um vasto investimento, de valor indeterminado, mas no valor de pelo menos, alguns milhões de euros, efetuado pelo S.L. Benfica em diversas áreas que vão desde o scouting à metodologia de treino, ao marketing¸ à contratação de jogadores e staff, etc.

132. Essa informação das Autoras é know-how que, aplicado à área de negócio dos Réus e das Autoras, confere vantagem competitiva que só será assegurada através da confidencialidade da informação.

133. Nessa informação existem os seguintes elementos clínicos: Informação sobre operação ao ombro da Judoca …; Análise lesões 2016 2017, Março 2017 Análise e caracterização das lesões dos atletas da equipa de futebol profissional do Benfica ocorridas na época 2016/2017; Relatório do Departamento Clínico referente aos atletas de futebol profissional, com caracterização das lesões presentes e passadas, bem como mapa de tratamentos das lesões em curso; Relatório do Departamento Clínico de Futebol referente à Equipa B do SLB, com indicações específicas quanto aos jogadores lesionados; Relatório clinico diário (juniores) - Jogo SLbenfica x SCP; Boletim clínico diário do plantel de juniores, relativamente aos atletas lesionados e às ocorrências existentes no jogo entre SLB e SCP; Relatório da Equipa B, com enfoque na antropometria e no relatório médico, com referência a lesões e tratamentos dos atletas.

134. A devassa dessa informação pelos Réus fez com que as Autoras perdessem já muita da vantagem competitiva que lhes advinha da dita informação, porquanto um dos seus maiores concorrentes passou dela a ter conhecimento.

Do incidente de liquidação resulta [27]-   Nomeadamente que: Treino I. Metodologias a avançadas de treino. II. Relatório BENFICALAB sobre assiduidade e desenvolvimento físico de jogadores III. Documento preparado por Professor BBBB sobre a estratégia de desenvolvimento do Centro de Alto Rendimento IV. Documento com esquemas tácticos a adoptar para cada situação de bola parada. I. Relatório de observação detalhado sobre equipa de Juvenis do SCP, com referência a tácticas, pontos fortes e pontos a explorar. VI. Metodologias avançadas para várias sessões de treino, elaboradas por CCCC, DDDD e EEEE. VII. Palestra para utilização em torneio internacional, com elementos tácticos, organizacionais e de posicionamento dos jogadores e equipa. VIII. Plano de Jogo detalhado, com esquemas posicionais e tácticos a utilizar. IX. Relatório referente à época 2011-2012 dos Juvenis A, com informação detalhada sobre o plantel, planeamento e competições. X. Metodologia de treino, com referência aos exercícios específicos a desenvolver, bem como ao nível de esforço que cada um implica. CONTRATOS / PROTOCOLOS XI. Contrato de Prospecçao. Contrato entre SLB e Football Assessoria para prospeção no … . XII. Memorando de entendimento entre SLB SAD e F… (entidade chinesa) para constituição de parceria e expansão do Grupo SLB em território chinês. XIII. Email com detalhes sobre negociação entre SLB e NOS, com referência a contrato de introdução da Benfica TV. XIV. Minuta contrato + Descrição de Função + documentos de entrada. XV. Contrato entre SLB e W…, Lda., referente à prestação de serviços de consultoria e assessoria na área de comunicação externa, por parte de AAA. VI. Prémios 2016/2017 atualizados a 03/03/2017. XVII. Email com valores atualizados dos prémios devidos aos atletas, referente à época de 2016/2017. XVIII. Mapas Excel com informação detalhada sobre termos de contratos, salários, objetivos, percentagens sobre jogadores e outros direitos conexos, referentes aos jogadores do plantel principal, equipa B, formação e emprestados. XIX. Custos contratuais da Estrutura do FP (excepto plantel) 2016-17 (Equipas A & a. B) XX. Análise de custos contratuais da estrutura do futebol profissional, incluindo montantes salariais de todos os colaboradores envolvidos (equipa médica, treinadores, preparadores, jogadores, etc.) XXI. W… SPORT LISBOA E BENFICA FUTEBOL SAD Contrato referente a serviços de prospeção, a ser desenvolvida pela Wy…. XXII. ENC: Atleta FFFF - envio de invoice parcela 2/2 conforme contrato. XXIII. Contrato entre SLB e Desportivo … Lda., relativo à compra de direitos referentes a parte do valor de transferência devida por futura transferência de jogador do Benfica. XXIV. Protocolo De Colaboração entre a Faculdade De Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa e o SLB. XXV. Contratos de prestação de serviços de colaborador enquanto treinador de futebol e comentador da Benfica TV. XXVI. Acordo de revogação do contrato de trabalho desportivo com ex-jogador, bem como informação detalhada sobre os valores associados à rescisão. XXVII. Termination Agreement com a D… Limited, no seguimento do SLB ter pago os montantes devidos a título do exercício pela D… do direito de Put Option previsto no contrato relativo a jogador. XXVIII. GGGG Contrato de cedência temporária de jogador do SLB ao Besiktas. XXIX. Contrato de prestação de serviços com colaborador. 23.10. 2016 XXX. Temporary Transfer Agreement - HHHH Contrato entre SLB, SC Braga e Standard Liège relativo à cedência temporária dos direitos federativos de jogador. ACTOS SOCIETÁRIOS. XXXI. Ata da Reunião da Comissão Executiva de 22.12.16. XXXII. Ata da Reunião da Comissão Executiva de 24.11.16. Relatório Comercial época 16/17 (IIII); Ponto de Situação do projeto Better Benfica e Digital Benfica (IIII); IT Status Report; Ponto de Situação sobre o desenvolvimento e melhoria das instalações do Caixa …; Ponto de Situação sobre programa “…”. XXXIII. Atas das Reuniões da Comissão Executiva de 23.09.2016 e 27.10.2016. Ponto de Situação do projeto Better Benfica e Digital Benfica (IIII); Síntese da situação comercial (IIII); Apresentação dos resultados consolidados da SAD 2015/2016 (QQQ); Estratégia de Comunicação (AAA); XXXIV. Estratégia desportiva do futebol do Benfica (GGG); e Relatório Comercial primeiro trimestre 16/17 (IIII); Ponto XXXV. Situação do projeto Better Benfica e Digital Benfica (IIII); Apresentação dos resultados financeiros do primeiro trimestre 16/17 (QQQ); Processo Kit …; Avaliações e Planos Individuais. XXXVI. Ata da Reunião da Comissão Executiva de 23.02.2017. Apresentação do relatório de resultados do Índice da Excelência 2016 referente ao SLB; Relatório Comercial de Janeiro (IIII); Nova aplicação de gestão de sócios. XXXVII. Projeto de desenvolvimento e organização das diversas modalidades do SLB. XXXVIII. Contrato de Franchising entre SLB e Sport … e Benfica, para exploração de uma escola de futebol do Benfica em … . XXXIX. Análise de impacto da venda de atletas e estudo de saídas do plantel relativamente à época de (…) XL. Propostas e detalhes de possível expansão do SLB para a … e …. . XLI. Projeção financeira anual do Projeto F… (2017-2020), referente a escola de futebol na … . XLII. Minuta de Contrato sobre os Naming Rights do estádio do Benfica, a negociar com vários potenciais patrocinadores. XLIII. Vários documentos confidenciais relacionados com a potencial aquisição pelo Benfica do C… Co. Ltd. (...) XLIV. Relatório relativo a investimentos e alienações de atletas à data de 05.03.2017. NEGOCIAÇÕES. XLV. Minutas dos acordos de revogação dos contratos de trabalho entre SLB e JJJJ. XLVI. Proposta do S… com vista ao empréstimo por uma temporada de jogador do SLB. XLVII. Informação quanto à negociação para a aquisição de jogador pelo Benfica ao FK …, com referência aos valores envolvidos. XLIII. Informação quanto à negociação para a aquisição de jogador pelo Benfica ao FK …, com minuta de contrato de trabalho desportivo a apresentar ao atleta. XLIX. K…. Proposta do T… (China) para aquisição dos direitos desportivos do atleta do SLB.L. KKKK - Renovação - Urgente Memo relativo à renovação do contrato de trabalho do atleta LI. K… Minuta final do contrato de transferência do atleta para o T… . (...)SCOUTING INTERNO E EXTERNO LII. Relatórios individuais detalhados sobre jogadores estrangeiros de elevado potencial LIII. Avaliação física, psicológica, nutricional e técnica\táctica dos Juniores. LIV. Jogadores sul americanos sub 20 Informação sobre jogadores provenientes da américa do Sul de elevado potencial, incluindo prováveis montantes necessários à sua aquisição. LV. Ponto de situação sobre o plantel de futsal para a época de 2017/2018, incluindo reforços e potenciais jogadores a contratar. LVI. Informação sobre jovem jogador estrangeiro com elevado potencial, incluindo montantes prováveis necessários à sua contratação. LVII. Relatório de prospeção sobre jovens atletas de alto potencial para eventual aquisição pelo Benfica. LVIII. Relatórios individuais de avaliação dos juniores com elevado nível de detalhe, nomeadamente quanto às suas características físicas, técnicas, tácticas e psicológicas, bem como potencial para atingir equipa principal. LIX. Relatórios de prospeção individuais detalhados, com referência a potenciais jogadores estrangeiros com elevado potencial. (…) LX. Valores em dívida a título de IVA, relativamente às comissões pagas à G…, no seguimento das transferências de vários jogadores. LXI. Avaliação de Entidades parceiras do Grupo SLB Relatórios de análise de risco financeiro sobre empresas do Grupo SLB, efetuados por entidade de consultoria independente. LXII. Informação detalhada sobre atribuição de prémios à estrutura de futebol profissional para a época de 2016/2017. LXIII. regulamento interno CFC Regulamento de funcionamento do Centro de Formação e Treino Caixa …, incluindo regras aplicáveis aos atletas.

135. Em 31 de outubro de 2018, foi publicado o Relatório e Contas da Autora [28]SLB SAD relativamente ao seu exercício anual encerrado em 30 de Junho de 2018, respeitante ao período económico compreendido entre 1 de Julho de 2017 e 30 de Junho de 2018 (junto como Documento n.º 1 e cujo restante teor se dá por reproduzido).

136. Comparando com o exercício económico anterior de 2016/2017 • O resultado líquido ascendeu apenas a 20,6 milhões de euros, o que corresponde a uma diminuição em cerca de 46% do resultado verificado no ano anterior (44.5 milhões de euros); O resultado operacional atingiu 32,4 milhões de euros, o que corresponde a uma diminuição em cerca de 51,5% do resultado homólogo verificado no ano anterior (62.9 milhões de euros); Os rendimentos operacionais (excluindo transações de direitos de atletas) situaram-se em cerca de 121,5 milhões de euros, o que representa um decréscimo de 6,7 milhões de euros face ao período homólogo; O resultado com transações de direitos de atletas ascendeu a 63,8 milhões de euros, o que representa um decréscimo de 59,2 milhões de euros face ao período homólogo; • Os rendimentos totais atingem os 206,2 milhões de euros, tendo-se verificado uma redução de 18,7% face ao exercício transato; A 30 de junho de 2018, o ativo da Benfica SAD ascendia a 485,1 milhões de euros, o que corresponde a um decréscimo de 4,1% face ao período homólogo; e As receitas de jogos nas competições nacionais, que se referem essencialmente à Liga NOS, decresceram 23,1% para apenas 4,4 milhões de euros.

137. O Relatório da KPMG relativo ao ano de 2017 - indica uma desvalorização da Autora SLB SAD em (- 3%), quando esta declarou ser expectável ao invés uma valorização de + 16%. o que correspondeu a uma perda de avaliação de 12 milhões de euros face ao valor meridiano do Relatório da KPMG anterior.

138. No ranking da UEFA, a Autora SLB SAD perdeu 6 posições na época de 2017/2018 (posição 15ª) face à época anterior de 2016/2017 (onde ocupava o 9º lugar).

139. Esta perda de classificação, além de consubstanciar o desempenho desportivo dos clubes avaliados, projeta-se também no seu valor económico e empresarial.

140. Eliminado. [29]

141. O Grupo FCP, designadamente a Ré FCP SAD, apresentou os seguintes destaques relativamente ao seu exercício económico 2017/2018: - Melhoria de 6.871m€ no resultado líquido consolidado negativo face ao exercício homólogo - EBITDA (cash-flow operacional) alcançou “um valor bastante positivo” de 27.92lm€; - Proveitos Operacionais excluindo proveitos com passes cresceram 6.794m€, atingindo agora os 105.792m€, verificando-se um comportamento positivo face ao período homólogo, na generalidade das suas rubricas. - Rubricas relacionadas com passes de jogadores (Amortizações e perdas por imparidade com passes e Proveitos/Custos com transações de passes) tiveram um saldo líquido de 14.572m€, o que representa um acréscimo de 10.061m€ face ao período homólogo. - Capital próprio consolidado atinge o valor negativo de 38.120m€ em 30 de junho de 2018, o que representa uma diminuição de 28.985m€, pela incorporação do resultado líquido obtido no período. No ranking da UEFA, a Autora FCP ganhou 2 posições na época de 2017/2018 (posição 11ª) face à época anterior de 2016/2017 (onde ocupava o 13º lugar).

142. O P… atingiu números recorde nas audiências (300 mil pessoas, em média) no sábado em que o FC Porto celebrou o 28º título de campeão nacional na Avenida dos Aliados e voltou 19 anos depois a entrar na Câmara Municipal do Porto.

143.O canal de televisão denominado P…, pertencente à Ré A…, transmite conteúdos relativos ao FCP e à FCP SAD, e é um serviço de programas televisivo que trata temas e matérias de todas as áreas.

144. O conteúdo do programa “…” foi exclusivamente determinado pelas RR (FCP Media) e não constitui um programa noticioso.

145. Em “… de junho de 2017, AA faz, entre outras, as seguintes afirmações no programa de televisão «…», transmitido no canal de televisão «P…» da P…: “a. (…) Não temos de ter ilusões sobre isto. Isto é um esquema de corrupção de árbitros a favor do Benfica. (…) Portanto, não podemos fingir que isto não existe, não se passa nada. Passam-se. Passam-se coisas muito graves no futebol português e nós se queremos na próxima época ter um campeonato…c. (…) …em que os diferentes competidores têm igualdade de oportunidades, é preciso acabar com isto de (…) Eu acho que a federação tem que se preocupar com isto, a Federação superintende o futebol em Portugal, não pode enterrar a cabeça na areia e fingir que nada acontece, porque senão, corremos o risco de para a semana vir outra revelação e para a semana outra revelação, e o que é que… continua revelação após revelação a destapar-se a careca dum sem número de procedimentos errados, condenáveis e irregulares do Benfica e nada acontece? Ao Benfica tudo é permitido? e. (…) É, é este polvo que há muito sabemos que existe, aos poucos tem de ir sendo destapado. Hoje destapamos o EE, teremos de continuar a destapar para deixar tudo isto a nu. f… (…) É fundamental, é deixar esta vergonha a nu.”

146. Em … de Junho de 2017, no programa televisivo “…”, o Réu AA, produziu ainda vários comentários sobre o teor dos mesmos e-mails e “a proclamação categórica” de que os ora Autores estavam “claramente implicados num esquema de arbitragem”;

147. A revista “Sábado” publicou, em … de Setembro de 2017, uma compilação de todos os acontecimentos circundantes ao «caso dos emails».

148. O jornal desportivo Record noticiou em … de Abril de 2017, sob o título “IPDJ confirma que Benfica dá apoio ilegal às claques”, uma notícia em que refere, designadamente, que “O Instituto Português do desporto e da Juventude (IPDJ) propôs uma multa de 37.250 euros ao Benfica por cinco infrações relativas ao apoio a claques que não estão legalizadas” (cfr. doc. n.º 1 junto com a oposição à providência cautelar e que aqui se dá por reproduzido).

149. As AA numa publicidade ao cartão Red Pass reproduziram o cenário do programa “…”, com manequins e um “ator” a imitar o Réu AA, e nos quais se parodia com a situação da revelação dos e-mails, (cfr. Doc. 1 RR).

150. Ao longo de vários meses, entre altura indeterminada anterior a 4.4.2017 e até 12.7.2017, alguém indeterminado, fez chegar à posse do Réu AA, a partir inicialmente do endereço electrónico profissional deste nas RR e depois através do endereço de correio eletrónico elements123@....com, um conjunto de e-mails, cujo conteúdo se encontra discriminado sob o doc n.º 10 dos RR cujo teor se dá por reproduzido.

151. Esses e-mails e respetivos anexos (com ficheiros de imagem, PDF, etc), envolviam, como remetentes ou destinatários, endereços de correio eletrónico do servidor “@.... .pt” e foram remetidos, via e-mail.

152. Os e-mails recebidos totalizam um volume de cerca de 20 gigabytes, e foram enviados ao Réu AA de dois modos: ou sob a forma de ficheiro PDF, obtido através de uma impressão eletrónica do próprio e-mail; ou inseridos em caixas de correio eletrónico de utilizadores do SL Benfica (v.g., p...@.... .pt), compactadas em ficheiros informáticos.

153. Desses emails as RR selecionaram e divulgaram os que constam do doc n.º 10-A (cd) cujo restante teor se dá por reproduzido. Foram realizadas 20 sessões, publicitando-se os seguintes emails, pela ordem que nele consta: 12.1.2018 Informação árbitro2 emails; Plano modalidades SÓ PARA NÓS Modalidades SL Benfica – até 2020 ser campeões nacionais em toda 25.12.2017;Relatórios de jogos 6 emails (sem conteúdo) com Informação vários anexos Observadores arbitragem 35.9.2017;Entrevista Presidente Benfica Jornal a bola “demonstra que foi preparada por outrem”;3 emails ;4 6.6.2017; Arbitragem emails 2 emails entre EE Omitido que “Os maiores erros tem sido cometidos pelos internacionais, nomeadamente quando arbitram o benfica”. Omitido que “os grandes sábios dos painéis que algo está a mudar, o porto já não manda, mas ainda não compreendem onde está o poder. O poder está no trabalho dia a dia, na busca da verdade e da seriedade e isso faz a diferença. Hoje quem nos prejudicar sabe que é punido, e este espaço foi conquistado com muito trabalho do 1°ministro”.5 6.2.18 Conversa de UU 5 emails TT com Um de 2010, outro: “Envia-(atribuída) UUU me o teu email para que te possa enviar um Memo sobre um processo em que a parte contrária juntou um parecer do A. Menezes Cordeiro e agora o SLB pretende igualmente juntar um parecer.”68.8.17;Suposto acesso 1 email computador NNNN “Relativamente ao PC, NNNN insisto que seria feito por gente nossa, em que tenho total confiança.” 7.9.1.18.Erros observadores; 2 emails com anexos VV e Reclamação da metodologia TT dos observadores 8 10.10.17 Insultos de 2 emails dirigente de EEE em relação a um árbitro; Anexo com informação pessoal do árbitro (idade, escreveu um livro, 3 filhos, era taxista, etc.) 9 13.12.17;Mensagem presidente a UU 1 email “Penso também nos teus programas tens de manter serenidade”10.13.6.17 Conforme acordo das partes este programa foi emitido em 28.11.2017, mas consta do doc. 10 com  a data  de 13.6.17 VV apenas quero ser um “menino” querido para vocês e fazer bem o meu trabalho “(WW/LFV Recurso filho EE Mensagem WW/TT 5 emails de 2014 Informação estágio árbitros “Ouve bem PF: não fala em roubo, nem faz acusações genérica Pf tem calma que sempre tenho estado e estive do TEU LADO. Ele está pronto? Vens fazer um jogo aqui ao Porto? Só tens que dizer” 11 18.4.17 Email concedendo 50 convites 1 email (PP) excursão avós e netos do município da … 12 19.12.17 Bilhetes Taça Portugal 6 emails 1 deles PP TT O GM vai pagar pela porta do cavalo mais 50 k” Anexo Excel com 3061 nomes sob o título sócios; 13 19.10.17 Envio lista de candidatos a árbitros assistente (de EE a TT) 1 email com 1 ficheiro JPEG 14 20.2.18 Fatura sociedade WWW;1 email c/1 ficheiro Com os meus melhores cumprimentos, YYY; 15. 21.6.17 Envio supostas mensagens privadas de CC 1 email com anexos “Os ficheiros são de mensagens do CC presidente da FPF à altura ainda Presidente da Liga. Chamo a atenção das mensagens enviadas ao XX no ficheiro Tiago.csv – 2ª mensagem. “Aí, o actual presidente da FPF declara eterno amor ao azul e branco. São estas duas criaturas que querem mandar no futebol português e já mandam na arbitragem na disciplina.”16.22.8. 17 Reclamação do árbitro CCC 3 mensagens e 2 anexos na sequência de reclamação registada sob o processo nº 57/Prof, anexamos o parecer emitido pela CAR, solicitando que se pronuncie sobre o mesmo no prazo de 5 (cinco) dias consecutivos. A falta de resposta dentro do prazo estipulado equivale à aceitação do conteúdo do parecer. 17.26.12. 17 LLLs/ SS 2 emails 1 anexo Orçamento (…) Rede de Colaboradores/Informadores: TSF Porto (RP) – Euros 400,00. (…);1827.6.17Contratação serviços bruxaria7 emails e anexos 2 relativos a 2014 (destituição de WW LPF); 19.29.8.17. Cópia de publicação Facebook entre VV e OOOO 1 email com anexo ;20.31.10.17. Pedido ajuda III1 54 email.

154. As características dos ficheiros informáticos recebidos, analisados quanto às suas propriedades por técnico especializado, o seu conteúdo, os volumes de e-mails em questão, convenceram o Réu da sua fidedignidade.

155. Dos milhares de e-mails a que teve acesso, o Réu AA só divulgou uma parte deles, depois de o correspondente conteúdo ser analisado e triado, em função dos interesses das RR, da sua danosidade para as AA e nalguns casos do que aquele réu considerou ser de interesse público.[30]

156. Não foram divulgadas partes do seu teor que dissessem respeito à vida íntima, familiar e sexual, de pessoas neles referidas.[31]

157. O diretor do P…, a pedido da Ré FCP Media, em data anterior à sessão de 13.6.2017, convidou dois dos visados (UU e EE) para comparecerem no programa tendo em vista o exercício do contraditório, que estes não aceitaram.

158. O Réu AA, em … .6.2017 nas instalações das 3º Ré, por determinação judicial entregou suporte dos elementos informáticos das AA à Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária, no âmbito do processo criminal entretanto instaurado para apurar crimes de corrupção e outros cometidos pela “Sport Lisboa e Benfica - Futebol, SAD” e/ou pelos seus administradores e dirigentes no interesse da SLB SAD, autuado sob o n.º 5340/17.7….

159. Em … de Outubro de 2017, a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa emitiu um comunicado, tornando público que «no âmbito de um inquérito da … secção do DIAP de Lisboa foram emitidos mandados de busca domiciliária e não domiciliária, relativos a investigação em curso pelos crimes de corrupção passiva e activa. No inquérito investiga-se a prática, por parte de um suspeito, dos referidos crimes, relacionados com os denominados e-mails do SL Benfica» (cfr. Doc. n.º 3).

160. Em … de Março de 2018, o responsável do departamento jurídico da Ré SLB SAD, TT, foi detido, no âmbito da operação denominada “ex-toupeira”, tendo a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa emitido o seguinte comunicado: “investigam-se os crimes de corrupção passiva, corrupção activa, violação do segredo de justiça, favorecimento pessoal e falsidade informática. No inquérito indicia-se a prática de acessos por funcionários a diversos inquéritos em segredo de justiça para obtenção de informação sobre diligências em curso, informações que eram depois transmitidas a assessor da administração de uma sociedade anónima desportiva a troco de vantagens” (cfr. Doc. n.º 5).

161. Essa detenção foi realizada à ordem do processo n.º 6421/17.2…, que também está pendente, tendo a TT sido imputados crimes de corrupção ativa, de violação de segredo de justiça e de falsidade informática, relacionados, além do mais, com atos de acesso à plataforma informática CITIUS para tomada de conhecimento do conteúdo e do andamento dos inquéritos relacionados com o caso dos “e-mails do SL Benfica”, em especial do referido processo n.º 5340/17.7….

162. No âmbito desse processo n.º 6421/17.2…, por decisão de juiz de instrução criminal, TT ficou sujeito a uma medida de coação de proibição de contactos com outros arguidos, a qual pressupõe a verificação de fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão superior a 3 anos (art. 201.º do Código de Processo Penal) (cfr. Docs. n.ºs 8 e 9).

163. No dia … de Abril de 2017, o Réu AA divulgou no P… um e-mail remetido pelo Sr. OO. Os e-mails a cuja leitura o Réu AA procedeu neste Programa, foram-no a partir do blog “Benficaleaks".

164. No dia … de Abril de 2017, AA divulgou através do P…, no mesmo programa «…», um email trocado entre QQ (Presidente da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol) e RR (Diretora de Relações Públicas do Autor SLB CLUBE), estando copiado PP (Administrador da segunda Autora SLB SAD), no qual QQ, na qualidade de Presidente da Mesa da Assembleia-Geral do Centro Recreativo de …, solicita bilhetes baratos para um jogo a realizar no Estádio do Sport Lisboa e Benfica.

165. No dia 6 de Junho de 2017, o Réu AA revelou no programa “…”, doravante, o Programa), excertos do conteúdo de e-mails, através da sua leitura, trocados, em 28 de Janeiro de 2014, entre UU (Diretor de Conteúdos da Benfica TV) e EE.

166. A propósito desta conversa o Réu AA disse: “Não temos de ter ilusões sobre isto. Isto é um esquema de corrupção de árbitros a favor do Benfica” [29:54]; “isto não é inventado por nós, isto não fui eu que inventei, isto existe. E agora só temos é que esperar que as autoridades que sistematicamente têm fingido que não se passa nada, façam alguma coisa” [30:07]. “Isto existe. Estou disponível para entregar isto a quem muito bem entender. Fizeram-me chegar isto, com certeza que isto não é falso, é verdadeiro, e não será difícil apurar a veracidade desta troca de e-mails” [30:21] (cfr. transcrição do programa de 6 de Junho de 2017, junto como Doc. 5, e Doc. n.º 12 e 13, págs. 1 e 2).

167. Pelo conteúdo e contexto da conversa, o “primeiro-ministro” a que os interlocutores se referiam foi interpretado, como sendo o Presidente do SLB e da SLB SAD, SS; e, na alegoria a que EE recorreu, os “padres” escolhidos e ordenados pelo SL Benfica como os árbitros e as “missas” como os jogos de futebol.

168. No Programa do dia … de Junho de 2017, AA disse «O que é isto? Que vigarice vem a ser esta? Que cambalachos são estes? O SL Benfica não está implicado nisto? (…) Isto é indissociável uma coisa da outra, portanto o SL Benfica, claramente, está implicado num esquema que envolve a arbitragem, um esquema que adultera a verdade desportiva. (…) Representam os interesses do SL Benfica. Os árbitros são uma das marionetas nas mãos destas pessoas que trabalham a favor do SL Benfica. (…) Isto é uma vergonha. Isto é o futebol português em 2017, comandado, telecomandado, orquestrado pelo SL Benfica, pelo sr. SS, pelo sr. TT, pelo sr. UU, pelo sr. EE, pelo sr. VV e por mais não sei quantas pessoas que não sabemos, os EE e os VV por aí espalhados que estão ao serviço do SL Benfica, para fazerem este tipo de joguinhos, de vigarices, de esquemas. Tudo anti- regulamentar. (…) Nós estamos a prestar um enorme serviço ao futebol português. (…) Estamos a prestar um enorme serviço ao futebol português, estamos a desmascarar a maior mentira do futebol português» (cfr. transcrição do Programa de … de Junho de 2017, junto como doc. n.º 5-2, com o requerimento inicial da providência cautelar, págs. 17/54, 26/54, 32/54 e 42/54 E-mail de Doc. n.º 15; E-mails de docs. n.º 16, pág. 1, Doc. n.º 17, pág. 1 e 17-A; Doc. n.º 18; Doc. n.º 19, pág. 1, cujo teor se dá por reproduzido.

169. WW, num comunicado dirigido à agência noticiosa Lusa, em … de Junho de 2017, protestando embora a sua independência em relação ao SL Benfica e à SLB SAD, não negou que tenha enviado esse e-mail de 2 de Abril. (cfr. Doc. n.º 19-A)

170. O jornal Expresso, na sua edição de 17 de Junho de 2017, divulgou novos e-mails, designadamente, um e-mail de SS para TT, assessor jurídico da Autora SLB SAD, referindo-se ao árbitro de um jogo FC Porto x SL Benfica nestes termos: “VV devíamos participar deste artista (…) pois brincou com o Benfica. Temos de dar-lhe cabo da nota”; tendo o Expresso verificado que a nota desse árbitro foi reduzida de 3,5 para 2,00. E-mail que foi discutido no Programa de 21 de Junho de 2017.

171. No Programa de …/06/2017, o Réu AA divulgou um e-mail enviado em … de Fevereiro de 2014 por YY (a essa data Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional) para UU, com um anexo contendo a transcrição de mensagens telefónicas gravadas num telemóvel de CC (Presidente da Liga nos anos 2010-2011; e desde 2011 Presidente da Federação Portuguesa de Futebol) “Os ficheiros são de mensagens sms do CC, presidente da Federação Portuguesa de Futebol, à altura ainda presidente da Liga. Chamo a atenção das mensagens enviadas ao XX no ficheiro ….csv - segunda mensagem. Aí o actual presidente da FPF declara eterno amor ao azul e branco” [00:46:18] transcrição do programa de 21-06-2017, junto como Doc. 5-3 na providência cautelar, pág. 23/42, e Docs. n.º 20 e 20-A a 20-G

172. No Programa de … de Junho de 2017, o Réu AA revelou nova correspondência entre YY e UU, entre os quais um e-mail de 11 de Fevereiro de 2014 no qual o então Presidente da Mesa da Assembleia Geral [da] Liga de Futebol, YY o informa do seguinte: “Em princípio, vou produzir o meu despacho relativamente ao requerimento de assembleia-geral que solicita a destituição do WW, no dia 12. Vou enviar-lho antecipadamente. Vou enviar também o teor do requerimento assinado pelo Porto, o Braga, a Académica, Belenenses, Estoril e Tondela. Isto é absolutamente confidencial” [00:43:41] (cfr. transcrição do programa de 27 de Junho de 2017, junto como Doc. 5-4 com o requerimento inicial da providência cautelar, págs. 26/54 e 27/54, (cfr. Doc. n.º 21, Docs. n.ºs 22 e 22-A, Docs. n.ºs 23, 23-A, e 23-B).

173. Ainda no programa de … de Junho de 2017, AA revelou e-mails trocados entre SS e um suposto ZZ referentes à suposta contratação de serviços de bruxaria. O que levou AA a afirmar “Estamos a falar de bruxaria, portanto. Mas uma bruxaria de uma forma que eu nunca vi. Isto foram cento e muito mil euros que o Benfica gastou em bruxaria” (cfr. Doc. 5-4, pág. 38/54).

174. Em … de Agosto de 2017, o Réu AA divulgou no Programa, novos e-mails relacionando-os com o SL Benfica. Trata-se de um e-mail enviado por PP (administrador executivo da segunda Autora) para XXX e YYY, advogados, com conhecimento para TT (assessor jurídico da mesma Autora), a que TT responde, e que merece depois réplica de PP, e no seguimento de cuja leitura, o Réu AA fez, entre outras, as seguintes afirmações “Ou seja, o administrador PP está a propor aos advogados, em trabalho para o Benfica - não sei se são advogados do Benfica, se estavam em trabalho para o Benfica - XXX e YYY a prática de um crime. Não se pode influenciar as testemunhas, não se pode preparar testemunhas. Isso é crime, fazer isto é crime, portanto, eles estão a preparar-se aqui para cometer um crime. Se depois o cometeram de facto, não sei, só eles o podem dizer, com certeza que não o vão dizer, mas também não estou muito preocupado”; (…) “Portanto, o PP está a sugerir, está a propor que se cometa um crime informático, que é entrar num computador de uma outra pessoa para o vasculhar. Onde é que eu já ouvi isto?” (cfr. transcrição do Programa de … de Agosto de 2017, que se junta como Doc. n.º 30, minutos [00:46:02] [00:47:02] [00:48:32] [00:49:12] [00:49:13], pág. 16 e 17), emails de Doc. n.º 31, pág. 1 e 2).

175. Em … de Agosto de 2017, AA divulga um e-mail enviado por “BBB” para TT, sem qualquer texto, mas tendo como anexo um relatório de observação do árbitro de futebol CCC. Aquele Réu fez, entre outras, as seguintes afirmações “A BBB não é nem mais nem menos do que um alter-ego do VV. O VV tem um segundo e-mail, cujo nome é BBB e cujo endereço é p…e@qualquercoisa.com. Isto, volto a dizer, daria para rir não fosse o caso de o VV ser, nem mais nem menos, do que intermediário entre o árbitro CCC e o Benfica. É o que na verdade isto aqui mostra, e não é o único caso, há mais casos exatamente idênticos. Tem a ver com notas, com informação que vem de árbitros e que é remetida para o VV ou para a BBB. Portanto, é assim, como é que é possível que um árbitro - eu volto a dizer, isto foi em 26 de março de 2016 - da Primeira Liga esteja a utilizar o Sr. VV - que sabe-se bem quem é que ele é - como intermediário para fazer chegar coisas ao Benfica (…) Agora a questão não está aí, a questão está em que fica mais uma vez visível, muito visível que o VV é um intermediário das comunicações entre o CCC e o Benfica através do TT. E como é que uma coisa destas é possível? É admissível? (…) Este silêncio é uma confirmação de procedimentos muito errados, muito, muito, muito errados, de práticas muito condenáveis, e a Federação não pode continuar de braços cruzados, as autoridades não podem continuar de braços cruzados perante isto. Repito, fica muito claro e muito visível que o Sr. VV, com todo o perfil que é possível traçar dele, que é terrível, e de ligação ao Benfica, ele próprio diz: "Eu quero ser o menino querido de vocês", referindo-se ao TT e ao SS…” (cfr. transcrição do Programa de 22 de Agosto de 2017, que se juntou como Doc. n.º 30, minutos [00:46:38] [00:48:49] [00:49:36], págs. 36 e 37) (cfr. Docs. n.ºs 32, 32- A, 33 e 33-A n.ºs 34, 34-A e 34-B).

176. No Programa de … de Agosto de 2017, o Réu AA denuncia uma troca de e-mails entre o VV e TT, tendo feito, entre outras, as seguintes afirmações “Esta ligação, ou seja, acabamos de estabelecer mais um árbitro com uma ligação ao Benfica através de um intermediário. A comunicação entre o Sr. DDD e o Sr. TT era estabelecida através de um intermediário chamado VV. E o Sr. DDD utilizava um pseudónimo, um outro nome. É como eu usar nomes do meu nome completo para toda a gente sabe que eu sou o AA, mas os árbitros dos meus nomes que tenho cá pelo meio. (…) E alguém tem de pôr mão nisto. As entidades desportivas têm que, de facto, se preocupar com isto de forma muito séria. Porque qualquer dia eu não sei o que é que acontece, mas é assim, mas isto é um polvo gigantesco. (…) Portanto, isto é um escândalo. É um escândalo e alguém tem de fazer alguma coisa. Tem de se olhar para isto. O Futebol Clube do Porto está a fazer um papel em defesa do futebol português que tem de ser louvado, porque o Futebol Clube do Porto está a desmontar a falsidade que há. É uma falsidade gigantesca…” (cfr. transcrição do Programa de … de Agosto de 2017, que se juntou como Doc. n.º 30, minutos [00:45:20] [00:46:57] [00:48:14], págs. 52 e 53).

177. No Programa de … de Setembro de 2017, o Réu AA revela uma troca de e-mails entre vários dirigentes benfiquistas, afirmando que as respostas dadas por SS em entrevistas anuais ao jornal A Bola seriam, na verdade, escritas por outros dirigentes, como LLLL, PP, TT ou AAA., afirmando “Isto aconteceu, e isto levanta… levanta um problema porque isto não é só ter-se influência sobre um determinado órgão de comunicação social, não é. É mais do que isso. Isto é o poder absoluto, e a relação do jornal A Bola com o Benfica sempre foi uma relação de proximidade, mas uma coisa é proximidade, uma coisa é um determinado órgão ter uma tendência, é criticável, mas é aceitável; outra coisa é subserviência absoluta. Eu trago aqui hoje umas coisas para partilhar com vocês e com os nossos espectadores, para elucidar sobre um grande embuste que todos os anos assistimos no jornal A Bola” (CFR. Transcrição do Programa de … de Setembro de 2017, que se juntou como Doc. n.º 30, minutos[00:52:33], pág. 67), Docs. n.ºs 39 e 39-A); n.ºs 40 e 40-A n.ºs 41 e 41-A, n.º 42, cujo teor se dá por reproduzido.

178. No Programa de … de Outubro de 2017, o Réu AA divulga correspondência eletrónica entre EEE, TT e uma outra pessoa, escondida atrás de alter-ego (“V…”), afirmando “Pois, mas mais depressa se apanha um… é assim, nós hoje trazemos aqui uma coisa muito engraçada que mostra o que é o modus operandi do Benfica em relação a algumas pessoas. Nós escolhemos aqui divulgar uma coisa que envolve um antigo árbitro, portanto, é uma pessoa que já não está em atividade, a sua atividade de árbitro já há muitos anos que já não está, portanto, não estamos a pôr em causa alguém… mas reparem, se fazem isto a um antigo árbitro que hoje em dia é comentador de arbitragem, imaginem quando são outras coisas (...) “; no mesmo programa, aquele Réu revela também um e-mail remetido por MMMM a UU, contendo dados da vida pessoal e privada do ex-árbitro de futebol PPPP”, afirmando “É isto o Benfica! Este Benfica de SS é isto. E é isto que nós combatemos e vamos continuar a combater. Não pensem que vamos recuar nisto” (cfr. transcrição do Programa de … de Outubro de 2017, que se juntou como Doc. n.º 30, minutos [00:34:36] [00:41:03], págs. 74, 75, pág. 77. O Réu AA afirma “nós hoje trazemos aqui uma coisa muito engraçada que mostra o que é o modus operandi do Benfica em relação a algumas pessoas (...)”Doc. n.º 43, n.ºs 44 e 44-A. “Portanto, o TT, pessoa relevante na estrutura do Benfica, pessoa com responsabilidades na estrutura do Benfica, acha que se resolve o assunto partindo a cara ao PPPP (…) O Benfica quando ouve o PPPP a dizer uma coisa que não gosta, a contar uma coisa que não gosta, mas que que pelos vistos aconteceu, e o PPPP até diz que aquilo era prática corrente, acha que se resolvem as coisas assim, partindo-lhe a cara. Eu não sei se vieram a partir a cara ou não, mas o PPPP não é de facto uma pessoa benquista no Benfica” (cfr. Doc. n.º 30, minutos [00:37:26] [00:39:11], pág. 76). O Réu AA afirma “(...) na mesma altura, 25 de março de 2014, 11 de abril de 2014, portanto, 15 dias depois, o MMMM, também advogado, envia para o UU um documento manuscrito sobre o PPPP (…) mandado, em PDF, digitalizado, dados privados íntimos do PPPP, profissionais, pessoais, o nome completo da mulher, a morada, coisas sobre a família, o número de filhos, etc, coisas que aqui não interessa, depois tem aqui uma coisa muito curiosa que eu não posso deixar de dizer, há dois anos sem H, o que para um advogado não deixa de ser …” (cfr. Doc. n.º 30, minutos [00:39:54] [00:40:27], pág. 76).

179. Em … de Outubro de 2017, o Réu AA relembra dois e-mails divulgados: “TT devíamos participar deste artista (…) pois brincou com o Benfica. Temos de dar-lhe cabo da nota”; tendo o Expresso verificado que a nota desse árbitro foi, de facto, reduzida de 3,5 para 2,00 (cfr., supra, artigo 118.º). Quanto ao segundo, trata-se do e-mail de 6 de Junho de 2016, enviado por EE a TT, no qual aquele escreve “Junto envio lista dos melhores candidatos assistentes. Força nisso e cuidado. Teste escrito. Abraço, Candidatos a árbitros assistentes da Liga. Exames 11 e 12 de junho em Rio Maior 1.º QQQQ - Lisboa; 2.º RRRR - Braga; 3. º SSSS - Coimbra; 4.º TTTT - Setúbal; 5.º UUUU - Porto. Por esta ordem são os melhores e nada pode falhar”.

180. No Programa de … de Outubro de 2017, o Réu AA revelou [...] um e-mail, que leu em direto, enviado por III a SS em … de Junho de 2016, junto aos autos como documento nº 46 da contestação.

181. Em … de Novembro de 2017, no Programa, o Réu AA faz referência a vários supostos e-mails enviados por VV a TT em que este prometia fidelidade aos dirigentes do Benfica, passava informações confidenciais e transmitia dados pessoais de árbitros. Referiu-se aquele Réu, entre outros, ao e-mail de … de Março de 2014 em que VV escreve a TT “Obrigado Amigo Dr, Apenas quero ser um “menino” querido para vocês e fazer bem o meu trabalho. E que o homem confie em mim, tal como o Dr.» (Doc. n.º 16, pág. 1).

182. No Programa de … de Dezembro de 2017, o Réu AA revela três e-mails, tendo feito, entre outras, as seguintes afirmações “Isto é espionagem em favor de um clube e para que esse clube retire vantagem, o clube agora tem de explicar qual é a vantagem. E as autoridades do futebol têm de se debruçar sobre isto. Ou isto é normal? Ou isto é normal? E é normal isto? Num delegado da Liga, na altura delegado da Liga, envia este tipo de informações, estas informações não são privadas? Estas informações o que é isto de virem para aqui dizer “Ai foram pintar ali a parede do restaurante não sei de quem e tal e coisa” acusando novamente adeptos ligados ao Futebol Clube do Porto, o que é isto? Isto é 20 vezes pior, 30 vezes, 1000 vezes pior, isto é feito por gente que trabalhava para o Benfica, acho que é claro para toda a gente, hoje acho que não há uma pessoa em Portugal que preste o mínimo de atenção ao futebol que não ache que o VV trabalhava para o Benfica, tinha um duplo emprego secreto para o Benfica, era delegado da Liga e trabalhava para o Benfica e depois o TT que é um funcionário do Benfica e não é um funcionário qualquer, é um funcionário relevante, é um dirigente importante e relevante e que recebe este tipo de informação. Isto é sério? Não, não é sério. Mas há mais!” (cfr. transcrição do Programa de … de Dezembro de 2017, que se juntou como Doc. n.º 47, minutos [01:07:20] [01:07:27] [01:07:31], pág. 57; a revelação destes e-mails ocorre a partir do minuto [01:01:52], págs. 55-60). Docs. n.ºs 48, e 48-A a 48-C) ; Docs. n.ºs 49, e 49-A a 49-L; n.ºs 50 e 50-A; n.ºs 51 e 51-A).

183. O Réu AA no Programa de … de Dezembro de 2017 comentou: “O VV que foi delegado da Liga e um ex-árbitro e que tem uma... que se mexe no meio da arbitragem durante um longo período forneceu informações ao Benfica que não são aceitáveis, que não são compreensíveis e que convinha que o Benfica de preferência com a máxima urgência explicasse ao país porque é que precisa , ou porque é que precisava na altura, de determinado tipo de informações (…) Nesse dia tinha sido nomeada a equipa de arbitragem que iria dirigir o jogo …. - Benfica e então o VV envia para o TT, como se o TT não tivesse acesso como qualquer pessoa, como qualquer adepto de futebol não tivesse acesso às nomeações (…) A que propósito é que o TT precisa dos telemóveis dos árbitros? Para lhes desejar bom natal? Para lhes mandar um SMS a desejar bom natal? É bom que o TT não diz um “ai” desde junho, é bom que diga, é bom que explique por que razão é que...:'” (cfr. Doc. n.º 47, minuto [01:01:52], págs. 56-57).

184. No Programa de … de Dezembro de 2017, o Réu AA voltou a ler em direito no P… e-mails dos Autores, nomeadamente correspondência entre SS e UU. (cfr. Doc. n.º 55, pág. 1).

185. No Programa de … de Dezembro de 2017, o Réu AA revelou um e-mail em que a Federação Portuguesa de Futebol cedia bilhetes para a Final da Taça de Portugal de futsal (Doc. n.º 47, págs. 81-85). Em anexo está um ficheiro com os dados de elementos da claque No Name Boys (nome, morada, localidade, código postal, data de nascimento) (cfr. Docs. n.ºs 57 e 57-A, Doc. n.º 58, Doc. n.º 59, Doc. n.º 60). O Réu AA teceu os seguintes comentários: “(...) há uma questão para mim especialmente sensível à qual o país e particularmente as autoridades mais relevantes designadamente o Governo português não têm prestado a mínima atenção e que tem a ver com as claques ilegais do Benfica. Convém sempre recordar que estamos a falar de claques que já causaram 2 mortes, as 2 únicas mortes. Que tiveram origem em problemas entre adeptos de futebol em Portugal, foram originadas por claques do Benfica. As claques do Benfica estão ilegais, com a cumplicidade do próprio Benfica e também com a cumplicidade das autoridades portuguesas, designadamente o governo português, volto a repetir. Sistematicamente têm sido conhecidos dados que comprovam o apoio irregular do Benfica às suas claques, apoio esse que o Benfica diz que não presta, mas presta, toda a gente sabe que presta. Mas há uma série de emails, são muito mais dos que eu trouxe aqui hoje, que atestam esse apoio” (cfr. Doc. n.º 47, minuto 00:14:33, pág. 81).

186. No Programa de … de Dezembro de 2017, o Réu AA divulgou uma correspondência eletrónica entre LLL e AAA, no sentido de o primeiro sugerir perguntas em antecipação a uma entrevista a ser feita a SS (cfr. transcrição do Programa de … de Dezembro de 2017, que se junta como Doc. nº 61, minutos [01:01:58] a [01:07:30], págs. 22-25]. Junta-se [...] sob o n.º 62 o e-mail lido pelo Réu AA no Programa de … de Dezembro (e-mail de … de Setembro enviado por LLL a AAA). (cfr. Doc. n.º 61, 63 e 63-A).

187. No Programa de … de Janeiro de 2018, o Réu AA revelou um e-mail datado de … de Março de 2017, em que OOO remete para SS uma mensagem (doc. n.º 64, minuto [00:02:03], págs. 1-3). Doc n.º 65, pág. 2, onde se pode ler “(. • •) Como ser campeão nas 5 modalidades até 2020 (...) Continuar o trabalho de “teia do poder” que temos conseguido com instituições, Clubes, imprensa, para que se possam somar pequenas vitórias em todos os campos (empréstimos de jogadores, relações com federação, conselhos de arbitragem e afins) (...)”).

188. No Programa de … de Janeiro de 2018, o Réu AA divulgou vários e-mails relacionados com dirigentes da estrutura do Benfica, tendo um deles sido enviado por VV, à data delegado da Liga, para TT, em que o primeiro assinou como “técnico de arbitragem do Benfica”, fazendo a seguinte afirmação “(…) Mas, entretanto, nem de propósito, num novo leak muito recente de e-mails, acabei de receber há pouco um e-mail do VV da segunda-feira quatro de março de 2013, numa altura em que ele era delegado da liga (...) ele envia um e-mail para o TT com uma análise de arbitragem, uma daquelas coisas que não era suposto ele fazer enquanto delegado da liga, i o e-mail está assinado desta forma: “VV sócio …42, técnico de Arbitragem do SLBenfica”. É assim que o e-mail está assinado. Deixemo-nos de brincar ao futebol. O que estas pessoas do Benfica, com o SS à cabeça, TT e depois os UU, os VV, os EE, etc, tentaram criar, tentaram e conseguiram toda a gente sabe, um esquema de interferência na arbitragem, não nos cabe a nós avaliar onde é que vai…” (cfr. transcrição do Programa de … de janeiro de 2018, que se junta como Doc. n.º 67, minutos [00:16:13] a [00:17:15], pág... 7); tendo afirmado ainda no mesmo Programa “Estamos a falar, nós temos ao longo dos tempos mostrado que o SS, o presidente do Benfica está intimamente ligado a toda esta trapalhada. Apesar dos responsáveis do Benfica procurarem que nunca se estabeleça uma ligação próxima entre aquelas pessoas que gravitam à volta do Benfica, como o HHH, o VV, o EE, etc, o SS tem uma ligação muito forte com essas pessoas, e por exemplo, na sexta-feira 15 de novembro de 2013, o SS encaminhou um e-mail para o UU sem qualquer texto, o e-mail tinha apenas um anexo, o anexo era um documento word, que tem um texto que não é particularmente relevante, o texto procura, debruça-se sobre os observadores dos jogos, vem na sequência de um Benfica-Sporting arbitrado pelo árbitro TTT e alguém escreve “hoje é adquirido que TTT fez um bom trabalho, o único lance em que alguém pode apontar possível erra é um lance impossível de descortinar”, descortinar escrito de uma forma criativa. Pronto, o que é que este documento tem de particular? É que analisando as propriedades do documento nós podemos informar que quem escreveu esse texto que o SS encaminhou para o UU foi o senhor EE.” (cfr. Doc. n.º 67, minutos [00:12:32] a [00:14:02], pág. 6; Doc. n.º 68.

189. No Programa de … de Fevereiro de 2018, o Réu AA, referindo-se a um conjunto de e-mails (disponíveis na internet), de que leu uma parte, trocados entre os endereços de e-mail regressoaopassado@iol.pt e slbenfica.pg@gmail.com (e-mail alternativo de TT, que depois reencaminhava estes e-mails para p…s@.... .pt), afirma que UUU, ex-presidente da Comissão … da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (2006-2010) e Membro e … do Conselho de Arbitragem Desportiva do Tribunal Arbitral do Desporto (2014-2017) (vide in www.UUU.com/currículo.asp), “na verdade é o assessor jurídico do Benfica”, questionando a imparcialidade do mesmo, e fazendo, entre outros, os seguintes comentários críticos “fica claro como o UUU desde sempre teve uma ligação íntima ao Benfica e a forma como era feito o contacto é em si mesmo muito reveladora porque se o Doutor UUU e o Doutor TT não tivessem problemas não precisam de criar mails alternativos para, para conversar e não tinham de ter o cuidado de não porem o nome um do outro. (...)”. “Ganhem vergonha na cara. Ganhem vergonha na cara. Este mesmo Doutor UUU que no tempo, que era presidente da comissão de despelar da liga e o diabo de … apertou o pescoço ao arcto assistente resolveu aquilo com uma multa sabem porquê? Porque o jogo a seguir do Benfica que devia ter sido realizado a porta fechada era com o Sporting. Vão confirmar se isto é verdade ou é mentira. É verdade. Portanto, este tipo de gente que está a mais no futebol português e o Doutor UUU que venha agora para falar em publico sobre isto. Que venha esclarecer isto (...)” (cfr. transcrição do Programa de … de Fevereiro de 2018, que se junta como Doc. n.º 70, minutos [00:20:05] a [00:30:12], págs. 8 a 11), doc n.º 71 e n.º 72.

190. No Programa de … de Fevereiro de 2018, o Réu AA divulgou e-mails fazendo, entre outras, as seguintes afirmações “Desta vez vamos conseguir ir um bocadinho mais longe porque vamos conseguir demonstrar que o Benfica recorre a um expediente miserável, muito pouco ético, para pagar a defesa criminal, a defesa jurídica em processos-crime de elementos dos No Name Boys. Aqui o que está em causa são mails de 2010 e um dos mails enviado pelo VVV do escritório do advogado WWW, um dos mais proeminentes advogados da área criminal no nosso país e que vemos muitas vezes na televisão quando são assuntos relevantes. Nesta altura, por exemplo, defende o VVVV e o advogado VVV envia para o YYY do escritório do XXX, do ZZZ, envia um mail a solicitar-lhe o pagamento do caso dos No Name Boys por parte deste escritório. (...)” “(...) passam-se coisas muito graves como isto. Fazer pagamentos associados a advogados, ter sociedades de advogados veículo para fazer um pagamento final. Isto não é legítimo. Isto não é razoável, não podemos aceitar que na sociedade portuguesa continuem a existir procedimentos destes e o Benfica não pode estar acima da lei. Não pode. Portanto, as autoridades que tomem atitudes (...)” (cfr. transcrição do Programa de … de Fevereiro de 2018, que se junta como Doc. n.º 76, minutos [00:29:50] a [00:35:30], págs. 11 a 13), doc. nº 77 e 78).

191. Procedeu a Sociedade de Advogados WWW & Associados - Sociedade de Advogados, RL à emissão da fatura n.° …58, no valor de € 18.600,00, datada de … de Junho de 2010, a qual foi depois enviada a TT, por e-mail datado de … de julho de 2010 (que se junta como Doc. n.º 79).

192. Aquele pagamento foi realizado, pode ver-se o elemento contabilístico que agora se junta sob o n.º 45.

193. Os e-mails divulgados são genuínos, documentando efectiva correspondência trocada entre os respectivos remetentes e destinatários nos dias e horas neles consignados, com o exacto teor neles plasmado.

194. A divulgação do conteúdo dos e-mails foi levada a cabo com a convicção de que os e-mails e os ficheiros a eles anexados eram verdadeiros.

195. Entre 12.9.2017 e 9.12.2017 a Autora SLB SAD, que não logrou alcançar qualquer ponto na prova europeia, conseguiu, obter 6 vitórias em 9 jornadas na prova interna (Liga NOS), perfazendo um total de 18 pontos em 27 possíveis.

196. Dá-se por reproduzido conteúdo dos emails divulgados pelas RR, conforme docs. n.ºs 10 e 10-A, docs. 12 a 14; docs. 15 a 19; docs. n.ºs 21 a 23-B; docs. n.ºs 32 a 33-A, docs. 43 a 44-A, doc. n.º 16; docs. 48 a 51-A, doc. n.º 60, doc. 62 a 63-A, docs. 65 e 66, docs. 67 a 69- B.

197. Eliminado[32]

198. Em publicação na revista “…”, ano 32, n.º 368, de Julho de 2017, o Presidente do … de Administração da …, … da FCP SAD e do FCP CLUBE, escreveu, na rubrica designada “Página do …”, a fls. 7 da mencionada revista, o seguinte: “(…) acredito que é possível, mesmo com os fatores extra de outros, que continuaremos a denunciar.”;

199.O Réu AA declarou no programa “…”, do dia … de Junho de 2017: “Não, já vou explicar também isso, também para combater a contrainformação, mas pronto, o que… da nossa parte, Futebol Clube do Porto, nós estamos completamente disponíveis e estamos a colaborar no que podemos e, basicamente, o que podemos é partilhar a informação que temos e a que, eventualmente, venhamos a ter, porque isso continua a acontecer, portanto, nós, à medida que, eventualmente, nos chegue nova informação, o nosso compromisso que assumimos com a polícia judiciária é que vamos entregar tudo o que nos chegue.”

200. No discurso durante a entrega dos Dragões de Ouro, BB, presidente do FC Porto, referindo-se a AA, diretor de … do clube, que recebeu o prémio de Funcionário do Ano, disse: "O Dragão de Ouro para Funcionário do Ano foi muito justo. O AA é um exemplo de dedicação, na permanente luta contra aqueles que não querem a descoberta da verdade, contra a vontade de não quererem que o futebol e o desporto sejam uma escola de virtudes, é de uma grande coragem. Fiquei feliz, porque a sua escolha foi feita por unanimidade, só tive pena de não poder dar-lhe os parabéns por e-mail, porque não tenho.";

201. Por sua vez, AA no seu discurso de agradecimento afirmou: “Boa noite. É uma enorme honra e privilégio receber este dragão. Gostaria de o partilhar com todos os camaradas que trabalham comigo no dragão caixa, na nossa redação ali em cima. Queria também agradecer ao Sr. Presidente e à nossa Administração, ao nosso diretor-… WWWW, terem acreditado que valia a pena travar esta batalha, que espero que ajude a tornar mais saudável o futebol português.”

202. No programa do dia … .06.2017, foram produzidas as seguintes afirmações: [00:20:18] “Pela dimensão de tudo isto, pela dimensão de tudo isto. Nós já revelámos muita coisa, já expusemos vários dos tentáculos do polvo, mas o melhor está para vir. Isto é o maior escândalo da história do futebol português, as pessoas podem continuar a assobiar para o lado, assobiem quando quiser, a imprensa amiga pode continuar a assobiar para o lado, os comentadores amigos, oficialmente afetos ou oficiosamente afetos, podem continuar a assobiar para o lado, as instituições do futebol podem continuar a assobiar para o lado, mas este é o maior escândalo da história do futebol português e, repito, o melhor está para vir.”[33]

Não provado:  

1. Que os RR tenham usado e parcialmente exposto a informação comercial confidencial das AA.

2. Que a cotação das acções da A. tenha sofrido um dano constante desde o início da divulgação da alegada informação privada do Benfica.

3. Que considerando todas as variações ao longo do período e as “revelações” da P…, constata-se que os atos lesivos dos Réus provocaram uma erosão patrimonial do valor dos títulos da SLB SAD que se situou na média dos 2,9%.

4. Que a extrapolação deste dano objetivo permite concluir que a afetação resultante da conduta dos Réus contra as Autoras se consubstancia num dano patrimonial indireto mínimo verificável de 11.6 milhões de euros [considerando o valor de mercado mínimo acima considerado de 400M€ x 2.9% média de desvalorização dos títulos em bolsa = 11,6 milhões de euros].

5. Que a conduta das RR tenha causado reflexos diretos nomeadamente no desempenho desportivo internacional da SLB SAD, na Liga dos Campeões de 2017/2018.

6. Que a conduta das RR seja o efeito lesivo mais devastador do equilíbrio emocional, físico e intelectual dos jogadores e técnicos da Equipa e com consequências no seu desempenho absolutamente inequívocas (v.g., retirar o esforço e o mérito dos sucessos alcançados, através do vexame e vergonha induzidos).

7. Que o desempenho na Liga dos Campões pelas AA tenha sido provocado pela conduta das RR.

8. Que as RR sejam responsáveis porque muito adeptos, simpatizantes e sócios do Benfica sofreram e se sentiram vexados, assim se erodindo o aviamento das Autoras junto da sua maior base de apoio quanto à exponenciação da sua goodwill.

9. Que tenham sido as RR divulgaram [sic] o contrato de comunicação de AAA e o contrato de trabalho de VVVV e informação conexa com o mesmo.

10. Que a sociedade P…, e os RR BB, DD e CC tenham praticado os restantes actos.

11. Que o blog benficaleaks e seus conteúdos seja da autoria directa ou indirecta dos RR.

12. Que com o mesmo intuito de descredibilizar e ofender, AA tinha anteriormente chegado ao ponto de comparar as Autoras aos esbirros do regime nazi.

13. Que o Réu AA tenha exercido as funções de diretor [de] programas do P…, ou seja assalariado deste, nas datas referidas.

14. Que o serviço de televisão P…, reconhecendo o inequívoco interesse público envolto no conteúdo dos e-mails e a premência de veicular a informação ao público em geral, tenha convidado o Réu AA.

15. Que as RR tenham selecionado os emails a divulgar apenas por considerações de interesse público.

16. Que os emails não foram propositadamente revelados a conta-gotas, mas à medida que se ia fazendo a triagem da informação recebida em função de um critério de interesse público na divulgação do respetivo conteúdo, e de não revelação de partes dos e-mails que contivessem elementos relacionados com a vida íntima, familiar e sexual, de pessoas neles referidas.

17.Que a “ligação” entre o Réu AA e o P… é aquela que existe entre um canal televisivo e um comentador de um espaço informativo (designadamente, o “…”).

18. Que as RR tenham atuado não por nenhuma intenção concorrencial, mas pela finalidade de preservar a lealdade da concorrência.

19. Que as RR através de AA e A… tenha[m] tido como intenção exclusiva informar e formar opiniões.

20. Que (todas) as opiniões e juízos de valor proferidos pelo Réu AA são objetivos, fundam-se em factos provados, e têm um enorme relevo para formar a opinião do público.

21. Que esses emails provem um autêntico padrão de comportamento concorrencial desleal levado a cabo anos a fio pela Reconvinda SLB SAD.

22. Que resulte do conteúdo dos mesmos a comprovação de comportamentos desleais e reprováveis ética e legalmente, levados a cabo pela Autora no decurso de sucessivas épocas desportivas, com indiciação de variados esquemas de corrupção na arbitragem, ilícitas trocas de favores e tentativas de manipulação de classificações de árbitros, de resultados e de competições.

23. Que esteja provado que a conduta da Autora tenha prejudicado a posição na concorrência dos seus rivais (em particular a aqui Reconvinte), a qual, em virtude da mesma viu prejudicados os seus resultados desportivos.

24. Que como consequência direta disso, a Autora viu diminuírem as receitas decorrentes, entre outros, de contratos de patrocínio e de sponsorização – não se conseguindo ainda, neste momento, proceder à exata determinação do quantum deste dano.

25. Que devido à conduta das AA a aqui Reconvinte tenha visto diminuírem as suas possibilidades de alcançar o triunfo nas competições disputadas e de aceder a um lugar direto para a Liga dos Campeões, e tenha, como consequência direta desse pior resultado, [visto] diminuírem as suas receitas resultantes de patrocínio e sponsorização.

26. Eliminado, repete o conteúdo do supra enunciado ponto 20 dos factos Não Provados. 

                                                


 *


B. Enquadramento jurídico

 

1. Sinopse do litígio    

Constituem factos do conhecimento público e notório que os Autores e os Réus integram o universo concorrencial dos clubes desportivos de topo nas competições nacionais e internacionais, em particular, no futebol da “Primeira Liga” e, as sociedades comerciais desportivas agregadas, com reconhecida vertente económica e financeira e múltiplas actividades e serviços que envolvem e captam superlativos valores monetários.  

Os Autores demandam os Réus imputando-lhes actuação ilícita e culposa na divulgação no decurso do ano de 2017, de um acervo de emails existentes no seu servidor, ao qual acederam de modo ilícito, consistente na violação de correspondência, expondo segredos do seu negócio e veiculando falsos e desonrosos factos.

Informações que os Réus divulgaram e comentaram em sucessivos programas no P… e no blog do Mercado do Benfica com o propósito único de afectarem gravemente a reputação das Autores e a marca Benfica, causando danos transversais na sua actividade que se repercutiu em elevados prejuízos.

Reclamam, pois, a condenação dos Réus na obrigação de ressarcimento integral dos danos que com a sua actuação infligiram aos Autores e de acordo com os valores indemnizatórios da petição inicial.

Em suporte da imputada obrigação de indemnização pelos s danos sofridos invocam a ilicitude da conduta enquanto acto de concorrência desleal, a cláusula geral da responsabilidade civil por actos ilícitos e, o regime próprio das sociedades comerciais e seus administradores prevenido no Código das Sociedades Comerciais.       

Os Réus, com exclusão dos Réus administradores, que alegam serem alheios ao sucedido, contrapõem o exercício do direito de liberdade de expressão, no interesse do público da informação, a respeito da relevante questão da corrupção no futebol, informações que reputam de verdadeiras e, por conseguinte, reclamam a sua absolvição.       

O tribunal de primeira instância acolheu em parte os pedidos dos Autores e reconheceu a ilicitude e o carácter culposo da actuação perpetrada pelos 1º, 2º e 3º e 5º Réus, a quem condenou a ressarcir os danos causados, absolvendo a Ré A…, SA e os Réus administradores.     

O tribunal da Relação afirmou também a obrigação de indemnização daqueles Réus que estendeu à condenação solidária da Ré A…, SA mercê da sua conduta ilícita e culposa, em desrespeito pelo direito ao sigilo de correspondência, afectando a imagem e a marca Benfica, causando prejuízos graves aos Autores e, convergiu quanto à absolvição dos Réus administradores.

Os quantitativos indemnizatórios fixados  pela Relação  -  os Réus Futebol Clube do Porto, “Futebol Clube do Porto, SAD”; “FCP Media, S.A., “A..., S.A.” e AA a pagarem aos autores a quantia de 605.300,90€ ;   ), acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento à taxa civil, a título de danos emergentes; 3. Condenam-se os réus Futebol Clube do Porto, “Futebol Clube do Porto, SAD”; “FCP Media, S.A., “A..., S.A.” e AA a pagarem aos autores a quantia de 1.000.000,00 (um milhão de euros), acrescida de juros à taxa civil desde o trânsito da decisão até integral pagamento, a título de danos não patrimoniais pela divulgação da sua correspondência; 4. Condenam-se os réus Futebol Clube do Porto, “Futebol Clube do Porto, SAD” e “FCP Media, S.A.” no pagamento da quantia que se liquidar em execução de sentença relativamente ao dano causado aos autores pela apropriação desde abril de 2017 até à data da liquidação, dos segredos de negócio constantes dos factos provados nsº128 a 134 e dos elementos clínicos de atletas constantes do facto provado nº 133.[34]

Pedindo revista do julgado, os Autores sustentam que o tribunal a quo subvalorizou a dimensão real dos danos resultantes da actuação dos Réus, defendendo a sua fixação em alinhamento com os quantitativos monetários que peticionaram.         

Defendem, por último, que os Réus administradores agiram em nomine proprio, e em conjugação de esforços na actuação e propósito levado a cabo pelos demais, pelo que devem ser solidariamente condenados com as Rés sociedades, a reparar os danos causados aos Autores através da violação do sigilo de correspondência, gerando forte abalona sua reputação e imagem e o descrédito da marca Benfica que repercutiram prejuízos de vulto.

Os Réus persistem na sua absolvição, alegando em principal linha argumentativa que os emails eram verdadeiros, que não acederam directamente às mensagens, agiram no exercício de liberdade de expressão na divulgação de factos de interesse social e público relevantes.



*


2. Das Nulidades 

2.1. Oposição entre os fundamentos e a decisão de absolvição dos réus administradores. [35]

Alegam os AA que o acórdão recorrido evidencia a enunciada nulidade pois que, “(..) a Relação do Porto determinou a absolvição dos Réus Administradores por considerar não ser possível subsumir o caso dos autos à previsão normativa do artigo 79.º, n.º 1, do CSC. Face aos factos dados como provados (nomeadamente, factos provados n.ºs 30, 55, 56, 198, 200 e 201), não poderia ter sido essa a decisão.”

Está em causa a nulidade  da sentença tipificada no artigo 615º, n º1, al) c) do CPC(ou um acórdão da Relação, como é o caso, ex vi  n.º 1 do artigo 666.º do CPC, ou despacho, artigo 613., nº3, do mesmo diploma), ancorada na oposição entre os fundamentos e a decisão, esta só se verifica quando das premissas de facto e de direito constantes da decisão se extraia uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter extraído,  no sentido de que a decisão deve ser coerente com os fundamentos.

Contemporizando com a doutrina prevalecente, a contradição lógica entre os fundamentos e a decisão determinativa da nulidade da sentença, traduz uma contradição intrínseca da decisão, entre a linha argumentativa percorrida pelo tribunal (de facto e/ou de direito) conduzir, em termos logicamente inequívocos, a uma conclusão oposta ou diferente da adotada.[36]

Em paridade com o alcance atribuído a tal nulidade em larga parte da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.[37]

No caso em observação não se identifica o vício em causa, posto que a construção decisória prosseguida no acórdão recorrido sobre o tópico não revela aporia no raciocínio lógico ou erro lógico-discursivo.

Amiúde, a matéria das nulidades da sentença é sobreposta no plano  do verdadeiro erro na aplicação do direito, como se observa, por exemplo « (..)quando, embora indevidamente, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, está-se perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas, já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja juridicamente correta, verifica-se a apontada nulidade .(..)»[38]

O que se apreende no caso, considerando os factos provados no quadro dos pedidos e causa de pedir, não é inconciliável com a conclusão a que chegou o acórdão recorrido, de não se verificarem os pressupostos legais de responsabilização dos réus administradores. 

Em distinto plano, o invocado pelos recorrentes configura o denominado erro de julgamento; i.e, discordam da valoração jurídica adoptada pela Relação ao concluir que a factualidade tem subsunção normativa no artigo 79º, nº1, do CSC, a apreciar em sede do mérito da solução jurídica do acórdão recorrido.

         

Improcede a arguida nulidade.

                                                  *

2.2.Excesso de pronúncia e a violação do princípio do contraditório na prolação de uma decisão-surpresa

Neste apartado afirmam os Réus que o acórdão recorrido ao decidir pela ilicitude da conduta da parte, enquanto pressuposto da obrigação de indemnizar na aplicação directa do artigo 34º da Constituição da República Portuguesa, sem que aqueles tivessem a oportunidade de se pronunciarem, configura uma “decisão surpresa”, violadora do princípio do contraditório e, por consequência, mostra-se inquinado de nulidade decisória.

A violação do princípio do contraditório plasmado no artigo 3º, nº3, do actual CPC, vem suscitando divergência na doutrina e jurisprudência deste Supremo, quanto à sua classificação enquanto nulidade da própria sentença, a integrar no elenco do artigo 615º do CPC- excesso de pronúncia- ou, ao regime de - nulidade processual inominada- sob a previsão do artigo 195º, nº1, 196º, 199º, e 200º, nº 3, do CPC.       

Das razões para a o enquadramento da violação do princípio do contraditório e da emergente decisão surpresa, consumida a final como nulidade de decisão ou julgamento, enquanto vício fundado em “excesso de pronúncia”, destacamos, a garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio e oportunidade de influenciar no êxito da pretensão da parte, ínsitas no artigo 3º, nº3, do CPC.       

Nessa perspectiva e, com reflexo na decisão definitiva final, ao julgador não seria possível decidir sem atentar na posição influenciadora de cada uma das partes para o desfecho do litígio, podendo incorrer a sentença em excesso de pronuncia, nulidade que se integrará de pleno na situação tipificada no artigo 615º, nº1, al) d. 2ª parte do CPC.[39]               

Em outra abordagem, como cremos ser de sufragar, configura-se uma nulidade processual, subsumível à regra geral do artigo 195.º, nº1, do CPC.

Assim «(…) quando o tribunal profere uma decisão sem observância do contraditório, em contravenção com o disposto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC, não está a conhecer de uma questão de que não pudesse tomar conhecimento. Ao invés, tratando-se de uma situação que não é regulada por norma especial, deverá ser-lhe aplicada a regra geral do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, na parte em que dispõe que a omissão de uma formalidade que a lei prescreve produz nulidade quando a irregularidade cometida possa influir na decisão da questão. Neste caso, a eventual nulidade da decisão decorre de um efeito consequencial, obtido por via do n.º 2 do art. 195.º do CPC, e não da subsunção às causas autónomas de nulidade das decisões previstas no art. 615.º do mesmo diploma (…).Em abono desta tese é de afirmar, nas palavras do recente acórdão de 29-02-2024, que “se, na realidade, a decisão proferida sem observância do princípio do contraditório configurasse um caso de excesso de pronúncia, sujeito ao regime das nulidades da sentença, o que faria sentido é que a nulidade fosse suprida nos mesmos termos em que é suprida a nulidade causada por excesso de pronúncia, o que não acontece”, já que, para suprir a nulidade causada pela inobservância do princípio do contraditório, não se considera sem efeito a parte viciada, antes se anula a decisão recorrida com o objectivo de determinar o cumprimento do formalismo que foi omitido e de proferir nova decisão sobre a questão. Acrescenta-se, por fim, como argumento corroborante – e acompanhando, também aqui, o acórdão de 29-02-2024 – que “o n.º 2 do artigo 630.º do CPC, na parte em que dispõe que não é admissível recurso das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, aponta no sentido de que o legislador configura a omissão de formalidades que contendam com o princípio do contraditório como nulidade prevista no n.º 1 do artigo 195.º do CPC”.(..)»[40]


De todo o modo, no caso em análise, o distinguo na classificação do vício assinalado pelos Réus recorrentes revela-se neutral para a decisão da matéria controvertida.     

A “decisão surpresa”, conforme densificação arreigada na jurisprudência do Supremo Tribunal, carateriza-se como uma decisão que «(..)contende com a solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, para evitar que sejam confrontadas com decisões com que não poderiam contar, e não com os fundamentos que não perspetivavam de decisões que já eram esperadas. (...)” .[41]

Perante a análise do acórdão recorrido não é certo o que afirmam os recorrentes, rectius, que a motivação da ilicitude da conduta imputada assentou na violação do artigo 34.º da Constituição.   

De outro passo, os autores invocaram amplamente a violação daquele preceito constitucional em abono do juízo de ilicitude da conduta dos réus, que em igual medida, tiveram a oportunidade de contraditar na sua contestação.[42]

No que redunda que, contemplando a linha de argumentação jurídica invocada e debatida nos articulados, não se verifica o “efeito surpresa” da decisão em violação do princípio do contraditório, não tendo o tribunal a quo extrapolado o enquadramento jurídico delineado pelas partes, ou alcançado solução jurídica inopinada, que justificasse, de alguma forma, a sua audição prévia.  


Improcede, por conseguinte, a nulidade.


*


2.3.A inobservância das regras de direito probatório material e do regime adjetivo no julgamento da matéria de facto

Os autores recorrentes contestam a alteração da matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal da Relação, na sequência da sua impugnação, não ter aditado à facticidade provada - os nomeados como “facto dois”, “facto onze” e “facto doze”.

Advogam que tais factos deveriam ter-se por provados, uma vez que foram alegados e admitidos por acordo pelos Réus, e são essenciais para efeitos de apreciação da conduta ilícita dos réus administradores, alegando que o acórdão recorrido ao assim decidir, violou as normas estabelecidas nos artigos 574.º, nº2, e 607.º, nº4, do CPC.[43]

Os Réus divergem e alegam que, se porventura no referente ao facto nº 177da petição inicial, poder-se-ia considerar julgar provado, pois que, as afirmações ali pretensamente citadas foram produzidas, no seu entender, a matéria não assume utilidade para o julgamento das questões a decidir objeto dos autos; quanto à matéria constante dos pontos 275.º e 278.º da petição inicial, foi objecto de expressa impugnação no art. 46.º da sua contestação.


Apreciando.

Sabemos que o julgamento da decisão de facto é da competência das instâncias;  conquanto não seja uma regra absoluta, adentro dos limites daquela, a interferência do Supremo Tribunal de Justiça é residual e tem por objectivo reitor, asseverar a observância das regras de direito probatório material ou , ampliar a decisão sobre a matéria de facto, conforme resulta das disposições do n.º 3 do artigo 674.º e do n.º 3 do artigo 682.º do CPC.; pode, ainda, apreciar o uso pela Relação  dos poderes  que lhe são atribuídos no artigo 662.º do CPC,  “ (..)sendo o mau uso (uso indevido, insuficiente ou excessivo) suscetível de configurar violação da lei de processo e, portanto, de constituir fundamento do recurso de revista, nos termos do artigo 674º, nº 1, al. b), do CPC.”[44]

    

Feitas estas breves considerações de índole geral, olhemos à factualidade:

- Facto Dois: “No programa do dia … .06.2017, os Réus retomam, por outro lado, as acusações anteriores de corrupção e tráfico de influências, recorrendo à imagem do “polvo” e anunciam novas “revelações”: [00:20:18] Pela dimensão de tudo isto, pela dimensão de tudo isto. Nós já revelámos muita coisa, já expusemos vários dos tentáculos do polvo, mas o melhor está para vir. Isto é o maior escândalo da história do futebol português, as pessoas podem continuar a assobiar para o lado, assobiem quando quiser, a imprensa amiga pode continuar a assobiar para o lado, os comentadores amigos, oficialmente afetos ou oficiosamente afetos, podem continuar a assobiar para o lado, as instituições do futebol podem continuar a assobiar para o lado, mas este é o maior escândalo da história do futebol português e, repito, o melhor está para vir.”

- Facto Onze: “O próprio presidente do clube, o Réu BB, manifestou o seu apoio no que toca à divulgação contínua de alegados emails, através de entrevistas à imprensa desportiva – cfr. a título de exemplo, Documento n.º 31 junta com a petição inicial: Renascença Online, edição de … .12.2017, BB: “Quando é o Benfica, o Governo assobia para o lado”, BB critica o Governo português por nada fazer perante as denúncias que o FC Porto tem apresentado. O presidente portista já perdeu a esperança numa intervenção política, porque, assinala em entrevista ao jornal "O Jogo", "quando é o Benfica, o Governo assobia para o lado". Em causa está o caso dos e-mails divulgados pelo FC Porto e a ilegalidade das claques do Benfica. "O Governo assobia para o lado. Não espero nada do Governo, mas da Polícia Judiciária espero, porque sei que estão a trabalhar no assunto. Pelos dados que nos têm pedido estão a trabalhar com seriedade e rigor", sublinhou. Em relação aos e-mails, BB defende que a sua divulgação "veio contribuir para a moralização do futebol". "Não fizemos suposições, mostrámos factos concretos. Mostrámos os e-mails e depois entregámos á polícia", acrescentou.”

- Facto Doze: “Nesta fase, mais uma vez no cumprimento de uma estratégia concertada e coordenada pelo FC Porto, o próprio presidente do clube, BB, na revista “…”, profere as seguintes declarações: «O ano que está prestes a terminar fica marcado pela revelação do chamado escândalo dos emails, mas que hoje ninguém duvida que é muito mais do que isso, tratando-se de um colossal esquema de condicionamento e manipulação de pessoas e instituições a favor do Benfica», ao que prossegue insinuando «Percebe-se agora porque é que tanta coisa estranha sucedeu nos últimos anos e o nosso insucesso das últimas épocas também se explica pelo controlo irregular, à margem da lei e dos regulamentos, que o Benfica exerce no futebol. É tempo, de uma vez por todas, de todos se dedicarem aos conteúdos revelados, porque já ninguém põe em causa a veracidade das informações tornadas públicas».[45]  

Em relação ao facto n.º 2 – que encontra correspondência no art. 177.º da petição inicial -, o acórdão recorrido indeferiu o aditamento, pelas razões que assim expôs - «No tocante ao aditamento destas afirmações produzidas pelo réu AA à matéria de facto é também aqui de sublinhar, tal como já atrás se assinalou em 1, que todas elas são anteriores ao acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 21.2.2018, que decretou a providência cautelar requerida pelos autores proibindo a divulgação da sua correspondência privada. Por conseguinte, delas não é possível extrair qualquer argumento no sentido de que os réus têm, concertadamente, a intenção de continuar a divulgar correspondência privada dos autores, mesmo após o que foi decidido em sede de procedimento cautelar. Como tal, o aditamento das afirmações referidas nos arts. 177º, 242º e 252º da petição inicial mostra-se irrelevante para a decisão e, por isso, não será efetuado.»

E, denegou o aditamento à matéria de facto provada do facto n.º 11 -que encontra correspondência no art. 275.º da petição inicial- e também do facto n.º 12 -correspondente ao art. 278.º da petição inicial- por absorverem afirmações – “frases “, «(…) atribuídas ao réu BB com diversas considerações de natureza conclusiva quanto à atuação deste, o que transcende o universo factual.»

       

Da análise dos articulados resulta, sem sobressalto, que a matéria de facto expressa no aludido facto 2 – que os autores afirmam ser relevante “por indicar a intenção concertada dos Réus no sentido da continuação da divulgação ilícita e admissão de posse daqueles elementos, contra a vontade das autoras” - não foi impugnada pelos Réus, entendendo-se que tais afirmações foram produzidas no programa emitido no dia 27-06-2017.

Nesse pressuposto, verificando-se a denominada confissão ficta da factualidade em questão, não tendo o tribunal a quo atendido ao efeito cominatório da falta de impugnação desse facto, a coberto da previsão do artigo 574º, nº2, do CPC a corresponde à inobservância de lei processual e assim sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, como retro se assinalou.

Ponderada a matéria de facto em questão, no perímetro das várias soluções de direito, entendemos ser passível de assumir relevância no enquadramento jurídico da imputada responsabilidade civil dos réus, que se prolonga para além do momento da decisão cautelar aplicada, proibindo a divulgação da sua correspondência privada.

Melhor será que a matéria entronque na base factual provada, acompanhando-se os recorrentes, neste particular.

Já no que diz respeito à matéria constante dos pontos 275.º e 278.º da petição inicial, resulta expressamente impugnada no art. 46.º da contestação, excluindo-se o pretendido aditamento aos factos provados.

Em conformidade, determina-se a inclusão no elenco dos factos provados o seguinte. «No programa do dia 27.06.2017, foram produzidas as seguintes afirmações: [00:20:18] Pela dimensão de tudo isto, pela dimensão de tudo isto. Nós já revelámos muita coisa, já expusemos vários dos tentáculos do polvo, mas o melhor está para vir. Isto é o maior escândalo da história do futebol português, as pessoas podem continuar a assobiar para o lado, assobiem quando quiser, a imprensa amiga pode continuar a assobiar para o lado, os comentadores amigos, oficialmente afetos ou oficiosamente afetos, podem continuar a assobiar para o lado, as instituições do futebol podem continuar a assobiar para o lado, mas este é o maior escândalo da história do futebol português e, repito, o melhor está para vir.»[46]


                                                    *

3. De direito substantivo  

3.1.A aplicação do artigo 318.º do Código da Propriedade Industrial de 2003 [47] 

Dissentem os réus Futebol Clube do Porto, Futebol Clube do Porto, SAD e FCP Media, S.A., do sentido condenatório do acórdão e da obrigação de ressarcirem os autores pelos danos causados através do acesso aos elementos clínicos dos atletas, consistente na apropriação dos segredos de negócio e cuja informação obtiveram através da violação da correspondência daqueles.[48]

Defendem em adverso que a prova realizada não sintoniza com a factualidade apurada, cada um dos requisitos (cumulativos) exigidos para o funcionamento da responsabilidade prevista no artigo 318.º do Código da Propriedade Industrial de 2003, ao tempo vigente.[49]

Na sua versão dos factos, afirmam que não está verificado o requisito previsto na alínea a) do artigo 318.º do CPI, i.e., “Sejam secretas, no sentido de não serem geralmente conhecidas ou facilmente acessíveis, na sua globalidade ou na configuração e ligação exactas dos seus elementos constitutivos, para pessoas dos círculos que lidam normalmente com o tipo de informações em questão”.

Na hipótese de se considerarem informações secretas, no que não concedem, perderam essa génese, fruto da sua divulgação generalizada no blog “Mercado de Benfica” e, por quem a elas acedeu e as divulgou.

No referente ao requisito ínsito na alínea c) do n.º 1 da mencionada disposição “Tenham sido objecto de diligências consideráveis, atendendo às circunstâncias, por parte da pessoa que detém legalmente o controlo das informações, no sentido de as manter secretas.”.

Sustentam neste passo que “(..)os Recorridos apenas provaram (cfr. art.º 342º do C. Civil) os factos enunciados sob os pontos 18, 20, 21, 22, 26, 27 e 28 da factualidade julgada, os quais, genéricos e mesmo conclusivos e, em qualquer caso insuficientes, não demonstram a celebração de adequados instrumentos de reforço ou constituição de obrigações de sigilo, estabelecimento de barreiras físicas e acessos condicionados.”

Para concluírem contra a solução adotada pelo acórdão recorrido - “(…) no que respeita a barreiras eletrónicas, embora se aluda à existência de passwords, nada se provou relativamente às características das mesmas, designadamente grau de segurança e duração, e nada se provou quanto ao registo de acessos e às informações e respetivo controlo, nem quanto à possibilidade de cópia das informações por via de acessos autorizados. LIII – Acresce, a este respeito de implementação de barreiras impeditivas de acesso externo que resistam a ciber-ataques, a mera referência a protocolos e standards internacionais e a aparelhos e programas antifraude para prevenir intromissões ilícitas e ilegítimas os quais visam robustecer os sistemas contra os ataques cibernéticos e outros acessos ilícitos são absolutamente genéricas e conclusivas, não permitindo que o declaratário afira o respetivo concreto conteúdo e possa concluir pela razoabilidade e adequações efetivas das mesmas. LIV - Aliás, se os Recorridos efetivamente tivessem promovido as diligências razoáveis para preservar a sigilosidade das informações (art.º 318º, al. c), do C.P.I.) não teriam de ter procedido - já depois de terceiro ou terceiros, integrantes, ou não, da organização dos Recorridos terem acedido às mesmas – nos termos enunciados nos respetivos factos provados enunciados sob 118 e sob 119.”

E, mais adiante, rematam -“ (…)se os Recorridos efetivamente tivessem promovido as diligências razoáveis para preservar a sigilosidade das informações (art.º 318º, al. c), do C.P.I.) não teriam de ter procedido - já depois de terceiro ou terceiros, integrantes, ou não, da organização dos Recorridos terem acedido às mesmas - (i) a contratação de serviços de terceiros (entre Abril de 2017 e Março de 2018), nos quais despenderam a quantia total de €265.080,00; (ii ) protecção e reforço dos seus sistemas informáticos e melhoria da segurança das suas bases de dados informáticas, as Autoras pagaram a empresa especializada acima indicada a quantia total de €188.080,00 e (iii ) reforçar a sua estrutura interna com as mesmas finalidades (reforço do departamento informático, de comunicação, de marketing e jurídico), através da contratação de 18 novos colaboradores.”

Os autores em resposta defendem a extensa prova realizada, segundo a qual os réus recorrentes se apropriaram dos seus segredos de negócio, por meio ilícito e apesar do grau de diligência razoável que incutiram para preservar a matéria reservada e restrita, - os registos clínicos que atestam a valia dos atletas- sabido que tal informação assume impacto e valor de relevo no sucesso da actividade, não estando o seu conteúdo publicamente disponível.

Refutam categoricamente a tese dos réus recorrentes e da pretensa exclusão do funcionamento do artigo 318º do CPI de 2003, afirmando o absurdo do seu resultado “(..)bastaria a um concorrente que acedeu ilicitamente a segredos de negócio de outro arranjar forma de tornar públicos tais segredos para com isso retirar-lhes o caráter sigiloso e obstar à classificação do seu ato como ilícito.”

Os autores pediram, além dos mais, que os réus sejam condenados ao pagamento de indemnização com o fundamento na ocorrência de uma situação de concorrência desleal, consistente com a conduta de “divulgação de segredos de negócios”, fonte de responsabilidade sancionada como prática ilícita e invocando o artigo 318.º do CPI de 2003.

Estabelecia o artigo 318º do CPI então vigente :« constitui ato ilícito, nomeadamente, a divulgação, a aquisição ou a utilização de segredos de negócios de um concorrente, sem o consentimento do mesmo, desde que essas informações: a) Sejam secretas, no sentido de não serem geralmente conhecidas ou facilmente acessíveis, na sua globalidade ou na configuração e ligação exatas dos seus elementos constitutivos, para pessoas dos círculos que lidam normalmente com o tipo de informações em questão; b) Tenham valor comercial pelo facto de serem secretas; c) Tenham sido objeto de diligências consideráveis, atendendo às circunstâncias, por parte da pessoa que detém legalmente o controlo das informações, no sentido de as manter secretas.”[50]

Dispondo o artigo 317.º no nº1 “constitui concorrência desleal todo o ato de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica.”

Digno de nota na apreciação da questão suscitada, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2022 consigna no seu ponto XIII enuncia - «Da conjugação entre os arts. 317.º e 318.º do CPI de 2003 resultava que a violação do segredo industrial ou comercial era sancionada na medida em que fosse qualificada como fosse qualificada como um acto de concorrência desleal.» [51]      

Veiculando o entendimento tradicional que remonta ao anterior Código das Propriedade Industrial, a violação do segredo apenas seria sancionável se fosse de qualificar como um acto de concorrência desleal; assim, sendo indispensável que quanto à informação sobre o segredo do negócio, o agente e o lesado se movessem no domínio da mesma “clientela”.      

A prática empresarial hodierna demonstra que a proteção dos segredos de negócio assume variegada expressão e intercepta o ordenamento jurídico, seja no domínio do direito público, com legitimação jurídico-constitucional, ou do direito privado, reconhecendo-se da necessidade crescente da sua tutela jurídica, em decorrência da perceção geral do valor dos intangíveis pelas empresas, a par do aumento real do risco de ameaças à privacidade das organizações,  de apropriação indevida dos seus segredos de negócio, advinda da  revolução digital.

Ponto unânime nos autos - os autores e réus prosseguem actividade empresarial associada ao universo da prática desportiva de alta competição, máxime o futebol, movendo-se, por conseguinte, em concorrência, e que a maioria dos elementos informativos divulgados, de natureza lícita, representam valia económica para os seus titulares.         

Encontra-se também estabilizado que a divulgação da informação em causa levada a cabo pelo réu AA merece a qualificação de actos de concorrência desleal.        

O pomo da discordância na integração normativa radica no caráter secreto da informação divulgada, como já se mencionou.              

O acórdão recorrido partiu do conceito normatizado de “segredo de negócios”, considera que o segredo “não tem de ser absoluto, isto é, não é exigível que o conhecimento seja desconhecido de terceiros desde que estes, pelos seus próprios meios, tenham chegado à mesma informação técnica.”[52]

        

Na doutrina da especialidade, Nuno Sousa e Silva identifica no conceito dos “segredos de negócio” os seguintes elementos - a informação, secreta, com valor comercial derivado do secretismo e, objeto de diligências consideráveis no sentido de a manter secreta.[53]        

Acerca do caráter secreto da informação, refere o mesmo autor - «(…) algo secreto é algo segregado, que não é do conhecimento geral. Trata-se de informação cujo conhecimento é apartado, que não está facilmente disponível para qualquer um, que integra uma esfera reservada de conhecimento (76). A partir do momento em que a informação seja publicada, o segredo perde-se.»        

Ressalva, porém, que não se exige que o segredo seja absoluto, um segredo circunscrito a uma empresa e não partilhado, havendo que apelar a uma ideia de “secretismo relativo”.

Nos autos, da matéria de facto provada retira-se que o réu AA acedeu a parte da informação divulgada, através de um contacto prévio, via e-mail, com pessoa não identificada – cfr. pontos 29, 46, 48 e 150 – não tendo obtido demonstração de que essa informação (pela menos na maior parte dos conteúdos) divulgada pelo Réu fosse do conhecimento público prévio.

Conquanto o Réu AA tenha acedido à informação por interposto sujeito, e não directamente, aprestou-se na sua divulgação, mantendo a característica do “secretismo” da informação, privada e confidencial envolvida.

Tanto mais que a matéria de facto provada não permite a inferência, de que os dados transmitidos, ao saírem do domínio da Autora passassem ao conhecimento em geral ou, com facilidade fossem acessíveis aos sujeitos pertencentes aos núcleos que lidam de ordinário com aquele tipo de informações.

Para dizer que, os factos provados não permitem inferir que a informação divulgada no “…” já não estava segregada, sendo objeto de conhecimento por parte do público em geral.       

Cabe notar, por não despiciendo, que um segredo de negócio ficará no domínio público através de sua publicação em qualquer forma de um documento, supondo que um número suficientemente relevante de pessoas experientes, tenha ou seja provável que tenha acedido ao documento.

         

Senão, observe-se.

Não ficou provado que a informação com o conteúdo e a extensão objeto de divulgação no programa televisivo (em sinal aberto) “P…”, tivesse sido previamente disponibilizada pelo blog “Mercado de Benfica”, ou acedida pelo reu AA, através da respetiva consulta pública.     

Em outra perspectiva.

Com exceção da comunicação referida no ponto 57) da factualidade assente e relativa ao apoio dos autores às claques do clube, não ficou provado que as informações divulgadas em canal televisivo aberto tivessem sido obtidas através da consulta ao blog Mercado do Benfica, de acesso aberto, ou anteriormente, o seu conteúdo e extensão com que foi difundida no “P…”, se encontrasse livremente acessível nos meios de comunicação social.  

Assim sendo, s. d.r, extrai-se que a informação divulgada preenche o descritivo constante da alínea a) do artigo 318.º do CPI de 2003 – “Sejam secretas, no sentido de não serem geralmente conhecidas ou facilmente acessíveis, na sua globalidade ou na configuração e ligação exactas dos seus elementos constitutivos, para pessoas dos círculos que lidam normalmente com o tipo de informações em questão”;

No tocante ao preenchimento do requisito indicado na alínea c) do normativo-de que as informações “tenham sido objeto de diligências consideráveis, atendendo às circunstâncias, por parte da pessoa que detém legalmente o controlo das informações, no sentido de as manter secretas.”       

A propósito daquele inciso Nuno Sousa e Silva registou “tem-se entendido que este requisito implica um mínimo de exigência, apoiando-se numa noção de voluntariedade de protecção e impondo (apenas) um cuidado razoável (104), concretizando uma ideia de proporcionalidade e funcionando como um critério de repartição entre a tutela privada e a tutela pública.” [54]

       

Analisemos a situação em juízo.

Resultou provado que, dispondo os autores de um sistema informático, de bases de dados e de um domínio próprio (@.... .pt), sendo as contas de email dos diversos colaboradores da SLB SAD, registadas nesse domínio, os mesmos investiram uma quantia indeterminada, mas superior a um milhão de euros, no desenvolvimento e segurança do seu sistema informático, do seu sistema de comunicações e dos respetivos equipamentos necessários, nomeadamente, para guarda e tratamento reservados dos seus dados e negócios.

Para além disso, resultou provado que os autores adquiriram equipamentos de segurança, de acesso e gestão de informação, contrataram m fornecedores de serviços de guarda, manutenção e segurança, e técnicos especializados de informática e comunicações que estão ao seu serviço de forma permanente e exclusiva para zelar pelo funcionamento adequado dos seus arquivos e dados informáticos e segredos de negócio (ponto 26 da factualidade assente); que - “O acesso aos sistemas, comunicações, correspondência e demais dados das Autoras depende de autenticações e certificações específicas; ainda assim – adicionalmente – os dados dos diversos departamentos são guardados de modo estanque, com acesso autorizado apenas a alguns poucos colaboradores da mais alta confiança, devidamente identificados, não dispondo os responsáveis dos diversos departamentos operacionais de acesso aos dados de outros departamentos congéneres (ponto 27) ; e, que os servidores de dados encontram-se instalados em locais reservados e protegidos, com regras de acesso e circulação estritas, sujeitas a protocolos e standards internacionais, assegurados pelos diversos prestadores de serviços contratados pelas Autoras; as redes de comunicação e correspondência obedecem igualmente aos mesmos princípios, o acesso a informação e os dados são protegidos por níveis de responsabilidade profissional; e, foram adquiridos aparelhos e programas antifraude para prevenir intromissões ilícitas e ilegítimas os quais visam robustecer os sistemas contra os ataques cibernéticos e outros acessos ilícitos. (ponto 28)”     

Parece-nos , pois, que a facticidade descrita é idónea a considerar que os autores, enquanto titulares das informações sigilosas, desenvolveram diligências apreciáveis – despendendo  quantias monetárias avultadas que destinaram à aquisição de equipamentos de segurança, à contratação de pessoal especializado e à elaboração de um sistema, não linear, que compreendia diferentes níveis de acesso por parte dos respetivos usuários – exigíveis na situação concreta - atenta a extensão e natureza da informação em causa, assim como a disponibilidade financeira dos titulares da informação - para preservar a sigilosidade dos dados.

Apesar de os enunciados pontos da matéria de facto provada não estarem expurgados de alguns  elementos conclusivos, o acervo  factual identifica em suficiência, no âmbito da proteção do sistema informático dos autores, o estabelecimento de obrigações de sigilo – identificável na circunstância de o acesso à informação e aos dados ser protegido por níveis de responsabilidade profissional - de acessos condicionados – encontrando-se o acesso aos sistemas, comunicações, correspondência e demais dados das autoras dependente de autenticações e certificações específicas e estando localizados os servidores de dados em locais reservados e protegidos (que consubstanciam barreiras físicas), com regras de acesso e circulação estritas, encontrando-se os dados dos diversos departamentos guardados de modo estanque, com acesso autorizado apenas a alguns colaboradores devidamente identificados.

Acerca da existência de barreiras eletrónicas, não tendo embora se concretizado demonstração específica sobre o grau de segurança, duração e demais características das passwords, registo de acessos e informações e respetivo controlo, tendo ficado provado que o acesso aos sistemas, comunicações, correspondência e demais dados dos autores, depende de autenticações e certificações específicas, permite excluir um cenário de acesso livre ou fácil, desprovido de entraves significativos.

Em reforço desta conclusão, resultou provado que os autores adquiriram aparelhos e programas antifraude, para prevenir intromissões ilícitas e ilegítimas, ainda que não incidente sobre os concretos aparelhos e sobre os concretos programas, prática que se reconduz a uma atividade de implementação de barreiras impeditivas de acesso externo suficientemente aptas a resistir a ciberataques. 

A circunstância ulterior à divulgação das informações, de os autores optarem por robustecer a proteção dos seus sistemas informáticos e a segurança das bases de dados informáticas, (despendendo para o efeito a quantia de €188.080,00, e o aumento do quadro de funcionários do departamento informático (pontos 118 e 119 da matéria de facto provada) não permite de per se, inferir que as diligências realizadas para manter as informações secretas tenham sido insuficientes, mas apenas que adotaram cautelas acrescidas, compreensivelmente,  perante o sucedido e, os padrões da prudência .              

De resto, não ficou provado que a saída da informação divulgada do perímetro do acesso reservado, se tenha ficado a dever a uma vulnerabilidade de segurança do sistema informático dos autores, nem que a eliminação dessa hipotética vulnerabilidade fosse exigível, no caso concreto, a uma entidade detentora do controlo das informações medianamente sagaz e diligente, num contexto em que uma divulgação como a que veio a ocorrer não se afigurava, de acordo com qualquer critério objetivo, previsível.

                                                          *

Improcede, em consequência, o argumentário dos réus recorrentes.


*          


3.2. A ilicitude - pressuposto da responsabilidade extracontratual dos Réus e a violação do direito ao sigilo da correspondênciaartigo 34.º, nº1, da Constituição da República Portuguesa  

Os réus defendem a revogação dos pontos 2 e 3 do dispositivo do acórdão recorrido, e substituição pela sua absolvição.    

Advogam que não se encontra preenchido o pressuposto relativo à ilicitude da sua conduta, e como tal excluída a imputada responsabilidade civil extracontratual pelo desrespeito do direito à inviolabilidade e ao sigilo da correspondência dos autores. Afirmam que, as mensagens de correio eletrónico consubstanciam e-mails já armazenados no sistema informático do Grupo SL Benfica e, como tal não configuram “meios de comunicação” subsumíveis ao artigo 34º da CRP; defendem também que estando os particulares em situação de paridade, este preceito da Constituição não é imediatamente mobilizável, à revelia do regime do direito civil.

Os autores em contrário, sustentam  que , em termos idênticos ao que se verifica quanto à previsão do artigo 18.º da CRP, a proibição de ingerência nas comunicações vincula também as entidades privadas, “e da forma mais plena possível, não havendo lugar, no caso do direito ao sigilo das comunicações, qualquer ponderação com o princípio da autonomia privada, ou com qualquer outro princípio constitucional, da qual resultasse a exclusão ou limitação da vinculação imediata aos correspondentes deveres de abstenção por parte de entidades privadas[55]

O tribunal de primeira instância considerou que as condutas dos réus configuravam um ilícito civil, em conformidade com o disposto nos artigos 76.º e 483.º do Código Civil.

O tribunal da Relação encaminhou a ilicitude da conduta dos réus para a violação do direito ao sigilo da correspondência, com amparo no n.º 1 do artigo 34.º da Constituição, coadjuvado com ó regime regra previsto no artigo 483º, nº1, do Código Civil.

    Apreciando.

Entre os direitos abrangidos nesta cláusula geral situam-se, justamente, os direitos de personalidade, sendo que, tal como estabelecido, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”. 

Com recurso à lição preclara de Carlos Mota Pinto, a fórmula de “direitos de personalidade”  designa « (…)um certo número de poderes jurídicos pertencentes a todas as pessoas, por força do seu nascimento - verdadeiros Direitos do Homem no sentido das Declarações universais sobre a matéria (designadamente a de 1789 e a de 1948), embora, pois estamos no plano do direito civil e não no do direito público (onde correspondem tendencialmente a direitos fundamentais),direitos integradores de relações entre particulares.»[56]

De acordo com a norma geral de tutela da personalidade -artigo 70º do Código Civil- os direitos de personalidade que respeitam à vida da pessoa, à integridade física, à liberdade e à honra, sempre equacionada a par com a respectiva previsão constitucional.

Usualmente atribuídos os direitos de personalidade por referência às denominadas chamadas “pessoas físicas”, também haverá que reconhecer às pessoas colectivas alguns desses direitos especiais de personalidade que se adequem, em razão do princípio da especialidade do fim- artigo 160º, nº1, do Código Civil. [57]   

Nas palavras de Capelo de Sousa alguns dos direitos especiais de personalidade que se adequem “à particular natureza e às específicas características de cada uma das pessoas jurídicas, ao seu círculo de atividades, às suas relações e aos seus interesses dignos de tutela jurídica.” [58]

Digno de tutela analogicamente nas pessoas colectivas, está um direito ao sigilo, que compreende, o sigilo de correspondência e, de particularidades de funcionamento e know how.       

A formulação prosseguida pelo acórdão recorrido não merece censura.

Adotou-se a qualificação da ilicitude civil da conduta perpetrada pelos réus com respaldo no regime geral da responsabilidade constante do artigo 483.º, nº1, do Código Civil, em conjugação com a tutela do direito de sigilo da correspondência, contemplada no artigo 34.º da CRP.

Além daquela disposição geral, a utilidade em convocar o regime especial do ilícito em causa - o artigo 484.ºdo Código Civil- relativo à responsabilidade por factos ofensivos ao bom nome ou ao crédito e o qual tem subjacente tem subjacente um conflito de direitos, a saber, entre a liberdade de expressão, por um lado, e os direitos ao bom nome e ao crédito, por outro.

Na Lei fundamental, dispõe o n.º 1 do art. 34.º da CRP, que “o domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis.”

A proteção constitucional do direito ao sigilo da correspondência e de outros meios de comunicação privada, abrange toda a espécie de correspondência de pessoa a pessoa, incluindo o correio eletrónico, sendo objeto de proteção a comunicação individual, rectius, a comunicação que se destina a um recetor individual ou a um círculo de destinatários previamente determinado.

Ensinam Gomes Canotilho e Vital Moreira neste domínio - «o direito ao sigilo da correspondência e restantes comunicações privadas implica não apenas o direito de que ninguém as viole ou as devasse, mas também o direito de que terceiros que a elas tenham acesso não as divulguem”, sendo que a inviolabilidade da correspondência se impõe fora das relações Estado-cidadão, “vinculando toda e qualquer pessoa a não devassar a correspondência ou comunicações de outrem (art. 18.º/1)».[59]

Já se viu que os réus recorrentes  pretendem a absolvição,  nesta vertente, que se tenha em linha de conta que as  mensagens de correio eletrónico, acedidas por terceiro(s) desconhecido(s) no sistema no sistema informático do Grupo SL Benfica, já armazenadas nesse sistema informático, não podem ser qualificadas como telecomunicações, por não se verificar uma transmissão de dados entre pessoas, faltando-lhes a nota da intersubjetividade e, como tal, no seu entender, excluir a aplicação do artigo 34.º da CRP na situação em juízo.  

Neste particular, cremos que a interpretação do conceito de “telecomunicações” talqualmente propugnada pelos réus recorrentes, evidencia restrição indesejável, privando de tutela diversas situações que a teleologia do preceito abrange.

Au contraire, não parece aceitável que o processo comunicacional, para efeitos de tutela constitucional, termine com a chegada da comunicação ao destino, excluindo situações em que o processo intersubjetivo de comunicação não se completou, v.g., a mensagem não foi aberta ou lida pelo destinatário.

Merecedora também de nota de interesse no debate sobre o tópico.

O recente Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 10/2023, de 10 de novembro, prolatado pelas Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, afirma a eficácia da garantia constitucional de inviolabilidade das comunicações nas mensagens de correio eletrónico, enquanto permanecerem na caixa (virtual) de correio eletrónico, alheia ao estado de aberta ou de fechada da mensagem (ter sido lida ou não lida).[60]

Logo, as mensagens que foram objecto de divulgação encontravam-se na caixa virtual de correio eletrónico das autoras, beneficiando da tutela do sigilo da correspondência e restantes comunicações que tem consagração no n.º 1 do artigo 34.º da Constituição.

Defendem também os réus recorrentes que no caso não tem aplicação directa o artigo 34.º da Constituição, dado que as partes são sujeitos privados, em condição de paridade, não devendo ser considerados sujeitos passivos de direitos fundamentais.  

A questão prende-se com a teorização do tema da eficácia imediata dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, objecto de ampla resenha doutrinária nas alegações dos réus. 

A Lei Fundamental portuguesa consagra no seu artigo 18º, nº1, a eficácia das normas consagradoras de tais direitos na ordem jurídica privada inequivocamente a eficácia imediata de tais direitos em relação a entidades privadas, prosseguindo, de acordo com a doutrina, uma eficácia horizontal das normas de garante de direitos, liberdades e garantias, encontrando-se em aberto o modo como tal eficácia deverá ser concebida.[61]

Doravante, do ponto de vista da composição casuística dos interesses, segundo Gomes Canotilho, deverá perspetivar-se a discussão, não sob a ótica disjuntiva de dois ordenamentos autónomos - o civil e o constitucional -, mas a partir de uma compreensão do direito civil como matéria constitucional (e não extra constitucional), não se pretendendo embora, transformar, como adverte “a Constituição em supercódigo e reduzir o direito civil a um simples direito constitucional concretizado”. [62]

Pretende-se, sim, conferir adequado ênfase à circunstância de ser incontestada a aplicação das normas constitucionais à actividade privada, através de cláusulas gerais e conceitos de indeterminados cuja densificação se opera através da mediação de valores constitucionalmente consagrados.

Nesse conspecto, seja na ótica do direito especial de personalidade, consistente no direito ao sigilo de correspondência, imediatamente extraído do artigo  34.º da CRP , de acordo com um princípio de primazia da Constituição e da “eficácia irradiante das normas constitucionais”, como fez o acórdão recorrido; ou, na sua convocação, através da mediação da norma -tutela geral da personalidade, consagrada no artigo 70º, nº1, do Código Civil –a ordem jurídica reconhece aos autores a titularidade do direito.

Direito ao sigilo de correspondência que resultou desrespeitado por via da divulgação pública dos conteúdos difundidos ao longo das vinte sessões do programa televisivo transmitido no “P…”.

Com vem de se expor, soçobra a argumentação dos réus recorrentes.

                                                      *

 3.3. Da verificação de causa de exclusão de ilicitude pelo exercício do direito à liberdade de expressão

Sob outro ângulo, defendem os réus a absolvição por terem agido a coberto do direito à liberdade de expressão, “valor constitucional cimeiro”, e ao qual se deveria conferir prevalência concreta no contexto de colisão de direitos fundamentais.

Acrescentam que os e-mails divulgados são genuínos, documentando comunicações trocadas entre os respetivos remetentes e destinatários com o exato teor neles plasmado e a divulgação do respetivo conteúdo, servindo a prossecução do interesse público.

O entendimento do acórdão recorrido, a respeito deste ponto, desenvolveu-se nos termos que ora se extratam e que – antecipamos desde já - merecem a nossa adesão:

“Nos presentes autos cruzam-se dois direitos fundamentais: a liberdade de expressão e informação, por um lado, e, por outro, o sigilo da correspondência.

A liberdade de expressão e de informação, consagrada no artigo 37º da Constituição da República, postula que «todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.»

Quanto ao sigilo de correspondência e outras comunicações com previsão no artigo 34º da Constituição da República, estabelece que «o domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis». E no nº 4 até se consigna que «é proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.»

Por seu turno, na Convenção Europeia dos Direitos do Homem [CEDH] tem assento a liberdade de expressão no artigo 10º, nº1, que estabelece «qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. (…)». [63]

O sigilo da correspondência está previsto no seu artigo 8º, nº 1, e estabelece que «qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.» 

 O artigo 12.º, n.º 2, da CRP prevê que “as pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza”, pelo que as empresas ou outras pessoas jurídicas poderão, igualmente, ser titulares do direito à reserva da vida privada, sobretudo no que diz respeito ao chamado “segredo dos negócios”.[64]

Em situação de colisão entre direitos fundamentais, no plano juscivilístico, preceitua o n.º 1 do art. 335.º do Código Civil - «1- Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes. 2- Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.»

Num Estado Democrático de Direito, a liberdade de expressão e a inviolabilidade   da correspondência representam valores cimeiros.

Todos têm direito a livremente expressar a sua opinião sem que se tenham de defrontar com qualquer tipo de limitação ou restrição, conforme decorre da proibição da censura – cfr. artigo 37º, nº 2 da Constituição, e também a todos é reconhecido o direito à inviolabilidade da sua correspondência, enquanto reserva da intimidade da vida privada – cfr. artigo 26º, nº 1 da Constituição da República.

A jurisprudência do Tribunal Constitucional vem assinalando para casos relativos a conflitos entre as liberdades de expressão e de informação, por um lado, e os direitos à honra e à reserva da vida privada, por outro, que os direitos de liberdade não garantem liberdades absolutas, estando inseridas num sistema onde existem conflitos entre direitos, e estando igualmente sujeitas aos limites estritamente necessários e adequados à salvaguarda de outros interesses.[65]

Significando que o balanceamento entre esses direitos fundamentais, tendencialmente absolutos, terá de ser encarada com suporte nos princípios essenciais da adequação e da proporcionalidade. [66]

Com a evidência que se retira da factualidade provada, a divulgação de numerosos emails de conteúdo respeitante à vida interna do Grupo Sport Lisboa e Benfica, em 20 programas televisivos, com frequência, através da sua leitura parcelar, por vezes descontextualizada e, até com alteração do respetivo sentido, conforme analisou em detalhe expressivo o acórdão recorrido - «É certo que essa divulgação se concretizou a coberto do denominado interesse público, atendendo a que do teor desses mails resultariam suspeitas de adulteração de resultados das competições futebolísticas e de eventual corrupção na área desportiva. Mas para que a investigação destes ilícitos de natureza criminal, de patente interesse público, se iniciasse e desenvolvesse não era necessária uma campanha televisiva, com laivos folhetinescos, que se desenrolou durante 20 programas ao longo de vários meses. Se apenas o interesse público movesse os réus, e em particular o réu AA, o caminho seguido teria sido seguramente diferente. Na posse de ficheiros contendo um tão largo número de comunicações eletrónicas entre elementos do Grupo Sport Lisboa e Benfica, e dos quais transparecia a possibilidade de prática de ilícitos criminais na área desportiva, impor-se-ia que tais elementos fossem de imediato entregues às entidades competentes (Ministério Público; Polícia Judiciária) que então iniciariam a respetiva investigação. Seria perfeitamente compreensível que no programa televisivo em que o réu AA intervinha fosse noticiado o início dessa investigação, mas sem leitura de qualquer mail ou de passagem deste, com o que se teria procurado respeitar o direito ao sigilo da correspondência. Mas não foi esse o caminho trilhado. Os réus optaram antes pela divulgação do teor dos mails, por vezes parcelar, o que se iniciou em … .4.2017 e prosseguiu mesmo depois de em … .6.2017 terem entregado esses mails às autoridades criminais competentes, só vindo essa divulgação a cessar com o acórdão da Relação do Porto, de 21.2.2018, que decretou a providência cautelar requerida pelos autores. O propósito não foi verdadeiramente a prossecução do interesse público, mas sim a realização de uma campanha agressiva contra o principal rival desportivo.»

Apesar de envolvente, não é nosso propósito, nem a apreciação do caso o exige, dissecar aqui as questões da dogmática-jurídica da colisão de direitos.

De resto, a exaustão empreendida pelas instâncias no enquadramento jurídico da temática da colisão de direitos e da subsunção dos factos provados, a par da densidade das alegações e pareceres juntos aos autos, dispensam indagações teóricas sobrepostas.

Destacamos.   

Em preponderância no caso sub judice está o direito ao sigilo da correspondência, que se configura aqui como delito de indiscrição.

Sabido que os direitos em apreço beneficiam de protecção na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (arts. 8.º e 10.º), justificam o diálogo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, no âmbito de “uma cultura de cosmopolitismo judicial”, obrigando «(…) a convocar, não apenas as normas constitucionais e legais internas, mas também as que integram a CEDH, tal como vêm sendo reiteradamente interpretadas e aplicadas pelo órgão jurisdicional especificamente criado pela Convenção para zelar pela respectiva interpretação e aplicação».[67]

Importa ainda a dimensão objectiva e institucional da liberdade de imprensa, em ordem à formação de uma opinião pública.

Os autores são pessoas coletivas privadas equiparáveis a figuras públicas, de grande dimensão social e desportiva, podendo, por essa via, adquirir uma substancial quantidade e qualidade de poder e de influência, a nível nacional e local.

Nessa condição, explicita Jónatas Machado, «(…) tal como se admite que os titulares de cargos políticos e as figuras públicas vejam os seus direitos de personalidade restringidos com maior intensidade do que a generalidade dos cidadãos, por imperativos de livre informação e discussão dos assuntos de interesse político e público, também se considera que as pessoas colectivas de grande projecção social e económica podem estar, em maior medida, sujeitos a restrições aos direitos fundamentais de que são titulares. Assim é, desde logo, porque existe o perigo real de o Estado de direito, nos seus elementos constitutivos fundamentais, ser capturado pelos poderes de facto, fazendo com que a autodeterminação democrática da comunidade resvale perigosamente para um pluralismo de grupos de interesses e os direitos fundamentais fiquem condicionados por relações assimétricas de pode.» [68]

Reconhecidamente, os autores pela sua notoriedade pública e pelos poderes fácticos de que beneficiam, encontram-se em situação próxima aos titulares de cargos políticos e figuras públicas, estão sujeitos, por imperativos de livre informação e discussão dos assuntos de interesse político e público, a restrições aos direitos fundamentais de que são titulares, com acrescida intensidade.[69]

De igual passo, vem sendo afirmada pela jurisprudência do TEDH e, seguida pela jurisprudência nacional, a linha de orientação de proteção reforçada da liberdade de expressão, enquanto eixo axial de uma sociedade democrática, sempre que o visado pelas imputações de factos e pelas formulações de juízos de valor desonrosos seja uma figura pública e esteja em causa uma questão de interesse público.

A liberdade de expressão não é válida apenas para ideias acolhidas favoravelmente ou consideradas inofensivas ou indiferentes, mas, de igual sorte, para as ideias que chocam ou inquietam o Estado ou parte da população, como decorre, entre outros, dos acórdãos do TEDH de 07-02-2012, caso Axel Springer Ag contra Alemanha.     

A jurisprudência do TEDH tem também afirmado que, no âmbito do discurso político ou de questões de interesse geral, há pouco espaço para as restrições à liberdade de expressão, sobretudo quando – como constitui o caso que nos ocupa – não há apelo à violência, ao ódio e à intolerância. Defende ainda que “sobre os limites da crítica admissível eles são mais amplos em relação a um homem político, agindo na sua qualidade de personalidade pública, que um simples cidadão. O homem político expõe-se inevitável e conscientemente a um controlo atento dos seus factos e gestos, tanto pelos jornalistas como pela generalidade dos cidadãos, e deve revelar uma maior tolerância sobretudo quando ele próprio profere declarações públicas susceptíveis de crítica. Sem dúvida tem direito a protecção da sua reputação, mesmo fora do âmbito da sua vida privada, mas os imperativos de tal protecção devem ser comparados com os interesses da livre discussão das questões políticas, exigindo as excepções à liberdade de expressão uma interpretação restritiva” (Caso Lopes Gomes da Silva c. Portugal, queixa n.º 37698/97, 28 de Setembro de 2000, n.º 30 ii.).


A mais recente orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça assinala a exigência de um juízo de prognose sobre a hipotética decisão que o TEDH adoptaria, caso lhe tivesse sido submetido; posto isso, sinalizar se, decorre com elevada probabilidade, caso a questão viesse a ser submetida àquela instância, entenderia que os artigos “extravasariam os limites toleráveis do exercício da liberdade de expressão e informação”.

Em concreto, em torno do futebol, o TEDH alertou para a importância social do debate jornalístico sobre a corrupção no futebol, que não sendo debate estritamente político, tem interesse geral (cfr. caso Colaço Mestre e SIC, no acórdão de 26 de abril de 2007, nº22).

Passemos à análise do teor dos e-mails divulgados e que compreendem a: Insultos de um dirigente em relação a um árbitro (sessão do dia 10.10.2017); ao comentário do presidente do autor SLB em relação a um comentador (sessão de 13.12.2017); à cópia de uma publicação do Facebook (sessão de 29.8.2017); a um pedido de ajuda material de um ex-colaborador dos autores (sessão de 31.10.17) -.

O seu conteúdo não reproduz conteúdo a indícios de adulteração de resultados futebolísticos ou de corrupção, pelo que a sua divulgação não se integra em qualquer debate mais amplo, respeitante a matéria com interesse público, cuja discussão importe fomentar.

Já algumas das comunicações, de modo mais ou menos remoto, podem insinuar existência de factos indiciadores da prática de atos ilícitos por parte dos autores (nomeadamente, de corrupção desportiva).

Vejam-se os e-mails datados de 19.12.2017 (1 email - comprovação de apoio a claques); de 13.6.17 (5 emails – amizade com presidente da Liga e ligação a VV/observador); de 19.10.2017 (1 email com lista de candidatos a árbitros assistentes); de 21.6.17 (1 email envio de mensagens de CC); de 2.1.2018 (2 emails informação arbitragem); de 5.12.2017 (6 emails informação arbitragem); de 6.6.2017 (2 emails trocados entre EE e UU).

De todo em todo, o modo em que a divulgação se processou – em programas televisivos, ao longo de vários meses, num espaço de divulgação da atividade de um clube concorrente, com um conteúdo determinado por este e através de pessoas com estreitas ligações à orbita dos réus recorrentes – revela-se desproporcionado ao fim visado de denúncia de tais supostos actos, qual poderia ter sido facilmente alcançado através da apresentação desses elementos às entidades competentes para a sua investigação; correspondendo afinal a um dever dos réus, secundando-se a observação a propósito no acórdão recorrido.

A divulgação prologou-se inclusive após a entrega pelos réus dos emails às autoridades criminais em …-06-2017, donde, pelo menos a partir desta data, a difusão tal como se encontrava a ser efetuada deixou de constituir um meio necessário à finalidade de denúncia de práticas alegadamente ilícitas.

Com ênfase, também, a circunstância de em determinadas ocasiões em que o conteúdo das comunicações foi descontextualizado e truncado, como ilustram os dois e-mails, trocados entre EE e UU (sessão do dia 06-06-2017), propalando a deturpação da mensagem. [70]

O réu AA não detém a qualidade profissional de jornalista, pelo que não se poderá afirmar que a divulgação efetuada – que não seguiu os critérios de rigor, exatidão, amplo acesso ao contraditório que enformam os deveres profissionais e deontológicos da atividade jornalística – se integre na tarefa de “cão de guarda” do Estado de Direito Democrático, repetidamente, acometida pelo TEDH à imprensa, em assuntos de interesse público.

O TEDH no caso Stoll contra a Suiça, em que estava em causa a publicação por um requerente, jornalista, de “documentos oficiais secretos” relativos às negociações estabelecidas entre o Congresso Mundial Judaico e a banca suíça, acerca das indemnizações a atribuir às vítimas do holocausto, considerou que qualquer pessoa, incluindo jornalistas, que exerça o seu direito à liberdade de expressão, assume “deveres e responsabilidades” cujo âmbito dependerá da sua situação e do meio técnico que utilize.[71]

A reter neste domínio.    

A liberdade de expressão ocupa um papel central na função de controlo do exercício do poder e dos poderes fácticos que se formam, enquanto princípio da democracia e do “subprincípio da democracia comunicativa.”[72]

Os autores que têm o estatuto de entidades colectivas de ampla projeção social, económica e desportiva, estão sujeitos a restrições mais intensas aos direitos fundamentais de que são titulares; e, por outro lado, a divulgação das comunicações levada a cabo pelos réus e violadora do direito ao sigilo da correspondência daqueles não se poderá considerar, atentas as suas características, justificada pelo interesse público e, por isso, lícita.

A forma, duração temporal e edição dos conteúdos divulgados, não permite afirmar a veracidade da descrição, na divulgação parcial do teor das comunicações, sobre factos indiciadores da prática de atos ilícitos por parte dos autores (nomeadamente, de corrupção desportiva), a circunstância de não estar em causa o exercício de atividade jornalística, e à revelia dos critérios que a norteiam. [73]

Donde, não estando os réus na origem do acesso ilegítimo às informações, de harmonia com um juízo de concordância prática entre os direitos em colisão, a violação do direito ao sigilo da correspondência que se consumou, afigura-se em medida desproporcionada e desnecessária ao fim (legítimo) pretendido; a denúncia pública poderia ter sido alcançada, comunicando às autoridades competentes os elementos de que dispunham.

No respeitante às demais comunicações que acima se fez referência, não se reconhece finalidade legítima na divulgação de correspondência privada, incidente sobre matérias desprovidas de interesse geral.

Perante o exercício ilegítimo do direito de liberdade de expressão, também, no plano civilista, não se equaciona causa de exclusão de ilicitude da conduta dos réus.

                               

Improcede a argumentação vertida nos pontos LVIII a LXXVII das suas conclusões de recurso.

                                                    *


3.4. Os danos indemnizáveis e os quantitativos fixados   

O tribunal de primeira instância fixou em €523.023,04 a quantia devida pelos réus pela divulgação da correspondência dos autores, a título de danos patrimoniais, na modalidade de danos emergentes.

O tribunal da Relação que alterou a matéria de facto dos pontos 118 e 121 da matéria de facto provada, estabeleceu medida do ressarcimento dos danos patrimoniais o valor de €605.300,90, em consonância com os artigos 562º e 566º, nº 2 do Código Civil.

Os réus recorrentes insurgem-se, alegando que foi a óbvia insuficiência da proteção do respetivo sistema informático que permitiu a sua intromissão por parte de terceiros e, que o mediatismo em torno da divulgação dos e-mails se ficou a dever ao conteúdo dos mesmos, que se provou ser genuíno.

Nessa decorrência argumentativa, enjeitam a sua responsabilidade e condenação solidária em consequência de atividade de terceiros, e que que não ficou provada a existência de concertação dos intervenientes para a prática dos factos imputados.

Acrescentam que não se verifica nexo de causalidade entre o dano eventualmente sofrido, uma vez que se provou que os réus não invadiram o sistema informático dos autores, pedindo a sua exclusão no pagamento de qualquer indemnização ou, a título subsidiário, que o valor a pagar seja reduzido para 1/29 do montante fixado.


Aproximando.

Estatui o artigo 563.º do Código Civil que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”

Segundo o entendimento doutrinário e jurisprudencial dominante, pelo menos no âmbito da responsabilidade civil extracontratual subjetiva, a lei consagrou a doutrina da adequação – concretamente, na sua formulação negativa - segundo a qual o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercedam no caso concreto.

Resultou provado com pertinência para a situação em juízo, que não foram os réus a intrometer-se no sistema informático dos recorridos (pontos 29 e 150 da facticidade assente).   

Acresce que também se provou que a divulgação das comunicações, efetuada no “P…”, impactou as notícias sobre a matéria na comunicação social (cfr. pontos 72 e 73 dos factos assentes).

Assim, o jornal Expresso na edição de … de junho de 2017 divulgou novos e-mails, designadamente, um e-mail de SS para TT, assessor jurídico da Autora SLB SAD, se referiu ao árbitro de um jogo FC Porto x SL Benfica nestes termos: “Paulo devíamos participar deste artista (…) pois brincou com o Benfica. Temos de dar-lhe cabo da nota”, tendo o Expresso verificado que a nota desse árbitro foi reduzida de 3,5 para 2,00. Este e-mail veio a ser discutido no programa de 21-07-2017 (facto n.º 170).

A revista “Sábado” publicou em … de setembro de 2017, uma compilação de todos os acontecimentos circundantes ao “caso dos emails” (ponto 147 dos factos provados), e o jornal desportivo Record noticiou em 12 de Abril de 2017, sob o título “IPDJ confirma que Benfica dá apoio ilegal às claques”, uma notícia em que refere, designadamente, que “O Instituto Português do desporto e da Juventude (IPDJ) propôs uma multa de 37.250 euros ao Benfica por cinco infrações relativas ao apoio a claques que não estão legalizadas” (ponto 148).

Acerca da eventual divulgação prévia da correspondência no blog de acesso público, denominado “Mercado de Benfica.”, apenas se apurou que o e-mail divulgado no dia 11 de abril de 2017 por AA, estava disponível num blog.[74]

Sobre a circunstância de, na sequência da divulgação das comunicações pelos réus, terem sobrevindo outras condutas lesivas dos direitos dos autores, designadamente, na sua imagem e reputação, deverá a respetiva imputação objectiva ser acometida aos réus, na perspectiva da causalidade mediata ou indireta.

A doutrina da causalidade adequada na sua formulação negativa, não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que tem de admitir-se a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não e, ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano.

Tal como propugnam Paula Costa e Silva e Nuno Trigo dos Reis, no parecer junto, «(..)ante a qual o autor de um primeiro evento lesivo deve responder pelas consequências emergentes de um evento posterior, sob a forma de um comportamento de um terceiro.”

Neste tópico Brandão Proença refere também que, nas situações de causalidade indireta- em que uma causa anterior favorece ou eleva o risco de surgimento de uma causa posterior- o responsável pela causa direta suportará os danos secundários, provenientes de actos do lesado, de terceiros ou decorrendo de circunstâncias fortuitas.[75]

O Supremo Tribunal de Justiça, em situações paralelas, confluiu na direcção da causalidade normativamente operante ou causalidade indireta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que diretamente suscite o dano.[76]

Na componente dos danos patrimoniais vigora, em primeira linha, o princípio da reconstituição natural, cedendo lugar a indemnização em dinheiro, quando aquela não seja possível, não repare integralmente os danos ou, seja excessivamente onerosa para o devedor ; a indemnização por equivalente, deverá ser fixada acordo com a teoria da diferença entre a situação real atual e a situação hipotética correspondente ao mesmo momento, considerando as disposições conjugadas dos artigos 562º e 566º do Código Civil.  

Da factualidade assente importa considerar na avaliação dos danos patrimoniais a reparar, os seguintes pontos:

  «118 - As Autoras efectuaram esforços para mitigar o resultado danoso, que incluíram a contratação de serviços de terceiros (entre Abril de 2017 e Março de 2018), nos quais despenderam a quantia total de €265.080,00 (duzentos e sessenta e cinco mil e oitenta euros), dos quais: Em protecção e reforço dos seus sistemas informáticos e melhoria da segurança das suas bases de dados informáticas, as Autoras pagaram a empresa especializada acima indicada a quantia total de €188.080,00 (cento e oitenta e oito mil e oitenta euros) – cfr. faturas que se juntam sob o Documento n. º 55; em comunicação digital da marca Benfica e do Grupo Sport Lisboa e Benfica, as Autoras pagaram também à empresa acima indicada a quantia total de €56.000,00 (cinquenta e seis mil euros) – cfr. faturas que se juntam sob o Documento n. º 55. No trabalho de confirmação das despesas incorridas pelo Grupo Benfica no âmbito deste processo, as Autoras pagaram à empresa PWC acima indicada a quantia total de €21.000,00 (vinte e um mil euros) ; 119. Devido à divulgação das suas comunicações foi necessário reforçar a sua estrutura interna com as mesmas finalidades (reforço do departamento informático, de comunicação, de marketing e jurídico), através da contratação de 18 novos colaboradores;120. Estes colaboradores foram contratados, após o início da atividade dos Réus e os custos apresentados respeitam a salários, contribuições e honorários até 31 de março de 2018, ascendendo nesta data ao montante de €340.220,90 (trezentos e quarenta mil duzentos e vinte euros e noventa cêntimos); e 121. Os custos incorridos com ações mitigadoras das lesões causadas pelas Rés ascenderam assim, até à data, ao montante global de €605.300,90 (seiscentos e cinco mil trezentos euros e noventa cêntimos).”

Os réus recorrentes repudiam a sua condenação no pagamento da quantia de €188.080,00, despendida pelos autores em proteção e reforço dos seus sistemas informáticos e melhoria da segurança das suas bases de dados informáticas, alegando que não existe nexo de causalidade em relação à sua conduta, por não terem acedido a tal sistema informático.

Os autores, reportando ao parecer de Paula Costa e Silva e Nuno Trigo dos Reis, justificam o pagamento dessas despesas, sustentando que “(..)estes dispêndios foram assumidos pelas lesadas com a finalidade de afastar um perigo sério e actual de verificação de novos prejuízos, os quais, se viessem a ocorrer iriam provavelmente conduzir a um agravamento da responsabilidade dos Réus. Por outro lado, o montante das despesas era previsivelmente inferior ao valor do dano que elas visavam evitar, o que obrigava a valorar o comportamento do lesado como razoável e justificado. Estão, assim, reunidos os pressupostos da equiparação das despesas preventivas a danos indemnizáveis. Sendo-lhes aplicáveis as regras gerais relativas à obrigação de indemnização do dano aquiliano, deve aplicar-se-lhes o disposto no art. 497.º, n.º 1 CC.”

Na verdade, o facto consistente na divulgação do conteúdo das comunicações actuou como condição das despesas que os autores suportaram e, em abstrato, a divulgação de conteúdos reservados exigiu medidas com vista à salvaguarda a intangibilidade do sistema.

Sob formulação distinta, caso não tivesse existido a divulgação dos conteúdos por parte dos réus recorrentes, provavelmente os autores não se teriam visto na contingência de realizar as despesas sob escrutínio, já que o acesso ilegítimo aos conteúdos ocorrido não teria sido consequente, não implicando a ampla difusão da informação que se veio a concretizar.

Por último, também para os precursores da teoria do fim da norma legal infringida, o reforço empreendido na segurança do sistema informático dos autores, inscreve-se no núcleo de interesses tutelados pela norma que consagra o direito ao sigilo da correspondência.

Os valores apurados quanto a tais despesas não se mostram desproporcionais em relação à dimensão da informação em causa e à estrutura dos autores, devendo, por conseguinte, afirmar-se um nexo de imputação objetiva, ainda que não se tenha provado que tenham sido os réus a aceder a tal sistema, a justificar a sua inclusão na categoria dos danos indemnizáveis.

Por fim, a facticidade assente não emerge indício que surpreenda a culpa dos autores, com efeito de redução da indemnização, sob o disposto no n.º 1 do artigo 570.º do Código Civil.

A propósito decidiu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de -19-04-2018 - “para efeitos de repartição da responsabilidade entre o agente e o lesado, nos termos do artigo 570.º, n.º 1, do CC, importa que a conduta ilícita e culposa imputada a este lesado se mostre causal da produção do acidente, à luz da teoria da causalidade adequada.”[77]

Em particular, afigura-se-nos que a circunstância de os e-mails conterem elementos que, a serem conhecidos pelo público, fossem suscetíveis de prejudicar os autores, seja enquadrada na perspectiva da “culpa do lesado”.

A troca de mensagens não se reconduz a uma conduta culposa por banda dos autores, sujeito a uma reprovação social ou, a um desvalor moral, ou a um acto desrespeitador de um ónus jurídico que sobre eles impendesse - antes consubstancia a exercitação de uma faculdade irrenunciável da intersubjetividade que se efetiva entre pessoas coletivas e singulares.

No demais; a responsabilidade solidária dos réus Futebol Clube do Porto, Futebol Clube do Porto, SAD; FCP Media, S.A., A..., S.A. e AA alicerça-se no disposto nos artigos 490.º, 497º, nº1, e 513.º do Código Civil.

Não constando provada a concertação dos intervenientes na prática dos factos, verifica-se uma “comunhão de fim” na atuação dos lesantes, com idêntica natureza à satisfação do interesse do credor através da caracterização do dano, própria da solidariedade passiva.

A intervenção diversa de cada um dos agentes, no plano da culpa e das consequências advenientes da prática dos factos lesivos, apenas interfere no âmbito das relações internas, conforme decorre do disposto no artigo 497º, nº 2, do Código Civil, para o exercício eventual o direito de regresso, valendo o regime da conjunção não no plano das relações externas, intercedentes entre lesantes e lesados.

Conforme se vem de mencionar, no releva a alegada natureza fidedigna do conteúdo factual dos e-mails, pois, a própria divulgação de conteúdo reservado consubstancia, de per se uma violação do direito tipicamente ilícita, a também a divulgação descontextualizada e truncada dos conteúdos compromete a genuinidade da informação difundida.

Em lugar paralelo aos actos de devassa da vida privada, a verdade dos factos da informação reservada não exclui a ilicitude da sua divulgação, que configura a danosidade social destas condutas e fundamenta a sua ilicitude material, estando em causa um ilícito de indiscrição e, não um delito contra a honra.

Recuperando agora a questão das condutas de terceiros na divulgação da correspondência, acompanhamos o acórdão recorrido quanto à obrigação dos Réus responsáveis repararem integralmente os danos provocados às Autoras.

A registar que não ficou provado que a divulgação da correspondência dos autores por parte de entidades terceiras, tenha precedido a divulgação efetuada pelos réus, e seguindo a fundamentação do acórdão da Relação “se outros depois dos réus reproduziram os documentos que inicialmente foram por eles revelados, isso só sublinha a potencialidade lesiva da conduta destes, numa clara amplificação dos efeitos resultantes da violação da correspondência dos autores.”

De todo o modo, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, a pluralidade de sujeitos lesantes implica solidariedade entre os responsáveis em clara protecção dos interesses do lesado, que poderá reclamar de cada um dos lesantes o cumprimento integral da obrigação de indemnizar- artigo 512.º, nº1, do Código Civil.

                                                  *

Em conclusão, improcede a pretensão recursiva dos réus transposta nos pontos LXXIII a LXXXVII das conclusões de recurso.                                                    


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3.5 A compensação devida por danos reputacionais              

3.5.1 Nas instâncias 

No pedido de indemnização com maior expressão monetária- € 17.000,000,00- incidente sobre os “danos de difícil quantificação “os autores incluíram a compensação que entendem devida na vertente da afectação do seu bom nome e imagem e da marca Benfica; danos que correspondem aos invocados e assim denominados pelos autores como danos reputacionais.[78]        

O tribunal de primeira instância enveredou pelo tratamento destes danos no domínio dos danos não patrimoniais, fixando a respetiva compensação em € 1450.000,00, que alcançou com recurso à equidade e os critérios legais contemplados no artigo 496º do Código Civil.     

O tribunal da Relação reavaliou em baixa a avaliação dos danos reputacionais e fixou em € 1.000.000,00 o montante indemnizatório atribuído aos autores, em aplicações também dos parâmetros definidos para os danos não patrimoniais no artigo 496º Código Civil. 

Os réus reclamam a sua absolvição, alegando que a divulgação da factualidade subjacente prosseguiu interesse legítimo, entendido como interesse social relevante, e a veracidade, ou, assim não se entendendo, pugnam pela significativa redução do valor arbitrado, comparando o valor atribuído à indemnização pela perda da vida.[79]

Argumentam que a sua condenação “jamais poderia ultrapassar no (i) primeiro grupo de emails, respeitante a situações que não a Relação entendeu não possuir interesse público, o valor individual da indemnização em metade de 20.000,00€, portanto 10.000,00€; (ii ) no segundo grupo de emails, em que já reconhece a existência de interesse público, o valor da indemnização por email seria reduzido para metade de 10.000,00€, portanto 5.000,00€ e (iii ) no terceiro grupo de emails, onde a Relação reconheceu existir efetivo interesse público têm os Recorrentes de ser absolvidos do pagamento de qualquer quantia indemnizatória.”

Os autores, naturalmente, defendem ao invés que, o tribunal recorrido não observou o princípio da proporcionalidade, em face do reduzido montante arbitrado pelos alegados “danos não patrimoniais”, alheia à gravidade reconhecida dos factos, à sua intensidade, ao seu caráter reiterado e altamente danoso, e não repercutiu a desconsideração de não se verificar concausalidade na actuação dos lesados autores.

Afirmam também que a metodologia seguida no cálculo da indemnização em causa deveria assentar numa atenuação derivada do suposto conteúdo dos e-mails, em violação do artigo 34.º da CRP e, os artigos 496.º, n.º 1 e n.º 4, e 494.º do Código Civil.

Na valoração desta parcela indemnizatória o acórdão recorrido (na esteira da sentença) distinguiu por categorias o conjunto dos e-mails divulgados, a saber:

  “i) e-mails que não possuem qualquer interesse público e só foram revelados por curiosidade e vontade de denegrir os intervenientes: 13.11.17, 1 e-mail (conversa interna) 6.2.18, 5 e-mails (suposta encomenda de parecer de UUU) 29.8.17, 1 e-mail (cópia de publicação Facebook) 31.10.17, 1 e-mail (pedido de apoio ex-colaborador) 5.9.17, 3 e-mails (preparação entrevista do presidente dos autores) 10.10.2017, 1 e-mail (insulto em privado a um árbitro); ii) e-mails em que já existe algum interesse público, mas em que o fim visado também não foi informar, mas fundamentalmente afetar um concorrente, integrando-se numa intenção comercial de perturbação: 8.8.17, 1 e-mail (suposto acesso ao computador de NNNN), 9.1.18, 2 e-mails sobre erros dos observadores: VV e TT, 18.4.17; 1 e-mail (concedendo 50 convites: excursão avós e netos do município da …), 26.12.17, 1 e-mail (constituição de blog LLLs / SS); iii) e-mails em que existiria interesse público não fora a forma, o motivo e as datas como foram divulgados; iv) uma categoria autónoma, em que foram englobados 5 e-mails que dizem respeito à celebração de contratos de bruxaria (sessão de 27.6.17, conforme doc 10-A); e 2 e-mails, divulgados em 6.6.2017”, que dizem respeito às mensagens difundidas de forma deturpada.[80]

Acolheu a bondade desse critério - referência e com analogia com o valor da indemnização atribuído pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 8.3.2007, no caso da publicação em jornal de notícia das alegadas dívidas fiscais do clube desportivo Sporting Clube de Portugal (“leader case”).

Optou, porém, pela contenção do montante arbitrado na reparação quanto à publicação dos três primeiros grupos de emails referenciado e estabeleceu valor inferior.    

Para o que ponderou que no “caso Sporting”, o TEDH acabou por censurar o Estado Português, tomando por desproporcional a indemnização por perdas e danos estabelecida pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Tudo aponta, porém, para o diverso recorte do caso ora em juízo, inserido num quadro factual de gravidade superior ao apurado no caso das alegadas “dívidas fiscais do Sporting.”

Ao abrigo da Convenção, qualquer decisão que fixe perdas e danos por difamação, deve apresentar uma relação razoável de proporcionalidade com a ofensa causada à reputação – com  referência aos arestos proferidos pelo TEDH , nos casos “Tolstoy Miloslavsky c. Reino Unido( 13 de Julho de 1995, § 49, série A nº 316 B); “Steel e Morris c. Reino Unido, (nº 68416/01, § 96, CEDH 2005 II); em termos idênticos,  a condenação impedir a imprensa de cumprir o seu papel de informação e de controlo  no caso “Monnat c. Suíça” (, nº 73604/01, § 70, CEDH 2006 X) artigo 10º da CEDH.


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3.6. Reapreciação dos danos reputacionais e a pessoa colectiva  

Na esteira dos ensinamentos de Manuel de Andrade, as pessoas coletivas «(..) podem ser titulares de direitos de personalidade, como sejam o direito ao nome (firma quanto às sociedades) ou a distinções honoríficas, e até ao direito ao bom nome (honra).»           

De igual modo, Carvalho Fernandes afirma que «(…) não lhes estão vedados direitos pessoais, como o direito ao nome, ao bom nome (honra) e a distinções honoríficas, ainda que, mais uma vez, segundo uma configuração e um regime adequados à sua natureza.»          

Ao afirmar-se que a pessoa colectiva pode ser lesada na sua imagem, enquanto projecção social análoga ao bom nome e à reputação, em sintonia com o porfiado pelo Supremo Tribunal de Justiça, v.g., no acórdão de 05-10-2003 - «Efectivamente, as pessoas jurídicas podem ser lesadas na sua boa imagem, no seu crédito. […] transmitem para o exterior uma certa e determinada imagem da forma como se organizam, funcionam e prestam serviços.»            

Aqui chegados, teremos de retomar a natureza própria dos danos reputacionais que compreendem no caso em juízo a afectação da honra, da imagem e marca dos autores.

Sob essa categoria de danos reputacionais foram peticionados pelos autores (v.al) a da petição inicial) e com tal também contextualizados na esfera da alegação jurídica das partes e apreciação das instâncias.         

Admitir a existência de (alguns) direitos de direitos de personalidade das pessoas colectivas, não parece implicar, ipso facto, que em caso de afectação, resultem necessariamente danos não patrimoniais.          

Enquanto pessoas colectivas, dificilmente se poderá afirmar que os autores são passíveis de sofrer danos não patrimoniais, apontando outrossim, para a tipologia dos danos patrimoniais, ainda que indirectos.   

É reconhecida como uma das questões controversas na dogmática civilística, o debate em torno da admissibilidade de as pessoas colectivas serem sujeitos - alvo de danos morais ou não patrimoniais.           

Na situação que julgamos, independentemente da resposta à questão de o direito ao bom nome integrar a categoria dos danos ressarcíveis como danos patrimoniais indirectos ou, como danos não patrimoniais proprio sensu, tenha-se presente que os autores na petição inicial invocaram, tout court, danos reputacionais em razão da afectação do bom nome comercial da marca Benfica.

Danos reputacionais que se ajustam à categoria de danos patrimoniais indirectos e por consequência não poderão ser avaliados na expressão do quantum indemnizatório devido ao lesado como se de danos não patrimoniais se tratasse.

Não secundamos, pois, o acórdão recorrido ao aplicar nesta sede os critérios legais estabelecidos para a fixação da compensação monetária por danos não patrimoniais, tomando a equidade como factor preponderante (artigo 496, nº1, e nº3 do Código Civil).  

Por consequência, na operação de fixação do quantum respondenterur no que se refere aos danos reputacionais causados aos autores serão de observar os parâmetros legais consagrados para os danos patrimoniais, i.e, o cálculo do montante indemnizatório deverá efectuar-se tendo por base a teoria da diferença de acordo com o disposto no artigo 562º e 566º, nº2, do Código Civil.                    


A principal factualidade provada sobre a matéria fundamentalmente consta dos pontos 122, 124 a 127 factos provados que se transcrevem:

“124. A FLY EMIRATES, patrocinador das AA foi alvo de comentários nas redes sociais, por parte de pessoas de variados pontos do mundo, questionando como era possível uma sociedade comercial de tanto prestígio manter-se ligada comercialmente a um clube que, alegadamente, na versão dos Réus, domina um esquema de corrupção desportiva em Portugal.

125. Em qualquer negociação em curso ou futura, sempre as Autoras estarão, em consequência direta do comportamento dos Réus, em posição de desvantagem, nomeadamente na angariação de mais verbas resultantes do contrato de patrocínio desportivo ou na obtenção de qualquer outra vantagem de cariz comercial dessas sociedades.

126. É desonrosa a associação das Autoras a atividades de bruxaria para obtenção de resultados desportivos, constituindo tal episódio uma fonte adicional de descredibilização junto de patrocinadores e de outros parceiros, tais patrocinadores encaram com grande incómodo a associação a parceiros que, direta ou indiretamente, se entregam a atos de bruxaria.

127. Pelo menos parte das imputações continuam a estar disponíveis publicamente na web.”.


*


A insuficiência manifesta desta factualidade do ponto de vista da extensão e precisão da repercussão económica concreta na actividade-marca dos autores, decorrente da actuação ilícita dos réus, não permite ao tribunal, neste momento, fixar o valor indemnizatório neste âmbito.    

Neste conspecto, atento o que dispõem os artigos 358º e 609º, nº2, do CPC, a obrigação de indemnização devida pelos réus neste quadrante deverá ser quantificada em ulterior incidente de liquidação de sentença, de acordo com o julgado nesta sede.  [81]


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3.7.A condenação da ré A..., S.A. operadora de televisão

A ré discorda, mobilizando os seguintes argumentos- “(i ) - Não tendo ficado demonstrada a existência de um vínculo contratual entre o Recorrente AA e a Recorrente não lhe poderá ser assacada responsabilidade civil ao abrigo do disposto no art.º 70º, nº 2, da Lei da Televisão; (ii ) ainda que se entenda que a aplicação do art.º 70º, nº 2, da LT não derroga a aplicação do art.º 70º, n.º 1, da mesma, logo, não afasta o regime geral da responsabilidade civil, não se encontram verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual previstos no art.º 483º do Cód. Civil, não podendo, por isso, ser a Recorrente responsabilizada nos termos dos art.ºs 490º e 497º do Cód. Civil; (iii ) também não pode a Recorrente ser responsabilizada nos termos previstos no art.º 486º do Cód. Civil desde logo porque não tinha o dever de impedir a divulgação da correspondência e, por último (iv) nem mesmo ao abrigo do art.º 500º do Cód. Civil podia a Recorrente ser responsabilizada pois não existia à data dos factos, nem existe, uma relação de comissão entre a mesma e o Recorrente AA.”

O - acórdão recorrido - fundamentou a condenação da ré A…, SA à luz -do regime previsto no art. 70.º do Lei da Televisão, aprovada pela Lei n.º 27/2007, de 30 de julho e, a título subsidiário, ao abrigo do artigo 486.º do Código Civil , considerando que «a A…, S.A.”, por força de imperativo constitucional – art. 34º, nº 1 da Constituição da República – tinha o dever de impedir a divulgação da correspondência dos autores e nada fez, donde para estes resultaram danos.»

Segundo o que estipula o artigo 70.º da Lei a Televisão, “1 - Na determinação das formas de efetivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos através de serviços de programas televisivos ou de serviços audiovisuais a pedido observam-se os princípios gerais. 2 - Os operadores de televisão ou os operadores de serviços audiovisuais a pedido respondem solidariamente com os responsáveis pela transmissão de materiais previamente gravados, com exceção dos transmitidos ao abrigo do direito de antena, de réplica política, de resposta e de retificação ou no decurso de entrevistas ou debates protagonizados por pessoas não vinculadas contratualmente ao operador.”

De acordo com a perspetiva da ré recorrente, a sua responsabilidade, na qualidade de operadora, está excluída do âmbito da norma, por estar em causa um debate protagonizado por pessoa não contratualmente a si vinculada. [82]   

Acolhendo o propugnado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de - 20-09-2023 - « (..) o art.70º, n.1 da Lei da Televisão, ao remeter para as regras gerais da responsabilidade civil, não estabelece qualquer restrição quanto à aplicação desse regime, que levasse a concluir que o art.500º do CC não tivesse aplicação no domínio da responsabilidade civil dos operadores televisivos ou da atividade televisiva em geral”, reconduzindo-se a “ratio” do n.º 2 do art. 70.º da Lei da Televisão a ampliar “a responsabilidade dos operadores de televisão (por confronto com o âmbito de aplicação do art.500º do CC), responsabilizando-os também por factos ilícitos próprios (e não apenas pelo risco como no art.500º do CC), quando esteja em causa a exibição de programas previamente gravados, pois em tal hipótese o operador televisivo tem a possibilidade de controlar ou supervisionar previamente os conteúdos dos programas que serão posteriormente exibidos.» [83]

Em divergência com a tese sustentada pela ré recorrente, o n.º 2 do artigo 70.º da Lei da Televisão não derroga, quanto aos operadores de televisão, a aplicabilidade do n.º 1 da mesma disposição e, por conseguinte, as regras gerais da responsabilidade civil. [84]

No caso, não sendo viável responsabilizar a recorrente A…, SA, por acto próprio, ao abrigo do n.º 2 do art. 70.º da Lei da Televisão, por não resultar provado que os programas do “P…”, em que foram divulgadas as comunicações, fossem programas previamente gravados, e a divulgação ter ocorrido no decurso de debates protagonizados pelo réu AA, com o qual não ficou provado existir vínculo contratual com a ré.

O acórdão recorrido responsabilizou a ré A…, SA, diretamente – como autora ou auxiliar do ato ilícito, se bem vemos - ao abrigo da norma prevista no artigo 490.º do Código Civil, uma vez que a mesma “conforme decorre do nº 36 da factualidade assente, faz parte do Grupo Futebol Clube do Porto, tal como o FCP Clube, a FCP SAD e a FCP Media e foi ela o veículo utilizado pelo Grupo para a efetivação do ilícito.”

Secundamos o acórdão recorrido no tocante à conduta do réu AA, que preenche todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, nos termos dos artigos 70.º, nº1, 1 da Lei da Televisão e 483º do Código Civil, tendo ficado demonstrada a prática de factos voluntários, violadores dos direitos ao sigilo das comunicações, ao bom nome e reputação dos autores, actos subjetivamente que lhes foram imputáveis (culposos) e aptos produzir os danos demonstrados.

Quanto à ré A…, SA, na qualidade de operadora de televisão, tinha o dever específico, de impedir a divulgação da correspondência dos autores, conforme previsão do artigo 486.º do Código Civil, reforçada à luz do n.º 1 do art. 34.º da Constituição.

Ilustra a propósito o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.06.2021, (…) «norma positivada no art. 486 do Código Civil, estabelece uma situação de responsabilidade pela omissão, exigindo a comprovação de dois requisitos específicos: (1) a existência do dever jurídico de praticar o acto omitido, (2) e que o acto omitido tivesse seguramente ou com maior probabilidade, obstado ao dano.”[85]

Sobre a natureza do dever conducente à responsabilidade por omissão, Antunes Varela, observa- “o dever imposto por lei tanto pode resultar de uma norma preceptiva, que diretamente imponha certa acção, como provir indirectamente da norma que imponha a nossa colaboração na prevenção de certo resultado, que é punido ou reprovado de outro modo na lei.”  [86]

Na emissão do canal televisivo, a Ré A…, SA não podia ignorar o conteúdo ilícito dos episódios que foram transmitidos, em programa que esteve no ar, num canal da sua titularidade, durante ao longo de dez meses (factos provados 57 a 91 da materialidade assente), e nos quais foi anunciada a continuação da divulgação (pontos 82, 93 e 200 da facticidade provada).[87]

Concedendo numa apreciação benevolente, podendo a ré A…, SA ter sido apanhada desprevenida, na divulgação ocorrida no primeiro programa do P…, no dia …-04-2017, nenhum elemento objetivo justifica a sua omissão de cessar a divulgação da correspondência que ocorreu em “sucessivos, previsíveis e previstos ilícitos”.

Quanto aos programas subsequentes, era-lhe exigível o dever de obstar à divulgação de conteúdos reservados da correspondência dos autores, violadores do seu direito ao sigilo das comunicações.

                                                    *

Pelo exposto, improcede o recurso da ré A…, SA.

                                                     *

3.8.A responsabilidade civil dos réus administradores e a previsão do artigo 79.º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais

Os autores pugnam pela condenação dos réus BB, CC e DD, absolvidos pelas instâncias.

Sustentam em síntese que -“o artigo 79.º, n.º 1, do CSC abrange qualquer caso em que, por dolo ou mera culpa, por ação ou omissão, o(s) administrador(es) contribuem, nos termos do artigo 490.º do CC, para que se perpetrem as referidas condutas ilícitas (como de violação de direitos absolutos e/ou violação de normas de proteção, como as de proteção da concorrência), respondendo cumulativa e solidariamente a sociedade”, sendo que os “os Réus Administradores autorizaram e/ou consentiram na divulgação de correspondência confidencial e na apropriação de segredos de negócios das Autoras, como evidenciado pelos factos provados (vide, nomeadamente, os factos provados n.ºs 30, 46, 55, 56, 198, 199, 200 e 201).” Acrescentam, por outra banda, os recorrentes que “os Réus Administradores, para além de contribuírem diretamente para a violação dos direitos das Autoras, também nada fizeram para impedir a continuação da conduta ilícita, nem para remover ou minorar os danos causados às Autoras.”

Os réus afirmam em oposição, que não se verificou interferência alguma da sociedade na produção dos danos e não ficou demonstrado que tenha havido da parte dos administradores um plano global de ataque aos autores, e nenhuma ação própria, concreta e exclusiva lhes pode ser atribuída.

No acórdão recorrido concluiu-se não ser possível subsumir o caso dos autos à previsão normativa do artigo 79.º, nº1, do CSC, uma vez que a factualidade assente não demonstrou que os réus administradores tenham assumido uma participação essencial no processo causal que provocou o dano, sem interferência – total ou parcial – da sociedade, não bastando “a mencionada produção de afirmações retóricas ou irónicas.”

Analisemos.

Dispõe o n.º 1 do artigo 79.º do CSC que “os gerentes ou administradores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que diretamente lhes causarem no exercício das suas funções.”

Um parêntesis dando nota que, do regime legal das sociedades desportivas – Dec.-Lei 10/2013, de 25 de janeiro - não resultam regras próprias em matéria de responsabilidade civil dos seus administradores, aplicando-se as regras gerais sobre a matéria.[88]            

Sobre a delimitação desta responsabilidade extracontratual, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem atestando, que no âmbito de interpretação e aplicação daquele preceito legal, estão em causa danos que incidam diretamente no património e que lhes sejam causados sem interferência da sociedade.

Lê-se no acórdão do STJ de- 28-01-2016- “a responsabilidade de que aqui se cuida, no que aos terceiros concerne, é também uma responsabilidade extracontratual resultante de factos ilícitos, culposos e danosos praticados pelos administradores no exercício das suas funções, isto é, durante e por causa da actividade de gestão e/ou representação social – artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil. Porém, os administradores apenas poderão ser responsabilizados quando violem deveres no tráfico a que pessoalmente estejam obrigados, ou seja, quando desrespeitem o dever jurídico de actuar sobre aspectos da organização ou do funcionamento empresarial-societário que constituam fontes especiais de risco para terceiros. Por conseguinte, não serão responsáveis por toda e qualquer deficiência organizativo-funcional da sociedade geradora de danos como se tivessem a “posição de garantes” desses terceiros já que, a entender-se de outra forma, tal levaria a uma extensão ilimitada da sua responsabilidade que não se encontra consagrada no nosso ordenamento jurídico.”[89]

No acórdão do STJ de- 28-02-2019 - “o critério de distinção entre os danos directos e os danos indirectos, entre os danos directamente causados no sentido do art. 79.º e os danos indirectamente causados no sentido do art. 78.º do Código das Sociedades Comerciais, encontra-se na intermediação do património da sociedade [7]. Os danos directos produzem-se na esfera do terceiro sem a intermediação do património da pessoa colectiva; os danos indirectos, com a intermediação do património da pessoa colectiva.”[90]       

Seja como for, caminhou-se para uma linha consensual de interpretação do artigo 79º do CSC, no sentido da maior exigência na verificação dos pressupostos da responsabilidade  dos administradores , nomeadamente, no que se refere à imposição de que o dano seja causado diretamente na esfera jurídica de terceiros – variante que releva para a análise do presente caso, em que os autores assumem a qualidade de “terceiros”, por serem sujeitos que não se confundem com a sociedade nem como os administradores ou sócios (enquanto tais) da mesma sociedade.    

Na doutrina, o exercício hermenêutico do conceito de “dano direto” para efeitos da previsão do n.º 1 do art. 79.º do CSC não apresenta tratamento unívoco.

Para Menezes Cordeiro, os danos a que se refere naquela norma serão de difícil verificação, sob pena de comprometer a ideia de personalidade coletiva.

Para o insigne professor - danos diretamente causados - são aqueles que ocorrem sem interferência da sociedade, ocorrendo- “em termos que não são interferidos pela presença da sociedade. Tudo se passará, pois, em moldes tais que a representação da sociedade, mesmo a ser invocada, se mostre irrelevante.”  (…)  os danos diretos advirão de práticas dolosas dirigidas à consecução do prejuízo verificado ou de atuações negligentes grosseiras cujo resultado seja inelutável”.[91]

No parecer apresentado em consulta solicitada pelos autores acerca da matéria, o qual elaborou em parceria com A. Barreto Menezes Cordeiro, defende(m) que dos factos descritos nos pontos 198 e 200 da matéria de facto assente, o administrador BB agiu nomine proprio, não operando no caso o privilégio da imputação apenas às pessoas coletivas.

Acrescentando que “(..)também acima transcritos factos 30, 46, 47, 48, 55 e 56 denotam um plano concertado entre os administradores demandados no sentido de lançarem o esquema da divulgação pública dos e-mails ilicitamente apropriados. Estas condutas, não têm a ver com o objeto social das sociedades envolvidas nem concitam qualquer poder de representação. Vale o “teste de resistência”: a não haver sociedades, os factos em jogo poderiam ser praticados pelos visados, com os mesmos perfis e as mesmas consequências. Tudo se conjuga para a aplicação do artigo 79º/1 do Código das Sociedades Comerciais. Estamos em face de uma situação de responsabilidade aquiliana: a responsabilidade dos envolvidos é solidária, nos termos dos artigos 490º e 497º do Código Civil, a responsabilidade de todos é solidária.”

Coutinho de Abreu pronunciou-se no sentido de “o dano directo” a que respeita o artigo 79, nº1 do CSC, ter de incidir diretamente no património de terceiro, não relevando o dano reflexo, derivado do dano sofrido diretamente pela sociedade.

Oliveira Ascensão compreende o termo “diretamente” referido naquele preceito    querendo significar que o administrador responde para com terceiros somente por condutas dolosas ou particularmente reprováveis. [92]

Voltando à factualidade em juízo.

Ficou provado – ponto 30- que a divulgação da correspondência e comunicações privadas e dos documentos confidenciais e/ou contendo segredo do negócio dos autores resultou de uma estratégia conhecida e autorizada pela administração do Grupo Futebol Clube do Porto, para quem o réu AA trabalha e na qual exercem funções de administração os três réus BB, CC e DD; ficou provado- pronto 56-  que “os Réus Sr. BB, Dr. DD e Dr. CC, através da liderança do primeiro, e a concordância e a adesão solidária dos segundos, definiram e definem a estratégia de comunicação das Rés FCP CLUBE, FCP PORTO SAD, FCP Media, P…, o seu posicionamento no caso dos “emails”, as relações institucionais e empresariais daqui decorrentes, incluindo designadamente todas as atividades e atos de divulgação, que seguiram a orientação e determinação (genérica) dos Réus Sr. BB, Dr. DD e Dr. CC, sob a liderança do primeiro.” .   

Sendo ainda relevante a factualidade provada nos pontos:

198 - Em publicação na revista “…”, ano 32, n.º 368, de Julho de 2017, o Presidente do Conselho de Administração da …, Presidente da FCP SAD e do FCP CLUBE, escreveu, na rubrica designada “Página do …”, a fls. 7 da mencionada revista, o seguinte: “(…) acredito que é possível, mesmo com os fatores extra de outros, que continuaremos a denunciar.”;

199 - O Réu AA declarou no programa “…”, do dia 28 de Junho de 2017: “Não, já vou explicar também isso, também para combater a contra-informação, mas pronto, o que… da nossa parte, Futebol Clube do Porto, nós estamos completamente disponíveis e estamos a colaborar no que podemos e, basicamente, o que podemos é partilhar a informação que temos e a que, eventualmente, venhamos a ter, porque isso continua a acontecer, portanto, nós, à medida que, eventualmente, nos chegue nova informação, o nosso compromisso que assumimos com a polícia judiciária é que vamos entregar tudo o que nos chegue”;

200 - “No discurso durante a entrega dos Dragões de Ouro, BB, presidente do FC Porto, referindo-se a AA, diretor de … do clube, que recebeu o prémio de Funcionário do Ano, disse: "O Dragão de Ouro para Funcionário do Ano foi muito justo. O AA é um exemplo de dedicação, na permanente luta contra aqueles que não querem a descoberta da verdade, contra a vontade de não quererem que o futebol e o desporto sejam uma escola de virtudes, é de uma grande coragem. Fiquei feliz, porque a sua escolha foi feita por unanimidade, só tive pena de não poder dar-lhe os parabéns por e-mail, porque não tenho.";

201 - Por sua vez, AA no seu discurso de agradecimento afirmou: “Boa noite. É uma enorme honra e privilégio receber este dragão. Gostaria de o partilhar com todos os camaradas que trabalham comigo no dragão caixa, na nossa redação ali em cima. Queria também agradecer ao Sr. Presidente e à nossa Administração, ao nosso diretor-… WWWW, terem acreditado que valia a pena travar esta batalha, que espero que ajude a tornar mais saudável o futebol português.”

202 - (aditado) «No programa do dia … .06.2017, foram produzidas as seguintes afirmações: [00:20:18] Pela dimensão de tudo isto, pela dimensão de tudo isto. Nós já revelámos muita coisa, já expusemos vários dos tentáculos do polvo, mas o melhor está para vir. Isto é o maior escândalo da história do futebol português, as pessoas podem continuar a assobiar para o lado, assobiem quando quiser, a imprensa amiga pode continuar a assobiar para o lado, os comentadores amigos, oficialmente afetos ou oficiosamente afetos, podem continuar a assobiar para o lado, as instituições do futebol podem continuar a assobiar para o lado, mas este é o maior escândalo da história do futebol português e, repito, o melhor está para vir.”


Na densificação do conceito de “dano indireto”, através do critério da intermediação do património da pessoa coletiva, a mesma acaba por ser, como afirma Nuno Pinto Oliveira, uma consequência dos princípios e das regras da responsabilidade civil.

Em harmonia com o entendimento de que o artigo 79.º, nº1, do Código das Sociedades Comerciais, suportado no regime legal da responsabilidade civil extracontratual (prefigurada como delitual) precipita a exigência de verificação de todos    pressupostos do artigo 483º do Código Civil.        

Em causa está o regime geral da responsabilidade civil dos administradores pelos danos diretamente causados a terceiros, constituindo caso particular de causação de danos patrimoniais puros. [93]      

Perante a situação – como a submetida a nossa análise – inexiste uma ligação especial entre o lesante e o lesado (réus administradores e autores).     

Sintetiza aquele autor - “o administrador deverá responder (só deverá responder) em dois casos. O primeiro está previsto no art. 483.º do Código Civil — violação de disposições legais de protecção. O segundo está previsto no art. 334.º do Código Civil— abuso do direito. Ora os casos de responsabilidade pela causação de danos patrimoniais primários previstos no art. 483.º, n. º1, do Código Civil são casos excepcionais. Excluídos os casos (excepcionais) previstos no art. 483.n.º 1, o administrador só deverá responder desde que haja ilicitude qualificada ou culpa qualificada. O requisito de que haja uma "qualificação particularmente desfavorável" do comportamento dos administradores (463), concretizada no dolo ou na culpa grave, aplica-se à responsabilidade pelo abuso do direito.” [94]         

Em sentido da clarificação da questão, pontifica o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-09-2016 , “os danos económicos puros (também designados como danos puramente patrimoniais ou danos patrimoniais puros) – aqueles em que há uma perda económica (ou patrimonial) sem que tenha existido prévia afectação de uma posição jurídica absolutamente protegida – não são reparáveis em sede de responsabilidade civil extracontratual, salvo no caso de violação de normas destinadas a proteger interesses alheios (segunda regra do art. 483º, nº 1, do CC) ou em determinadas hipóteses especiais como as dos arts. 485º e 495º do CC, ou ainda quando se verifique abuso do direito enquanto fonte de responsabilidade civil.[95]

No caso que ora julgamos, conquanto possa configurar-se a apropriação dos segredos de negócios de terceiros (que constitui uma ofensa a uma norma legal de proteção de terceiros, integrante da segunda variante de ilicitude consagrada no n.º 1 do art. 483.º do Código Civil), todavia, já não é possível imputar os danos aos réus administradores, de acordo com a materialidade assente, nos termos gerais da responsabilidade civil.

A facticidade demonstrada apontará para um clima de permissão, e encorajamento aos actos de divulgação, perpetrados pelo réu AA por parte dos réus administradores; mas, o seu caráter genérico não autoriza a individualização de actos que concretizem a intervenção dos administradores, determinativa da actuação daquele réu.

Por idêntica razão também não consubstanciam actos ilícitos, as proclamações genéricas do réu administrador BB, no sentido de que a denúncia iria prosseguir ou de declarações vagas e irónicas de reconhecimento do trabalho de AA.    

Em outra perspectiva, Carneiro da Frada sustenta que os administradores deverão ser responsabilizados somente quando violem deveres no tráfico a que pessoalmente estejam obrigados.      

Isto é, no campo das omissões e das ofensas mediatas que conduzem ao dano, “há que ponderar com mais cuidado a afirmação de concretos deveres a impenderem pessoalmente sobre esses titulares. Na atuação dos membros dos órgãos sociais qua tale, no âmbito, portanto, da atividade social, só circunstâncias qualificadas parecem justificar a sua responsabilidade individual; caso contrário, apenas responde a pessoa coletiva. A noção-chave é aqui a dos deveres no tráfico, conexos ou não com o desempenho da sociedade. Importa considerar os critérios genericamente atendíveis para o seu surgimento e averiguar em que medida estes consentem a fixação de adstrições a vincular não já a sociedade, mas os próprios administradores; sem esquecer, todavia, a restritividade com que a proteção aquiliana contempla à partida os interesses puramente patrimoniais.” [96]         

No âmbito da proteção normativa que sanciona a apropriação dos segredos de negócio - que constitui uma ofensa a uma norma legal de proteção de terceiros, integrante da segunda variante de ilicitude consagrada no n.º 1 do artigo 483º do Código Civil, apenas autoriza a adstrição vinculativa das sociedades e não dos próprios administradores a título pessoal.

Para concluirmos, em convergência com o acórdão sob escrutínio, que dos factos apurados nenhuma acção própria, concreta e exclusiva se atribui  aos réus administradores das sociedades rés, capaz  de produzir desvio ao princípio do direito societário , segundo o qual os actos praticados pelo órgão de administração são de imputar na esfera jurídica da  pessoa coletiva; por conseguinte, não lhes sendo de assacar responsabilidade pessoal enquanto administradores das sociedades rés, por não verificados os pressupostos de aplicação do artigo 79º, nº1 do CSC, determina a sua absolvição na demanda.                                                                          


*  


Improcede o recurso dos autores.

*       


IV – Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedentes os recursos dos autores Sport Lisboa e Benfica e Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD, e parcialmente procedentes os recursos interpostos pelos réus Futebol Clube do Porto, Futebol Clube do Porto, Futebol, SAD e FCP Media, S.A. e, AA e, improcedente o recurso da ré A…, SA, e por consequência, decidem:  

a) Aditar à matéria de facto provada o ponto 202; 


b) Revogar o acórdão da Relação no segmento  em que condenou os réus  Futebol Clube do Porto, Futebol Clube do Porto, SAD, FCP Media, S.A., A..., S.A. e, AA a pagarem aos autores a quantia de 1.000.000,00 (um milhão de euros), acrescida de juros à taxa civil, desde o trânsito da decisão até integral pagamento, a título de danos reputacionais, em violação da sua correspondência, e em substituição, condenam-se os réus a pagarem aos autores a título de danos reputacionais, a indemnização em valor monetário a concretizar em ulterior incidente de liquidação ;


c) Manter o julgado no restante.    

                                                              *

As custas ficam a cargo de cada uma das partes na proporção do respetivo decaimento.


Lisboa, 9.05.2024

Isabel Salgado (relator)

Maria da Graça Trigo

Catarina Serra

_______

[1]Segmento do petitório, entretanto, extinto por inutilidade superveniente, conforme ponto 9.do dispositivo do acórdão do TRP e não impugnado. 
[2]Recurso (apenso B) apresentado pelos autores contra o despacho que admitiu o pedido reconvencional apresentado pela ré FCP SAD, vindo concluir pela extinção da instância por inutilidade superveniente; Recurso (apenso C) apresentado pelos réus, que teve por objecto a decisão da 1ª Instância proferida em sede de audiência prévia no dia 11.01.2019, que considerou ilícita a prova junta pelos réus e julgou procedente a nulidade invocada pelos autores; a Relação julgou improcedente o recurso e confirmou a decisão recorrida; Recurso (apenso E) apresentado pelos autores, relativo à decisão da 1ª Instância proferida na sessão de julgamento de 7.3.2019, na qual se permitiu que toda a prova existente nos autos – incluindo os e-mails referentes ao domínio@... .pt, propriedade dos autores, acedidos ilegitimamente – fosse utilizada por ambas as partes; a Relação julgou improcedente o recurso e, confirmou aquela decisão; Recurso (apenso F) apresentado pelos autores da decisão que admitiu a junção dos documentos apresentados pelo réu AA, com o seu requerimento de 4.4.2019, (art. 423º CPC); a Relação julgou procedente o recurso, por intempestiva a junção dos documentos e ordenou a sua devolução.
[3]Os pressupostos de recorribilidade e requisitos de admissibilidade das revistas interpostas foram objecto do acórdão intercalar e, o acórdão da Formação quanto às revistas interpostas por via excecional- artigo 671º, nº3, 672º, nº1 al) a b) e nº3 do CPC.      
[4]Recurso (independente) de revista e objecto o quantitativo monetário a título de danos emergentes, no qual os RR foram condenados a pagar aos Autores (Ponto 2 do dispositivo).
[5] Revista (excecional) tendo por objecto a absolvição dos RR administradores (ponto 10 do dispositivo) admitida pela Formação- artigo 672, nº1, al) a do CPC.    
[6] Tendo por objecto a condenação dos RR inclusa no Ponto 2 do dispositivo do acórdão.
[7] Tendo por objecto a condenação solidária da Ré A…, SA no pagamento aos AA das quantias indicadas nos Pontos 2 E 3 do dispositivo do acórdão. 
[8] Revista (excecional) admitida pela Formação- artigo 672, nº1, al) a e b) do CPC e dirigida aos   fundamentos de direito do acórdão.    
 [9] Apesar da restrição dos recursos que foram admitidos, optámos pela transcrição integral das conclusões dos AA, acautelando desvio ao sentido final da peça.   
[10] Procedeu-se à correcção do lapso na enumeração das conclusões, a partir deste ponto e até ao ponto 123 onde retoma a numeração correcta.
[11] «(..) devida pelos danos não patrimoniais e, por violação do segredo de negócio, nos termos do artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil.»   
[12] Os RR apresentaram articulado conjunto. Em economia de meios, dada extensão do texto, circunscrevemos a transcrição das conclusões na parte dos recursos admitidos; os Pontos I a XLVI respeitam às razões invocadas sobre a alegada verificação dos requisitos de admissibilidade das revistas, e à fundamentação da revista interposta a título excecional, não admitida, sobre o ponto 4 do dispositivo do acórdão recorrido, no ponto em que relega para liquidação em execução de sentença o valor da indemnização em referência, a par das arguidas nulidades do acórdão associadas.
[13] Dispensando, por isso, a transcrição das conclusões das contra-alegações apresentadas.   
[14] Nota - não se admitiram : a revista excecional interposta pelos RR Futebol Clube do Porto, Futebol Clube do Porto, SAD; FCP Media, S.A. e AA, no segmento do acórdão recorrido, que relegou para execução de sentença a determinação da quantia arbitrada, a título de indemnização; e a revista excecional interposta, a título subordinado, pelos AA Sport Lisboa e Benfica e Sport Lisboa e Benfica Futebol, SAD; por consequência, não são de conhecer as nulidades do acórdão que nesse contexto  foram arguidas pelos recorrentes.
[15] Optou-se pela transposição, ipsis verbis, deste apartado conforme o Acórdão recorrido, incluindo as alterações da decisão de facto da sentença introduzidas pelo Tribunal da Relação, em resultado da parcial procedência da impugnação da matéria de facto.
[16] Alterada a redação desse ponto em sede da impugnação da matéria de facto -cf. II.B. Ponto1
[17] Alteração da redação no acórdão recorrido, II.B, ponto 4.
[18] Alterada a redação no acórdão recorrido, II.B, ponto 4.
[19] Alterada a redação pelo TRP-cfr. ponto 10, I – Reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto do Acórdão recorrido.
[20]   Redação alterada pelo acórdão recorrido, II.B. Ponto 14.
[21] Alterada redação pelo acórdão recorrido, II.B. 8.
[22] II.B. ponto9
[23] Alterada a redação pelo acórdão recorrido, II.B.9
[24] Alterada a redação pelo acórdão recorrido, II.B.9
[25] Alterado redação pelo acórdão recorrido II.B.11.
[26] Alterado redação pelo acórdão recorrido II.B.11
[27] Os elementos constantes dos ficheiros informáticos detidos pelos réus e entregues nos autos por ordem do Tribunal são os que constam e fls. 15 e segs. do apenso liquidação que aqui se dão por reproduzidos.
[29] Conforme consta do acórdão recorrido. 
[30] Redação alterada pelo acórdão recorrido, cf. Ponto 31, II. A
[31] Redação alterada pelo acórdão recorrido, II.B. Ponto 14.
[32] Conforme Acórdão recorrido, Cf-I, B, a final.
[33] Aditado por decisão do Supremo, conhecendo do mérito do recurso, no ponto aaa.de a).  
[34] Excluindo a enunciação dos outros segmentos do dispositivo do acórdão por não constituírem objecto dos recursos.    
[35] Em sede de conferência, o Tribunal “a quo” pronunciou-se pela não verificação da nulidade arguida.
[36] Inter alia, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, págs. 736-737.
[37] Entre outros, o acórdão do STJ de 8.04.2024, no proc. 4307/18.2YIPRT.L1. S1, disponível in www.dgsi.pt
[38] Cfr. Acórdão do STJ de 30.11.2021, Proc. 760/19.5T8PVZ.P1. S1, 2.ª Secção, disponível in www.dgsi.,pt.
[39]Posição sustentada, entre outros, por Teixeira de Sousa in “Decisão-surpresa; nulidade da decisão, publicado in blog do IPPC) e de Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., 2022, pág. 26); neste sentido, ilustram também os Acórdãos do STJ de 16-12-2021no proc. nº 4260/15.4T8FNC-E. L1.S1 e 07-06-2022, no proc 709/21.5T8ACB.C1. S1, todos in www.dgsi.pt
[40]  Na esteira do decidido reiteradamente nesta 2ª secção- cfr o recente acórdão de 29.02.2024, o proc. n.º 19406/19.5T8LSB.L1. S1, e o acórdão de 4.04.2024, proc. 5223/19.6T6STB.E1. S1, in www.dgsi.pt.   
[41] Inter alia, cfr. acórdão de STJ de 13-10-2020 no proc. n.º 392/14.4.T8CHV-A. G1.S1, de 16-12-2021 no proc. n.º 4260/15.4T8FNC-E. L1.S1, e acórdão de 13-04-2021 no proc. n.º 2019/18.6T8FNC.L1. S1,), disponíveis em www.dgsi.pt.
[42]  Cfr. petição inicial- arts. 15.º, 349.º, 362.º, 462.º, 466.º, 505.º, 510.º, 512 a 518.º; na contestação- cfr. arts. 515.º e seguintes.
[43] Razões de simplificação ditaram o tratamento conjunto neste apartado da invocada violação do disposto no artigo 574º, nº2, do CPC, configurando, em rigor, não uma violação da lei processual, mas sim de disposição de Direito probatório material.
[44]Entre outros, como enunciado nos acórdãos do STJ de 31.03.2022, no proc. 505/17.4T8FAR.E1. S1 e, de 2.11.2023, no proc. 1884/18.1T8PVZ.P1. S1, in www.dgsi.pt.
[45] Com referência à notícia junta como Documento n.º 33 da petição inicial.
[46] Integrado no lugar próprio, sob o número 202.
[47] Revogado pelo Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de dezembro.
[48] Reportando ao facto provado n.º 113, e ao nº4 do dispositivo do acórdão recorrido.
[49] Na versão conferida pelo Decreto-Lei n.º 36/2003, de 05 de março e em vigor à data da prática dos factos (abril de 2017) e até à data de decisão do procedimento cautelar.
[50] Cujo texto reproduz o artigo 39.º(2) do Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (TRIPS), o qual constitui parte integrante do Tratado que instituiu a Organização Mundial do Comércio.
[51] Proferido no proc 4995/17.7T8LRA.C2. S1., publicado em sumário in A Propriedade Industrial e Direitos de Autor na jurisprudência das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, Sumários de Acórdãos de 2016 a janeiro de 2023, disponível em open space.
[52] Na sentença também se atendeu à circunstância das informações em causa não serem do conhecimento público, e terem sido divulgadas por terceiros, para o que respeita ao cálculo de indemnização.
[53] In “Um Retrato do Regime Português dos segredos de Negócio “(*) - texto utilizado no Seminário "A Protecção Legal de Segredos de Negócio", na UCP, julho de 2014
[54] In obra citada.
[55] Citando o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/85, de 30 de outubro de 1985.
[56] In Teoria Geral de Direito Civil, 4ª edição revista por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 2005 pág.207/8.
[57] Cf.  Capelo de Sousa in “O direito geral da personalidade e a tutela da personalidade das pessoas colectivas”, dissertação de doutoramento, Coimbra, 1995.  
[58] In O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 1995, Pág.594 /603. 
[59] In CRP anotada, volume I, 4ªedição revista.
[60] In https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/diario-republica/218-2023-224080869.
[61]  O direito à inviolabilidade dos meios de comunicação integra o catálogo de direitos, liberdades e garantias de índole pessoal, consagrando a CRP, no seu artigo 18.º, nº1, a eficácia das normas consagradoras de tais direitos na ordem jurídica privada.
[62] In Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição.
[63] E, no nº 2, estabelece-se que -«o exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.»
[64] Cfr Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 136/2005.
[65] Numa perspetiva supralegal, inscrevem-se na categoria de direitos, liberdades e garantias pessoais -arts. 34.º/1 e 37.º/1 da CRP- os quais apresentam idêntico valor jurídico e inviabiliza qualquer hierarquia abstrata entre si.
[66] Como assinalou o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 368/2002 “o direito à intimidade da vida privada pode ser limitado em resultado da sua harmonização com outros direitos fundamentais ou com outros interesses constitucionalmente protegidos, no respeito pelo princípio da proporcionalidade:
[67] Na expressão constante do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2017, no proc. 3017/11.6TBSTR.E1. S1, disponível in www.dgsi.pt.
[68] In Boletim da Faculdade de Direito -Universidade de Coimbra, Coimbra 2009, “Liberdade de expressão, interesse público, figuras públicas e equiparadas”    
[69] A qualidade de figura notória ou pública tem certas consequências no que diz respeito ao direito à protecção da intimidade da vida privada, como decidiu, o Tribunal Constitucional, entre outros, o Acórdão n.º 470/96., publicado in www.tribunalconstitucional.pt
[70] Tal como se destacou na sentença, a primeira mensagem de correio eletrónico omitiu o trecho “Os maiores erros têm sido cometidos pelos internacionais, nomeadamente quando arbitram o Benfica”, tendo, no segundo e-mail, sido omitido o seguinte trecho: “os grandes sábios dos painéis que algo está a mudar, o porto já não manda, mas…ainda não compreendem onde está o poder. O poder está no trabalho dia a dia, na busca da verdade e da seriedade e isso faz a diferença. Hoje quem nos prejudicar sabe que é punido, e este espaço foi conquistado com muito trabalho do 1º ministro”.
[71] Com referência na sentença.
[72] Jónatas Machado, obra e local citados.
[73] Cfr. art. 14.º, nº1, 1 do Estatuto do Jornalista, aprovado pela Lei n.º 1/99, de 01 de janeiro.
[74] Email, no qual se demonstraria o apoio material dos autores às pretensas claques do clube, em especial através do pagamento de aluguer de automóveis e pagamento de gasolina nas deslocações dos seus membros para jogos da equipa do Benfica na condição de visitante (ponto 57 dos factos provado) e que os e-mails a cuja leitura o réu AA procedeu no dia … de abril de 2017 no “P…” o foram a partir do blog “Benficaleaks" (ponto 163 da facticidade assente).
[75] Citando o caso paradigma do peão atropelado, que contrai uma infeção no hospital, in “A Conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual” - Dissertação de doutoramento em Ciência Jurídicas, 1995, ponto 54, pág. 512/27.
[76] Entre outros, nos acórdãos de 07-04-2005, no proc 05B294, de 27-04-2017 no proc. 190/07.1TCGMR.G1. S1e de 02-12-2020 no proc. nº24555/17.1T8LSB.L1. S1, todo in www.dgsi.pt.
[77] No proc. 595/14.1TVLSB.L1. S1, in www.dgsi.pt.
[78] Cf. alínea a) do petitório “(…) a título de indemnização equitativa pelos danos de difícil quantificação causados às Autoras até à presente data(...)”
[79] Citando como exemplo o acórdão do SCAUSA (que tem vindo a ser computado num montante não superior a € 100.000,00, como se retira do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-09-2016, proferido no âmbito do processo n.º 492/10.0TBBAO.P1. S1.
   [80] Na sentença estabeleceu-se como adequado, respetivamente, o valor indemnizatório relativo à  primeira categoria de emails, em €40.000,00; para a  segunda categoria, o valor individual de  €20.000,00; na terceira categoria calculada em €10.000,00;  e, no caso da quarta categoria de mensagens, onde se inscrevem os e-mails que aludem “a contratos de bruxaria, o valor de € 340.000,00. A terminar, os dois casos em que os e-mails foram truncados, divulgados em 06-06-2007– em que se omitiu que constava que “O maioríssimo erro tem sido cometidos pelos internacionais, nomeadamente quando arbitram o Benfica” e que “O poder está no trabalho dia a dia, na busca da verdade e da seriedade e isso faz a diferença”, fixou-se a compensação em €80.000,00 (para a primeira truncagem) e  em €160.000,00 (para a segunda).
[81] A liquidação da sentença destina-se em exclusivo à concretização do objecto da sua condenação (genérica), com respeito pelo caso julgado formado na mesma sentença condenatória a liquidar.
       [82] No seu entendimento os factos provados – e, em concreto, da facticidade plasmada nos pontos n.ºs 29, 30, 31, 34, 38, 46, 47, 48, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 144, 157 e 194 - não existia, à data dos factos, um vínculo contratual entre o recorrente AA e a recorrente, para além de nenhuma intervenção ter tido no conteúdo do programa em causa, designadamente na sua conceção e direção.
[83] No proc. nº3041/18.8T8OER.L1. S1, e também acórdão do STJ de 24-05-2022, no proc. nº 
[84] A sua intencionalidade normativa radicando alargamento da responsabilidade daqueles operadores por factos ilícitos próprios.
[85] No proc. nº 151/19.8T8AVR.P1. S1, in www.dgsi.pt.
[86] Cfr. Das Obrigações em Geral,10 edição, I, pág.461.
[87] Cfr. o parecer de Coutinho de Abreu, junto aos autos pelos autores, com o recurso de apelação.
[88] Para o desenvolvimento e análise daquele diploma -   cfr Rui Pinto Duarte in “A responsabilidade dos administradores das sociedades desportivas” in Direito das Sociedades, revista, Outubro 2017, Vol.17. 
[89] No proc.1916/03.8TVPRT.P2. S1, in www.dgsi.pt.
[90] No proc. nº 947/11.9TBEVR.E1. S3; e, Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator do acórdão), in “Responsabilidade civil dos administradores. Entre direito civil, direito das sociedades e direito da insolvência”, Livraria Almedina, Coimbra, pág. 131,134 a 137, 148 a 161.
[91] In Tratado de Direito Civil, volume IV, 3ª edição.
[92] In Direito Comercial, volume IV, Sociedades Comerciais, parte geral, pág. 461 /64.
[93] Acompanhando o entendimento construído por Nuno Pinto de Oliveira, in obra citada, pág. 134/43. 
[94] Cfr. obra e local acima citado.
  [95]  No proc. nº 1952/13.6TBPVZ.P1. S1, disponível in ww.dgsi.pt.
[96] In “Teoria da Confiança e responsabilidade civil “, pág.163/80.