Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | CELSO MANTA | ||
Descritores: | ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA RECLAMAÇÃO CÚMULO JURÍDICO NULIDADE DE ACÓRDÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA LAPSO MANIFESTO | ||
Data do Acordão: | 11/14/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Sumário : | I - A possibilidade, legalmente oferecida ao requerente, para arguir nulidades (v.g. por alegada omissão de pronúncia), é meio inidónea para emitir juízos interpretativos ou apreciativos sobre o consignado na fundamentação do acórdão, ou para expressar dúvidas sobre se todos os argumentos aduzidos pelo requerente terão sido analisados na decisão recorrida ou sobre o seu teor, também não servindo para repisar argumentos já anteriormente apreciados e que foram objeto de pronúncia, nem, muito menos, para invocar factos novos; II - A omissão de pronúncia – geradora da nulidade do acórdão, nos termos do disposto nos artigos 379º, nº 1 al. c) e 425º, nº 4, ambos do CPP -, apenas ocorre quando o aresto deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra; III - Tal conceito não se confunde com a dimensão ou extensão da pronúncia proferida a propósito das concretas questões a decidir, sendo certo que o tribunal não tem obrigação de escalpelizar todos os argumentos aduzidos pelas partes, mas, apenas, de fundamentar e decidir as questões colocadas; IV - É regra geral do regime dos recursos que estes não podem ter como objeto a decisão de questões novas, que não tenham sido especificamente tratadas na decisão de que se recorre, mas apenas a reapreciação, em outro grau, de questões decididas pela instância inferior. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
A - Relatório A.1. Decisão da primeira instância Através de acórdão proferido a 12 de janeiro de 2024, pelo Juízo Central Cível e Criminal de ... nos autos em epígrafe referenciados1, foi feito o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, designadamente, a AA nos seguintes processos e nos termos que a seguir se reproduzem: i. “Nos presentes autos (Acórdão proferido a 10 de janeiro de 2023, transitado em julgado a 18 de setembro 2023 e relativo a factos ocorridos a 12 de setembro e a 11 de novembro de 2018, 13 de janeiro e a 17 de março de 2019) • AA2: • Cinco meses de prisão pela prática de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo art. 382º do Cód. Penal; • Um ano de prisão pela prática de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo art. 382º do Cód. Penal; • Três anos de prisão pela prática de um crime de sequestro agravado, p. e p. pelo artigo 158º, nº.1 e n.º 2, alínea g), in fine, do Cód. Penal; • Um ano de prisão pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º nº.1, 145º, n.º 1, alínea a) por referência ao artigo 132º, n.º 2, alínea m), todos do Cód. Penal; • Dois anos de prisão, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º nº.1, 145º, n.º 1, alínea a) por referência ao artigo 132º, n.º 2, alínea m), todos do Cód. Penal. ii. No processo nº. 11/18.0... (Acórdão proferido a 3 de julho de 2020, transitado em julgado, quanto a estes arguidos a 11 de janeiro de 20213 e relativo a factos ocorridos a 30 de setembro e em 1 de outubro de 2018) • AA4 • Oito meses de prisão pela prática de um crime de violação de domicílio por funcionário p. e p. pelo art. 378.º do C.P.; • Nove meses de prisão pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelo art. 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do C.P.; • Três meses de prisão pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelo art. 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do C.P.; • Dois anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de sequestro p. e p. pelo art. 158.º, n.º 1 e 2, al. g) do C.P.; • Dois anos e quatro meses de prisão pela prática de um crime de sequestro p. e p. pelo art. 158.º, n.º 1 e 2, al. g) do C.P.. Feito o cúmulo jurídico de todas as penas parcelares atrás referidas através do referido acórdão de 12 de janeiro de 2024, ficou o AA condenado, designadamente, na pena única de 8 (oito) anos e 8 (oito) meses de prisão. Manter os demais segmentos decisórios das condenações objeto do presente cúmulo, nomeadamente a condenação solidária de AA com os demais arguidos no pagamento das seguintes indemnizações: • € 85,91 (oitenta e cinco euros e noventa e um cêntimos) à demandante ULSLA, a que acrescem juros de mora à taxa legal, contados desde a data da notificação para contestarem até integral pagamento; • €5.000,00 (cinco mil euros) a favor de BB, a título de danos não patrimoniais, sob a qual incidem juros de mora à taxa legal, contados desde a data da prolação do acórdão até integral pagamento; • €2.000,00 (dois mil euros) a favor de CC, a título de danos não patrimoniais, sob a qual incidem juros de mora à taxa legal, contados desde a data da prolação do acórdão até integral pagamento. A.2. O recurso para o Supremo Tribunal de Justiça O arguido AA não se conformou com essa decisão pelo que veio da mesma recorrer para este Supremo Tribunal de Justiça o qual, através de acórdão de 4 de julho de 2024 e no que concerne ao aludido AA, decidiu o seguinte (transcrição): a. “Corrigir, ao abrigo do disposto no artigo 380º, nºs 1 al. b), 2 e 3 do Código de Processo Penal, o manifesto lapso material contido no acórdão recorrido ao indicar como limite máximo, em termos abstratos, da pena única a aplicar ao recorrente AA 13 (treze) anos e 11 (onze) meses, em vez de 13 (treze) anos e 6 (seis) meses, sendo este, e não aquele, o total do somatório de todas as penas que lhe foram aplicadas nos processos acima identificados; b. Conceder provimento parcial ao recurso interposto por AA e determinar, ao abrigo do disposto no artigo 81º, nº 2 do Código Penal o desconto de 1 (um) mês (com referência ao tempo de suspensão da pena aplicada no Proc. 371/19.5... decorrido desde o respetivo trânsito em julgado) e de 9 (nove) meses (com referência ao tempo de suspensão da pena aplicada no Proc. 11/18.0... decorrido desde o respetivo trânsito em julgado) de prisão na pena única; c. Em consequência do acima exposto e face ao não provimento do recurso no que concerne à diminuição pena única de 8 (oito) anos e 8 meses, fica o recorrente condenado na pena única de 7 (sete) anos e 10 (dez) meses de prisão. d. Julgar, no mais, o recurso interposto por AA improcedente;” A.3. Reclamação Vem agora o arguido AA reclamar desse acórdão, arguindo a sua nulidade por padecer do vício de omissão de pronuncia relativamente a questões suscitadas em peça recursiva, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c) e 425.º, nº 4 do Código de Processo Penal, para o que aduz as suas alegações e apresenta as suas conclusões (transcrição integral das conclusões): i. No Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça entendeu-se que o Acórdão cumulatório não aludiu à falta de pagamento de indemnizações. ii. Porém, dizer que não se demonstrou o pagamento e dizer que o pagamento não foi efetuado, tem o mesmo significado ainda que com composição gramatical diversa, alcançando-se a mesma conclusão – não pagamento – e recorrendo a tal como elemento de ponderação como agravante na fixação da pena de concurso; iii. O douto Acórdão ora sob reclamação não tomou em consideração, nem analisou, o facto de no acórdão recorrido se ter valorado como agravante na fixação da pena única aplicada ao arguido a circunstância de este não ter pago, ou não ter demonstrado o pagamento; iv. Só extrapolando os limites interpretativos do texto do acórdão (não consentido pelo texto e sentido da decisão alcançada), se pode considerar que o não pagamento, ou a não demonstração do pagamento das indemnizações às vítimas não foi objetiva e subjetivamente valorado pelo acórdão cumulatório recorrido como sendo fundamento da conclusão que extraíram de que o arguido AA nunca revelou réstia de compaixão, empatia, solidariedade para com as vítimas dos seus crimes; v. Resulta do texto do acórdão cumulatório recorrido que o tribunal a quo tomou decisão sobre o facto de as indemnizações arbitradas não terem sido pagas ou não estar demonstrado o seu pagamento, afigura-se ao arguido s.m.o. que aquele tribunal a quo apreciou tal matéria, e esta foi/é essencial para a decisão a tomar na fixação da pena única, pois que é reveladora do comportamento do arguido após os factos e a condenação que sofreu, bem como da sua personalidade - «Não milita a favor dos condenados AA e DD o arrependimento e sentimento de vergonha verbalizados nesta audiência de cúmulo jurídico superveniente. Aliás, o tribunal não pôde considerar provado mais do que isso, ou seja, mera verbalização. Com efeito, não se trata de sentimentos genuínos porquanto a postura de ambos ao longo dos dois processos foi sempre a de procurarem eximir-se às suas responsabilidades, escapar a uma condenação, sem nunca terem contribuído para a descoberta da verdade e sem nunca terem revelado réstia de compaixão, empatia, solidariedade para com as vítimas dos seus crimes. Recorde-se a este propósito que, no âmbito do Proc. 11/18.0... AA, DD e EE foram ainda condenados, solidariamente com os demais arguidos naqueles autos, no pagamento de indemnizações às vítimas, pagamento esse que até hoje não demonstraram ter realizado, no todo ou em parte.»; vi. Não se pode dizer, como o fez o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça reclamado, que «Ou seja, o tribunal a quo não tinha de tomar, nem tomou, qualquer decisão sobre as indemnizações anteriormente arbitradas. [...], nem se afigurava essencial para a decisão a tomar.» - Não sendo essencial é certo que foi valorado. vii. É por demais diáfano o manto interpretativo que se procura lançar sobre a questão, tendo sido essencial para fixar a pena cumulatória enquanto elemento revelador da personalidade do arguido; viii. Dos factos provados, resulta à saciedade existir causa objetiva e totalmente alheia à vontade do reclamante, que justifica e demonstra o verdadeiro motivo da indemnização às vítimas ainda não ter sido efetuada, ou de ainda não ter sido demonstrado que foi efetuada já que, em nenhuma das ocorrências foi possível alcançar a identificação e paradeiro de cada uma das vítimas; ix. É ilegal, temerária e injusta, sem qualquer fundamentação a conclusão do tribunal a quo de que a omissão desse pagamento o foi porque o arguido não nutre “réstia de compaixão, empatia, solidariedade para com as vítimas dos seus crimes.”; x. Tendo o acórdão cumulatório tomado decisão relativamente ao (não)pagamento de indemnizações, o douto Acórdão deste Colendo Supremo Tribunal, nesta questão quedou-se pela transcrição que fez do acórdão recorrido; xi. Esta questão foi objeto do recurso do arguido AA e mostra-se plasmada a página 19 da sua motivação, e na sua conclusão XXX, não tendo sido objeto de apreciação por parte do Colendo coletivo da 5ª Secção (criminal) no acórdão de 4-07-2024, apenas se tendo apreciado se houve, ou não, alusão à falta de pagamento das indemnizações; xii. Sendo matéria relevante e essencial para a fixação da pena única ao arguido, tratando-se de matéria de direito, de conhecimento oficioso pelo egrégio Supremo Tribunal de Justiça, tem de ser efetivamente apreciada; xiii. Verifica-se omissão de pronúncia do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4-07-2024, eivando-o de nulidade – artigo 379.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal – pelo que urge, e se requer, a reparação do indicado vício, com as necessárias consequências daí advenientes; xiv. Na sua peça de recurso o arguido reclamante suscitou a questão da omissão, no acórdão cumulatório, das suas circunstâncias pessoais que permitam chegar a uma base de juízo e decisão sobre a sua personalidade, não se mostrando cumprida a exigência legal de fundamentação acrescida da pena única encontrada, – conclusões v, vi e vii; xv. Entendeu-se, no acórdão ora reclamado, que o arguido não indicou as questões que o tribunal a quo não apreciou, concluindo, genericamente, que todas as questões essenciais haviam sido sobejamente apreciadas; xvi. Sucede, porém, que o arguido cumpriu todos os ónus sobre si impendentes relativamente ao esforço recursivo que apresentou, nomeadamente, escalpelizando as questões cuja apreciação o tribunal a quo omitiu, a saber: • Omissão relativamente às decorrências da hierarquia militar; • Enquadramento comparticipativo dos arguidos; • Mera transcrição de relatório social sem a emissão de qualquer juízo critico, valorativo e/ou apreciativo; xvii. O douto Acórdão da 5ª Secção (criminal) deste egrégio Supremo Tribunal, na senda do acórdão cumulatório a quo, percute na falta de ponderação e análise crítica de tais elementos na fixação da pena única de concurso; xviii. Afirmar-se, como no douto acórdão agora objeto de reclamação, que o tribunal a quo fundamentou a condenação da concreta pena única de 8 anos e 8 meses de prisão, alimenta o vicio apontado ao tribunal a quo por se ter limitado a transcrever o relatório social do arguido, não valorando o mesmo e não o apreciando enquanto coadjuvante na fixação da pena única, dele enfermando assim o douto Acórdão ora reclamado no vício de omissão de pronúncia, cominado com nulidade pelo artigo 379.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal, tal qual fruto de árvore envenenada; xix. E não tendo o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça apreciado deste vício, nem se tendo pronunciado sobre o invocado em i. a iii., e iii.a a iii.d, da presente motivação e levado à conclusão xvi, incorreu ele próprio no vício de omissão de pronúncia, cominado com nulidade pelo artigo 379.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal, nulidade esta que se invoca e se requer seja reparada. xx. Impõe-se a concreta ponderação e valoração do relatório social cuja elaboração foi expressamente determinada pelo tribunal; xxi. Todo o circunstancialismo constante do Relatório Social do arguido não foi valorado pelo tribunal a quo, conforme invocado nas suas conclusões do Recurso, nem pelo Supremo Tribunal de Justiça no douto Acórdão proferido, pois que caso tivesse sido valorado em conjunto com os ilícitos que praticou, graves sem dúvida, não seria possível sustentar a conclusão de que o arguido tem uma personalidade tendencialmente criminosa; xxii. A conduta do arguido não pode deixar de se considerar episódico na sua vida, pessoa familiar, profissional e socialmente enquadrada, como resulta dos factos provados, e que tem comprovadamente evidenciado a inteira adesão às penas de prisão de 4 anos e de 4 anos e 8 meses, suspensas na sua execução com regime de prova, estando a corresponder positivamente ao juízo de prognose favorável que lhe foi feito, e a demonstrar com o seu comportamento, anterior e posterior aos factos, que um erro na vida não significa uma vida cheia de erros; xxiii. Acrescendo, como factualidade superveniente à prolação do dou Acórdão ora em reclamação, ter o arguido contraído matrimónio, sedimentando a sua estabilidade afetiva e familiar; xxiv. Não é despicienda a valoração deste apontado e comprovado circunstancialismo na fixação da pena única, decorrente do Relatório Social meramente transcrito e não ponderado criticamente, não o tendo feito o tribunal a quo, nem o egrégio Supremo Tribunal de Justiça no douto acórdão ora reclamado, incorre este no vício de omissão de pronúncia, cominado com nulidade pelo artigo 379.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal, nulidade esta que se invoca e se requer seja reparada. xxv. A omissão de pronuncia por parte deste Supremo Tribunal, retumba na aplicação ao arguido de uma pena única de 8 anos e 8 meses, a qual viola manifestamente os princípios constitucionais da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, consagrados nos artigos 18.º, 27.º, e 28.º, nº 2, todos da Constituição da República Portuguesa. xxvi. São inconstitucionais as normas constantes dos artigos 127.º e 374.º, nº 2 do Código de Processo Penal, – na interpretação plasmada no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, ora reclamado, – que basta a mera referência ao relatório social para se considerar cumprido o dever de análise critica e fundamentação da decisão, por violação do disposto no artigo 205.º, nº 1 e 32.º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa; xxvii. o tribunal não pode limitar-se a afirmar ou declarar que determinado arguido, nas duas audiências de julgamento, só procurou eximir-se às suas responsabilidades, escapar a uma condenação, e nunca contribuiu para a descoberta da verdade, impondo-se, a par de tal declaração, explicar ao menos o raciocínio lógico, e o circunstancialismo que o levou a formular tal conclusão, o que não fez. xxviii. Particularmente à luz de princípios estruturantes do direito penal – nemo tenetur se ipsum accusare –, nomeadamente, não poder o silêncio do arguido prejudicá-lo; xxix. Tendo o arguido exercido o seu direito ao silêncio, e não podendo ser prejudicado por esse facto, fica sem compreender, porque não fundamentada, de que forma manifestou ele um comportamento de fuga às suas responsabilidades, de pretender unicamente escapar a uma condenação, e nunca ter contribuído para a descoberta da verdade; xxx. A violação do seu direito ao silêncio, aqui consubstanciada na fundamentação da condenação do arguido por fazer uso de tal direito atropela, assim, os artigos 18º, n.º 2 e 32º, n.º 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, bem como o artigo 61.º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Penal; xxxi. Foi suscitada em sede de recurso esta omissão de fundamentação de conclusões essenciais na fixação da elevada pena única, e o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça reclamado também não se pronunciou sobre a mesma, tendo-lhe sido suscitada, incorrendo assim no vício de omissão de pronúncia, cominado com nulidade pelo artigo 379.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal, nulidade esta que se invoca e se requer seja reparada; xxxii. Assistindo ao arguido o direito a defender-se, e resultando objetivamente comprovado do texto do acórdão que não foram ponderadas criticamente diversas circunstâncias atenuantes da personalidade do arguido, fica este também sem compreender quais as suas alegações em que revelou incapacidade de revisitar criticamente a sua conduta, conforme frisado no douto Acórdão da 5ªa secção do Supremo Tribunal de Justiça; xxxiii. Esta omissão de pronúncia resultou a aplicação ao arguido da pena de 8 anos e 8 meses de prisão, a qual, em face de tal omissão, viola manifestamente os princípios constitucionais da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, consagrados nos artigos 18º, 27º e 28º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa; xxxiv. Verifica-se no douto Acórdão deste Supremo Tribunal manifesto lapso quanto à indicação das penas aplicadas ao arguido AA, porquanto no âmbito do processo 371/19.5... a pena única que lhe foi aplicada foi a de prisão de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses suspensa na sua execução com sujeição a regime de prova, e não a pena de 4/quatro anos suspensa na sua execução com sujeição a regime de prova, conforme foi exarado. E no âmbito do processo 11/18.0... a pena única que lhe foi aplicada foi a de prisão de 4 (quatro) anos suspensa na sua execução com sujeição a regime de prova, e não a pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses, sujeita a regime de prova; xxxv. Deve esse Colendo Supremo Tribunal, na sequência da presente reclamação, corrigir as penas únicas que foram efetivamente aplicadas ao aqui arguido e com base nas quais foi operado desconto equitativo, e bem assim, fixar de novo quantum do desconto a efetuar nos termos do art. 81º, n.º 2 do Código Penal, uma vez que este incidiu sobre penas que não foram as aplicadas ao arguido AA; xxxvi. Apela o arguido à munificência desse Egrégio Supremo Tribunal de Justiça, ponderando-se que já à data do acórdão cumulatório, se mostrava cumprido quanto ao processo 11/18.0... mais de 3 anos da pena de prisão fixada em 4 anos, suspensa com regime de prova, bem assim que a sua personalidade não é tendencialmente criminosa, mostra-se genuinamente arrependido dos atos que praticou, tem cumprido inteiramente e com diligencia o regime de prova que lhe foi fixado, e comprovadamente, mudou os seus objetivos de vida, estando quase a acabar o curso de Direito e a trabalhar em simultâneo, tendo entretanto contraído casamento, xxxvii. Entendendo-se por mais justo, proporcional e equitativo que o desconto a operar nos termos do art. 81º, n.º 2 do Código Penal, quanto ao processo 11/18.0..., seja fixado em dois anos e oito meses ao invés dos nove meses, atentas as penas efetivamente aplicadas ao arguido e os períodos de suspensão da sua execução decorridos; xxxviii. Sendo a pena única encontrada de cinco anos suspensa na sua execução, com regime de prova, uma vez que o juízo de prognose favorável que foi atribuído ao arguido na fixação da pena única no processo 11/18.0..., e o juízo de prognose favorável que foi atribuído ao arguido na fixação da pena única no processo 371/19.5... não foram, nem se mostram alterados, mas antes confirmados pelo comportamento posterior do arguido, e o acórdão cumulatório do tribunal a quo também não afastou, de forma fundamentada, esse juízo de prognose favorável, tão pouco o tendo feito o Acórdão deste Supremo Tribunal objeto de reclamação; Destarte, nestes termos e nos melhores que vós, Excelsos Conselheiros, douta e munificentemente suprirão, julgando verificadas as apontadas nulidades do douto Acórdão ora reclamado, reparando as omissões apontadas, e corrigindo o quantum das penas aplicadas e fixando novo cúmulo nos moldes propugnados porquanto assente em pressupostos erróneos, se fará JUSTIÇA!!! A.4. Parecer do Ministério Público Neste Supremo Tribunal de Justiça o Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto apresentou douto parecer, no qual, designadamente, se defende o seguinte (transcrição parcial): I - Assim, a primeira questão a analisar prende-se com a relevância do não pagamento de indemnizações para a medida da pena única. (…) Como se refere no acórdão reclamado, há efetivamente uma diferença importante entre afirmar que as indemnizações não foram pagas – facto natural que ocorre fora do processo e que, por isso, carece de ser provado – de dizer que o pagamento das indemnizações não foi demonstrado nos autos – facto de natureza intra-processual que dispensa qualquer prova e que, naturalmente, é do conhecimento do tribunal. Para além disso, o tribunal pode licitamente formular juízos de valor perante os factos provados, com base em regras da experiência ou presunções judiciais e, não alterando os factos que a prova fixou, apoiar-se neles para operar o seu desenvolvimento lógico e extrair as ilações que os mesmos logicamente permitem. Note-se que, ao fazer a avaliação dos pertinentes elementos do caso concreto, bem como das circunstâncias em que o recorrente agiu, o Tribunal de ... fez uma apreciação fundada na matéria de facto dada como provada: “Não milita a favor dos condenados AA e DD o arrependimento e sentimento de vergonha verbalizados nesta audiência de cúmulo jurídico superveniente. Aliás, o tribunal não pôde considerar provado mais do que isso, ou seja, mera verbalização.” Aqui terminam os factos e, a partir daqui, começa a apreciação que deles faz o Tribunal. Ao afirmar que “Com efeito, não se trata de sentimentos genuínos porquanto a postura de ambos ao longo dos dois processos foi sempre a de procurarem eximir-se às suas responsabilidades, escapar a uma condenação, sem nunca terem contribuído para a descoberta da verdade e sem nunca terem revelado réstia de compaixão, empatia, solidariedade para com as vítimas dos seus crimes(…)” o Tribunal está a descrever o processo lógico-dedutivo que percorreu ao fazer a ponderação conjunta das exigências de prevenção geral e especial que o caso impõe, levando em conta todas as circunstâncias que possam ser relevantes nesta sede. A frase “Recorde-se a este propósito que, no âmbito do Proc. 11/18.0... AA, DD e EE foram ainda condenados, solidariamente com os demais arguidos naqueles autos, no pagamento de indemnizações às vítimas, pagamento esse que até hoje não demonstraram ter realizado, no todo ou em parte” não tem já que ver com a descrição do processo decisório acima referido e constitui apenas uma referência a um facto processual para reafirmar – sem todavia a determinar ou alterar – uma decisão a que se chegou por via da análise e ponderação dos factos provados. É isto que, em nosso entender, resulta da fundamentação do acórdão reclamado, que não merece aqui qualquer crítica. II – Invoca, de seguida, o reclamante, o vício de omissão de pronúncia, agora em virtude de o acórdão reclamado, na senda do acórdão cumulatório, repetir a falta de ponderação e análise crítica daquelas questões que aquele levantou, cumprindo “todos os ónus sobre si impendentes relativamente ao esforço recursivo que apresentou, nomeadamente escalpelizando as questões cuja apreciação o tribunal a quo omitiu, a saber: • Omissão relativamente às decorrências da hierarquia militar; • Enquadramento comparticipativo dos arguidos; • Mera transcrição de relatório social sem a emissão de qualquer juízo critico, valorativo e/ou apreciativo;” Afirma o reclamante, na sua conclusão xviii, que “Afirmar-se, como no douto acórdão agora objeto de reclamação, que o tribunal a quo fundamentou a condenação da concreta pena única de 8 anos e 8 meses de prisão, alimenta o vicio apontado ao tribunal a quo por se ter limitado a transcrever o relatório social do arguido, não valorando o mesmo e não o apreciando enquanto coadjuvante na fixação da pena única, dele enfermando assim o douto Acórdão ora reclamado no vício de omissão de pronúncia, cominado com nulidade pelo artigo 379.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal, tal qual fruto de árvore envenenada;” Ou seja, se bem entendemos, o acórdão reclamado é nulo porque não anulou, antes confirmou um outro acórdão que o reclamante considera nulo. (…) Tem toda a razão o acórdão reclamado. (…) Bem pode o reclamante invocar o esforço recursivo que apresentou, mas a verdade é que em parte alguma do seu recurso indica, como bem nota a decisão reclamada, “quais as questões que o Tribunal deixou de apreciar, parecendo-nos evidente que todas as questões que deviam ter sido apreciadas o foram adequadamente, tendo o acórdão recorrido apreciado e valorado todos os comportamentos adotados pelo arguido, bem como a sua personalidade, decidindo condená-lo, designadamente, na pena única de 8 anos e 8 meses de prisão.” Considera o reclamante (conclusão xxiv) que “Não é despicienda a valoração deste apontado e comprovado circunstancialismo na fixação da pena única, decorrente do Relatório Social meramente transcrito e não ponderado criticamente, não o tendo feito o tribunal a quo, nem o egrégio Supremo Tribunal de Justiça no douto acórdão ora reclamado, incorre este no vício de omissão de pronúncia, cominado com nulidade pelo artigo 379.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal, nulidade esta que se invoca e se requer seja reparada.” Não tem razão. A nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. Como decorre do art. 660.º, n.º 2, do CPC, aqui aplicável por força do art. 4.º do CPP, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuando-se, naturalmente, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. “Como uniformemente tem sido entendido no STJ, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que como tal tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir. A questão a apreciar pelo colectivo era a determinação da medida da pena e essa foi apreciada.”5 Isso mesmo opera o acórdão reclamado ao ponderar se o que estava em causa, ainda que formulado de forma incompleta, era o entendimento de que a medida da pena única não se encontrava suficientemente fundamentada, tendo decidido que o acórdão recorrido não incorria em nenhum erro ou vício que importasse declarar. Assim, da mera leitura do segmento atrás transcrito resulta claramente que o acórdão reclamado não está ferido de qualquer vício – ainda que por interposto acórdão, por se ter louvado em frutos de árvore envenenada. O reclamante pode não concordar com a decisão reclamada. O que não pode é confundir discordância com ilegalidade ou pontos de vista com decisões. O acórdão reclamado, também aqui se pronunciou fundamentadamente sobre a matéria que lhe foi trazida pelo recorrente, ora reclamante, pelo que não merece qualquer crítica. III. A inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 8º, n.º 2, 32º, n.º 1 e 2, e 205º da Constituição da República Considera o reclamante que a violação do seu direito ao silêncio no acórdão cumulatório, consubstanciada na fundamentação da condenação do arguido por fazer uso de tal direito, e que a interpretação plasmada no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, considerando que basta a mera referência ao relatório social para se considerar cumprido o dever de análise critica e fundamentação da decisão, são violadoras da Constituição da República. O controlo concreto da constitucionalidade – previsto no artigo 280º CRP – permite aos cidadãos afetados por uma decisão judicial o recurso dessa decisão para o Tribunal Constitucional, quando aquela aplique norma (ou normas) arguidas de inconstitucionais pelas partes no processo. Não nos compete, assim, tomar posição sobre a alegação do reclamante, que é, de resto, totalmente estranha ao âmbito desta reclamação. De todo o modo, sempre se dirá que, o recurso de constitucionalidade só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da desconformidade da decisão judicial com a Constituição da República, requisito que o reclamante até aqui não cumpria já que nunca antes havia suscitado no processo tal questão. IV. A fls. 18 da reclamação e na sua conclusão xxxiv, o reclamante aponta vários lapsos de que sofre o acórdão reclamado. Trata-se, em nossa opinião, de meros lapsos de escrita, sendo a discrepância com os dados verdadeiros patente e verificável através dos outros elementos da decisão. Assim, face ao disposto nos art.ºs 613º e 614.º, do CPC, aqui aplicáveis por força do art.º 4.º do CPP, a correção de inexatidões e lapsos manifestos constantes de sentenças e despachos pode ser feita a requerimento das parte ou por iniciativa do juiz. V. Face ao exposto, entendemos que a reclamação apresentada por AA não tem qualquer fundamento, devendo, por isso, ser indeferida, procedendo-se, no entanto, à correção dos lapsos ali apontados.” * * * * Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. B - Fundamentação B.1. âmbito da reclamação O arguido vem reclamar do acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça, que considera estar ferido de “nulidade por padecer do vício de omissão de pronúncia relativamente a questões suscitadas em peça recursiva” B.2. As omissões de pronúncia invocadas B.2.1. Nota introdutória Antes de mais, importa recordar que a peça que apresentada pelo arguido é uma reclamação e não um recurso…6 Serve essa afirmação para sublinhar que a possibilidade legalmente oferecida ao requerente para arguir nulidades por alegada omissão de pronúncia, é meio inidónea para emitir juízos interpretativos ou apreciativos sobre o consignado na fundamentação do acórdão, ou para expressar dúvidas sobre se todos os argumentos aduzidos pelo requerente terão sido analisados na decisão recorrida ou sobre o seu teor. 7 E, também não serve, para repisar argumentos já anteriormente apreciados e que foram objeto de pronúncia, nem, muito menos para invocar factos novos… Com efeito, nos termos do disposto no art. 425.º, n.º 4, do CPP, é aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, o regime da nulidade da sentença proferida pela 1.ª Instância. Entretanto, o Código de Processo Penal prevê no art. 379.º o regime específico da nulidade da sentença, cominando como tal – de forma simplificada –, a falta de fundamentação (alínea a) do n.º 1 do artigo citado), a condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia (alínea b) do mesmo n.º 1) e a omissão e o excesso de pronúncia (alínea c) do mesmo n.º 1). Nulidade de acórdão, por omissão de pronúncia, só acontece quando o acórdão deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra. O conceito não se confunde com a dimensão ou extensão da pronúncia proferida a propósito das concretas questões a decidir, sendo certo que o tribunal não tem obrigação de escalpelizar todos os argumentos aduzidos pelas partes, mas de fundamentar e decidir as questões colocadas (assim, Ac. do STJ de 11-01-2024, Rel. Juiz Cons. Vasques Osório). B.2.2. “Da questão da valoração da falta de demonstração de pagamento de indemnizações pelo tribunal a quo” O reclamante refere que ocorreu falta de pronúncia sobre questão - que plasmou na conclusão XXX das suas alegações de recurso para este Supremo Tribunal de Justiça - na qual defendia estar o acórdão da primeira instância ferido de nulidade de erro notório da apreciação da prova, estabelecido no artigo 410º, nº 2, al. c) do Código de Processo Penal Ora, dessa conclusão XXX consta o seguinte (transcrição integral): “xxx. O acórdão recorrido padece de vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na al. a) do n.º 2 do artigo 410º do CPP quando considera como relevante para fundamentar a sua decisão a alegada falta de pagamento das indemnizações arbitradas a vítimas e despesas hospitalares sem que tal conste da factualidade provada;” E, sobre esta matéria, consta no acórdão reclamado o seguinte: “B.3.1.1.1. Vício previsto no artigo 410º. nº 2, alínea a) do Código de Processo Penal O arguido alega a este propósito que: “xxx. O acórdão recorrido padece de vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na al. a) do n.º 2 do artigo 410º do CPP quando considera como relevante para fundamentar a sua decisão a alegada falta de pagamento das indemnizações arbitradas a vítimas e despesas hospitalares sem que tal conste da factualidade provada;” Antes de mais e para sermos rigorosos, importa esclarecer que o acórdão recorrido não alude à falta de pagamento das aludidas indemnizações. Com efeito, o que consta na decisão é o seguinte: “(…) no âmbito do Proc. 11/18.0... AA, DD e EE foram ainda condenados, solidariamente com os demais arguidos naqueles autos, no pagamento de indemnizações às vítimas, pagamento esse que até hoje não demonstraram ter realizado, no todo ou em parte.” Ou seja, no acórdão não se refere que o arguido não pagou as indemnizações, mas, apenas e tão só, que, até à data em o mesmo foi proferido, o arguido não tinha demonstrado ter pagado as aludidas quantias. Por outro lado, não nos parece que a ausência de referência a essa não comprovação de pagamento na factualidade provada constitua impedimento para a decisão de direito a tomar. Com efeito, o vício acima aludido apenas se verifica quando o tribunal deixa de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes para a decisão, alegados pela acusação, pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda quando o tribunal não investigou factos essenciais para a decisão que deviam ter sido apurados em julgamento. Ou seja, tal vício apenas existe quando não seja possível tomar uma decisão de direito em virtude de a matéria de facto ser manifestamente insuficiente, necessitando de indagação adicional. Na verdade, e como escreve Pereira Madeira8, “A afirmação do vício ora em causa, importa, sim, sempre, uma adequada perspetiva do objeto do processo, cujos confins são fixados pela acusação e ou pronúncia complementada pela pertinente defesa. A partir daí, impõe-se o confronto de tal objeto processual com o que o tribunal de julgamento em concreto indagou, independentemente de o resultado dessa indicação ter tido ou não êxito, isto é independentemente dos factos indagados terem sido dados como provados ou não provados. Importa, sim, que estes factos pertinentes ao objeto do processo tenham sido averiguados em julgamento do facto e obtido a necessária resposta, seja positiva ou negativa. Se se constata que o tribunal averiguou toda a matéria postulada pela acusação/defesa pertinente - afinal o objeto do processo - ainda que toda ela tenha porventura obtido resposta de não provado, então o vício de insuficiência está afastado. Os factos pertinentes obtiveram resposta do Tribunal, a matéria de facto é bastante para a decisão. Já assim não será se o tribunal de julgamento de deixou de dar resposta é um facto essencial postulado pelo referido objeto do processo, isto é, deixou por esgotar o thema probando. Ora, no caso em apreço, não estava em discussão a condenação nem a correção do montante das indemnizações arbitradas, destinando-se o processo, exclusivamente, a realizar o cúmulo jurídico de penas parcelares em que o arguido fora condenado e a fixar a respetiva pena única. Ou seja, o tribunal a quo não tinha de tomar, nem tomou, qualquer decisão sobre as indemnizações anteriormente arbitradas. Com efeito, o pagamento ou não das indemnizações, para além de não ter sido invocado pela acusação nem pela defesa, não foi objeto de investigação / apreciação pelo tribunal a quo, nem se afigurava essencial para a decisão a tomar. Aliás e complementarmente, acrescente-se que, na decisão proferida no Proc. 11/18.0..., não foi consignado qualquer prazo para o pagamento dessas indemnizações, nem, sobretudo, foi decidido que a suspensão da execução da pena única nele estabelecida ficava condicionada pela realização desse pagamento num dado prazo.9 Em suma, a matéria de facto dada como provada é suficiente para as decisões jurídicas proferidas no acórdão recorrido, não constituindo a omissão na factualidade provada da não comprovação do pagamento das indemnizações arbitradas o vício a que alude o artigo alínea a) do nº 1 do artigo 410º do Código de Processo Penal. Portanto e quanto a esta matéria, improcede o recurso.” Do exposto parece-nos óbvio decorrer, desde logo, não ser verdadeira a afirmação de que o acórdão reclamado “limitou-se a transcrever o acórdão recorrido” Por outro lado, continuamos a afirmar que existe uma grande diferença entre a afirmação de que “as indemnizações não foram pagas” e a de que “o pagamento das indemnizações não foi demonstrado nos autos”. Finalmente - e como mais desenvolvidamente expõe o Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto neste Alto Tribunal e para cujo parecer se remete -, o Tribunal (qualquer Tribunal) “pode licitamente formular juízos de valor perante os factos provados, com base em regras da experiência ou presunções judiciais e, não alterando os factos que a prova fixou, apoiar-se neles para operar o seu desenvolvimento lógico e extrair as ilações que os mesmos logicamente permitem.” Concluindo, embora o requerente possa discordar da argumentação a esse propósito aduzida10, o acórdão reclamado pronunciou-se sore a questão por aquele formulada inexistindo a alegada omissão de pronúncia. Temos em que se indefere, quanto a esta parte, a reclamação apresentada. B.2.3. “Da questão da falta de fundamentação do acórdão a quo quanto às condições pessoais do arguido” A este propósito o reclamante censura o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça por não ter ponderado, na senda do acórdão da primeira instância e no que concerne à fixação da pena única em que foi condenado, as seguintes questões: • Omissão relativamente às decorrências da hierarquia militar; • Enquadramento comparticipativo dos arguidos; • Mera transcrição de relatório social sem a emissão de qualquer juízo crítico, valorativo e/ou apreciativo Ora, desde logo importa referir que, relativamente às “questões” atrás elencadas e como se pode constatar das conclusões do recurso interposto para este Alto Tribunal – que como se sabem delimitam o âmbito do recurso11 - o reclamante apenas se reportou à enunciada em último lugar. Com efeito, a questão que o reclamante colocou a este Tribunal reportava-se, à omissão, no acórdão da primeira instância, da indicação das “circunstâncias pessoais que permitam construir uma base de juízo e decisão sobre a personalidade, necessária para a determinação da pena do concurso”, entendendo que o mesmo se tinha limitado a “transcrever o relatório social que mandou elaborar ao arguido” e, por isso, concluindo que “(i)ncorre o Acórdão a quo em vício de omissão de pronúncia, cominado com nulidade pelo artigo 379º, nº 1, al. c) do Código de processo Penal”. Sobre este ponto escreveu-se no acórdão reclamado o seguinte: “B.3.1.1.2.2. A omissão quanto à falta de fundamentação dos factos e das condições pessoais do arguido. Entende o Recorrente que o acórdão recorrido está ferido de nulidade nos seguintes termos: “v. A decisão recorrida, não contém elementos que permitam apreender, os factos e as circunstâncias em que ocorreram e que foram objeto de condenação nos processos anteriores, o mesmo se diga das circunstâncias pessoais que permitam construir uma base de juízo e decisão sobre a personalidade, necessária para a determinação da pena do concurso; vi. Não se mostra cumprida a exigência de fundamentação acrescida, nomeadamente no que interessa à compreensão da personalidade do condenado manifestada nos factos; vii. O tribunal a quo limitou-se a transcrever o relatório social que mandou elaborar ao arguido, não valorando o mesmo e não o apreciando enquanto coadjuvante na fixação da pena única; viii. IncorreoAcórdãoaquoemvíciodeomissãodepronúncia,cominadocomnulidade pelo artigo 379.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal;” Como atrás deixámos consignado, a nulidade estabelecida na al. c) do nº 1 do artigo 379 do Código de Processo Penal ocorre quando o tribunal “deixe de se pronunciar sobre questões que devesse conhecer” ou quando “conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.“ Ora, in casu, não indica o recorrente quais as questões que o Tribunal deixou de apreciar, parecendo-nos evidente que todas as questões que deviam ter sido apreciadas o foram adequadamente, tendo o acórdão recorrido apreciado e valorado todos os comportamentos adotados pelo arguido, bem como a sua personalidade, decidindo condená-lo, designadamente, na pena única de 8 anos e 8 meses de prisão. Assim, o que parece ressaltar dos trechos atrás transcritos é que o recorrente entenderá que a decisão de condenação na aludida pena única não se mostra devidamente fundamentada, o que consubstanciaria a nulidade a que se reportam os artigos 379º, nº 1 alínea a) e 374º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal. Com efeito, é isso que decorre, designadamente, da conclusão VI, na qual se alude à falta de uma “fundamentação acrescida”. Porém, também nesta matéria, não assiste razão ao recorrente. Com efeito: • no que concerne aos factos que consubstanciam os crimes por que foi condenado nas penas parcelares que foram integradas no cúmulo jurídico, o acórdão recorrido reproduziu, na integra, todos os factos dados como provados nos processos nºs 11/18.0... e 371/19.5... • e no que tange à sua personalidade e condições de vida é o próprio recorrente que reconhece que a decisão recorrida transcreve o novo relatório social pedido para a realização do acórdão cumulatório, sendo ainda certo que também foi tido em conta – como é referido na fundamentação dos factos - o teor do seu certificado de registo criminal, o documento junto pelo próprio quanto ao seu atual enquadramento profissional, e as declarações prestadas durante a audiência de discussão e julgamento. Finalmente, esses factos foram subsequentemente apreciados criticamente. Com efeito, • no que concerne aos factos consubstanciadores dos crimes por que foi condenado refere-se, designadamente, que “(q)uanto à homogeneidade das condutas ilícitas dos condenados verifica-se que os crimes em concurso têm um traço comum: a prática de actos criminosos contra cidadãos estrangeiros, em situação de vulnerabilidade, em manifesto abuso da condição de militares da GNR em que estavam investidos”; • e quanto à personalidade do arguido é, também designadamente, referido que “(a) repetição de tais condutas, quer em termos temporais, quer em diferentes contextos (nas habitações das vítimas, na rua, no interior de veículos da GNR e no interior do Posto de Vila Nova de Milfontes), evidencia que estamos perante personalidades que revelam tendência criminosa, e não apenas alguém que num determinado contexto, isolado ou delimitado num curto espaço de tempo, cometeu crimes.”, que “(h)á que atender ainda às condições socioeconómicas dos condenados, sendo de destacar que aqueles que enfrentam condenações mais gravosas, AA e DD, foram, entretanto, desvinculados da GNR.” e que (n)ão milita a favor dos condenados AA e DD o arrependimento e sentimento de vergonha verbalizados nesta audiência de cúmulo jurídico superveniente” e ainda que “(…) o tribunal não pôde considerar provado mais do que isso, ou seja, mera verbalização. Com efeito, não se trata de sentimentos genuínos porquanto a postura de ambos ao longo dos dois processos foi sempre a de procurarem eximir-se às suas responsabilidades, escapar a uma condenação, sem nunca terem contribuído para a descoberta da verdade e sem nunca terem revelado réstia de compaixão, empatia, solidariedade para com as vítimas dos seus crimes.” Portanto e em conclusão, entende-se que igualmente nesta parte improcede o recurso.” Face ao exposto não se vislumbra como é que este Supremo Tribunal de Justiça podia declarar nulo o acórdão da primeira instância, parecendo-nos resultar demonstrado que claro que o aresto reclamado se pronunciou sobre as questões que foram submetidas à sua apreciação. Naturalmente que o reclamante pode ter uma opinião diversa relativamente à que ficou expressa no acórdão reclamado. Mas isso não constitui fundamento para reclamação, desde logo por não ter ocorrido a alegada omissão de pronúncia. Termos em que se indefere, também quanto a este ponto a pretensão do reclamante. * * Quanto à alegada inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 8º, n.º 2, 32º, n.º 1 e 2, e 205º da Constituição da República estranha-se a sua alegação no âmbito da presente reclamação, desde logo porque nunca, até ao presente momento, o requerente havia suscitado tal questão. Com efeito são doutrina e jurisprudência pacíficas que: “I -É regra geral do regime dos recursos que estes não podem ter como objecto a decisão de questões novas, que não tenham sido especificamente tratadas na decisão de que se recorre, mas apenas a reapreciação, em outro grau, de questões decididas pela instância inferior. A reapreciação constitui um julgamento parcelar sobre a validade dos fundamentos da decisão recorrida, como remédio contra erros de julgamento, e não um julgamento sobre matéria nova que não tenha sido objecto da decisão de que se recorre. II - O objecto e o conteúdo material da decisão recorrida constituem, por isso, o círculo que define também, como limite maior, o objecto de recurso e, consequentemente, os limites e o âmbito da intervenção e do julgamento (os poderes de cognição) do tribunal de recurso. III - No recurso não podem, pois, ser suscitadas questões novas que não tenham sido submetidas e constituído objecto específico da decisão do tribunal a quo; pela mesma razão, também o tribunal ad quem não pode assumir competência para se pronunciar ex novo sobre matéria que não tenha sido objecto da decisão recorrida.” Ac do STJ de 25 de março de 2009 – Pro. 308/09 – 3ª secção (Henriques Gaspar (relator) Face ao exposto indefere-se a apreciação desta questão. B. 4. Correção do acórdão Sob o título “Da redução equitativa” vem o requerente chamar a atenção para “manifesto lapso de escrita” detetado no acórdão reclamado. Com efeito, • embora logo no início do acórdão reclamado se tenha consignado que o arguido AA ficara condenado, nos presentes autos, na pena única quatro anos e oito meses de prisão, suspensa na execução por igual período, sujeita a regime de prova12 e na pena única de quatro anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, no Proc. nº 11/18.0...; • No ponto 3.3.3. do mesmo acórdão, quando justificávamos a obrigação de desconto nos termos do disposto no artigo 81º, nº 2 do Código Penal (por as penas únicas não terem sido apenas suspensas, mas também condicionadas à submissão a regime de prova), referimos, por manifesto lapso de escrita) que tais penas únicas tinham sido fixadas, respetivamente, em 4 anos de prisão e em 3 anos e 4 meses de prisão. Tratou-se, como reconhece o requerente e acima demonstrámos de um manifesto lapso de escrita, o que também resulta do facto de que a informação que se pretende transmitir nesse parágrafo se reporta ao regime da suspensão da execução da pena e não à pena única propriamente dita, a qual já fora registada no início do acórdão. Aliás, não podemos deixar de registar profunda estranheza perante o facto de, depois de ter (e bem) classificado o ocorrido como “manifesto lapso de escrita”, o requerente venha pedir uma alteração do decidido… Com efeito, na ocorrência de manifesto lapso de escrita, “o tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correção da sentença” (cfr. artigo 380º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal. Assim, corrige-se tal lapso, ordenando que no ponto 3.3.3 do acórdão reclamado, em vez de: “Contudo, no caso em apreço, as duas penas únicas aplicadas nos processos foram suspensas: • No que concerne ao AA: – por 4 (quatro) anos), sujeita a regime de prova por igual período (Proc. 371/19.5...); – por 3 (três) anos e 4 (quatro) meses, sujeita a regime de prova por igual período (Proc. 11/18.0...).” passe a constar: “Contudo, no caso em apreço, as duas penas únicas aplicadas nos processos foram suspensas: • No que concerne ao AA: – por 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses, sujeita a regime de prova por igual período (Proc. 371/19.5...); – por 4 (quatro) anos, sujeita a regime de prova por igual período (Proc. 11/18.0...).” D – Decisão Por todo o exposto, decide-se: 1 - Indeferir a reclamação apresentada; 2 – Ordenar a correção do manifesto lapso de escrita, detetado no ponto 3.3.3. do acórdão reclamado, nos termos atrás indicados; 3 - Condenar o reclamante nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) unidade de conta. Supremo Tribunal de Justiça, d.s. certificada (Processado e revisto pelo relator - artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal) Os Juízes Conselheiros, Celso Manata (Relator) João Rato (1º Adjunto) Vasques Osório (2º Adjunto) _____________________ 1. Sem a extensão “S.1”↩︎ 2. Estas as penas aplicadas na sequência do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, a 28 de junho de 2023, o qual, dando provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido, reformulou o cúmulo jurídico e condenou-o na única de quatro anos e oito meses de prisão, suspensa na execução por igual período, sujeita a regime de prova (na primeira instância esta pena única tinha sido fixada em 6 anos de prisão, resultante de cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares: 1 ano de prisão – 1 crime de Abuso de poder (art. 382º do CP); 1 ano e 6 meses, 1 ano e 3 meses, 1 ano e 3 meses, 1 ano e 3 meses e 2 anos – Cinco crimes de Ofensa à integridade física qualificada (arts. 143º, nº 1, 145º, nº 1, al. a), por referência à al. m) do nº 2 do art. 132º do CP); 3 anos e 6 meses de prisão – 1 crime de Sequestro agravado (158º, nºs 1 e 2, al. g) in fine do CP).↩︎ 3. Foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Évora o qual, por acórdão de 24 de novembro de 2020, manteve integralmente a decisão da primeira instância.↩︎ 4. Em cúmulo jurídico destas penas, foi condenado na pena única de quatro anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova.↩︎ 5. Ac STJ de 20.10.2010, relator Raul Borges, texto em: https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/DB0852801149203780257885002E4244↩︎ 6. Com efeito, o acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça não é suscetível desse tipo de impugnação ordinária…↩︎ 7. 1 Acórdão de 13/9/2023, cujo relator é o Senhor Conselheiro Lopes da Mota, no Proc. n.º 257/13.7TCLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.↩︎ 8. “Código de Processo Penal comentado”, António Henriques Gaspar e outros, pág. 1358.↩︎ 9. Com efeito, para beneficiar dessa suspensão o arguido ficou apenas sujeito a regime de prova.↩︎ 10. Mas, como atrás se referiu, o que é admissível neste momento processual é, apenas, uma reclamação e não um recurso…↩︎ 11. Neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.↩︎ 12. Ponto A.1. i) nota 1 com o seguinte teor: “Estas as penas aplicadas na sequência do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, a 28 de junho de 2023, o qual, dando provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido, reformulou o cúmulo jurídico e condenou-o na única de quatro anos e oito meses de prisão, suspensa na execução por igual período, sujeita a regime de prova (na primeira instância esta pena única tinha sido fixada em 6 anos de prisão, resultante de cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares: 1 ano de prisão – 1 crime de Abuso de poder (art. 382º do CP); 1 ano e 6 meses, 1 ano e 3 meses, 1 ano e 3 meses, 1 ano e 3 meses e 2 anos – Cinco crimes de Ofensa à integridade física qualificada (arts. 143º, nº 1, 145º, nº 1, al. a), por referência à al. m) do nº 2 do art. 132º do CP); 3 anos e 6 meses de prisão – 1 crime de Sequestro agravado (158º, nºs 1 e 2, al. g) in fine do CP).”↩︎ 13. Ponto A.1. ii) nota 4 com o seguinte teor: “4) Em cúmulo jurídico destas penas, foi condenado na pena única de quatro anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova.”↩︎ |