Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
414/22.5T8AGD-E.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: AÇÃO EXECUTIVA
EMBARGOS DE EXECUTADO
FUNDAMENTOS
INDEFERIMENTO LIMINAR
CASOS JULGADOS CONTRADITÓRIOS
TRÂNSITO EM JULGADO
Data do Acordão: 07/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

No âmbito do processo executivo, a compatibilização entre o princípio do art.625 nº1 CPC ( casos julgados contraditórios) e o disposto no art.729 f) CPC ( o caso julgado anterior à sentença que se executa, como fundamento dos embargos de executado) deve ser no sentido de que o decurso do prazo para embargar não tem a virtualidade de prevalecer sobre o nº1 do 625 CPC, significando que a invocação de caso julgado contraditório pode ser feita mesmo após o prazo para a dedução dos embargos de executado.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – RELATÓRIO


1.1.- AA – instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa contra os executados - BB, CC e DD.

Com fundamento na sentença de 5-5-2021, proferida na acção declarativa nº 1741/10.0... do Juízo Central Cível de ... - Juiz ..., que erigiu como título executivo, reclamou o pagamento da quantia global de € 1.931.650,78.

1.2. - Os executados - BB, CC e DD - deduziram embargos de executado contra o exequente - AA.

Alegaram, em síntese:

Tiveram conhecimento superveniente do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 07.07.2022, no âmbito do processo 1226/19.9..., o que permite que, nesta sede e ao abrigo do disposto no artigo 729.º, alínea f) do Código de Processo Civil, seja invocada a contradição com caso julgado anterior da sentença que se executa.

Verifica-se a existência de contradição entre casos julgados, porquanto, a sentença que aqui se executa encontra-se em contradição com a sentença proferida no âmbito do processo 528/03.0..., que correu termos no Tribunal Judicial de Vagos, acções que tiveram resultados opostos, já que nesta última o réu foi absolvido, sendo que, nessa ação, a causa de pedir, o pedido e as partes, com excepção do executado EE são os mesmos.

Deve aplicar-se o comando legal previsto no artigo 625º do Código de Processo Civil, por violação persistente de duas decisões judiciárias contraditórias, devendo manter-se a primeira e suprimida a segunda, o que leva a concluir-se pela insuficiência ou inexistência de título executivo.

1.3. - Por decisão proferida a 06-02-2023 foram indeferidos liminarmente os embargos de executado, por os seus fundamentos não se ajustarem ao disposto nos artigos 728.º, nº 2 e 729.º, alínea f) do Código de Processo Civil, sendo extemporâneos e legalmente inadmissíveis, ao abrigo do disposto no artigo 732º, n.º 1, alíneas a) e b) do referido diploma legal.

1.4. – Os embargantes recorreram de apelação e a Relação confirmou a sentença.

Argumentou-se, em resumo:

“Ora, conforme bem se refere na decisão recorrida, no caso vertente, o que é invocado pelos embargantes é o conhecimento superveniente de matéria de direito, pois dizem que os embargos de executado agora deduzidos têm por fundamento o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 07.07.2022, no âmbito do processo 1226/19.9..., relativo ao fundamento de contradição com caso julgado anterior da sentença que se executa, do qual tiveram conhecimento.

Todavia, a superveniência de conhecimento superveniente de matéria de direito para a dedução de embargos de executado não releva para os efeitos do disposto no artigo 728.º, nº 2 do Código de Processo Civil, pelo que não podem deixar de se considerar extemporâneos agora deduzidos.

Mas mesmo que assim não se entendesse e conforme é bem salientado pelo Tribunal a quo, há que considerar que o Acórdão invocado foi publicado em 07.07.2022 e os embargantes deduziram o presente incidente de embargos de executado em 02.02.2023, muito para além dos 20 dias em que, em tese, poderiam embargar, sendo certo que não alegaram a data em que tiveram conhecimento de tal jurisprudência, e cabendo-lhes o ónus de alegar e provar a superveniência, como facto essencial que seria para admissibilidade dos mesmos – artigo 5º do Código de Processo Civil, não o fazendo, nunca seria matéria susceptível de despacho de aperfeiçoamento – posição consolidada no STJ, nos acórdãos de 07/05/2015, relatado por Orlando Afonso e de 10.09.2015, de João Trindade.

Além disso, a invocação do artigo 625.º do Código de Processo Civil como fundamento de embargos acaba por estar condicionada pelo prazo para admissão desta via procedimental de oposição.

Em resultado da apreciação da questão nodal relativa à tempestividade dos embargos e concluindo-se pela sua extemporaneidade, fica prejudicada a apreciação das demais”

1.5. - Os embargantes recorreram de revista excepcional, com as seguintes conclusões:

1) O presente recurso vem proposto da decisão do Tribunal da Relação do Porto que manteve a decisão da primeira instância quanto à matéria de direito, sendo que no que toca à reapreciação da matéria de direito reforçou que não ocorreu no caso qualquer facto superveniente que determine a possibilidade de dedução de embargos de executado para lá do prazo estipulado no n.º 1 do artigo 728º do CPC.

2) Pois entende que a superveniência de conhecimento superveniente de matéria de direito para a dedução de embargos de executado não releva para os efeitos do disposto no artigo 728/2 do CPS, pelo que não podem deixar de se considerar extemporâneos os embargos agora deduzidos.

3) O que está em causa é a aplicação do n.º 1 do artigo 625º do CPC, que não sujeita a prazo a não ser o da extinção do processo executivo.

4) O que está em causa é a existência ou não de prazo para embargos quando se está perante a aplicação do princípio previsto no artigo 625º do CPC, como é o caso.

5) A mesma questão fundamental de direito foi já apreciada e decidida pelo Supremo Tribunal de Justiça, com decisão transitada em julgado, no âmbito do Processo n.º 1226/19.9T8CHV-B.G1.S1, datado de 07 de Julho de 2022, cuja cópia se anexa e que constitui Acórdão- Fundamento para os efeitos da alínea c) do n.º 1 do artigo 672º do CPC.

6) No referido Acórdão, estipula-se que o decurso do prazo para embargar não tem a virtualidade de prevalecer sobre o número 1 do artigo 625º do CPC e, por isso, estes embargos não seriam extemporâneos.

7) Além do pressuposto da alínea c), encontra-se também preenchido o pressuposto da alínea a) do n.º 1 do artigo 672º do CPC, na medida em que remete para situações que, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária uma melhor aplicação do direito.

8) Dada a relevância jurídica da questão de não se poder executar duas decisões que foram proferidas em sentido oposto sobre a mesma questão entre as mesmas partes, estando a executar-se a decisão proferida em segundo lugar que é condenatória, quando a primeira é absolutória,

9) E já passou o prazo dos 20 dias para deduzir embargos de executado…

10) Na verdade, tratando-se de fazer valer o princípio do artigo 625º do CPC, não existe prazo para invocar a aplicação do 625º do CPC, a não ser o da extinção da execução.

11) É o que decorre do Acórdão do STJ de no âmbito do Processo n.º1226/19.9T8CHV-B.G1.S1, de 07.07.2022.

12) É, por isso, uma questão que carece de sedimentação futura. Logo, deve, também por esta via, ser admitido o recurso ora interposto, ao abrigo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 672º do CPC.

13) No que toca à tempestividade dos embargos, diga-se que nem sequer a mesma está relacionada com a verificação de qualquer facto superveniente.

14. Trata-se, tão só, de fazer valer o princípio de que existindo duas decisões contraditórias, vingue a primeira na ordem jurídica.

15. Por isso, os embargos são tempestivos, por não se poder fazer valer tal princípio por outro meio processual em sede de acção executiva.

16. Não se tratando de obter nova apreciação desta matéria, pois não está em causa a ofensa de caso julgado como anteriormente alegado e sim a aplicação do artigo 625º do CPC.

17. Logo, em face do já decidido superiormente, os embargos são tempestivos e deveriam ter sido admitidos.

18. Acresce que o Acórdão da Relação do Porto também, à semelhança da decisão da primeira instância, não chega a apreciar tal questão – a de contradição de julgados - porquanto afirma que os embargos não são tempestivos e a apreciação da demais matéria alegada fica prejudicada.

19) Bem se sabe que o Tribunal de Execução não é mais uma instância de recurso, mas a verdade é que o princípio ínsito no 625º do CPC pode fazer valer-se em qualquer acção, incluindo na executiva.

20) Ao não se ter pronunciado sobre a aplicação do artigo 625º do CPC ao caso concreto, entende-se que o Acórdão a quo padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615º do CPC, o que desde já se invoca.

21) Até porque os recorrentes entendem que tal normativo legal tem aplicação ao caso concreto não podendo ser executada a segunda sentença.

22) Isto porque as acções correspondentes aos Processo n.º 1741/10 e Processo n.º 528/03 são, quanto aos sujeitos da relação jurídica, causas de pedir e pedidos, idênticas.

23) Mormente, quanto aos sujeitos passivos, em ambos, figura a firma “F..., Lda.” que deveria situar-se no lado oposto como sujeito ativo.

24) A única diferença é a introdução do gerente EE na segunda acção (1741/10) mas que em termos de qualidade jurídica nada altera, pois que há identidade de sujeitos.

25) Ocorrendo ainda, pelas razões supra aduzidas, identidade de causa de pedir e pedidos nas duas acções, apesar de não ter sido esse o entendimento da sentença dada à execução.

26) Assim, quanto aos seus efeitos, deve aplicar-se o comando legal previsto Artigo 625º do CPC, por violação persistente de duas decisões judiciárias contraditórias.

27) Devendo manter-se no mundo do direito a primeira e suprimida a segunda, que figura nos presentes autos como título executivo.

28) De que resultaria, a final, concluir-se pela insuficiência – ou mesmo inexistência de título executivo.

29) Devendo levar à extinção do respetivo processo executivo.

1.6. – O recurso foi admitido por acórdão da Formação de 21-2-2024.


II - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – Delimitação do objecto do recurso

A questão submetida a revista consiste em saber se existe fundamento para o indeferimento liminar dos embargos de executado, o que implica decidir se, para efeitos de dedução de embargos de executado, a invocação de um caso julgado contraditório anterior, ao abrigo do art.625 nº1 CPC pode ocorrer a todo o tempo, com desconsideração do prazo a que alude o nº2 do art.728 CPC.

2.2.- Os elementos dados como provados:

1. Foi dada à execução a sentença proferida em 05.05.2021, no âmbito da ação declarativa 1741/10.0... do Juízo Central Cível de ... - Juiz ....

2. Na sentença exequenda foi decidido o seguinte quanto à ali invocada excepção de caso julgado:

“Os Réus vêm invocar a excepção de caso julgado pois que, na sua perspectiva, esta acção mais não é do que a repetição da acção que correu termos com o n.º 528/03.0.... (...)

Encontra-se junto ao procedimento cautelar apenso (com o n.º 1741/10.0...) cópia da sentença proferida no referido processo 528/03.0....

Ora, compulsada essa decisão, constata-se que embora não haja identidade absoluta de Réus pois nessa acção não é réu EE, o referido réu EE só é demandado por ser gerente da ré F..., Lda., podendo, pois, entender-se que há identidade de sujeitos.

No entanto, a causa de pedir é diversa.

De facto, nos presentes autos, e diversamente da acção atrás referida, o aqui autor alicerça o seu direito na existência de responsabilidade civil aquiliana.

O Autor alega que os gerentes da sociedade violaram as suas obrigações de gerência, nomeadamente o dever de informação, de prestação de contas e o dever de quinhoar, violações essas que lhe causaram danos e invocando a responsabilidade civil dos gerentes decorrente do disposto no art. 79º do CSC (houve violação de normas legais e não apenas do pacto social, pelo que existe responsabilidade civil extra-contratual).

Na acção 528/03.0... a causa de pedir é diferente, baseando o autor o seu pedido no direito de quinhoar nos lucros da sociedade, concretamente nos lucros provenientes da venda dos 77 lotes de terreno referidos nessa acção.

Também os pedidos formulados em ambas as acções são diversos, pedindo-se, singelamente, nestes autos, e em consonância com a causa de pedir, o reconhecimento do crédito proveniente da responsabilidade extracontratual em que incorrem os réus.

(…)”

3. A parte decisória da sentença tem o seguinte teor:

“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente por provada a presente acção e, em consequência:

- Condeno os Réus BB, DD, CC e EE a pagarem ao Autor a quantia de 1.326.305,64 € (um milhão, trezentos e vinte e seis mil, trezentos e cinco euros e sessenta e quatro cêntimos) a título de danos patrimoniais e 20.000 € (vinte mil euros) a título de danos morais.

A Ré DD responde apenas na medida dos bens que integram a herança de FF.

- Absolvo a Ré F..., Lda., do pedido contra ela formulado.”

4. O embargante interpôs recurso da sentença dada à execução para o Tribunal da Relação do Porto, com os seguintes fundamentos:

A - Nulidade da sentença por condenação em objeto diverso do pedido;

B - Nulidade de sentença por fundamentação em oposição com a decisão;

C - Nulidade de sentença por omissão de pronúncia;

D - Do conhecimento das excepções invocadas pelos recorrentes:

D1 - Erro na forma de processo e incompetência em razão da matéria; D2 - Da prescrição.

E - Matéria de Facto - correcção, impugnação e aditamento;

F - Da Matéria de Direito:

F1 - Falta de verificação dos pressupostos da responsabilidade aquiliana;

F2 - Da errónea contabilização de juros.

5. O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto produziu deliberação nos seguintes termos:

“Pelo exposto este tribunal julga a presente apelação improcedente por não provada e, por via disso, confirma a decisão recorrida, explicitando que os juros sobre a quantia de 20 mil euros são devidos, à taxa de juro civil desde a data do trânsito, e os juros sobre a restante quantia são devidos à mesma taxa, desde a citação até integral pagamento.”

6. Deste Acórdão foi interposto recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça com efeito meramente devolutivo.

7. O executado BB foi citado para os termos da execução em 09.03.2022.

8. A executada CC foi citada para os termos da execução em 14.03.2022.

9. A executada DD foi citada para os termos da execução em 14.03.2022.

10. Em 06.04.2022, o embargante BB deduziu embargos de executado à presente execução, com os seguintes fundamentos:

A) - a inexequibilidade da sentença dada à execução, por a mesma ainda não ter transitado em julgado, atendendo a que enquanto não transitar não pode ser entregue ao exequente o produto da penhora, pelo que a execução deverá aguardar pelo requisito de exequibilidade;

B) - a incompetência absoluta, em razão da matéria, deste Juízo de Execução, porquanto, a sentença dada à execução, proferida no âmbito do processo 1741/10.0... do Juízo Central Cível de ... – Juiz ... por a matéria a que a mesma se refere se inserir em matéria de direito social, prevista no Código das Sociedades Comerciais, pelo que a competência para tramitar a execução cabe ao Juízo do Comércio, nos termos do artigo 128 da LOSJ, pelo que a sentença dada à execução enferma do vício de incompetência absoluta;

C) - a nulidade da sentença por não ter sido apreciada a culpa do lesado, na fixação da indemnização, ao abrigo do que prescreve o artigo 570 do Código Civil;

D) - a existência de caso julgado, porquanto a sentença em execução é em tudo idêntica à que fora proferida no âmbito do processo 528/03.0..., que correu termos no Tribunal Judicial de ..., ações que tiveram resultados opostos, já que nesta última o réu foi absolvido. Nessa ação, a causa de pedir, o pedido e as partes, com exceção do executado EE são os mesmos;

E) - a ilegalidade da condenação do embargante em juros desde a citação;

F) - a prescrição do direito de indemnização do exequente previsto no artigo 79 do Código das Sociedades Comerciais.

11. CC e DD deduziram embargos de executado à presente execução em 07.04.2022, com os seguintes fundamentos:

A) - a inexequibilidade da sentença dada à execução, por a mesma ainda não ter transitado em julgado, atendendo a que enquanto não transitar não pode ser entregue ao exequente o produto da penhora, pelo que a execução deverá aguardar pelo requisito de exequibilidade;

B) - a incompetência absoluta, em razão da matéria, deste Juízo de Execução, porquanto, a sentença dada à execução, proferida no âmbito do processo 1741/10.0... do Juízo Central Cível de ... – Juiz ... por a matéria a que a mesma se refere se inserir em matéria de direito social, prevista no Código das Sociedades Comerciais, pelo que a competência para tramitar a execução cabe ao Juízo do Comércio, nos termos do artigo 128 da LOSJ, pelo que a sentença dada à execução enferma do vício de incompetência absoluta;

C) - a nulidade da sentença por não ter sido apreciada a culpa do lesado, na fixação da indemnização, ao abrigo do que prescreve o artigo 570 do Código Civil;

D) - a existência de caso julgado, porquanto a sentença em execução é em tudo idêntica à que fora proferida no âmbito do processo 528/03.0..., que correu termos no Tribunal Judicial de ..., ações que tiveram resultados opostos, já que nesta última o réu foi absolvido. Nessa ação, a causa de pedir, o pedido e as partes, com exceção do executado EE são os mesmos;

E) - a ilegalidade da condenação do embargante em juros desde a citação; Processo: 414/22.5...

F) - a prescrição do direito de indemnização do exequente previsto no artigo 79 do Código das Sociedades Comerciais.

G) – a inadmissibilidade da penhora do saldo bancário da titularidade da embargante CC por constituir a totalidade do seu vencimento referente ao mês de fevereiro de 2022;

H) - o pedido de substituição de penhora do vencimento da embargante CC pela penhora da fração autónoma designada pela letra “AE”, destinado a habitação, tipo T2, sito na Rua ..., a), n.º 2, lugar de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo...76 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ...61.

12. Os embargos de executado referenciados em 8. e 9. foram objeto de despacho de indeferimento liminar, proferido em 27.04.2022.

13. Interposto recurso sobre tais despachos, tendo sido proferida decisão singular pelo Tribunal da Relação do Porto, que os confirmou.

2.3. – Fundamentos de direito

Os embargantes alegaram caso julgado contraditório entre a sentença exequenda, proferida em 05.05.2021, no âmbito da acção declarativa 1741/10.0... do Juízo Central Cível de ... - Juiz ..., e a sentença anteriormente proferida na acção 528/03.0....

Para a resolução de casos julgados contraditórios, o art.625 nº1 CPC impõe a seguinte regra – “Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar”.

No âmbito do processo executivo, sobre o critério para a harmonização entre o princípio do art.625 nº1 CPC e o disposto no art.729 f) CPC ( o caso julgado anterior à sentença que se executa, como fundamento dos embargos de executado) deve seguir-se a orientação expressa no Ac STJ de 7/7/2022 ( processo nº 1226/19.9T8CHV-B.G1.S), disponível em www dgsi, no sentido de que o decurso do prazo para embargar não tem a virtualidade de prevalecer sobre o nº1 do 625 CPC.

Como se afirma no acórdão – “Assim, concluindo-se que uma sentença dada à execução contraria uma sentença anterior, a aplicação do princípio explicitado no n.º 1 do artigo 625.º implica que não possa ser executada essa segunda sentença, que o processo executivo que tenha sido iniciado termine e que se tirem as devidas consequências desse efeito – em concreto, dependendo do momento em que a questão seja detectada. Em último caso, se já tiver havido venda dos bens penhorados, a venda ficará sem efeito, sendo aplicável o disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 839.º do Código de Processo Civil: se a existência de caso julgado anterior tiver sido invocada como fundamento dos embargos de executado, da procedência dos embargos decorre que a venda ficará sem efeito. O mesmo sucederá se o caso julgado anterior for conhecido oficiosamente”.

Seguiu-se a doutrina de José Alberto dos Reis ( Código de Processo Civil anotado, vol. V, Coimbra, 1952, pág. 105) no sentido de que, sendo promovida a execução de sentença contraditória com anterior sentença transitada, o executado pode invocar caso julgado anterior na oposição, mas, se já não estiver em prazo e não conseguir provar a superveniência do conhecimento, “basta que o executado dê conhecimento da existência do caso julgado, juntando ao processo, em qualquer momento, certidão da sentença anterior transitada, para que o juiz tenha de dar sem efeito o processo de execução. O processo cai, porque desaparece a sua base: o título executivo”.

Sucede, no entanto, que a aplicação da regra do art.625 nº1 CPC pressupõe a comprovação do caso julgado em ambas as decisões contraditórias.

Ora, na situação dos autos não está comprovado o caso julgado da sentença exequenda, pois sabe-se apenas que do acórdão da Relação do Porto, que confirmou a sentença, foi interposto recurso para o STJ (cf pontos 5 e 6 dos factos provados), embora se ignore os termos do mesmo.

Porém, importa observar que tendo sido invocada na acção declarativa nº 1741/10.0... a excepção do caso julgado da sentença proferida na acção 528/03.0..., a mesma foi julgada improcedente na sentença de 05-05-2021, por se entender ser diversa a causa de pedir e o pedido.

Na verdade, consta da sentença a seguinte fundamentação:

“Os Réus vêm invocar a excepção de caso julgado pois que, na sua perspectiva, esta acção mais não é do que a repetição da acção que correu termos com o n.º 528/03.0...

Dispõe o art. 580º do Código de Processo Civil que “1 As excepções de litispendência e caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado. 2. Tanto a excepção de litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o Tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

O art. 581º enuncia os requisitos da litispendência e do caso julgado. “1. Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”. 2. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da qualidade jurídica. 3. Há identidade de pedido quando numa e noutra se pretende obter o mesmo efeito jurídico. 4. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. (...)”.

Encontra-se junto ao procedimento cautelar apenso (com o n.º 1741/10.0...) cópia da sentença proferida no referido processo 528/03.0... Ora, compulsada essa decisão, constata-se que embora não haja identidade absoluta de Réus pois nessa acção não é réu EE, o referido réu EE só é demandado por ser gerente da ré F..., Lda., podendo, pois, entender-se que há identidade de sujeitos.

No entanto, a causa de pedir é diversa. De facto, nos presentes autos, e diversamente da acção atrás referida, o aqui autor alicerça o seu direito na existência de responsabilidade civil aquiliana. O Autor alega que os gerentes da sociedade violaram as suas obrigações de gerência, nomeadamente o dever de informação, de prestação de contas e o dever de quinhoar, violações essas que lhe causaram danos e invocando a responsabilidade civil dos gerentes decorrente do disposto no art. 79º do CSC (houve violação de normas legais e não apenas do pacto social, pelo que existe responsabilidade civil extra-contratual).

Na acção 528/03.0... a causa de pedir é diferente, baseando o autor o seu pedido no direito de quinhoar nos lucros da sociedade, concretamente nos lucros provenientes da venda dos 77 lotes de terreno referidos nessa acção. Também os pedidos formulados em ambas as acções são diversos, pedindo-se, singelamente, nestes autos, e em consonância com a causa de pedir, o reconhecimento do crédito proveniente da responsabilidade extracontratual em que incorrem os réus. Contrariamente, na acção, os pedidos formulados são diversos, o que é patente da sua mera transcrição:

1 – Declarar-se que os negócios referentes aos 77 lotes foram celebrados não pelos valores declarados, mas pelos que constam da petição.

2 – Declarar-se que o Réu BB e o falecido FF se apoderaram da quantia de 848.944.147$00, dos quais 33% pertencem ao autor, condenando-se os Réus no pagamento da quantia de 1.397.390 ,13 €.

3 – Ser proferida sentença substitutiva das declarações negociais dos sócios-gerentes e se declare que nos exercícios dos anos de 1997 a 2002 houve um lucro de 301.158.400$00, resultantes dos proventos declarados nas vendas dos 77 lotes, dos quais 33% pertencem ao autor, condenando-se a Ré a pagar-lhe essa quantia.

4 – A julgar-se improcedente o pedido formulado em segundo, devem os RR BB, DD e CC ser condenados a restituir à Ré F..., Lda., os dinheiros pertencentes aos sócios já apurados e o que se vier a liquidar em execução de sentença, para aí serem quinhoados com o autor na proporção da sua quota de 33%

5 – Ser proferida sentença substitutiva das deliberações em falta, isto é, as deliberações de distribuição de lucros de exercício dos anos de 1997 a 2002, que produza os efeitos das declarações negociais em falta, condenando-se a Ré sociedade a pagar ao Autor 33% das quantias apuradas

6 – Condenar os Réus GG e CC a indemnizar o Autor, na quantia de € 150.000.000$00, por danos morais.”

Desta sentença os Réus (aqui executados/embargantes) interpuseram recurso de apelação e a Relação por acórdão de 13/1/2022 (cf documento junto com o requerimento executivo) julgou improcedente o recurso e confirmou a sentença.

Verifica-se pela leitura do acórdão que os réus não questionaram no recurso de apelação a excepção do caso julgado da sentença proferida na acção 528/03.0..., significando que a sentença da 1ª instância que considerou inexistir caso julgado transitou ela própria em julgado.

Sendo assim, também por esta via se conclui não ter aqui aplicação a regra do art.625 nº1 CPC, pois como se adverte no citado Ac do STJ 07.07.2022 (processo 1226/19.9 T8CHV-B.G1.S1) – “ É certo que, se tiver havido decisão anterior no sentido da inexistência de contradição entre duas sentenças, formou-se caso julgado e já não é possível voltar a colocar essa questão” ).


III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:

1)

Julgar improcedente a revista e confirmar o acórdão recorrido.

2)

Condenar os recorrentes nas custas.

Lisboa, 9 de Julho de 2024.

Jorge Arcanjo (Relator)

Jorge Leal

Nelson Borges Carneiro