Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
11495/23.4T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: DOMINGOS JOSÉ DE MORAIS
Descritores: AÇÃO DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
ÍNDÍCIOS DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
Data do Acordão: 07/03/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

Estando provado que: a remuneração fixa do interessado, “zelador/vigilante”, é paga mensalmente, por transferência bancária; está sujeito a horário de trabalho definido pela empresa, em regime de turnos e folgas rotativas; exerce a sua actividade profissional nas instalações propriedade da empresa; regista diariamente num relógio de ponto a hora do início e do termo de cada um dos dias de trabalho; utiliza os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à empresa; a empresa controla a marcação anual do período de férias do interessado; a empresa subscreveu um contrato de seguro de acidentes de trabalho constando o interessado do quadro de pessoal dos trabalhadores segurados, tais factos, globalmente considerados, são suficientes para se poder concluir que entre as partes foi celebrado um contrato de trabalho.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 11495/23.4T8LSB.L1.S1


Recurso revista


Relator: Conselheiro Domingos José de Morais


Adjuntos: Conselheiro Mário Belo Morgado


Conselheiro Júlio Manuel Vieira Gomes


Acordam os Juízes na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I. - Relatório


1. - O Ministério Público instaurou acção declarativa de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, com processo especial, contra


Condomínio 1, pedindo: “deve a presente acção ser julgada procedente, por provada e, em consequência, ser declarada a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre o Condomínio 1 e AA, com início reportado a 1 de Outubro de 1998.”.


2. - O Réu contestou, impugnando os factos alegados e concluindo: “deve o Réu ser absolvido da presente ação, por não provada, com as legais consequências”.


3. - Na 1.ª Instância foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:


decide-se: absolver o réu Condomínio 1 do pedido.”.


4. - O Ministério Público interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação decidido: “acorda-se em julgar procedente o recurso e declarar que AA é trabalhador da Ré desde 1 de Outubro de 1998.”.


5. - O Réu interpôs recurso de revista, concluindo, em síntese:


- A fundamentação de facto da sentença de primeira instância não foi posta em causa pelo Tribunal da Relação de Lisboa;


- Actualmente o artigo 12º do Código do Trabalho contém uma presunção de existência de contrato de trabalho, quando na relação entre a pessoa que preste a actividade e quem dela beneficia se verificam alguma das características que elenca no seu n.º 1;


- A prova desses indícios (alguma (s) daquelas características) opera a presunção, à luz de um juízo global, cabendo ao beneficiário da actividade o ónus de provar o contrário;


- O que esta norma veio consagrar foi um conjunto de factos que já na versão da LCT se consideravam indicadores de existência de contrato de trabalho, como: a vinculação a horário de trabalho estabelecido pessoa a quem se presta a actividade; a prestação do trabalho em instalações do empregador ou em local por ele designado, a existência de controlo externo do modo de prestação da actividade; a obediência a ordens e a sujeição à disciplina da empresa; a retribuição certa; a pertença dos instrumentos de trabalho ao empregador e a exclusividade da actividade laborativa em benefício de uma só entidade;


- O n.º 1 do artigo 12º do Código do Trabalho contém uma presunção da existência de contrato de trabalho;


- A circunstância de o Interveniente trabalhar na sede do Recorrente não constitui um elemento decisivo, porquanto se mostra compatível com a prestação de serviços;


- Ainda assim, sempre se dirá que um contrato de prestação de serviços não é incompatível com a existência de indicações, instruções quanto ao resultado final, podem ser dadas indicações quanto ao resultado final, sem que isso consubstancie qualquer ordem em sentido técnico jurídico ou de onde resulte uma posição de subordinação jurídica;


- Sendo também certo que, não resultou provado qualquer exercício de poder disciplinar sobre o interveniente;


- A verdade é que compulsada toda a matéria apurada e apreciando-a globalmente, os factos apurados não permitem concluir pela existência de subordinação jurídica, e, consequentemente, considerar a relação existente como de contrato de trabalho subordinado; - cfr. pontos 1, 4, 5, 6, 7, 9, 28, 29, 30 das conclusões de recurso.


6. - O Ministério Público respondeu pela manutenção do acordado pelo Tribunal da Relação.


7. - Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, ex vi do artigo 679.º, ambos do CPC, cumpre apreciar e decidir.


II. - Fundamentação de facto


1. - As Instâncias decidiram sobre a matéria de facto:


Factos Provados


1- A Ré é o condomínio do centro comercial designado por 1 e situado na Rua ....


2- Na sequência de acção inspectiva realizada pela ACT no dia 18/10/2022, nas instalações da R. sitas no local indicado no artigo anterior, verificou-se que AA, .../.../1943, com o número de identificação fiscal .......15, número de beneficiário da segurança social .........37, portador do cartão de cidadão n.º ... e residente em ..., presta a sua actividade e exerce funções para a Ré.


3- O A. exerce as seguintes tarefas nas instalações do referido centro comercial:


a) Portaria: tem à sua guarda as chaves das entradas do Réu, que abriam e fechavam de acordo com os horários do mesmo;


b) Zeladoria: verifica o bom estado de funcionamento dos equipamentos dos serviços comuns, designadamente energia, água, esgotos, climatização, sistema SADI, etc, reportando eventuais anomalias;


c) Assistência à administração: acompanham fornecedores e outros prestadores de serviços, apoiam clientes e clientes e identificam necessidades de manutenção e limpeza das áreas comuns – corredores e instalações sanitárias.


Faz ainda rondas para inspecionar as áreas do centro comercial e controle da entrada, presença e saída de pessoas e bens do centro comercial, reportando anomalias.


4- O trabalhador exerce a sua actividade profissional nas instalações da R., melhor acima identificadas, que são propriedade da beneficiária da atividade.


5- Utiliza os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à empregadora, nomeadamente secretária, cadeira, telemóvel, bem como o fardamento constituído por camisa, casaco, calças, blusão e pullover, estando cada peça de vestuário identificada com o logotipo da empregadora, à excepção das calças.


6- A R. definiu ao A. um horário de trabalho, estando em vigor um sistema de turnos rotativos.


7- À data da visita inspectiva, o A. exercia funções de 3.ª a 6.ª feiras e domingos, das 16 às 24 horas, aos sábados das 13 às 24 horas, com folgas rotativas, com 3 dias de descanso semanal.


8- AA regista diariamente num relógio de ponto, situado à entrada das instalações da empregadora no piso inferior do centro comercial, a hora do início e do termo de cada um dos seus dias de trabalho.


9- A R. tem ao seu serviço 5 auxiliares da administração.


10- Destes 5, 3 estão considerados como prestadores de serviços, entre os quais AA, um trabalhador não declarado e um trabalhador vinculado por contrato de trabalho.


11- O colaborador recebe da R., como contrapartida da sua atividade, o valor mensal fixo de € 789, pago por transferência bancária,


12- Recebe onze pagamentos mensais em cada ano civil.


13- O colaborador encontra-se inscrito nas Finanças e na Segurança Social na qualidade de trabalhador independente, sendo o próprio que assegura o pagamento dos respetivos descontos legais.


14- Emite um recibo verde por ocasião de cada pagamento mensal que a empregadora efectua.


15- Celebrou verbalmente um contrato de prestação de serviços em 1 de Outubro de 1998 com a R.


16- AA é reformado da ..., desde 1997.


17- Em cada ano civil, a empregadora solicita ao trabalhador que indique os dias em que pretende gozar férias, assinalando-os num mapa de férias colocado no gabinete da administração da empregadora,


18- Caso esses dias coincidam com os escolhidos pelo colega BB, a empregadora solicita ao trabalhador que se entendam entre eles quanto aos períodos de férias.


19- Não aufere qualquer pagamento proveniente da R. durante cada período de gozo de férias anuais.


20- Nunca tendo recebido igualmente quaisquer subsídios de férias e subsídios de Natal.


21- A R. mantém um contrato de seguro de acidentes de trabalho com a seguradora Zurich Portugal (n.º AT .......09), constando AA do quadro de pessoal dos trabalhadores segurados.


22- Em 18-6-2021, por determinação da empregadora, o trabalhador foi submetido a um exame de saúde periódico destinado a comprovar e avaliar a sua aptidão física e psíquica para o exercício da sua actividade, constando da respectiva ficha de aptidão para o trabalho como trabalhador da empregadora.


23- A utilização do fardamento, fornecido pela R., é a regra, sendo excecional o seu não uso.


24- São os colaboradores que estabelecem, entre si, quem efetua o turno entre si, quando cada um se ausenta, designadamente para descansos mais prolongados.


25- As folhas de ponto preenchidas e que estão juntas aos autos servem para organização dos serviços e correspondente pagamento.


26- O trabalhador efectivo do R, sr. CC, tem conhecimentos diferenciados face aos demais.


Factos Não Provados


1 - Os cinco vigilantes recebem ordens, orientações e instruções concretas e diárias de DD, chefe dos serviços administrativos.


2 - Nesta equipa de vigilantes todos realizam as mesmas tarefas profissionais, recebem as mesmas ordens, orientações e instruções, utilizam os mesmos utensílios de trabalho, trabalham no mesmo espaço físico e integram os diferentes turnos que se encontram organizados pela empregadora.


3 - O interveniente caso falte ou se atrase, tem a obrigação de informar a sua superior hierárquica DD.


4 - As eventuais faltas ao trabalho por parte do trabalhador são objecto de desconto no valor que este recebe mensalmente.


5– Os colaboradores efetuam entre si pagamentos quando se substituem nas prestações dos seus serviços.


6- Se um prestador de serviços faltar não lhe são pagos esses serviços e que são pagos àquele que o substituir.


7- O trabalhador efetivo do R. não estabelece ele próprio os seus tempos de trabalho autonomamente, como os prestadores de serviços.


8- Os custos do seguro de acidentes de trabalho e de eventuais exames que façam, são depois debitados aos colaboradores pelo R.


9- AA encontra-se numa situação de dependência económica da empregadora, já que, para a sua subsistência, aufere apenas as importâncias que lhe são pagas pela empregadora.


III. - Fundamentação de direito


1. - O objecto da presente revista é o de saber se a relação contratual existente entre AA e o Réu, desde 1 de outubro de 1998, deve, ou não, ser qualificada como contrato de trabalho.


2. - À data do início da relação contratual entre as partes, em 1 de outubro de 1998, vigorava o Regime Jurídico do Contrato Individual - Decreto-Lei n.º 49 408, de 24.11.1969 (LCT) -, revogado pela Lei n.º 99/2003, de 27.08; por sua vez, revogada pela Lei n.º 7/2009, de 12.02, que aprovou o Código do Trabalho de 2009, actualmente em vigor.


A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem, no entanto, entendendo até ao presente que, para efeitos da qualificação de uma relação jurídica entre as partes, deve atender-se ao regime jurídico que vigorava à data em que se iniciou/consolidou a relação em causa.


[cfr., por exemplo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 04.07.2018, processo nº 1272/16.4T8SNT.L1.S1; de 27.11.2018 proc. n.º 14910/17.2T8SNT.L1.S1; de 15.01.2019, proc. nº 457/14.2TTLSB.L2.S1; de 01.06.2022, proc. n.º 21116/18.1T8LSB.L1.S1; de 12.10.2022 proc. n. º 3347/19.9T8BRR.L1.S1, todos in www.dgsi.pt.].


Assim, à qualificação da relação contratual em apreço cumpre aplicar o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho - LCT -, a mesma legislação, aliás, aplicada no Acórdão recorrido.


3. - Nos termos do artigo 1.º do DL n.º 49 408, de 24.11.1969 (LCT) e do artigo 1152.º do C. Civil, “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”.


E “Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição” – artigo 1154.º do C. Civil.


Por definição legal, a prestação de serviços tem por objecto o resultado do trabalho, enquanto que no contrato de trabalho o trabalhador se obriga a prestar o seu trabalho ao empregador, mediante retribuição e sob a autoridade e direcção deste.


A subordinação jurídica e a subordinação económica constituem, pois, dois dos elementos do contrato de trabalho.


O primeiro traduz-se no facto de o trabalhador se encontrar submetido à autoridade, direcção e fiscalização do empregador, que lhe dá ordens, directivas e instruções.


A subordinação económica traduz-se no facto do trabalhador estar economicamente dependente da entidade patronal.


A subordinação jurídica é, porém, o elemento relevante para a distinção entre o contrato de trabalho e os outros contratos que mantêm com ele algumas afinidades, como, por exemplo, o contrato de prestação de serviços.


Na prática, só existirá contrato de trabalho se o empregador puder, de algum modo, orientar a actividade do trabalho, quanto mais não seja no tocante ao lugar ou ao momento da sua prestação.


A opinião generalizada, tanto na doutrina como na jurisprudência, à luz da LCT, é a de que o traço fundamental do contrato de trabalho, que o distingue dos contratos afins, é a subordinação jurídica, traduzida na dependência do trabalhador face às ordens e directivas da entidade patronal.


Assim, temos, por exemplo:


Galvão Teles, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 83, págs. 165/166, escreveu: “a subordinação ou autonomia é que permite, em última análise extremar a locatio operarum ou contrato de trabalho, e a locacio operis ou contrato de prestação de serviço”.


Menezes Cordeiro, no Manual de Direito do Trabalho, 1991, pág. 536, escreveu: "o factor último, no tocante à distinção do contrato de trabalho, deve ser colocado, na autonomia da vontade e na sua exteriorização juridicamente eficaz".


Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 1992, pág. 286 e segs., e Jorge Leite, Direito do Trabalho, 1982, pág. 220 e segs., referem também a subordinação jurídica como o elemento diferenciador entre o contrato de trabalho e afins.


Monteiro Fernandes, em Noções Fundamentais de Direito de Trabalho, vol. I, 8.a ed., pág. 104 e segs., escreveu: "assim, o saber-se se existe ou não contrato de trabalho depende, como foi dito e repetido, de se saber se, na relação jurídica em causa, o trabalhador está ou não subordinado; mas para se chegar a tal conclusão, é necessário recorrer a outros meios, quer dizer, a elementos concretos que constituam índices de subordinação ou (é o mesmo) de existência de contrato de trabalho. Que meios são esses? Em termos gerais, serão aspectos parcelares da relação de trabalho, presentes na sua normal conformação concreta, os quais funcionarão assim como índice da existência de correspondente contrato".


No entanto, como escreveu Júlio Manuel Vieira Gomes, in Direito do Trabalho, Vol. I, pág.127, “O facto de a categoria da subordinação jurídica, apesar da sua inegável fle­xibilidade, ter, na sua origem histórica como ponto de referência essencial o operário, conduziu, face à acentuada terciarização da economia e aos fenómenos de fragmentação da produção atrás descritos, a que a mesma tivesse de aplicar-se e adaptar-se a novos contextos económicos e sociais. Em muitos casos, o exercício do poder de direcção tornou-se menos evidente e muito mais subtil do ponto de vista de um observador externo, pelo que aumentaram significativamente o número de situações em que se tornou necessário recorrer a indícios da subordinação e proceder a um juízo de aproximação com o tipo legal.”.


4. - A doutrina e a jurisprudência têm indicado como indícios, os seguintes:


a) a vinculação a horário de trabalho, definido pela pessoa a quem se presta a actividade, que indicia, pela sua existência, um contrato de trabalho;


b) o local de trabalho, na medida em que, sendo os serviços prestados na empresa, haverá, possivelmente, um contrato de trabalho, ao contrário do que sucede se o lugar de trabalho pertence ao trabalhador, situação que indicia trabalho autónomo;


c) a existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral;


d) a obediência a ordens;


e) a sujeição à disciplina da empresa;


f) a modalidade de retribuição, em que a existência de uma remuneração certa à hora, ao dia, à semana ou ao mês indicia trabalho subordinado, enquanto o pagamento à peça ou em montantes incertos e sem regularidade indicia trabalho autónomo;


g) a propriedade dos instrumentos de trabalho, cuja pertença à empresa indicia a existência de contrato de trabalho, presumindo tratar-se de trabalho autónomo quando pertençam ao trabalhador;


h) o pagamento de subsídios de férias e de Natal, o qual indicia um comportamento como entidade patronal do beneficiário da prestação;


i) a falta de assalariados por conta do trabalhador e a exclusividade da sua actividade laborativa;


j) ausência de ajuda familiar ou de entreajuda de companheiros de profissão;


l) a sindicalização do trabalhador.


Estes são os indícios que respeitam ao chamado «momento organizatório» da subordinação, mas, para além destes, são citados outros de carácter formal e externo, como sejam a observância dos regimes fiscal e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem (cfr. Monteiro Fernandes, ob. cit., págs. 118 e 119; Lobo Xavier, ob. cit., págs. 302/303; Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 532 e segs.; Acórdãos do S.T.J., de 11.01.1995, em Ac. Doutrinais, n.º 402, pág. 736, de 26.09.1990, de 27.02.1991 e de 06.03.1991, BMJ n.ºs 399/405,404/321 e 405/322 e de 02.10.1991, Ac. Doutrinais. n.º 368-369, pág. 1023 e de 06.04.2000, CJ, ano VIII, II, 249).


É desnecessário referir que estes indícios, individualmente considerados, possuem um valor muito relativo, pelo que o juízo a formular será sempre um juízo global, mediante a situação concreta do caso em apreciação.


5. - No que ao caso em apreço importa, está provado que:


- AA celebrou verbalmente com a Ré um contrato de prestação de serviços, em 1 de Outubro de 1998, para prestar as funções descritas no ponto 3. dos factos provados, recebendo, como contrapartida dessa atividade, o valor mensal fixo de € 789,00 pago por transferência bancária;


- Exerce a sua actividade profissional nas instalações da Ré, que são propriedade da beneficiária da atividade.


- Utiliza os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à empregadora, nomeadamente secretária, cadeira, telemóvel, bem como o fardamento constituído por camisa, casaco, calças, blusão e pullover, estando cada peça de vestuário identificada com o logotipo da empregadora, à excepção das calças.


- A Ré definiu ao AA um horário de trabalho, estando em vigor um sistema de turnos rotativos.


- À data da visita inspectiva, o AA exercia funções de 3.ª a 6.ª feiras e domingos, das 16 às 24 horas, aos sábados das 13 às 24 horas, com folgas rotativas, com 3 dias de descanso semanal.


- O AA regista diariamente num relógio de ponto, situado à entrada das instalações da empregadora no piso inferior do centro comercial, a hora do início e do termo de cada um dos seus dias de trabalho.


- Em cada ano civil, a Ré solicita ao AA que indique os dias em que pretende gozar férias, assinalando-os num mapa de férias colocado no gabinete da administração da empregadora, isto é, a Ré controla a marcação do seu período de férias.


- A Ré mantém um contrato de seguro de acidentes de trabalho constando AA do quadro de pessoal dos trabalhadores segurados.


Ora, tal factualidade, considerada no seu conjunto, é demonstrativa de que a relacção jurídica existente entre as partes se caracteriza como de contrato de trabalho.


E a circunstância de estar dado como provado - cfr. ponto 13) - que AA se encontra inscrito nas Finanças e na Segurança Social na qualidade de trabalhador independente, sendo o próprio a assegurar o pagamento dos respetivos descontos legais, e que a Ré não lhe paga qualquer importância a título de férias, subsídios de férias e subsídios de Natal – cfr. pontos 19) e 20) - não é suficiente para afastar essa caracterização como de contrato de trabalho.


Na prática, o controlo, pela Ré, na marcação do período de férias de AA é inevitável, atendendo a que tem ao seu serviço 5 auxiliares da administração – cfr. pontos 9) e 10) dos factos dados como provados – não lhes cabendo a eles a gestão dos períodos de férias de cada um, pela simples razão de que têm diferentes regimes de contratação ao serviço da Ré.


Assim, considerando-se acertada a decisão do Tribunal da Relação, improcede o recurso de revista da Ré.


IV. - Decisão


Atento o exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Social julgar improcedente o recurso de revista da Ré e manter o acórdão recorrido.


Custas a cargo da Ré.


Lisboa, 03 de julho de 2024


Domingos José de Morais (Relator)


Mário Belo Morgado


Júlio Manuel Vieira Gomes