Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
648/16.1T8ABF.E1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
PRESSUPOSTOS
DECISÃO JUDICIAL
ATO PROCESSUAL
NEGLIGÊNCIA
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
SUSPENSÃO
INSTÂNCIA
FALECIMENTO
DESPACHO
Data do Acordão: 10/23/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
Considera-se que, uma vez que o regime do n.º 1 do art. 281.º do CPC funciona ope judicis, e não ope legis, a necessidade de declaração judicial para apreciar da verificação dos pressupostos da deserção, bem como o respeito pela finalidade compulsória (i.e., não sancionatória) do instituto da deserção da instância, melhor se coadugnam com a tese segundo a qual o impulso processual realizado antes da declaração judicial de deserção permite obstar à extinção da instância.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – Relatório

1. Algarve Developments (Portugal) – Empreendimentos Turísticos, S.A. propôs contra Administração do Condomínio do Edifício dos Blocos C e D e outros, pedindo que:

“i) fosse reconhecida e declarada a aquisição, por via da usucapião, dos 5 compartimentos que possui e ocupa,

ii) e assim, sendo ordenada a sua restituição à autora, reconhecendo o direito da autora e ainda,

iii) sendo os réus condenados a autorizar a alteração à propriedade horizontal, bem como

iv) sendo os réus condenados a celebrar a escritura pública de alteração à propriedade horizontal e, finalmente,

v) nessa sequência, sendo ordenado o cancelamento da descrição predial, nos termos que melhor requer no seu petitório e ordenando o registo de aquisição da propriedade pela autora, como sua exclusiva proprietária, para todos os efeitos legais.”.

2. Em 17/09/2024 veio a ser proferido despacho com a seguinte decisão:

“Termos em que se se impõe concluir que foi por inércia da proponente que os presentes autos ficaram, por lapso de tempo superior a seis meses, a aguardar pelo seu impulso, cumprindo, consequentemente, nos termos do artigo 281º, nº 1 do Código de Processo Civil, declarar a instância extinta.

Custas da presente ação a cargo da autora, nos termos do art. 527.º nº 1, ambos do Cod. de Proc. Civ.”.

3. A autora apelou para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 16/01/2025, decidiu julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.

4. Inconformada, interpôs a autora recurso de revista, por via excepcional, para o Supremo Tribunal de Justiça, formulado as seguintes conclusões:

“1ª. Por Despacho proferido 30 de Novembro de 2023, nos autos de 1ª. Instância (referência Citius .......09), foi decretada a suspensão da instância, nos termos do artigo 270º., do Código de Processo Civil, por óbito do réu AA1.

2ª. Em 2 de Julho de 2024 (referência Citius .......54), o Tribunal de 1ª. Instância proferiu douto Despacho mandando notificar as partes para se pronunciarem sobre o eventual decurso do prazo de deserção por falta de impulso processual, na sequência do óbito do réu AA1, sem ter sido efetuado requerimento de habilitação, Despacho aquele que foi notificado à ora recorrente por Ofício datado de 3 de Julho de 2024 (referência Citius .......43).

3ª. Naquele mesmo dia 3 de Julho de 2024, a recorrente apresentou requerimento (referência Citius ......95) pedindo a habilitação de AA2 e AA3, como únicos e universais herdeiros do falecido réu AA1, a fim de intervirem e prosseguirem nos autos principais, na qualidade de réus, por sucessão ao falecido réu AA1, e representados por sua mãe AA4, assim como, em requerimento autónomo, junto aos autos também naquele mesmo dia (referência Citius ......01), a recorrente pronunciou-se sobre o eventual decurso do prazo de deserção.

4ª. Em 17 de Setembro de 2024 (referência Citius .......60) foi proferida douta Sentença em 1ª. Instância (acima transcrita no artigo 2.), no sentido de concluir que, por inércia da recorrente, os autos ficaram por lapso de tempo superior a seis meses a aguardar pelo seu impulso, e, por essa razão, declarou a instância extinta, nos termos do disposto no nº. 1 do artigo 281º., do Código de Processo Civil.

5ª. A recorrente interpôs recurso de apelação daquela douta Sentença de 1ª. Instância, tendo o Venerando Tribunal da Relação de Évora proferido o douto Acórdão, do qual aqui se recorre, que confirmou a Decisão de 1ª. Instância e verteu o seguinte entendimento em Sumário, que se volta a transcrever:

«1. A verificação da deserção depende de dois requisitos: o decurso do prazo e a negligência das partes em promover o andamento do processo.

2. O prazo de deserção da instância fixa-se em seis meses e um dia, prazo que não se suspende durante as férias judiciais, sendo que o acto impulsionador tem de ser praticado dentro desse prazo e não até que venha a ser julgada extinta a instância.

3. A pendência de apenso de habilitação de adquirente também não influencia essa contagem, já que a transmissão da coisa ou direito em litígio não afecta a legitimidade do transmitente, nos termos do artigo 263.º CPC.

4. A promoção da habilitação de herdeiros é um caso clássico e emblemático de impulso processual que só à parte cabe, pelo que a inércia da autora em requerer tal incidente após falecimento do réu, sem nota de qualquer dificuldade ou obstáculo, torna patente a sua negligência.».

6ª. Conforme resulta do parágrafo 2. do Sumário do douto Acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de Évora acolheu o entendimento de que «2. O prazo de deserção da instância fixa-se em seis meses e um dia, prazo que não se suspende durante as férias judiciais, sendo que o acto impulsionador tem de ser praticado dentro desse prazo e não até que venha a ser julgada extinta a instância.».

7ª. Acontece que, o douto Acórdão proferido em 16 de Março de 2016, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, nos autos de recurso de apelação que correram termos sob o Processo no. 131/04.8TBCNT.C2, já transitado em julgado e que aqui é adoptado como Acórdão-Fundamento, acolheu o entendimento de que, a deserção da instância não se produz automaticamente ope legis, ficando a sua declaração a depender de decisão judicial, podendo o acto omitido ser praticado até prolação desta decisão judicial, como resulta da fundamentação deste douto Acórdão e se alcança desde logo do parágrafo 2. do respectivo Sumário, que se volta a transcrever:

«1. Terminando o prazo de 6 meses, que a lei fixa no art. 281º, nº 1,do NCPC para que se considere deserta a instância, no período deférias judiciais, o seu termo transfere-se para o 1.o dia útil seguinte,por efeito do n.º 2 do artigo 138.º, do NCPC.

2. No actual regime fixado no artigo 281.º n.os 1 e 4 do NCPC, a deserção da instância não se produz automaticamente, ope legis, ficando a sua declaração a depender de decisão judicial.».

8ª. Em nosso modesto entendimento, resulta dos dois Acórdãos anteriormente referidos uma contradição entre duas teses distintas, uma que é perfilhada no douto Acórdão recorrido, que defende que a deserção da instância ocorre ope legis, ou seja, automaticamente após decorrido o prazo de 6 meses previsto no nº. 1 do artigo 281º., do Código de Processo Civil, sem necessidade de precedência de decisão judicial, e outra, acolhida no douto Acórdão-Fundamento, que entende que a deserção da instância ocorre ope judicis, isto é, com a prolação da decisão judicial que declara a deserção da instância, podendo o acto omitido ser praticado até prolação desta decisão judicial – questão que dá fundamento a este recurso de revista, com apelo ao disposto na alínea c) do nº. 1, do artigo 672º., do Código de Processo Civil.

9ª. Acresce que, decorre da referida contradição de julgados, um confronto entre duas teses, que por mera facilidade de exposição se passam a denominar, respectivamente, de “tese da deserção ope legis” e de “tese da deserção ope judicis”, cuja prevalência de apenas uma delas se acredita contribuir para uma melhor interpretação e aplicação do regime da deserção da instância, consagrado no artigo 281º., do Código de Processo Civil, pelo que, submete-se a melhor análise e decisão desse Alto Supremo Tribunal de Justiça dirimir esta contradição de julgados – questão que constitui igualmente fundamento para o presente recurso de revista, ao abrigo, quanto a esta parte, do disposto na alínea a) do nº. 1, do artigo 672º., do Código de Processo Civil.

10ª. E, vindo esse Alto Supremo Tribunal de Justiça a acolher a “tese da deserção ope judicis”, como se espera, verificar-se-á que, a recorrente praticou valida e tempestivamente o acto cuja omissão lhe é atribuída, uma vez que o praticou antes de proferida a decisão judicial que declarou a deserção da instância, devendo, por essa razão, vir a ser revogado o douto Acórdão recorrido proferido em 2ª. Instância e, bem assim, a douta Sentença de 1ª. Instância, e ordenado o prosseguimento dos autos em 1ª. Instância, para julgamento da habilitação de herdeiros aí requerida pela recorrente, bem como, o prosseguimentos dos ulteriores termos da acção principal de 1ª. Instância.”.

5. Não foram deduzidas contra-alegações.

6. Por acórdão da Formação de Juízes prevista no n.º 3 do art. 672.º do CPC, com data de 28/05/2025, o recurso foi admitido com fundamento na alínea a) do n.º 1 do art. 672.º do CPC, relativa à relevância jurídica da questão recursória enunciada.

II – Objecto do recurso

Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelo conteúdo da decisão recorrida e pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso.

Deste modo, o presente recurso tem como objecto a seguinte questão:

• Saber se o impulso processual conferido pela autora, ora recorrente, após o decurso do prazo previsto no art. 281.º, n.º 1 do CPC, mas antes da declaração judicial de deserção, permite obstar à extinção da instância.

III – Fundamentação de facto

São os seguintes os factos dados como provados pelas instâncias relativos ao processado nos presentes autos:

1. Em 12/09/2016 a autora “Algarve Developments (Portugal) – Empreendimentos Turísticos, S.A.” instaurou a presente acção em que pede que seja reconhecida e declarada a aquisição, por via de usucapião, dos 5 compartimentos que possui e ocupa desde 12/07/1969, resultantes da transformação dos 8 vãos iniciais, situados no rés-do-chão da ala poente do prédio urbano constituido em regime de propriedade horizontal denominado Bloco D, sito na Localização 1, freguesia de Albufeira e Olhos de Água, concelho de Albufeira.

1. Essa acção foi instaurada pela autora contra “Administração do Condomínio do Edifício dos Blocos C e D”, AA5 e marido AA6, AA7, AA8 e mulher, AA9, AA10, AA11, AA12, AA1, AA4, AA13, AA14, AA15 e marido, AA16, AA17 e marido, AA18, AA19, AA20, AA21, AA22, AA23 e marido, AA24, AA25 e mulher, AA26, AA27 e mulher, AA28, AA29, AA30, AA31 e mulher, AA32, “Grande X – Gestão de Património Artístico e Imobiliário, S.A.”, AA33, AA34, AA35, AA36, AA37 e mulher, AA38, AA39 e mulher, AA40 e AA41.

3. Por despacho de 15/09/2016 (referência .......68) foi a autora convidada a esclarecer se pretende demandar o condomínio ou a administração do condomínio e, nesse último caso, identificar a pessoa que exerce tais funções de administração.

3. A autora respondeu por requerimento de 23/09/2016 ao dizer que pretende demandar a administração do condomínio, cujas funções são exercidas por AA42, para além das pessoas singulares identificadas.

4. Por despacho de 27/09/2016 (referência .......98) admitiu-se que o primeiro réu passe a ser o administrador do condomínio identificado e determinou-se a citação dos réus.

5. Por requerimento de 9/11/2016 o identificado réu AA31 veio informar, juntando certidão do registo predial, que ele, AA30 e AA32 já não são proprietários da fracção.

6. Por requerimento de 28/11/2016 a autora veio indicar que a indicada ré AA10 à data da instauração da acção já não era proprietária da fracção autónoma em referência.

7. A ré AA10 foi, por despacho de 30/11/2016 (referência .......34) substituída por AA43.

8. A 7/08/2017 (referência .......53) foi a autora notificada da relação dos réus citados e não citados.

9. Em 3/10/2017 (referência .......42) foi proferido o seguinte despacho: “Os presentes autos encontram-se a aguardar o impulso processual da Autora a contar da última notificação operada nos autos a 7.8.2017 nos termos do art.º 281.º n.º 1 do Código de Processo Civil. Notifique”.

10. A autora foi notificada de tal despacho por ofício de 4/10/2017 (referência .......93).

12. Por requerimento de 10/10/2017 a autora veio requerer a:

1. A citação edital da ré AA17;

2. Desistir da instância quanto aos réus AA22 e AA24, para prosseguir contra a sucessora da primeira AA23;

3. A citação edital dos réus AA34, AA35 e AA36;

4. A citação edital da ré AA43.

12. Por despacho de 2/11/2017 (referência .......28) determinou-se que a ré AA17 já está citada; admitiu-se a desistência da instância quanto aos réus AA22 e AA24; quanto aos Réus AA34, AA35 e AA36 determinou-se a realização de pesquisas; e, quanto à ré, AA43 que a autora confirmasse o seu decesso.

13. Em 7/09/2018 (referência .......25) foi proferido o seguinte despacho: “Insista junto do Autor por resposta ao despacho de fls. 391 último parágrafo. Sem prejuízo, tendo em conta os elementos de identificação de fls. 267, averigúe-se junto das bases de dados pela eventual possibilidade de confirmação do decesso.”

14. Esse despacho foi notificado à autora por ofício de 8/06/2018 (referência .......81).

15. Em 12/09/2018 (referência .......67) foi proferido o seguinte despacho: “Antes de mais, informe a unidade de processos quais os RR. que se mostram citados (com indicação de fls.) e aqueles relativamente aos quais tal não se verifica (com indicação de fls.). Mais notifique a A. para, em 10 dias, se pronunciar quanto ao valor atribuído à acção, atento o objecto e pedido deduzidos e bem assim o disposto no art. 302.º n.º 1 NCPC.”.

16. Em 10/10/2018 (referência .......12) foi proferido o seguinte despacho: “Não obstante ter sido notificada para tal, com insistência, certo é que a A. não impulsiona os autos desde a notificação que lhe foi dirigida a 08.06.2018. Aguardem assim os autos o prazo previsto no disposto no art. 281.º NCPC, contado findo o prazo legal de dez dias desde a notificação de 08.06.2018. Notifique.”.

17. Esse despacho foi notificado à autora por ofício de 11/10/2018 (referência .......88).

18. Por requerimento de 24/10/2018 a autora apenas se pronuncia sobre o valor da acção, indicando outro valor e um quesito para peritagem para avaliação dos 5 compartimentos identificados na PI.

19. Por requerimento de 29/10/2018 a ré Grande X, Gestão de Património Artístico e Imobiliário, S.A. veio requerer que seja considerado verificado o óbito da co-Ré AA43 e em consequência ser decretada a suspensão da instância e requerer ainda que seja mantido em curso o prazo legal para a deserção da instância, atento o facto da A. não ter respondido às notificações anteriores.

20. Em 20/11/2018 (referência .......63) foi proferido despacho com o seguinte teor: “Em face da junção do assento de óbito da Ré AA43 (fls. 468 e seg.), declara-se suspensa a instância, ao abrigo do disposto no art.º 270.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Notifique. Aguardem os autos o que vier a ser requerido, sem prejuízo do disposto no art.º 281.º, do Código de Processo Civil”.

21. A autora foi notificada desse despacho por ofício de 30/11/2018 (referência .......92).

22. Em 10/01/2019, por apenso (apenso A a estes autos principais), a autora veio requerer a habilitação de adquirente pedindo que Planet Jumping, Lda. seja habilitada a intervir nos autos, na qualidade de ré, por sucessão à ré inicial AA43, bem como deve vir a ser habilitado a intervir nos autos, também na qualidade de réu, o requerido AA44, por sucessão aos iniciais réus AA30, AA31 e AA32.

23. Por decisão final de 3/06/2019 (referência .......18) proferida no apenso A, decidiu-se: “admito Planet Jumping, Lda., a intervir no processo no lugar da ré falecida AA43, e admito AA44 a intervir no processo no lugar dos réus AA31, AA30 e AA32.”

24. Neste processo principal determinou-se a realização de citações em falta (despacho de 17/10/2019, referência .......85), o cumprimento do contraditório quanto às diligências tendentes a apurar o valor da causa (despacho de 26/01/2020, referência .......25) e a realização de perícia (despacho de 2/03/2020, referência .......93).

25. Após relatório pericial de 11/12/2020, notificado às partes em 15/12/2020, foi proferido despacho a determinar o contraditório sobre o valor e incompetência do Tribunal em razão do valor (despacho de 21/01/2021, referência .......85).

26. Em 26/04/2021 (referência .......82) fixou-se o valor da causa em 61750,00€, declarou-se o Juízo Local Cível de Albufeira incompetente e determinou-se a remessa dos autos para o Juízo Central Cível de Portimão.

28. Por despacho de 9/06/2021 (referência .......83), já no Tribunal recorrido, decidiu-se designar data para a realização de audiência prévia e determinar o seguinte: “Visto que foi decidido homologar a desistência da instância, por parte da autora, quanto à ré AA22, em consequência da ocorrência do óbito da mesma em data anterior à propositura da presente ação, mas, salvo lapso da nossa parte, não se divisa que algo tenha sido determinado quanto ao também requerido prosseguimento da causa contra a sucessora da mesma, a, já então, ré nos presentes autos, AA23 e, sendo certo que nada foi oposto a tal prosseguimento, julga-se ser desnecessária a habilitação-legitimidade da referida AA23, que continuará a intervir nos autos na referida qualidade de R. e proprietária da fração de que anteriormente fora proprietária AA22.”

28. Em 7/09/2021 (referência .......10) foi proferido despacho com o seguinte teor: “Face à comprovação do óbito do R. AA37, suspende-se a instância, nos termos do arto 270º, nº 1 do CPC. Face à proximidade da data designada para audiência prévia (não sendo viável até à mesma proceder ao competente incidente de habilitação de herdeiros), dá-se sem efeito a mesma”.

29. Este despacho foi notificado à autora por ofício de 8/09/2021 (referência .......80).

30. Em 25/03/2022 (referência .......74) foi proferido despacho do seguinte teor: “Verifica-se não ter ainda ocorrido qualquer habilitação de herdeiros, estando já decorrido o prazo de seis meses previsto no artº 281º, nº 1 do Código de Processo Civil, ouçam-se as partes a este respeito, em 10 dias”.

31. Esse despacho foi notificado à autora por ofício de 28/03/2022 (referência .......32).

32. Por requerimento de 19/04/2022 a autora requer a notificação de AA38 para vir juntar elementos para facilitar a identificação dos sucessores de AA37.

33. Em 18/05/2022 (referência .......76) foi proferido despacho que, com a fundamentação “confirma-se que a Ré AA38 já foi regularmente citada nos autos, sem embargo de não caber a esta, mas à A., requerer a habilitação dos sucessores do falecido AA37. Todavia, ao abrigo do princípio da cooperação, não se vê que algo obste a que se notifique a dita R. como requerido pela A..”, determinou a notificação da referida Ré para fornecer aos autos informação.

34. Esse despacho foi notificado à autora por ofício de 19/05/2022 (referência .......90).

36. Nada tendo sido requerido entretanto, foi proferido o seguinte despacho a 7/06/2022 (referência .......01): “Notifique a A. para impulsionar os autos pelo modo que tiver por conveniente”.

36. Esse despacho foi notificado à autora por ofício de 8/06/2022 (referência .......98).

37. Em 14/09/2022 a autora deduziu, como apenso B aos presentes autos, incidente de habilitação pedindo que se admita habilitação dos requeridos AA37, casado com AA38, e de AA45, como únicos e universais herdeiros do falecido réu AA37, a fim de intervirem e prosseguirem nos autos principais, na qualidade de réus.

38. Por decisão final de 12/11/2022 (referência .......41) julgou-se “AA37, casado com AA38, e AA45 habilitados para, como representantes de AA37, intervirem nos presentes autos”.

39. Por despachos de 16/01/2023 (referência .......80), 8/03/2023 (referência .......30) e 9/05/2023 (referência .......38) designou-se data para a realização de audiência prévia.

41. Em 6/07/2023 realizou-se a audiência prévia (referência .......73), proferindo-se despacho saneador, identificando-se o objecto do litígio e os temas da prova, admitiu-se a prova requerida e designou-se data para a realização da audiência final.

41. Em 26/10/2023 o réu AA41 veio, pelo apenso C a estes autos, deduzir incidente de habilitação de adquirente da actual proprietária da fracção autónoma de que foi proprietário.

42. Por decisão final de 19/12/2023 (referência .......61) foi decidido declarar “a requerida AA46 habilitada para, no lugar do R. AA41, intervir nos autos principais”.

44. Essa decisão foi notificada à autora por ofício de 20/12/2023 (referência .......73).

44. Entretanto, em 30/10/2023 (referência .......32) foi proferido o seguinte despacho no processo principal: “Verifica-se do expediente remetido a fim de notificar para audiência o R. AA1 que o mesmo faleceu. Assim, notifique a A. para requerer o que tiver por conveniente, posto que se perspetivará que a instância terá de ser suspensa, nos termos do arto 270º, nº 1 do Código de Processo Civil”.

45. Esse despacho foi notificado à autora por ofício de 31/10/2023 (referência .......03).

46. Em 22/11/2023 (referência .......36) foi proferido o seguinte despacho: “Notifique a A. para efetuar o pagamento do complemento da taxa de justiça. No que concerne ao falecido R. AA1, não dispõem os autos de elementos que permitam identificar o mesmo suficientemente, por forma a obter oficiosamente documento de registo que permita confirmar esse falecimento. Como tal, notifique a A. para, pelo menos, fornecer esses elementos, como no de cartão de identificação ou NIF, a fim de que se possa obter a referida confirmação”.

47. Esse despacho foi notificado à autora por ofício de 23/11/2023 (referência .......81).

48. Por requerimento de 29/11/2023, o Ilustre mandatário do co-réu AA1 veio juntar cópia de escritura de habilitação de herdeiros comprovativo do falecimento do seu cliente na pendência da acção, requerimento que foi notificado à autora.

49. Em 30/11/2023 (referência .......09) foi proferido o seguinte despacho: “Mostrando-se junto aos autos o documento que atesta o falecimento do R. AA1, suspende-se a instância, nos termos do arto 270º do Código de Processo Civil. Em consequência, e não sendo já possível concretizar a habilitação dos seus herdeiros até à data designada para a audiência de julgamento, dá-se a mesma sem efeito”.

50. Esse despacho foi notificado à autora por ofício de 4/12/2023 (referência .......66).

51. Por requerimento de 11/12/2023 a autora veio apresentar comprovativo de pagamento do complemento de taxa de justiça.

52. Em 2/07/2024 (referência .......54) foi proferido o seguinte despacho: “Notifique as partes para se pronunciarem sobre o eventual decurso do prazo de deserção por falta de impulso processual, na sequência do mais recente óbito de interveniente, sem ter sido efetuado requerimento de habilitação”.

53. Esse despacho foi notificado à autora por ofício de 3/07/2024 (referência .......43).

54. E nesse mesmo dia 3/07/2024 a autora apresentou requerimento (referência Citius ......95) pedindo a habilitação de AA2 e AA3, como únicos e universais herdeiros do falecido réu AA1, a fim de intervirem e prosseguirem nos autos principais, na qualidade de réus, por sucessão ao falecido réu AA1, e representados por sua mãe AA4.

55. E, em requerimento autónomo desse mesmo dia 3/07/2024 (referência Citius ......01) a autora veio pronunciar-se sobre o eventual decurso do prazo de deserção.

56. Em 17/09/2024 (referência .......60) foi proferida a decisão recorrida com o seguinte teor:

“Compulsados os presentes autos constata-se que os mesmos foram suspensos por despacho datado de 30.11.2023, nos termos do arto 270º do Código de Processo Civil, o que sucedeu em face do falecimento do réu AA1.

O referido despacho foi notificado, pelo tribunal, ao ilustre mandatário da autora através de ofício datado de 04-12-2023.

A própria prolação do despacho que procedeu a suspensão dos autos foi antecedido da apresentação de um requerimento pelo ilustre mandatário que havia patrocinado a parte falecida por via do qual foi disponibilizada nos autos reprodução a escritura de habilitação de herdeiros.

Por despacho datado de 02.07.2024 foram as partes querendo para se sobre o eventual decurso do prazo de deserção por falta de impulso processual, tendo após a notificação a autora deduzido o incidente de habilitação dos herdeiros da parte falecida justificando a sua Ação perante a inércia dos herdeiros da parte falecida.

Dispõe o artigo 281.º, nº 1 do Código de Processo Civil que: «(...) considera-se deserta a instância quando por negligência das partes o processo se encontre a aguardar o impulso processual há mais de seis meses».

O prazo de deserção da instância fixa-se em seis meses e um dia, prazo este que não se suspende durante as férias judiciais (art. 138.º, n.º 1 do Cod. de Proc. Civ), pese embora a jurisprudência venha admitindo a suspensão de tal prazo por via da entrada em vigor do regime excecional decretado em contexto pandémico – cfr. Acórdão da Relação de Évora de 25-03-2021, Proc. n.º 114/19.3T8RMR.E1, disponível em www.dgsi.pt.

Sendo que o referido prazo se conta a partir do dia em que a parte tomou conhecimento do estado do processo ou estava obrigada a dele conhecer, bastando para declarar a referida extinção que a parte não tenha, por negligência sua, dentro do referido prazo de seis meses, praticado um ato necessário ao normal andamento da instância.

Volvendo à situação em apreciação, constata-se que o falecimento do réu AA1 determinou a suspensão dos presentes autos.

Sendo que após esse momento, e, mais concretamente entre 07 de dezembro de 2023 (data em que ocorreu a notificação à autora do despacho que suspende a instância e que datava de 30.11.2023) e 9 de junho de 2024 (data em que se completou o prazo de 6 meses e um dia) não foi praticado o ato processual, que seria necessário a permitir a normal tramitação dos presentes autos: ou seja não foi deduzido o competente incidente de habilitação dos herdeiros do réu parte falecida.

O que a autora poderia ter si feito, dado que já se encontrava nos autos a escritura de habilitação de herdeiros.

Sendo que o tribunal também não convidou a autora à dedução de tal incidente, na medida em que o despacho que foi proferido a 02.07.2024 se destinava somente a potenciar o exercício do contraditório quanto ao decurso do prazo de deserção.

Por outro lado, os réus, e, ou os seus herdeiros, também não terão qualquer interesse em fazer prosseguir estes autos, não sendo assim aceitável que a proponente pudesse contar com a sua proatividade processual. Pelo que essa mesma expectativa não pode ter um efeito justificativo da inércia processual da autora.

Termos em que se se impõe concluir que foi por inércia da proponente que os presentes autos ficaram, por lapso de tempo superior a seis meses, a aguardar pelo seu impulso, cumprindo, consequentemente, nos termos do artigo 281º, nº 1 do Código de Processo Civil, declarar a instância extinta.

Custas da presente ação a cargo da autora, nos termos do - art. 527.º nº 1, ambos do Cod. de Proc. Civ.”

IV – Fundamentação de direito

1. Recorde-se que o presente recurso tem como objecto unicamente a seguinte questão: saber se o impulso processual conferido pela autora, ora recorrente, após o decurso do prazo previsto no art. 281.º, n.º 1 do CPC, mas antes da declaração judicial de deserção, permite obstar à extinção da instância.

Antes de se proceder à apreciação da questão recursória, afigura-se conveniente esclarecer que a mesma não se confunde com aqueloutra questão – que, no acórdão recorrido foi considerada em conjunto – de saber se a decisão judicial que declara a extinção da instância terá de ser sempre antecedida da notificação da parte interessada para que esta possa alegar o que tiver por conveniente, em obediência ao princípio geral consignado no art. 3.º, n.º 3, do CPC.

Na verdade, esta questão foi objecto de recente decisão uniformizadora (Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 2/2025), publicada no Diário da Républica, Iª Série, de 26/02/2025, publicação posterior, assim, à prolação do acórdão recorrido:

“I - A decisão judicial que declara a deserção da instância nos termos do artigo 281º, nº 1, do Código de Processo Civil pressupõe a inércia no impulso processual, com a paragem dos autos por mais de seis meses consecutivos, exclusivamente imputável à parte a quem compete esse ónus, não se integrando o acto em falta no âmbito dos poderes/deveres oficiosos do tribunal.

II – Quando o juiz decida julgar deserta a instância haverá lugar ao cumprimento do contraditório, nos termos do artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, com inerente audiência prévia da parte, a menos que fosse, ou devesse ser, seguramente do seu conhecimento, por força do regime jurídico aplicável ou de adequada notificação, que o processo aguardaria o impulso processual que lhe competia sob a cominação prevista no artigo 281º, nº 1, do Código de Processo Civil.”. [bold nosso]

Podendo ler-se na fundamentação do acórdão o seguinte:

“Encontramo-nos perante um instituto jurídico e processual - a deserção da instância - motivado por razões puramente pragmáticas, já assinaladas supra, que não retiram, no plano substantivo, o direito que assistirá às partes, uma vez despertadas da letargia que as assolou nesta instância, de interporem nova acção judicial em que, com a diligência, atenção e cooperação devidos, poderão fazer valer em juízo as pretensões que deixaram cair na anterior.

O que significa basicamente, e em termos práticos, que ao decidir julgar deserta a instância deverá, em princípio, haver lugar ao cumprimento do contraditório, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, com inerente audiência prévia das partes, desde que a parte interessada não devesse ter conhecimento, por força do regime jurídico aplicável ou de notificação oportunamente realizada, que o processo aguardaria o seu impulso processual sob tal cominação.

(Sufraga-se, desta forma e inteiramente, a corrente jurisprudencial consolidada e firme do Supremo Tribunal de Justiça de que se deu notícia supra e à qual se adere sem dúvidas ou hesitações).

Atente-se, a título de exemplo paradigmático, no caso típico da suspensão da instância por falecimento da parte em conformidade com o disposto no artigo 269.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil.

O despacho do juiz declarando a suspensão da instância é notificado à parte, aguardando os autos pela promoção do incidente de habilitação que permitirá fazer cessar a suspensão nos termos gerais do artigo 276.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil.

A parte tem, ou deverá ter, neste contexto, a perfeita consciência de que, força do regime jurídico aplicável, deverá impulsionar nos autos o incidente de habilitação nos termos gerais do artigo 351.º do Código de Processo Civil.

Se nada faz no processo, passados seis meses e um dia, o juiz deverá desde logo julgar deserta a instância, nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, sem qualquer necessidade de exercício do contraditório que, neste circunstancialismo, deixa de ser justificável.”. [bold nosso]

À luz desta orientação, não oferece dúvidas serem correctas as seguintes conclusões do acórdão recorrido, que, aliás, a recorrente não vem pôr em causa: à data (03/07/2024) em que “a autora apresentou requerimento (…) pedindo a habilitação de AA2 e AA3, como únicos e universais herdeiros do falecido réu AA1, a fim de intervirem e prosseguirem nos autos principais, na qualidade de réus, por sucessão ao falecido réu AA1, e representados por sua mãe AA4” já a instância se encontrava suspensa há mais de seis meses e um dia a aguardar o impulso processual da autora; a inércia desta última deve ser considerada negligente porque não poderia a mesma deixar de ter consciência de lhe caber impulsionar o incidente de habilitação.

O que falta apurar – e que corresponde à questão objecto do presente recurso – é se o referido requerimento de 03/07/2024, tendo sido apresentado após o decurso do prazo previsto no art. 281.º, n.º 1, do CPC, mas antes de a declaração judicial de deserção ter sido proferida, obsta à extinção da instância.

2. Consideremos os termos em que o acórdão recorrido apreciou esta questão:

“Invoca, ainda, a recorrente que o prazo se conta até que seja judicialmente declarada a deserção, parecendo querer dizer que até que a instância seja declarada extinta, a autora poderia, validamente, impulsionar o processo (conclusões 25.ª a 27.ª), mas sem razão.

O prazo de deserção da instância fixa-se em seis meses e um dia, prazo que não se suspende durante as férias judiciais (cf. artigo 138.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). E o prazo conta-se do dia em que a parte tomou conhecimento do estado do processo (ou que tenha tido obrigação de dele conhecer) que implica a paragem deste e torna necessário o seu impulso, não sendo exigido pela lei, para que o prazo se inicie, que o juiz o declare expressamente ou que o demandante seja notificado do seu início. O prazo de deserção corre inevitavelmente, sendo o único fenómeno processual apto a afetá-lo a prática do acto que impulsiona os autos. E esse acto impulsionador tem de ser praticado dentro desse prazo (e não até que venha a ser julgada extinta a instância).

Nas palavras de Paulo Ramos de Faria [nota 6: O Julgamento da Deserção da Instância Declarativa – Breve Roteiro Jurisprudencial, Revista Julgar Online, acessível em https://julgar.pt/o-julgamento-da-desercao-da-instancia-declarativa/, pág. 14 e 15.]: “O julgamento da deserção traduz-se no reconhecimento judicial da verificação do seu primeiro requisito – paragem do processo por inércia das partes – por seis meses e um dia. É aqui que ocorre a deserção; é aqui que os seus pressupostos constitutivos se reúnem. O juízo exigido pela norma contida no n.º 4 do art. 281.º é, neste sentido, meramente declarativo. O facto jurídico processual extintivo da instância não é interpretado (praticado) pelo juiz, ao contrário do que ocorre com o julgamento (art. 277.º, al. a)), resultando tal extinção, sim, diretamente da deserção declarada pelo tribunal – isto é, da deserção julgada verificada, por verificados estarem os seus pressupostos de facto”.

E continua esse autor: “após a ocorrência da deserção e antes de ser ela judicialmente reconhecida, os atos putativamente processuais espontaneamente praticados pelas partes são potencialmente desprovidos do seu efeito jurídico processual típico. Tais atos não são idóneos a impedir o julgamento de deserção da instância. A ideia de que o demandante ainda pode praticar um ato redentor após a deserção, mas antes de ela ser declarada, assim impedindo o seu conhecimento, tem cabimento num sistema que, ao contrário do que ocorre com o nosso, tenha um fundamento subjetivo, apoiando-se na renúncia presumida à lide (vontade de abandono) – presunção esta que é serodiamente ilidida com o referido ato. Dizemos “potencialmente” pois, sendo a lei clara na exigência do reconhecimento judicial da deserção, esta só terá efeitos no processo se o tribunal a declarar. A declaração da ocorrência deste facto jurídico involuntário tem, pois, efeitos constitutivos ex tunc sobre o processo, reportando-se à data da ocorrência do facto jurídico extintivo, isto é, da deserção declarada. O conhecimento oficioso da deserção é coerente com esta conclusão, revelando tal oficiosidade que não está na disponibilidade das partes aceitar a sobrevivência da instância (réu) ou, por paridade, praticar atos após a ocorrência da deserção (autor)”.

Neste mesmo sentido pode ver-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 5/12/2024 (processo n.º 10743/23.5YIPRT-E.E1[ ]).” [bold nosso]

No mesmo sentido do acórdão recorrido, pode ver-se também, além do acórdão da Relação de Évora de 05/12/2024 (proc. n.º 10743/23.5YIPRT-E.E1) nele referido, o acórdão da Relação do Porto de 24/05/2021 (proc. n.º 4842/09.3TBSTS.P2), ambos consultáveis em www.dgsi.pt. Neste sentido se pronunciou também, ainda que em obtiter dictum, o acórdão deste Supremo Tribunal de 17/12/2024 (proc. n.º 12756/22.5T8LSB.L1.S1), disponível em www.dgsi.pt.

Tem-se entendido que estes arestos defendem a tese segundo a qual a declaração de judicial de deserção tem efeito declarativo, limitando-se a dar como verificados os pressupostos dos n.ºs 1 e 2 do art. 281.º do CPC à data em que se completou o prazo de seis meses e um dia de inércia (negligente) da parte a quem cabe o impulso processual.

A favor desta tese refira-se Paulo Ramos de Faria (“O julgamento da deserção da instância declarativa - Breve roteiro jurisprudencial”, in Julgar on line, 2025, pág. 14):

O julgamento da deserção traduz-se no reconhecimento judicial da verificação do seu primeiro requisito – paragem do processo por inércia das partes – por seis meses e um dia. É aqui que ocorre a deserção; é aqui que os seus pressupostos constitutivos se reúnem. O juízo exigido pela norma contida no n.º 4 do art. 281.º é, neste sentido, meramente declarativo. O facto jurídico processual extintivo da instância não é interpretado (praticado) pelo juiz, ao contrário do que ocorre com o julgamento (art. 277.º, al. a)), resultando tal extinção, sim, diretamente da deserção declarada pelo tribunal – isto é, da deserção julgada verificada, por verificados estarem os seus pressupostos de facto. Confrontando os enunciados das als. a) e c) do art. 277.º, nota-se que a lei não estabelece que a instância se extingue por força do julgamento da deserção, embora ele seja necessário para que esta tenha repercussões processuais.

Desta asserção, que, em boa verdade, nos parece apodítica, retira-se que, após a ocorrência da deserção e antes de ser ela judicialmente reconhecida, os atos putativamente processuais espontaneamente praticados pelas partes são potencialmente desprovidos do seu efeito jurídico processual típico. Tais atos não são idóneos a impedir o julgamento de deserção da instância. A ideia de que o demandante ainda pode praticar um ato redentor após a deserção, mas antes de ela ser declarada, assim impedindo o seu conhecimento, tem cabimento num sistema que, ao contrário do que ocorre com o nosso, tenha um fundamento subjetivo, apoiando-se na renúncia presumida à lide (vontade de abandono) – presunção esta que é serodiamente ilidida com o referido ato.”.

3. Em sentido diverso decidiram – para além do acórdão da Relação de Coimbra de 16/03/2016 (proc. n.º 131/04.8TBCNT.C2) que a recorrente indicou como acórdão-fundamento (não tendo, porém, a revista excepcional sido admitida com fundamento em contradição de julgados) – os acórdãos da Relação de Coimbra de 08/03/2022 (proc. n.º 11/19.2T8ALD.C1), de 02/05/2023 (proc. n.º 2239/18.T8CBR-C.C1), de 27/06/2023 (proc. n.º 34/19.1T8CBR.C1) e de 18/06/2024 (proc. n.º 1005/08.9TBPBL.C1), bem como o acórdão da Relação de Guimarães de 26/05/2022 (proc. n.º 1524/20.9T8BCL.G1), todos consultáveis em www.dgsi.pt.

Consideremos – por especialmente expressiva – a fundamentação do acórdão da Relação de Coimbra de 02/05/2023:

“Dispondo o nº1 do artigo 281º CPC, que se “considera” deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar o impulso processual há mais de seis meses.”, e fazendo assentar a sua justificação num juízo de censura relativamente à parte que, tendo o ónus de impulsionar o processo, o não fez, a deserção da instância não é hoje automática, dependendo de um despacho do juiz que a declare, nos termos do nº4 do artigo 281º (pelo menos, na ação declarativa).

No anterior Código revogado, a deserção da instância pressupunha um anterior despacho a declarar a interrupção da instância (depois de o processo estar parado por mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependesse o seu andamento – artigo 285º), considerando-se deserta a instância (então sem necessidade de ser declarada) quando estivesse interrompida durante dois anos (artigo 291º).

O novo CPC eliminou a “fase” intermédia de inatividade das partes – interrupção da instância – e reduziu significativamente o tempo mínimo de paralisação do processo que implica a deserção da instância, de modo a que o prazo de inércia que, tida em conta a figura da interrupção da instância, era de três anos, passou agora para seis meses.

A eliminação da previsão da interrupção da instância pela falta de impulso processual de uma parte implica que o juízo de valor que, ao abrigo do anterior Código, era efetuado no despacho a declarar interrompida a instância, foi agora transferido para o despacho que reconhecer a verificação da deserção [2: José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1ª, 3ª ed., Coimbra Editora, p. 556, 557.].

O instituto da deserção da instância foi introduzido no nosso ordenamento jurídico pelo Código de Processo Civil de 1939 com o fundamento em “não ser conveniente para a boa ordem dos serviços que no tribunal existam processos sem solução alguma e por espaço tão longo”.

Para além de facilitar a gestão administrativa do tribunal, esta modalidade de extinção promove a celeridade processual, evitando que os processos se conservem pendentes sem qualquer movimentação.

Podendo atualmente o bom funcionamento burocrático do serviço ser conseguido através do arquivamento do processo (e do seu encerramento estatístico), com a mera interrupção, não prevista no novo Código, o principal fundamento da deserção residirá hoje no seu efeito compulsório com vista à tutela da celeridade processual [3: Paulo Ramos de Faria, “O Julgamento da Deserção da Instancia Declarativa, Breve Roteiro Jurisprudencial, pp. 2, Julgar on line – 2015 (…)].

A deserção, como sustentava José Alberto dos Reis, tem vantagens e inconvenientes, por outras palavras, o seu custo e o seu rendimento, sendo que, uma boa política legislativa deve ter em conta essas vantagens e inconvenientes, de modo a reduzir o mais possível o custo sem prejudicar fundamentalmente o rendimento:

“Custo: a perda da actividade que se exerceu no processo. Desde que a instância se extingue, inutiliza-se o esforço que se dispendeu até ao momento da extinção.

Rendimento: liberta-se o tribunal de um pêso morto, de um processo que estava parado há mais de seis anos; por via indirecta e reflexa estimulam-se as partes a ser diligentes e activas, pois a ameaça de extinção pode induzi-las a promover o seguimento do processo [4:“Comentário ao Código de Processo Civil”, Vol. 3º, Coimbra Editora – 1946, p.439]”.

Quanto à questão de saber que tratamento a dar à situação em que a parte vem impulsionar o processo num momento em que, apesar de já estarem verificados os requisitos exigidos pelo artigo 281º, nº1, não foi ainda proferido despacho a declarar a deserção da instância, pronunciou-se já este tribunal da relação, num Acórdão relatado por Catarina Gonçalves e em que era ajunta a aqui relatora:

“Pensamos ser claro que a deserção da instância nas acções declarativas – ao contrário do que acontece nas acções executivas – não opera automaticamente e carece de verificação e declaração judicial e tal significa que enquanto essa decisão não for emitida não se produz o efeito processual dela emergente, ou seja, a extinção da instância; a instância está, portanto, formalmente activa e o processo está pendente. Ora, estando a causa pendente – porque, apesar de existir uma situação que, potencialmente, pode vir a desencadear a extinção da instância, ainda não existe despacho que tenha verificado e declarado a deserção e consequente extinção da instância –, nada obsta a que as partes nela intervenham, praticando e requerendo os actos necessários ao respectivo prosseguimento e não nos parece que tais actos devam ser indeferidos ou desatendidos por se vir a considerar e a declarar, em momento posterior, que, afinal, a pendência da causa era meramente aparente uma vez que ela já se encontrava extinta por efeito da verificação de uma situação (a deserção), quando é certo que, nos termos da lei, essa situação e a sua aptidão para extinguir a instância tem que ser verificada e declarada por decisão judicial que, à data em que a parte praticou o acto, ainda não havia sido proferida.[5: Acórdão de 08-03-2022, disponível in www.dgsi.pt.]”

Já José Alberto dos Reis [6:“Comentário ao Código de Processo Civil”, Vol. 3º, pp. 439-440] entendia que se, tendo passado o lapso de tempo marcado no artigo 296º, uma das partes dá impulso ao processo antes de o juiz declarar a deserção, deverá ficar inutilizado o período da inércia, devendo admitir-se o seguimento do processo.

É essa, também hoje, a opinião de José Lebre de Freitas:

“Trata-se de realizar uma função compulsória, de natureza semelhante àquela que, no direito civil, realiza a sanção pecuniária do artigo 829º-A CC: à ordem jurídica interessa que seja praticado determinado ato processual, assegurando o prosseguimento do processo. Por isso não faz sentido declarar deserta a instância depois de praticado, pela parte, sponte sua e ainda que após o prazo de seis meses do art. 281º CPC, o ato cuja omissão tenha estado na origem da paragem do processo. (…) Conseguida a finalidade compulsória, a subordinação do processo civil à função da realização dos direitos materiais (sempre frustrada quando, em vez dela, o processo desemboca numa decisão meramente processual) impõe que o ato seja aproveitado e o processo prossiga [7: “José Lebre de Freitas, “Da Nulidade da Declaração de Deserção da Instância sem Precedência de Advertência à Parte”, Revista da Ordem dos Advogados, I-II 2018, p.194, nota (11) igualmente disponível in (…)]”.

Ou, como afirma Paulo Ramos de Faria [8: Paulo Ramos Faria, “O Julgamento da Deserção da Instancia Declarativa, Breve Roteiro Jurisprudencial”, p. 15, embora sustentando um entendimento oposto quanto à questão aqui colocada, considerando de que, após a ocorrência da deserção e antes de ser ela judicialmente reconhecida, os atos espontaneamente praticados pelas partes são potencialmente desprovidos do seu efeito jurídico processual típico, não sendo idóneos a impedir o julgamento de deserção da instancia. Aceita contudo que, se após o preenchimento dos pressupostos constitutivos da deserção, o tribunal praticar atos, como que pressupondo a subsistência da relação jurídica processual, poderá ficar impedido de, oficiosamente, declarar extinta a instancia com base naquela concreta paragem – pp. 14-15, Julgar on line – 2015 (…)], “ao sistema estadual repugna a paragem negligente dos termos do processo, mas também repugna a extinção deste, quando ainda é útil, com o consequente aproveitamento de toda a atividade processual pretérita, obrigando (desnecessariamente) a que nova demanda seja instaurada”.

Face ao seu claro escopo compulsório e sendo útil para estimular a atividade das partes, se, por via desta “ameaça”, a parte sobre a qual recai o ónus do impulso processual acaba por praticar o ato em falta, cumprido está o objetivo do instituto da deserção, estando alheio ao mesmo qualquer carater sancionatório a impor, ainda assim, a extinção da ação por deserção, obrigando a parte a propor uma nova ação com a sequente inutilização de todo o processado.

Concluímos, assim que, enquanto não for proferida decisão a declarar a deserção da instância, e ainda que nesse momento já se encontrassem reunidas as condições para tal declaração, é lícito às partes promoverem o seguimento do processo praticando os atos em falta.”. [bold nosso]

Subjacente a este entendimento encontra-se a tese da natureza constitutiva da declaração de deserção, a qual se afigura de acolher, por ser aquela que melhor se compatibiliza com o regime vigente, uma vez que, nas sugestivas palavras do acórdão cuja fundamentação que se acaba de transcrever, “[a] eliminação da previsão da interrupção da instância pela falta de impulso processual de uma parte implica que o juízo de valor que, ao abrigo do anterior Código, era efetuado no despacho a declarar interrompida a instância, foi agora transferido para o despacho que reconhecer a verificação da deserção”.

Considera-se, assim, que, uma vez que o regime do n.º 1 do art. 281.º do CPC funciona ope judicis, e não ope legis (cfr., por exemplo, o acórdão deste Supremo Tribunal de 24/05/2022, proc. n.º 31/13.0TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt), a necessidade de declaração judicial para apreciar da verificação dos pressupostos da norma (decurso do tempo e negligência da parte a quem cabe o impulso processual), bem como o respeito pela finalidade compulsória (e não sancionatória) do instituto da deserção da instância, melhor se coadugnam com a tese segundo a qual o impulso processual realizado antes da declaração judicial de deserção permite obstar à extinção da instância.

Deste modo, perante a regulamentação da deserção na reforma processual de 2013, e na linha do propugnado por José Lebre de Freitas (“Da nulidade da declaração de deserção da Instância sem precedência de advertência à parte”, in Revista da Ordem dos Advogados, 2018, Vols. I-II, pág. 194, nota 11), retoma actualidade o ensinamento de José Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1946, págs. 439-440):

“A deserção não se produz automaticamente, ‘ope legis’; depende de acto do juiz, produz-se ‘ope judicis’, visto que demanda uma sentença de declaração. Suponhamos então que, tendo passado o lapso de tempo marcado no artigo 296.º, uma das partes dá impulso ao processo antes de o juiz ter declarado a deserção; deverá o tribunal considerar deserta a instância, não obstante o impulso referido, ou ficará, pelo contrário, inutilizado o efeito da inércia durante o período legalmente necessário para se operar a deserção?

Entendemos que a inércia fica sem efeito e que deve admitir-se o seguimento do processo.

Atenda-se, por um lado, a que o efeito da inactividade das partes não se produz ‘ipso jure’. A nossa lei não declara, como declarava o Código italiano de 1865, que a deserção opera de direito os seus efeitos; pelo contrário, segundo o artigo 296.º, não basta o facto da inércia, é necessária uma sentença de extinção.

(…)

Enquanto a instância não for declarada extinta, as partes podem dar impulso ao processo, pouco importando que tenha estado parado durante mais de seis anos”.

Sendo que, na pág. 444, o autor acrescenta o seguinte:

“A deserção não se produz de direito, posto que deva ser declarada oficiosamente; depende de acto do juiz, produz-se ‘ope judicis’. A sentença de deserção tem, pois, alcance constitutivo. Enquanto não for proferida, é lícito às partes promover utilmente o seguimento do processo.”.

Aplicando esta orientação ao caso dos autos, considera-se que, diversamente do entendimento do acórdão recorrido, o requerimento de 03/07/2024, apresentado pela autora após o decurso do prazo previsto no n.º 1 do art. 281.º do CPC, mas antes de a declaração judicial de deserção ter sido proferida, obsta à extinção da instância.

Conclui-se, assim, pela procedência da pretensão da recorrente.

V – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando-se o acórdão recorrido e determinando-se o prosseguimento dos autos no Tribunal da 1.ª Instância, para julgamento da habilitação de herdeiros aí requerida pela recorrente, bem como o prosseguimento dos ulteriores termos da acção principal.

Custas pelos recorridos

Lisboa, 23 de Outubro de 2025

Maria da Graça Trigo (relatora)

Isabel Salgado

Ana Paula Lobo