Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | ROQUE NOGUEIRA | ||
Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO BEM IMÓVEL HIPOTECA VENDA JUDICIAL CADUCIDADE ACÇÃO EXECUTIVA AÇÃO EXECUTIVA | ||
Data do Acordão: | 02/15/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DE REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES / HIPOTECA / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / REALIZAÇÃO COACTIVA DA PRESTAÇÃO / ACÇÃO DE CUMPRIMENTO E EXECUÇÃO / CONTRATOS EM ESPECIAL / LOCAÇÃO / RESOLUÇÃO E CADUCIDADE DO CONTRATO / RESOLUÇÃO / TRANSMISSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL. | ||
Doutrina: | -A. Luís Gonçalves, RDES, Ano XXXX – XII da 2ª série, n.º1, p. 98; -Ana Carolina S. Sequeira, A Extinção De Direitos Por Venda Executiva, Garantias das Obrigações, p. 23 e 43; -Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, Volume I, 4.ª Edição, p. 837; -Henrique Mesquita, RLJ, 127.º, p. 223; -M. Isabel H. Menéres Campos, Da Hipoteca, Caracterização, Constituição e Efeitos, p. 232 e ss.; -Oliveira Ascenção, ROA, n.º 45, p. 363 e ss.; -Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, p. 321. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 695.º, 819.º, 824.º, N.º 2, 1051.º, ALÍNEA C) E 1057.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 07-12-1995, IN WWW.DGSI.PT; - DE 02-02-1998, IN BMJ, 482.º, P. 224; - DE 29-10-1998, IN WWW.DGSI.PT; - DE 03-12-1998, IN WWW.DGSI.PT; - DE 06-07-2000, IN CJ, ANO VIII, TOMO II, P.150, IN WWW.DGSI.PT; - DE 09-10-2003, IN WWW.DGSI.PT; - DE 20-11-2003, IN WWW.DGSI.PT; - DE 19-01-2004, IN WWW.DGSI.PT; - DE 20-09-2005, IN CJ, ANO XIII, TOMO III, P. 29, IN WWW.DGSI.PT; - DE 31-10-2006, IN WWW.DGSI.PT; - DE 27-03-2007, CJ, ANO XV, TOMO I, 146, IN WWW.DGSI.PT; - DE 17-04-2007, IN WWW.DGSI.PT; - DE 15-11-2007, IN WWW.DGSI.PT; - DE 05-02-2009; IN WWW.DGSI.PT; - DE 27-05-2010; PROCESSO N.º 5425/03.7TBSXL.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 19-05-2011; IN WWW.DGSI.PT; - DE 08-05-2013, PROCESSO N.º 9304.6YYPRT-A.P1.S1; - DE 16-09-2014, IN CJ, ANO XXII, TOMO III, P. 43, IN WWW.DGSI.PT; - DE 09-07-2015; IN WWW.DGSI.PT; - DE 22-10-2015, IN WWW.DGSI.PT; - DE 09-01-2018, PROCESSO. N.º 732/11.8TBPDL. | ||
Sumário : | I - O contrato de arrendamento de bem imóvel, com hipoteca registada em data anterior, caduca com a venda judicial, nos termos do art. 824.º, n.º 2, do CC. II - Não obstante o arrendamento não assuma a natureza de um direito real, a tese da não caducidade não é a que melhor responde às exigências de justiça, nem aos interesses teleologicamente detectáveis no art. 824.º, n.º 2, do CC, cuja ratio é a de os bens vendidos judicialmente serem transmitidos livres de quaisquer encargos. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1 – Relatório. Na Secção de Execução da Instância Central da Comarca de Coimbra, AA e BB deduziram embargos de terceiro com função preventiva contra ... Bank, PLC, alegando que, em 1/5/07, o embargante AA celebrou com o então proprietário da fracção «BI», do prédio sito na Avenida ..., CC, um contrato de arrendamento para habitação de duração limitada pelo prazo inicial de 5 anos, com início em 1/9/07 mas renovado até 31/8/17. Mais alegam que, no ano de 2010, teve início a execução contra o referido locador, movida pela exequente DD, que obteve penhora daquela fracção registada a seu favor em 2/3/11, tendo a mesma sido arrematada judicialmente pela ora embargada, que tinha reclamado o seu crédito na execução. Alegam, ainda, que a locação, no caso em apreço, é oponível à execução, sendo que os embargantes são terceiros em relação à acção executiva. Concluem, assim, que a entrega judicial deve respeitar o direito de arrendamento dos embargantes, pelo menos até 31/8/17, impedindo-se o «despejo» destes. Recebidos os embargos, a embargada contestou-os, alegando que o arrendamento invocado pelos embargantes caducou, já que é posterior ao registo de hipoteca, sendo irrelevante o facto de ser anterior à instauração da execução. Conclui, deste modo, pela improcedência dos embargos. Seguidamente, foi proferido despacho saneador, onde se conheceu imediatamente do mérito da causa, julgando-se improcedentes os embargos de terceiro. Inconformados, os embargantes interpuseram recurso per saltum para o STJ. Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir. 2 – Fundamentos. 2.1. Na sentença recorrida consideraram-se provados os seguintes factos: 1° - Em 29.3.2011 foi efectuada a penhora sobre a fracção BI do prédio composto por habitação ...., freguesia e concelho da ..., inscrito na matriz predial urbana sob o art. 2217 e descrito na P CRPredial da ... sob o n.º 1390/20011009 - cfr. certidão e auto de penhora de fls. 28 e ss. da execução. 2° - Encontra-se inscrita e registada hipoteca a favor do ... Bank sobre o prédio descrito em 1. em 19.1.2006 pela Ap. 9 3° - Por contrato de arrendamento celebrado em 1.5.2007, com efeitos a partir de 1.9.2007 os embargantes têm o gozo do prédio descrito em 1. 4° - O credor hipotecário adquiriu o prédio descrito em 1. por venda judicial propostas em carta fechada - cfr. auto de abertura de propostas. 2.2. Os recorrentes rematam as suas alegações com as seguintes conclusões: 1- O contrato de arrendamento é anterior à penhora da fracção locada; 2- O contrato de arrendamento é um direito obrigacional; 3- O direito ao arrendamento em causa nos autos não caducou por efeito da venda, pois a venda judicial não se encontra prevista no art. 1.051º do CC, onde se enuncia de forma típica (em beneficio do arrendatário), os casos em que o arrendamento caduca - e neles não se inclui o da venda judicial de prédio hipotecado, mesmo que o arrematante seja o exequente dotado da garantia da hipoteca e esta registada antes do arrendamento. 4- A enunciação do art. 1.051º do CC é taxativa, o que significa não haver casos de caducidade do arrendamento para além dessa norma legal. 5- O regime de transmissão da posição do locador está perfeitamente definida no art. 1.057º do CC e nela não interfere o nº 2 do art. 824º do CC, que nada tem a ver com o arrendamento, limitando-se o seu âmbito de aplicação aos direitos de garantia e aos demais direitos reais. 6- E, se tal acontece, por exemplo, na venda voluntária, não se vê razão para que não ocorra também na venda forçada, isto é, na venda executiva, não havendo lugar para a aplicação do nº 2 do art. 824º, que, simplesmente, nada tem a ver com o arrendamento. 7- O arrendamento rege-se, nomeadamente no que toca à sua extinção, por caducidade ou outras causas, por um regime próprio e exclusivo, fortemente restritivo, posto ao serviço de um interesse social (a estabilidade da posição do arrendatário, em especial no arrendamento para habitação), pelo que não é legítimo invocar identidade de razões com soluções prescritas para a realização coactiva da prestação e para o processo executivo - sendo vedado ao intérprete lançar mãos da analogia e da interpretação extensiva do art. 824º, nº 2, do CC. 8- Quando o legislador entender, pela ponderação dos interesses em jogo, que a venda executiva de prédio hipotecado deve fazer caducar o arrendamento, aditará esse caso à enumeração do art. 824º, nº 2, do CC. 9- A inoponibilidade do arrendamento à execução só existe se ele foi constituído depois da penhora (art. 819º do CC. conforme reforço da redacção dada pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março). 10- Nada na lei impede o proprietário de um imóvel hipotecado de o alienar ou onerar, como é NULA a convenção que proíba o dono de bem hipotecado de o alienar ou onerar (art. 695.º do CC). 11- Com a hipoteca não cessa o direito nem os poderes legais de administração com base nos quais foi celebrado o contrato de arrendamento [art. 1.051º-c) do CC] pelo que não estamos perante um caso de caducidade de arrendamento. 12- Consequentemente, pelas razões acima referidas, não caducou, antes se mantém válido e eficaz perante o embargado, que assim, como adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato, sucedeu nos direitos e obrigações do locador, conforme o disposto no art. 1.057º do CC. 13- O embargado não teve qualquer prejuízo com a hipoteca, pois preferiu adquirir a fracção, e a eventual diferença para a satisfação do seu crédito irá tentar obter sobre outros bens ou rendimentos do executado devedor. 14- A evolução recente da disciplina arrendatária recupera o carácter limitado do contrato de arrendamento, reconduzindo-se à ideia tradicional de que ao locatário não foi conferido um direito real. 15- De todas as formas, o contrato de arrendamento que o executado fez ao recorrente marido tem carácter temporário, pelo período limitado de cinco anos e renovação nos termos da lei. 16- Está em causa o arrendamento ainda que temporário do recorrente/embargante para a sua habitação própria e do respectivo agregado familiar, 17- Que tem consagração constitucional nos arts 65.º e 67.º da CREP, sendo inconstitucional a douta sentença que interprete os arts. 9.º, 10.º, 11.º, 686.º, 695.º, 819.º, 824.º, 1022.º, 1051.º, 1057.º do CC no sentido da caducidade do arrendamento em causa com a venda judicial de bem hipotecado, quando o contrato de arrendamento foi celebrado antes da penhora do locado. 18- O recorrente considera que foram violados, entre outros, as seguintes disposições legais: arts 65.º e 67.º da CREP e arts 9.º, 10.º, 11.º, 686.º, 695.º, 819.º, 824.º, 1022.º, 1051.º, 1057.º do CC 19- Segundo o entendimento do recorrente, as normas referidas no ponto anterior deviam ter sido interpretadas e aplicadas de acordo com os pontos 1 a 15 destas conclusões. 2.3. A única questão que importa apreciar no presente recurso consiste em saber se o contrato de arrendamento invocado pelos embargantes, ora recorrentes, e que recaiu sobre o bem hipotecado, caducou ou não pela venda judicial, por força do disposto no nº2, do art.824º, do C.Civil. Como se diz no Acórdão do STJ, de 22/10/15, in www.dgsi.pt, o Supremo, preocupado sobretudo com a dimensão real do arrendamento, vem decidindo, uniformemente, que, com a venda judicial de um imóvel hipotecado que tenha sido dado de arrendamento a terceiro após o registo da referida hipoteca, caduca o direito do respectivo locatário, nos termos do citado artigo. Na verdade, até cerca do ano de 2007, o STJ encontrava-se dividido quanto a essa questão, embora maioritariamente se inclinasse no sentido da caducidade do arrendamento celebrado nas circunstâncias atrás referidas. Assim, durante esse período, defendeu-se tal caducidade, designadamente, nos Acórdãos do STJ, de 29/10/98, 3/12/98, 6/7/00, 20/11/03, 9/10/03, 31/10/06 e 15/11/07 (todos disponíveis in www.dgsi.pt, excepto o de 6/7/00, este in CJ, Ano VIII, tomo II, 150). A não caducidade foi sustentada, nomeadamente, nos Acórdãos do STJ, de 7/12/95, 19/1/04, 20/9/05, 27/3/07 e 17/4/07 (todos disponíveis in www.dgsi.pt, excepto os de 20/9/05 e 27/3/07, estes in CJ, Ano XIII, tomo III, 29 e Ano XV, tomo I, 146, respectivamente). A partir de 2007, a jurisprudência encontrada do STJ sobre a questão em análise é, uniformemente, no sentido da caducidade do arrendamento (cfr. os Acórdãos do STJ, de 5/2/09, 27/5/10, 19/5/11, 16/9/14, 9/7/15, 22/10/15 e 9/1/18, este último ainda inédito, proferido no proc. nº732/11.8TBPDL, subscrito como adjunto pelo ora relator). Tem sido, também, neste último sentido o entendimento geral da doutrina (cfr. Oliveira Ascenção, in ROA, nº45, 363 e segs., Henrique Mesquita, in RLJ, 127º, 223, Romano Martinez, in «Da Cessação do Contrato», pág.321, A. Luís Gonçalves, in RDES, Ano XXXX – XII da 2ª série – nº1, pág.98, e Ana Carolina Sequeira, «A Extinção de Direitos por Venda Executiva», in «Garantias das Obrigações», págs.23 e 43). Por nossa parte, não vemos razões substanciais para divergir do entendimento que vem sendo seguido pela doutrina e pela jurisprudência, com base, fundamentalmente, nos argumentos aduzidos no atrás citado Acórdão do STJ, de 16/9/14, in CJ, Ano XXII, tomo III, 43. Deste modo, não obstante se entender que o arrendamento não assume a natureza de um direito real, a tese da não caducidade não é a que melhor responde às exigências de justiça, nem aos interesses teleologicamente detectáveis no art.824º, nº2, do C.Civil, cuja ratio é a de os bens vendidos judicialmente serem transmitidos livres de quaisquer encargos. Concorda-se, pois, em geral, com o exarado no citado Acórdão do STJ, de 16/9/14, quando aí se refere: «Assim sendo, ter-se-á por afastada a taxatividade das causas de caducidade do contrato de arrendamento com assento no art.1051º C. Civil, considerando que o mesmo também pode caducar, entre outras causas – atente-se, v.g., no caso de impossibilidade da prestação (art.795º CC), como apreciado no ac. desta Conferência de 08/5/2013 – proc.9304.6YYPRT-A.P1.S1) – por via da aplicação do art.824º-2 citado, bem como a regra emptio non tolli locatum, que o art.1057º, também do C.Civil, acolhe ao prever, ipso jure, a transmissão da posição jurídica do locador para o novo adquirente quando se transmita o bem com base no qual foi celebrado o contrato, inaplicável em caso de venda executiva. A hipoteca, não impedindo, embora, o poder de disposição dos bens, mediante alienação ou oneração, faculdades que decorrem da respectiva inoponibilidade ao credor hipotecário, na medida em que este goza da preferência que lhe é concedida pela prioridade do registo, não deixa de produzir limitações de vária ordem ao direito de propriedade do hipotecador a quem fica vedado praticar livremente actos que ponham em causa o valor da coisa hipotecada, estando limitado aos actos que caibam nos poderes de administração ordinária – arts.686º, 695º, 700º e 701º C.Civil (vd. M. Isabel H. Menéres Campos, «Da Hipoteca – Caracterização, Constituição e Efeitos», 232 e segs.). A finalidade da hipoteca é, lembra-se, a garantia de um crédito em que o valor do imóvel é elemento fundamental na atribuição do empréstimo e na determinação do respectivo quantitativo, sendo que, como refere na obra acabada de citar, «as instituições de crédito, aquando da concessão, avaliam fundamentalmente o valor que, na venda em execução, pode alcançar o imóvel, e não há dúvidas que um dos factores que pode influir nesta avaliação é a situação arrendatícia da coisa. Um prédio arrendado tem um valor, um prédio devoluto tem outro. Se o prédio está arrendado, o credor hipotecário não pode desconhecer esse facto, pelo que o mesmo é-lhe oponível. Pelo contrário, se a coisa que se hipoteca está livre, a existência de um arrendamento posterior coloca a difícil questão de harmonizar os distintos interesses em jogo (…)», o do proprietário, o do arrendatário e o do credor que se vê confrontado com uma desvalorização do imóvel decorrente do, entretanto celebrado sem a sua intervenção e vontade, arrendamento que, por sua vez, o arrendatário sabe ou pode saber (desde logo pela publicidade registral) ter por objecto bem hipotecado sujeito a execução. Por isso, como se escreve na mesma obra (pg. 242), citando A. Luís Gonçalves (“Arrendamento de prédio hipotecado. Caducidade do arrendamento”, RDES, ano XXXX (XII, da 2ª Série), nº1, pg.98) e Henrique Mesquita (RLJ, A.127º, 223), o contrato de arrendamento “na medida em que sujeita o bem arrendado a uma situação fora da disponibilidade do proprietário devido ao seu carácter vinculístico, traduz-se num verdadeiro ónus e, como tal, deve estar sujeito à extinção por força da venda executiva. O arrendamento de que o senhorio não possa libertar-se a breve prazo é um ónus, não podendo sobrepor-se à hipoteca, porquanto origina a degradação do valor dado em garantia”. Assim, por via da falada interpretação teleológica e com base em argumentos de analogia ou semelhança das situações de facto e consequências práticas, designadamente de natureza sócio-económica, que não, necessariamente, no sentido técnico-jurídico da integração de lacuna – art.10º-1 CCivil; cfr. ac. STJ de 27/5/10-Proc.5425/03.7TBSXL.S1 – deverá entender-se que “a referida norma do art.824º se aplica a todos os direitos de gozo, quer de natureza real quer pessoal, de que a coisa vendida seja objecto e que produzam efeitos em relação a terceiros. É que o arrendamento, dada a sua eficácia em relação a terceiros, deve ser para este efeito equiparado a um direito real. De outra forma, pôr-se-ia em causa o escopo da lei, de que a venda em execução se faça pelo melhor preço possível”. Não se trata, portanto, de estender, por via analógica, o efeito extintivo previsto no art.824º-2 a direitos de crédito, naturalmente de eficácia relativa e, nessa medida, inoponíveis a terceiros, mas apenas de considerar aplicável esse efeito a direitos não reais relativamente aos quais, pela sua especificidade, “possam proceder as mesmas razões justificativas da extinção” (Ana Carolina S. Sequeira, “A Extinção De Direitos Por Venda Executiva”, in “Garantias das Obrigações”, 23 e 43). Sairá, assim, objectivamente penalizado o arrendatário, mas não pode esquecer-se que, como acima já notado, no jogo de interesses em confronto, fará menos sentido protegê-lo, em detrimento do credor hipotecário, tendo em consideração que ele não ignorava ou não devia ignorar a hipoteca que onerava o bem locado (vd. ac.STJ, de 02/02/98, BMJ, 482º-224)». No caso dos autos, sendo o arrendamento posterior ao registo da hipoteca, não pode deixar de considerar-se que caducou, automaticamente, por aplicação do citado art.824º, nº2, com a venda do imóvel arrendado na acção executiva. Aliás, sempre tal contrato teria caducado em 31/8/17, pelo decurso do prazo estipulado, se, como alegam os recorrentes, o mesmo tiver sido renovado até àquela data (cfr. a al.a), do art.1051º, do C.Civil). Refira-se, por último, que não se descortina a violação de qualquer preceito constitucional, nomeadamente, do disposto nos arts.65º e 67º, da CRP, citados pelos recorrentes, mas sem que tenham aduzido fundamentação nesse sentido. De todo o modo, sempre se dirá que, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa, Anotada, vol.I, 4ª ed., pág.837, em anotação ao citado art.65º, «Os titulares passivos do direito à habitação, como direito social, são primacialmente o Estado e as demais colectividades públicas territoriais e não principalmente os proprietários e senhorios». Haverá, assim, que concluir que o contrato de arrendamento invocado pelos embargantes, ora recorrentes, e que recaiu sobre o bem hipotecado, caducou pela venda judicial, por força do disposto no nº2, do art.824º, do C.Civil. Improcedem, pois, as conclusões da alegação dos recorrentes, pelo que deverá manter-se a decisão que julgou improcedentes os embargos de terceiros. 3 – Decisão. Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso de revista, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pelos recorrentes. |